Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02648/08
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/23/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
IRC.
TRANSMISSÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. DEFERIMENTO TÁCITO E TEMPESTIVIDADE DA SUA REVOGAÇÃO. ILEGALIDADE DO ACTO DE INDEFERIMENTO EXPRESSO. VIOLAÇÃO DO Nº 5 DO ARTº 60º DA LGT.
Sumário:I) -Não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo pelo que, para aferir da validade da fundamentação do acto, o que se impõe é fazer a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
II) -Resultando da análise dos elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, que a fundamentação neles contida é clara e congruente e permite à destinatária a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente, manifestamente que existe fundamentação formal não ocorrendo a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, dos artºs. 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2, al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo e 77º da LGT.
III) –Tendo a questão do indeferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais face ao deferimento do pedido efectuado para efeitos de concessão do benefício previsto no DL 404/90, de 21 de Dezembro sido abordada no conjunto dos fundamentos invocados, saber se colhem ou se são erradas as razões invocada é matéria que vai para além da formalidade da fundamentação, entrando já no domínio da substância da decisão.
IV) -E também não ocorre na fundamentação do acto em análise a incongruência que lhe é sacada na p.i. já que, também aí, está em causa a fundamentação substancial porquanto, ainda que se haja incongruência quando se refere, por um lado, que o prazo para o deferimento tácito se iniciou em 7.2.2005 e terminou em 7.8.2005, referindo-se, mais adiante, que o processo só ficou completo em 6.3.2006, o certo é que o deferimento tácito ocorreu segundo os parâmetros legais, de nada valendo, quanto a isso, as incongruências manifestadas pela AT na sua apreciação.
V) - A Administração tem o dever de decisão face às petições que lhe forem apresentadas pelos particulares e para as quais disponha de competência para o efeito;
VI) - Não acatando esse dever, tem o particular o direito de considerar indeferida para efeitos de recorrer aos meios impugnatórios, a pretensão que lhe tenha solicitado;
VII) -Todavia, nos casos expressamente previstos na lei, o silêncio da Administração confere ao particular, o direito de considerar deferida a pretensão formulada sobre matéria da competência dessa entidade decidente;
VIII) -Se no decurso do prazo do procedimento a lei vem fixar um prazo mais alargado para ocorrer o deferimento tácito, este novo prazo é também aplicado aos prazos que então se encontravam em curso.
IX) -Mas se no decurso do mesmo procedimento, a lei vem exigir mais um novo pressuposto para que tal deferimento tácito tenha lugar, então neste caso, este novo pressuposto não constitui exigência meramente procedimental mas substantiva, e só é exigível aos procedimentos iniciados depois da sua entrada em vigor;
XI) -Produzido o deferimento tácito de benefício fiscal, o posterior acto expresso contrário àquele, é dele revogatório e pode ser proferido se o acto tácito for ilegal e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso (art.º 141.º do CPA);
XII) -Mas se o acto tácito de deferimento for legal, por no caso se encontrarem reunidos todos os requisitos legais vinculados de que a lei faz depender a prolação de acto expresso de deferimento, então o posterior acto expresso de sentido contrário, é ilegal por erro nos seus pressupostos, gerador de violação de lei, sendo de o anular e neste caso, de declarar legal e válido o anterior acto de deferimento tácito;
XIII) -E, tendo-se o deferimento tácito formado em 7.8.2005, a sua revogação foi legal porque efectuada dentro do respectivo prazo legal, não colhendo sobre essa questão a argumentação sustentada na p.i. na medida em que, como é pacífico, a notificação dos actos administrativos está ligada à eficácia e não à validade desses actos pelo que, ainda que notificado ao interessado após decurso do prazo para a revogação, não é ilegal, neste contexto, o acto revogatório que tenha sido praticado dentro desse prazo.
XIV) -"Razões económicas válidas" e "inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" são conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração e que, ao contrário do poder discricionário verdadeiro e próprio, como poder de eleger uma de entre várias soluções igualmente válidas, só admitem uma solução justa no caso concreto.
XV) -No preenchimento dos conceitos indeterminados pode existir, ou não, a chamada margem de livre apreciação ou discricionariedade técnica. Tanto a questão de saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração.
XVI) -Nestes casos, o juízo da Administração não pode ser fiscalizado pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.
XVII) -Se é certo que o n° 5 do art. 60° da LGT obriga a AT a “…comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação”, o que acima se disse sobre a formação do acto tácito de deferimento e a inexistência de incongruência na fundamentação que se prendia, ao fim e ao cabo, sobre o erro nos pressupostos, a veracidade ou inveracidade dos motivos aduzidos pela entidade decidente, a existência ou inexistência do mencionado deferimento tácito, retiram o efeito invalidante ao invocado vício de forma, não se podendo afirmar, «in casu», que a decisão recorrida vai para além dos fundamentos constantes do projecto de decisão, como aliás parece reconhecer-se no articulado de defesa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A. - O relatório

1. R........- C................., L.D.A., pessoa colectiva n.° ................ (anteriormente designada R............- Unipessoal, Lda), na qualidade de sociedade incorporante da R.......... II, C........., S.A. (pessoa colectiva n° ...................), com sede na Av. Fontes Pereira de Melo, n° 49, 2° Esq.°, 1050-120, Lisboa, deduziu no TAF de Lisboa a presente acção administrativa especial contra o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tendo em vista obter a anulação do Despacho n° 989/2006 - XVII, de 07/08/2006, de S. Ex.a o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (por delegação de competências) que indeferiu o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais oportunamente apresentado pela ora Recorrente e revogou o acto de indeferimento tácito entretanto ocorrido e que a entidade demandada seja condenada na prática do acto de deferimento do pedido.
Citada a entidade demandada veio a mesma contestar e juntar o processo administrativo.
A Exmº Procurador junto da 1ª Instância, a quem foi feita entrega de cópia da p.i. e dos documentos que a instruem nos termos e para os efeitos do disposto no artº 85º do CPTA, conforme termo de entrega lavrado a fls. 175, tendo aderido à suscitação feita pela entidade demandada na sua contestação, da excepção da incompetência do TAF de Lisboa em razão da hierarquia visto a acção ter sido intentada contra um membro do Governo e o disposto nos artigos 38º, al. b) e 49º, nº 1-IV do ETAF.
Veio a ser declarada a incompetência hierárquica do TAF e afirmada a do TCAS, aos quais os autos foram remetidos.
Nestes, o EPGA pronunciou-se pela procedência da presente acção no parecer exarado a fls. 196 e ss.

Pelo relator foi proferido o despacho saneador de fls. 203 dos autos, no qual se pronunciou pela inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo, havendo que as partes fossem notificadas para alegarem por escrito, havendo aí sustentado o seguinte:

A AUTORA:
1. A fundamentação do Despacho "sub-judice" é contraditória pois tendo considerado, para efeitos do n.s l do artigo 3º do Decreto-Lei nº 404/90, de 21 de Dezembro, que a operação de fusão teve em vista o "reforço da competitividade das empresas ou da respectiva estrutura produtiva", não podia a Administração Tributária, sob pena de incongruência, considerar que a, mesma, operação não foi efectuada por razões económicas válidas.
II. O Despacho "sub-judice" enferma, também, de falta de fundamentação pois não resulta claro do mesmo se, para a Administração Tributária, existiu, ou não, deferimento tácito do pedido de transmissibilidade.
III. A tentativa de justificação apresentada pela Fazenda Pública em sede de contestação constitui uma fundamentação "a posteriori" não podendo, por isso, assumir qualquer relevância jurídica.
IV. Como suficientemente demonstrado pela Autora em sede de petição inicial, a Autora instruiu o processo com todos os documentos previstos na Circular n.e 6/2005 em 29/03/2004 (os restantes elementos solicitados pela Administração Tributária constituíram, apenas, elementos dilatórios sem qualquer utilidade para a decisão da causa) pelo que o requerimento apresentado pela Autora a solicitar a transmissibilidade dos prejuízos fiscais foi tacitamente deferido em 29/09/2005.
V. Ainda que assim se não entendesse, o que apenas por necessidade de raciocínio se admite, senão antes, tal deferimento teria ocorrido pelo menos em 07/02/2005 (6 meses após a resposta ao Ofício nº 002065), pelo que, legalmente, a Administração Tributária apenas o poderia revogar até 07/02/2006.
VI. Assim e tendo a Administração Tributária notificado a Autora de tal revogação em 12/09/2006, dúvidas não restam de que o fez fora do prazo legal.
Mais,
VII. Ainda que se entendesse, como a Administração Tributária, que o acto de deferimento tácito ocorreu em 07/08/2005, a verdade é que a notificação à Autora da decisão proferida no processo apenas ocorreu em 12/09/2006, pelo que até considerando a factualidade admitida pela Administração Tributária no caso em apreço, se teria de concluir pela ilegalidade do Despacho "sub-judice".
VIII. Pois, considerando a ratio subjacente ao artigo 141º do CPA (segurança jurídica), se pretendesse revogar tal acto de deferimento tácito, deveria a Administração Tributária notificar a Autora de tal revogação dentro do ano posterior à formação do acto.
IX. Sendo que, qualquer outro entendimento seria inconstitucional por violação do princípio da confiança ínsito ao Estado de Direito Democrático.
X. Sem prejuízo do vício de forma por falta de fundamentação que tal justificação implica, entende a Autora que constitui erro grosseiro e manifesto, entender-se como a Administração Tributária no caso em apreço, que a mesma operação de fusão que tem como resultado o "reforço da competitividade das empresas ou da respectiva estrutura produtiva" - não foi levada a efeito por razões económicas válidas.
XI. Além do mais, é a própria Fazenda Pública que admite que a operação de fusão em apreço teve em vista "eliminar as empresas que nada comercializam ou produzem ", objectivo (entre outros que subjazem à operação em apreço) que, só por si se teria de considerar como "economicamente válido".
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO AO CASO APLICÁVEIS QUE V.EXA, MERITÍSSIMO (A) JUÍZ, DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE A PRESENTE ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL SER JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA DETERMINANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A ANULAÇÃO DO DESPACHO "SUB-JUDICE", MANTENDO-SE O DEFERIMENTO TÁCITO DO PEDIDO DE TRANSMISSÃO DE PREJUÍZOS, TUDO COM AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

A ENTIDADE DEMANDADA:
A) Uma vez que a fundamentação tem que ser retirada do acto que, em concreto, foi praticado e não de um qualquer outro acto, não se vê como é que a decisão tomada em 24/03/04, deferindo o pedido de isenção dos impostos municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis e de selo, pode ser chamada à colação e contribuir para a apreciação da validade da fundamentação do acto de indeferimento do pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais.
B) Como é evidente, na apreciação da fundamentação de determinado acto, em concreto, não pode ser chamada à colação a fundamentação de um outro acto para, comparando ambas as fundamentações, se tirarem conclusões como aquela a que chegou a ora A.
C) Como resulta da fundamentação que sustenta o acto impugnado, não se antevê que a operação em causa se insira numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, uma vez que, como também resulta provado nos autos, a única finalidade da operação em causa é eliminar as empresas que nada produzem ou comercializam, isto é, a racionalização e eliminação de serviços ou estruturas, sendo que estando-se perante empresas inactivas e derivando os proveitos da A., na sua totalidade, da aplicação do método da equivalência patrimonial, não se vislumbra que a fusão em causa trouxesse benefícios no domínio macro económico, o que é um pressuposto incontornável para a atribuição do benefício constante do art. 69° do CIRC.
D) Deste modo, o deferimento do pedido nos termos do DL 404/90, não importa o reconhecimento, automático, por parte da AT, de que estão preenchidos os pressupostos exigidos pelo art. 69° do CIRC e, assim sendo, tendo presente que os pressupostos de atribuição dos benefícios contemplados nas disposições legais acima mencionadas não são análogos, não só nunca poderia haver qualquer incongruência na fundamentação do acto que indeferiu o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais, formulado ao abrigo do art. 69° do CIRC, como também não ocorre qualquer violação dos princípios da confiança e da boa-fé, não tendo a AT qualquer expectativa, que lhe fosse legítima, de obter o deferimento do seu pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais, unicamente, por, anteriormente, lhe ter sido deferido pedido de isenção de IMT e de selo, nos termos do DL 404/90.
E) Contrariamente ao que a A. invoca, ela não instruiu o processo, em 29/03/04, com todos os elementos necessários à formação da decisão.
No caso, o requerimento apresentado pela A. em 29/03/04, não estava completo, uma vez que a AT teve necessidade de lhe solicitar mais elementos, para obter um perfeito conhecimento jurídico-económico da operação em causa.
F) E o prazo para o deferimento tácito só começa a decorrer quando a AT estiver na posse de todos esses elementos e quando se comprove a inexistência de dívidas fiscais e também à Segurança Social.
G) Pelo que, está correcto o facto de a AT ter considerado que o prazo para o deferimento tácito, no caso da A., só podia começar a correr após o processo estar instruído com as certidões comprovativas da inexistência de dívidas à segurança social das três sociedades envolvidas na fusão, logo, como a A. também o admite, o prazo de 6 meses para a formação do deferimento, no mínimo, só poderia começar a correr após 07/02/05.
H) Por outro lado, ainda que tivesse ocorrido o deferimento tácito em 07/08/05, a revogação sempre teria sido efectuada dentro do prazo legal de revogação de actos inválidos, constante do art. 141° do CPA.
l) O acto de revogação do deferimento tácito é um verdadeiro acto administrativo que não necessita do requisito da notificação para se mostrar válido e, como tal, ele só podia ter ocorrido em 07/08/06, data em que é proferido o acto definitivo, pela entidade competente — SEAF, que regula a situação jurídica da A.
J) É, assim, a data da prolação do acto revogatório, e não a data da respectiva notificação, que importa considerar para avaliar se a revogação ocorreu, ou não, em prazo.
L) A tese da A., de que é a data da notificação que releva para esse efeito, não tem na letra do art. 141° do CPA, um mínimo de correspondência verbal, logo, não deve ser admitida sob pena de violação do art. 9° n° 2 do Código Civil. Ao que acresce que, no caso, a notificação é mera condição de eficácia do acto.
M) Finalmente, saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie.
N) Pelo que, o juízo emitido pela AT, de considerar que a operação não foi efectuada por razões económicas válidas, não é, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, sindicável pelo Tribunal.
O) No caso, o acto de indeferimento do pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais, não enferma de qualquer erro grosseiro, mostrando-se adequado ao fim legal.
P) Uma vez que, as operações efectuadas porque só visaram eliminar as empresas que nada comercializam ou produzem e o aproveitamento fiscal que se consubstancia na dedução de prejuízos fiscais que acumularam ao longo dos anos, não se inserem numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exa., deve dar-se como fundada a matéria da impugnação, julgando-se improcedente, por não provada, a acção absolvendo-se a entidade demandada do pedido, com todas as legais consequências.
Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.
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B. A fundamentação.

2. A questão decidenda.
São as seguintes as questões a decidir: Se há falta de fundamentação; se foram violados os princípios da boa fé e da segurança jurídica; se no caso se formou acto tácito de deferimento sobre o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais das Sucursais e se foi tempestiva a sua revogação; e tendo-se formado, se o mesmo é ilegal, como tal podendo ser revogado por posterior acto expresso e se ocorre a violação do nº 5 do artº 60º da LGT.

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3. A matéria de facto.

Com relevo para a apreciação do mérito da acção, pelos documentos e processo administrativo juntos e articulação das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade:
1. - A Autora é uma empresa que se dedica ao comércio de artigos de uso pessoal, designadamente, de vestuário, calçado, marroquinarias, artigos em pele e couro, a retalho ou por grosso.
2. - Em 25 de Fevereiro de 2004, mediante escritura pública outorgada no ..º Cartório Notarial de Lisboa, a Autora incorporou, mediante fusão, as sociedades: (i) "R......... Sul — Confecções e Utilidades, Lda" — pessoa colectiva n.° ............. e; (ii) "R......... III - Boutique, S.A." - pessoa colectiva n.° ............ - cfr. doc. de fls 47 e ss junto com o requerimento para utilização de prejuízos fiscais.
3. - Nos termos da citada operação de fusão, foram as sociedades "R........... Sul - Confecções e Utilidades, Lda" e "R............ III - Boutique, S.A." incorporadas na ora Recorrente, mediante a transferência global do património e de todos os direitos e obrigações.
4. -Da referida fusão não resultou qualquer alteração do capital social da ora Recorrente, que manteve o seu capital em Euros 100.000,00 (cem mil Euros), bem como a forma jurídica de sociedade anónima.
5. - À data da fusão, as sociedades incorporadas eram detidas, directa e indirectamente, pela ora Recorrente, dado que, por um lado, a R............. II -Confecções e Utilidades, S.A. detinha, directamente, a totalidade das acções da R........ III - Boutique, S.A. e, por outro lado, detinha, directa e indirectamente, a totalidade das acções da R.......... Sul - Confecções e Utilidades, Lda uma vez que era titular de 24% do capital social desta sociedade e a R............ III - Boutique, S.A., por seu turno, era titular de 74% do capital social daquela mesma sociedade.
6. -As sociedades intervenientes na operação de fusão dedicavam-se a actividades no mesmo sector de comércio de artigos de uso pessoal, designadamente, de vestuário e calçado, marroquinarias, artigos em pele e couro, a retalho ou por grosso.
7. -Nestes termos, e em consequência da fusão, a sociedade incorporante -ora Recorrente - manteve inalterado o seu objecto social, passando a actividade antes prosseguida, autonomamente, pelas sociedades incorporadas, até à data da produção dos efeitos da fusão, a ser desenvolvida, exclusivamente, pela ora Recorrente.
8. - Em decorrência da operação acima descrita as sociedades incorporadas R.......... Sul -Confecções e Utilidades, Lda e R............. III — Boutique, S.A. - cessaram a sua actividade, com efeitos contabilísticos e fiscais, em sede de IRC, reportados a l de Março de 2003.
9. -Tendo, em consequência, sido entregues as respectivas Declarações de cessação de actividade no dia 27 de Fevereiro de 2004, no ..° Bairro Fiscal de Lisboa.
10. -A fusão então formalizada integrou-se num processo de reestruturação do Grupo I.......... - que, em Portugal, é constituído pelas empresas Z...... -Confecções Unipessoal, Lda, P.... & B...- Confecções, Lda, K......... - Confecções Lda, B....... - Confecções, Soc. Unipessoal, Lda, S.............. - Confecções Unipessoal Lda, O........ - Confecções Unipessoal Lda e Z............ - Artigos e Utilidades para o Lar Unipessoal, Lda .
11. - O processo de reorganização empresarial subjacente ao despacho "sub-judice" e acima referido, foi objecto de Requerimento dirigido ao Exmo. Sr. Ministro das Finanças, tendo em vista poder beneficiar, tal operação, dos benefícios fiscais previstos no Decreto-Lei n.° 404/90, de 21 de Dezembro.
12. -Tendo, o mesmo, merecido, por parte do Ministro das Finanças despacho de deferimento expresso - cfr. doc. de fls. 56 e ss que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
13. -Em 29 de Março de 2004, e nos termos do disposto no artigo 69° do CIRC, interpôs, a ora Recorrente, requerimento a solicitar a utilização dos prejuízos fiscais que subsistiam na esfera da R............... III - Boutique, S.A -cfr. doe. de fls. 57 e ss que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
14. -Em 21 de Julho de 2006, e através do Ofício n.° 18476, foi a ora Recorrente notificada do Projecto de decisão de indeferimento do citado requerimento - cfr. doc. de fls. 71 e ss que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
15. -Em 28/07/2006 exerceu a ora Recorrente o Direito de Audição prévia ao mencionado projecto contestando o projecto de decisão - cfr. doc. de fls. 96 e ss que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
16. - Em 12/09/2006 foi a ora Recorrente notificada do Despacho definitivo de indeferimento - cfr. doc. de fls. 48 que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
17. -No mencionado Despacho, fundamenta-se, em síntese, que "a operação apresentada não cumpre a exigência legal, constante no n°2 do artigo 69° do Código do IRC, uma vez que não fica demonstrado que é realizada por razões económicas válidas, e que se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva ".
E, não obstante considere a Administração Fiscal, que o deferimento tácito do requerimento "sub-judice" ocorreu em 07/08/2005, "o mesmo enferma de ilegalidade " pelo que se procede à sua revogação.
Considera, ainda, que, "apesar de ter sido proferido despacho de deferimento para efeitos de isenção de IMT e de Imposto de Selo, bem como emolumentos e outros encargos legais ao abrigo do Dec. Lei 404/90, não se poderá concluir que a operação foi efectuada por razões económicas válidas".
18. - Por escritura pública de fusão datada de 25/02/2004, foi a R............. II - Confecções e Utilidades, S.A. - sociedade originariamente Requerente no âmbito do pedido de dedução dos prejuízos fiscais em causa - incorporada na R........ - Confecções, Lda (ora Autora), assumindo, assim, todos os seus direitos e obrigações - cfr. doc. de fls. 89 e ss que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

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4. O direito.
4.1. Do vício de forma da falta de fundamentação

Estriba a A. tal vício em que, tendo sido deferido o requerimento em que solicitou autorização para usufruir dos benefícios fiscais previstos no DL n° 404/90, de 21 de Dez., não podia a Administração Fiscal indeferir o requerimento para utilização de prejuízos fiscais e em que a decisão do despacho sindicado é contraditória com a decisão contida no deferimento expresso do pedido formulado para efeitos do disposto no DL 404/90.
Ora, tal como salientam a ED e o EPGA, a A. não pode equacionar a questão da fundamentação e aferir o cumprimento dessa formalidade essencial do acto impugnado a partir da fundamentação de um outro acto.
Na verdade, como repetidamente vem sendo referido pela jurisprudência, o vício da falta ou insuficiente fundamentação é de natureza formal e não substancial.
O imperativo da fundamentação do acto tributário, como acto administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de protecção dos administrados, com vista ao efectivo direito ao recurso contencioso, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da actuação administrativa, de maneira a ficar claro porque não se decidiu num sentido e não noutro não se desprezando os critérios de vinculação elencados no regime legal em termos de não prejudicar a compreensão da sua motivação.
Assim, para que o acto cumprisse o dever de fundamentação formal, não bastava que contivesse qualquer declaração fundamentada, antes tal declaração devia consistir num discurso aparentemente capaz de fundar a decisão administrativa.
E para isso, a fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções.
É por demais evidente que da exposição de motivos aduzidos pela entidade decidente ficou a recorrente a saber o porquê de tal decisão já que se esclarecem as razões de facto e de direito que determinaram aquela.
A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.
Para a Autora não foram pela entidade decidente apontados os motivos que em base coerente e credível serviram de suporte do acto de que visam ser fundamento e que o seu destinatário não ficou em condições de entender porque razão a entidade decidente actuou daquela forma e não de outra.
Os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Decorre do exposto que não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (nesse sentido vide Prof. Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», p. 231).
Neste contexto, o que se impõe, a nosso ver é a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Como se disse, impende sobre a Administração a obrigação de fundamentar os seus actos que possam afectar os direitos e os interesses legalmente protegidos do contribuinte sob pena de tais actos serem susceptíveis de anulação.
É entendido na Doutrina e Jurisprudência Portuguesas que a fundamentação há-de ser «a indicação dos factos e das normas jurídicas que a justificam» (Prof. J. Alberto Reis,in vol. V-pag.24).
Ou ainda como diz Henri Capitant, no seu «Vocabulaire Juridique», a «exposição das razões de facto e /ou de direito que determinam... uma decisão».
Ou, também, como diz Prof. Marcelo Caetano, no seu Manual, pág. 477, «a fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta,ou em exprimir os motivos pôr que se resolve de certa maneira, e não de outra».
Constituindo um direito essencial dos administrados a defesa dos seus direitos a qual se traduz, duma banda, na participação activa na fase que conduz à produção do acto administrativo (v. art° 48°, n°s. l e 2 e 268° n° l da CRP) e, doutra, pela possibilidade de recorrer contenciosamente contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios ( art°s- 20° e 268° n° 4 da CRP ) é inquestionável que a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto é de extrema relevância porquanto, face à fundamentação do acto é que se podem verificar a legalidade da actuação e conhecer as razões que determinaram o órgão administrativo.
É que a fundamentação do acto constitui um meio importante para a realização do princípio da verdade material ao obrigar a Administração a aprofundar as razões da sua conduta, a buscar a conformidade completa entre o direito e a realidade na consideração de que a realização do interesse público exige o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei.
As decisões administrativas, quando devidamente fundamentadas, constituirão para os contribuintes não um produto da mera intuição dos seus autores, mas o produto de um juízo lógico de ponderação, facilitando as relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária.
A fundamentação é ainda relevante para a apreciação contenciosa da legalidade do acto pois é face aos motivos determinantes do acto que o interessado poderá decidir mais seguramente sobre a sua conformidade com a lei, facilitando, por essa via, o controle jurisdicional ao possibilitar a verificação da existência ou não de diversos vícios não só os respeitantes à forma, como também ao desvio de poder, a incompetência e a violação de lei, sem descurar a sua extrema utilidade como elemento interpretativo ao permitir o conhecimento da vontade manifestada e do poder que se procurou exercer.
Assim, quando é desconhecido o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do acto deve concluir-se que houve preterição de formalidades legais.
Em consonância com o ponto de vista atrás afirmado e porque no n° 3 do art° 1° do Dec.-Lei n° 256-A/77, de 17 de Junho e agora no artº 125º do CPA, se faz equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto o que vai contra quer o art° 1°, n° l do próprio diploma, quer o art° 268° da Constituição da República, em termos de se considerar preterida uma formalidade essencial, teremos de concluir que o acto recorrido se encontra claramente suportado pelos elementos de facto e de direito como o revela a materialidade que deflui dos autos.
Na verdade, a fundamentação do acto recorrido está vazada em termos claros, suficientes e congruentes sobre o motivo determinante da decisão e, por essa óptica, só haverá falta de fundamentação quando os motivos invocados para se decidir neste ou naquele sentido não permitirem ao respectivo destinatário conhecer qual a razão de ser, de facto e de direito, da decisão.
Ora, no caso vertente, entende-se que o despacho impugnado se mostra devidamente fundamentado, de facto e de direito, permitindo a um normal destinatário apreender qual a razão de ser do questionado indeferimento.
A própria questão do indeferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais face ao deferimento do pedido efectuado para efeitos de concessão do benefício previsto no DL 404/90, de 21 de Dezembro não deixa de ser abordada no conjunto dos fundamentos invocados.
Saber se colhem ou se são erradas as razões invocada é matéria que vai para além da formalidade da fundamentação, entrando já no domínio da substância da decisão.
Não procede, pois, nesta perspectiva, o invocado vício de forma da falta de fundamentação.
E, contra o que sustenta o EPGA no seu douto parecer, também não ocorre na fundamentação do acto em análise a incongruência desenvolvida nos artgs. 91° a 101° da p.i. já que, também aí, está em causa a fundamentação substancial porquanto, ainda que se haja incongruência quando se refere, por um lado, que o prazo para o deferimento tácito se iniciou em 7.2.2005 e terminou em 7.8.2005 (ponto 6 do despacho, a fls. 49), referindo-se, mais adiante, que o processo só ficou completo em 6.3.2006 (cfr. ponto 12 do despacho, a fls. 51), o certo é que, como se verá adiante, o deferimento tácito ocorreu segundo os parâmetros legais, de nada valendo, quanto a isso, as incongruências manifestadas pela AT na sua apreciação.
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4.2. Da violação dos princípios da boa fé e da segurança jurídica
Também aqui nos valemos, data vénia, do parecer do EPGA pois que, tratando-se, como se tratava, de benefícios fiscais distintos, com procedimentos administrativos igualmente distintos, não viola a boa fé nem a segurança jurídica que em relação aos mesmos tenham sido proferidas distintas decisões.
E inexistindo qualquer decisão ou informação vinculativa relativamente à transmissibilidade dos prejuízos fiscais não podia a A. criar expectativas fundadas e muito menos certezas quanto ao deferimento de um tal pedido.
Improcede, consequentemente, a alegada violação dos princípios da boa fé e da segurança.

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4.3. Do deferimento tácito e da tempestividade da sua revogação
Na senda do Acórdão deste TCA de 03/02/2009, tirado no Recurso nº 2087/07, que, por sua vez, se louva no Acórdão deste TCA de 01-02-2005, tirado no Recurso nº 25/04, numa situação semelhante à dos presentes autos, dir-se-á, com a devida vénia e por uma questão de uniformidade, de economia e de excelência da fundamentação de tais arestos:
“À hoje denominada acção administrativa especial correspondia o anterior recurso contencioso, que aquela veio substituir, tendo contudo o seu objecto sido ampliado, de molde a nela caber não só a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos – cfr. art.ºs 6.º do anterior ETAF e 191.º do CPTA – como também, entre outros, no pedido de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido – art.º 46.º e segs do CPTA – e tendo o prazo geral para a sua dedução sido alargado para três meses – seu art.º 58.º - sendo esta, actualmente, a forma processual para fazer valer em juízo os direitos dos administrados que até então eram efectuados através do dito recurso contencioso.
A reforma sobre a tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais constituiu o fundamento avançado pelo legislador para proceder a vastas e profundas alterações, quer no CIRS, quer no CIRC, na chamada reforma da tributação aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Porém, volvidos que foram pouco mais de seis meses já, de novo, o legislador sentiu necessidade de rever, quer esses mesmos códigos, quer outros diplomas legais como o Estatuto dos Benefícios Fiscais, alteração agora erigida como instrumento de facilitação do conhecimento e interpretação do quadro legal por parte dos sujeitos passivos do imposto tendo procedido à sua republicação integral pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
Só que também aqui os propósitos do legislador nesta matéria não foram duradouros. Com efeito, volvido menos de um mês, já se encontrava de novo, a alterar, entre outros diplomas, o CIRC, em oito dos seus artigos pelo Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.
Conforme consta do preâmbulo deste último Dec-Lei, as preocupações, agora, foram de introduzir no regime de neutralidade fiscal no tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade. E como consta do mesmo preâmbulo, Dá-se a um dos aspectos fulcrais do regime – a transmissibilidade de prejuízos – maior desenvolvimento e prevê-se uma norma de deferimento tácito aplicável nas situações em que não seja proferida decisão no prazo de três meses contados a partir da data da apresentação do requerimento.
Por este último Dec-Lei, aplicável ao caso, tendo em conta a data em que o requerimento a pedir tais benefícios deu entrada na DGCI, a norma do art.º 69.º do CIRC, subordinada à epígrafe, Transmissibilidade dos prejuízos fiscais, tinha a seguinte redacção:
1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos.
3 – O disposto nos números anteriores pode igualmente aplicar-se com as necessárias adaptações, às seguintes operações:
a)...
b)Na entrada de activos, em que é transferido para uma sociedade residente em território português um estabelecimento estável nele situado de uma sociedade residente num estado membro da união Europeia, que preencha as condições estabelecidas no artigo 3.º da Directiva n.º 90/434/CEE, de 23 de Julho, verificando-se em consequência dessa operação, a extinção do estabelecimento estável;
c)...
...
7 – O requerimento referido no n.º1, quando acompanhado dos elementos previstos no n.º2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de três meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
8 – Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.
...
A norma daquele n.º7 veio ainda a ser objecto de nova alteração legislativa pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2003), tendo vindo alargar o prazo para se produzir o deferimento tácito para seis meses.
E a do art.º 47.º, esta na redacção vigente introduzida pelo citado Dec-Lei n.º 198/2001:
1 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
...
É discutida na doutrina a verdadeira natureza do acto tácito - ou acto silente na linguagem da escola Coimbrã - defendendo uns que tal acto é um verdadeiro acto administrativo, constituindo portanto uma conduta voluntária da Administração e outros, que se trata apenas de um mero pressuposto do recurso contencioso, logo não havendo qualquer conduta voluntária (1) e para outros ainda, que se trata de um mero pressuposto de impugnação ou uma mera ficção legal de efeitos exclusivamente processuais ´(2).
Segundo a jurisprudência dominante na 1.ª Secção do STA (reafirmada no acórdão de 28.9.1995, recurso n.º 35 289), a figura do indeferimento representa uma ficção criada pelo legislador com exclusivas finalidades adjectivas: ele não é nem um verdadeiro acto administrativo ficto, mas tão-só um expediente criado com a única finalidade de permitir aos particulares impugnar comportamentos omissivos da Administração (3).
Tendo a lei vindo expressamente tratar tal acto tácito em algumas das suas manifestações, reconhecendo-lhe os efeitos de um verdadeiro acto administrativo expresso para alguns fins, a sua verdadeira natureza conceptual deixa aqui de ter interesse bem como a opção por uma ou outra das posições doutrinárias.
Na verdade, as normas dos art.ºs 3.º e 4.º do Dec-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho e 9.º, 108.º e 109.º do CPA, contém a disciplina (ainda que numa sua parte apenas), do acto tácito e a sua relação, quer com a sua impugnação judicial, quer com o acto expresso que vier a ser proferido, onde se poderá concluir que um acto tácito de indeferimento é ilegal, não por existir silêncio da Administração onde a lei lhe impunha acção, mas sim por dever ser deferida a pretensão do interessado quando ela lhe foi indeferida (tacitamente).
A norma do art.º 9.º n.º2 do CPA, no procedimento administrativo, impõe à Administração, face às petições de particulares, um dever de decisão; fora dele, apenas impõe um dever de resposta, tendo assim o legislador utilizado no n.º2 o conceito de decisão, e referindo-se o n.º1 ao dever de pronúncia.
O princípio da decisão aqui vigente carece de ser realçado no sentido de que a Administração profere decisões nos procedimentos que são submetidos à sua apreciação, não lhe sendo lícito agir sobre as situações em causa mediante medidas, operações ou acções materiais (ou técnicas), que não sejam suportadas em anterior acto jurídico.
A formação do acto tácito de deferimento que tem lugar essencialmente no âmbito dos licenciamentos e autorizações – cfr. artº 108º do CPA - consiste na autorização ou aprovação propostas ou requeridas pelo particular e forma-se mediante o silêncio do órgão competente para decidir, durante determinado prazo sem que nada diga.
Trata-se, para todos os efeitos, de um acto administrativo, correspondente àquele que resultaria de a Administração ter decidido expressamente “aprovo” ou “autorizo”. Ou seja, noutra perspectiva, o exercício do direito pelo requerente fica, a partir daí, administrativamente descondicionado (mesmo não havendo acto expresso descondicionante).
Não nos parecem muito significantes as diferenças entre as duas concepções ou perspectivas referidas, garantindo-se em ambos os casos uma tutela directa da posição ou pretensão substantiva do particular, que é, afinal, o que se pretende.
Ele pode, na verdade, exigir do órgão requerido – e de terceiros – o respeito pelo acto praticado ou produzido, isto é, a atribuição e o reconhecimento dos efeitos jurídicos consequentes dessa aprovação ou autorização: pode, nomeadamente, exigir que lhe sejam passadas certidões respeitantes à produção do acto tácito os as licenças de execução que ele implica. Por outro lado, se o órgão requerido quiser indeferir a pretensão formulada, depois de formulado o deferimento tácito, tal acto é uma revogação de um anterior acto constitutivo – tanto, nos casos de procedimentos particulares como nos procedimentos públicos -, só podendo, portanto, ocorrer com fundamento em ilegalidade e dentro do prazo previsto na lei, para o efeito.
E no caso de a Administração adoptar um comportamento que consubstancie uma denegação (ilegal) do acto de deferimento tácito, ao particular é permitido socorrer-se da acção para o reconhecimento de direito ou interesse legítimo (…), que, nesta circunstância, se prefigura como meio processual idóneo e adequado para assegurar a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa, pondo fim a todas as dúvidas sobre a sua titularidade.
Assinala-se também que há domínios onde não é admissível tirar da configuração legal do acto de deferimento tácito como acto administrativo, todas as implicações que dogmaticamente ele comporta, mas só por se lhe oporem interesses juridicamente muito mais poderosos: assim, por exemplo, o deferimento expresso posterior à produção do acto de deferimento tácito, sendo embora acto confirmativo deste, é passível de recurso contencioso, se os contra-interessados não tomaram conhecimento da formação do acto tácito – como aliás acontece, embora provavelmente com nuances, em relação ao comum dos actos confirmativos.
...
Embora com esta figura não se pretenda tutelar ex lege uma situação ou posição jurídico-substantiva do particular, como acontecia no caso do deferimento tácito, ela visa, ainda assim, a protecção de interesses seus. A tutela do interesse do requerente projecta-se aqui, porém, apenas num plano instrumental (ou reactivo): a falta de decisão administrativa não corresponde a um “indefiro” que estivesse escrito no acto, ou seja, à denegação da pretensão formulada, não tem os mesmos efeitos desse “indefiro”, mas permite ao requerente presumi-lo, para assim poder obter, em sede de impugnação, uma decisão correctiva daquela que faltou.
Enquanto nos casos do art.º 108.º haveria sempre um acto administrativo com os seus efeitos normais e plenos, já no indeferimento tácito só se presume a existência de um acto para efeitos de exercício do respectivo meio de impugnação: é, pois, uma faculdade dada ao requerente de presumir a existência de um indeferimento para, ao menos assim, poder suscitar a tomada de decisões administrativas ou contenciosas, que supram a falta de decisão administrativa primária...
Se, pelo contrário, o interessado opta por não presumir indeferida (tacitamente) a sua pretensão, então deve entender-se que a Administração está (ainda) constituída no dever de decidir, não havendo, portanto, lugar à extinção do procedimento, ao contrário do que sugere a inserção do indeferimento tácito (com esta configuração) nesta Secção do Código (5)...
Além da revogação por inconveniência dos actos válidos, há, portanto, também, a revogação por ilegalidade ou invalidade, isto é (a revogação anulatória ou ) a anulação administrativa do acto ilegal: os actos feridos de invalidade são anuláveis pela Administração, mediante acto administrativo.
...
A redacção do preceito do n.º1 sugere que os actos inválidos só são revogáveis por invalidade – e os AA. do Projecto justificam a solução (ob. cit., pág. 217) por “não fazer sentido invocar a inconveniência (se) o acto constitui um modo ilícito de prosseguir o interesse público”.
Quando se conhece e tem a certeza sobre a invalidade do acto, claro, a solução legal é a única admissível. Mas pode suceder que a invalidade passe desapercebida ...e se revogue o acto inválido pela sua inconveniência para o interesse público, ignorando estar ele afectado de ilegalidade. Face ao art.º 141.º, n.º1, isso seria ilegal, o que pode não ser nada razoável, como esclarece Vieira de Andrade.
Estando a ilegalidade do acto revelada e acertada no procedimento da sua revogação anulatória, então, sim, a proibição de o revogar por inconveniência compreende-se, até para evitar que a Administração retirasse os seus efeitos ex nunc, apenas para o futuro.
...
A verdade, porém, é que as razões que levaram o legislador a considerar excepcionalmente (no n.º2 do art.º 140.º) a possibilidade de revogação por inconveniência de actos constitutivos de direitos válidos, levariam a que se adoptasse a mesma solução para os casos avançados por aquele administrativista, respeitantes aos actos inválidos desfavoráveis ou com a concordância dos interessados e ainda para a hipótese da má fé destes (pelo menos no encobrimento da ilegalidade) – hipótese que sai reforçada, agora, com o art.º 6.º-A do Código -, casos a demandar, todos, uma consideração especial em matéria da regra da revogabilidade dentro do prazo do recurso (6).... »

No caso vertente, o procedimento iniciou-se após a entrada em vigor da lei que fixou o prazo de seis meses para se operar o deferimento tácito – essa Lei foi a n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2003) e o requerimento deu entrada em 25.02.2004, como consta do ponto 2 do probatório -, é este o prazo aplicável, contado desde o seu termo inicial ou terminus a quo, nos termos do disposto no art.º 297.º n.º2 do Código Civil, no que as partes não se mostram de acordo, pugnando a autora por ser o prazo de três meses para se produzir tal efeito e a entidade demandada por ser o de seis meses, não se encontrando também de acordo quanto à forma de se proceder à respectiva contagem.
Tal como sucedeu no caso tratado no Acórdão cuja fundamentação vimos seguindo, “a ora autora com o seu pedido de transmissão de prejuízos fiscais não entregou todos os documentos necessários para dar a conhecer à AT o perfeito conhecimento da operação visada, tanto nos seus aspectos jurídicos como económicos, como se dispõe na norma do art.º 69.º n.º2 do CIRC, tendo por esse efeito tal prazo apenas se iniciado e começado a correr quando o processo se completou com todos os elementos previstos no seu n.º2, ex vi do n.º7 do mesmo artigo, ainda que nem todos os elementos solicitados pela AT à ora autora possam constituir seus pressupostos e condicionar esse deferimento.
É o caso da certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social, que apenas foi tornado exigível pelo Dec-Lei n.º 229/02, de 31 de Outubro, ao acrescentar ao EBF a norma do art.º 11.º-A, onde tal se exige, a qual apenas deve ser aplicável para os pedidos formulados depois da sua entrada em vigor, já que tal direito da contribuinte foi exercido em data anterior à entrada em vigor da mesma, nos termos do n.º3 do art.º 12.º da LGT. De contrário, se publicadas diversas leis durante o procedimento administrativo com exigências diversas, retardaria excessivamente a formação do acto tácito, frustando as legítimas expectativas dos contribuintes que com que as mesmas não contavam à data em que formularam o respectivo pedido.
Esta interpretação é também a que resultaria da norma do art.º 12.º n.º2 do CC (1.ª parte), já que a nova lei veio dispor sobre um dos requisitos formais necessários para a obtenção de um benefício fiscal em que só se destinará a aplicar aos novos pedidos formulados depois da entrada em vigor da mesma lei. O oposto, seria se a lei abstraísse dos efeitos para que tal certidão devesse ser entregue, em que já se aplicaria a todos os casos ainda não decididos, mesmo que anteriores à data da entrada em vigor dessa lei (2.ª parte do mesmo n.º2 do citado art.º 12.º).
Aliás, a interpretação pretendida pela AT da norma do art.º 11.º-A, mesmo que tal norma fosse de qualificar como de meramente processual, o que não se nos afigura, mas apenas se aceita como mera hipótese de raciocínio, redundaria numa interpretação retroactiva desse preceito, ao exigir-se que a requerente entregasse uma certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social e que tal entrega também se integrasse nos elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, prevista naquele art.º 69.º n.º2 do CIRC, que só mais tarde veio a ser obrigatória, violadora das normas dos art.ºs 12.º da LGT e 12.º do Código Civil, que enunciam que a lei só dispõe para o futuro.
Mas mesmo que tal norma fosse ainda de qualificar como de meramente processual, em todo o caso e para não fazer uma aplicação retroactiva da mesma, então o que haveria a fazer seria de suspender o prazo em curso para se produzir o deferimento tácito, em obediência ao disposto no n.º8 do citado art.º 69.º do CIRC, entre a data que a AT solicitou tal certidão à ora autora e a data em que a mesma a entregou e não como fez a AT que inutilizou todo o prazo decorrido até essa entrega, tendo passado a contar desde então um novo prazo.
E como aqui bem invoca a autora, nem a AT na sua circular 6, de 2.4.2002, da Direcção de Serviços do IRC, indica entre os elementos que devem acompanhar o pedido de transmissibilidade de prejuízos, a referida certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social (nem poderia, porque tal circular será de data anterior à da entrada em vigor da citada norma do art.º 11.º-A, ainda que tal circular seja citada pela AT na informação sobre que recaiu o despacho impugnado).
Com efeito, pode ler-se da mesma quanto aos documentos necessários:
...
a)Cópia do projecto de fusão;
b)Estudo demonstrativo das vantagens económicas da operação de fusão;
c)Cópia do parecer do ROC independente;
d)Cópia do pedido de registo da operação na Conservatória do Registo Comercial competente
e)Informação sobre os lucros previsíveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante para os seis exercícios seguintes ao da operação;
f)Cópia dos balanços e das demonstrações de resultados de todas as sociedades envolvidas na operação referentes aos três exercícios anteriores ao da operação;
g)Cópia dos balanços e das demonstrações de resultados previsionais para os três exercícios seguintes ao da operação da nova sociedade ou da sociedade incorporante.
O disposto nestas alíneas é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos de cisão e de entradas de activos referidos no nº3 do artigo 69º do Código do IRC.
Como bem refere o EPGA no seu douto parecer, “com o requerimento que apresentou em 29.3.2004 entregou a A. todos os elementos que a própria A.F., nas Circulares mencionadas e transcritas no articulado inicial e no articulado de defesa, entendeu como necessárias ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada.
Após a apresentação de tal requerimento a ora A. ainda juntou, em 24.5.2004, cópia da nota demonstrativa da liquidação de IRC, referente ao ano de 1997 (cfr. o processo administrativo em apenso).
Assim, será na data de 24.5.2004 que a meu ver se iniciou a contagem do prazo para o deferimento tácito a que aludia o n° 7 do apontado art. 69° do CIRC, então em vigor.
É certo que a A.F., após aquela data de 24.5.2004, pediu mais elementos à ora A..
Porém, salvo o devido respeito por entendimento diverso, tais elementos vão para além do que as referidas circulares exigiam, não se me afigurando que o legislador tenha querido deixar na disponibilidade da A. F. a definição do termo inicial do prazo para o deferimento tácito, permitindo que através da repetida solicitação de novos elementos fosse possível protelar no tempo o início da contagem daquele prazo.
Note-se que um dos elementos pedidos através do ofício n°........., de 25.1.05, foi o de certidões actualizadas da inexistência de dívidas, elementos esses que haviam sido entregues com o requerimento apresentado em 29.3.2004.
Creio, pois, que se formou deferimento tácito e que o mesmo ocorreu antes de 7.8.2005, pelo que é ilegal a revogação operada pelo despacho impugnado já que o mesmo é proferido em 7.8.2006, ou seja, para além do prazo máximo fixado na lei para a revogação dos actos ilegais (art. 141° do CPA, art. 58° do CPTA e art. 79°, n° 1 da LGT).”
Tendo isso em conta e aplicando o entendimento dos arestos em que nos estamos louvando, resulta que ocorreu a formação de tal acto tácito nesta mesma data de 7.8.2005, em data muito anterior assim, à da prolação do despacho expresso também em causa.
Procede, assim, o fundamento desta acção de ocorrência de deferimento de acto tácito de concessão de dedução de prejuízos.
E, tendo-se o deferimento tácito formado em 7.8.2005, a sua revogação foi legal porque efectuada dentro do respectivo prazo legal, não colhendo sobre essa questão a argumentação sustentada na p.i. na medida em que, como é pacífico, a notificação dos actos administrativos está ligada à eficácia e não à validade desses actos.
Destarte, ainda que notificado ao interessado após decurso do prazo para a revogação, não é ilegal, neste contexto, o acto revogatório que tenha sido praticado dentro desse prazo (cfr., por todos, o douto Ac. do STA de 25-10-2007, in Proc.0664/06).
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4.4. – Da ilegalidade do acto de indeferimento sobre o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais
No ponto, seguiremos a fundamentação do Acórdão deste TCA de 15/07/2008, tirado no Recurso nº 1775/07, numa situação semelhante à dos presentes autos, naquilo que vimos entendendo, por uma questão de uniformidade e de economia, que se perfila na doutrina do Acórdão do TCAS de 01-02-2005, tirado no Recurso nº 25/04 e reafirmada entre outros, no Acórdão de 21/06/2005, Recurso nº 247/04, este, como o primeiro, relatado pelo relator desta formação.
À hoje denominada acção administrativa especial correspondia o anterior recurso contencioso, que aquela veio substituir, tendo contudo o seu objecto sido ampliado, de molde a nela caber não só a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos – cfr. art.ºs 6.º do anterior ETAF e 191.º do CPTA – como também, entre outros, no pedido de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido – art.º 46.º e segs do CPTA – e tendo o prazo geral para a sua dedução sido alargado para três meses – seu art.º 58.º - sendo esta, actualmente, a forma processual para fazer valer em juízo os direitos dos administrados que até então eram efectuados através do dito recurso contencioso.
A reforma sobre a tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais constituiu o fundamento avançado pelo legislador para proceder a vastas e profundas alterações, quer no CIRS, quer no CIRC, na chamada reforma da tributação aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Porém, volvidos que foram pouco mais de seis meses já, de novo, o legislador sentiu necessidade de rever, quer esses mesmos códigos, quer outros diplomas legais como o Estatuto dos Benefícios Fiscais, alteração agora erigida como instrumento de facilitação do conhecimento e interpretação do quadro legal por parte dos sujeitos passivos do imposto tendo procedido à sua republicação integral pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
Só que também aqui os propósitos do legislador nesta matéria não foram duradouros. Com efeito, volvido menos de um mês, já se encontrava de novo, a alterar, entre outros diplomas, o CIRC, em oito dos seus artigos pelo Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.
Conforme consta do preâmbulo deste último Dec-Lei, as preocupações, agora, foram de introduzir no regime de neutralidade fiscal no tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade. E como consta do mesmo preâmbulo, Dá-se a um dos aspectos fulcrais do regime – a transmissibilidade de prejuízos – maior desenvolvimento e prevê-se uma norma de deferimento tácito aplicável nas situações em que não seja proferida decisão no prazo de três meses contados a partir da data da apresentação do requerimento.
(…)
Tendo em conta a data em que o requerimento a pedir tais benefícios deu entrada na DGCI, a norma do art.º 69.º do CIRC, subordinada à epígrafe, Transmissibilidade dos prejuízos fiscais, tinha a seguinte redacção:
1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante, nos termos e condições estabelecidos no artº 47º (…), desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças (…).
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva (…).
Assim, a concessão da autorização encontra-se dependente do preenchimento dos vários requisitos enunciados na norma do art.º 69.º n.º2 do CIRC, como seja a de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos, iniciando a norma pelo pano de fundo pretendido atingir pela fusão – razões económicas válidas – seguindo depois com um quadro exemplificativo onde é suposto apreender tais razões económicas válidas, como sejam nos casos de reestruturação ou racionalização, com efeitos positivos na estrutura produtiva, etc.
Este conceito de razões económicas válidas, tem assim de ser preenchido pela Administração, com os concretos elementos que tendam para aquele fim, concedendo à Administração um vastíssimo campo de concretização e de pesquisa tendo em vista preencher o estalão legal previsto em tal norma, mas ainda assim, havendo uma vinculação do administrador a um comportamento demarcado na lei, não existindo aqui quaisquer poderes administrativos discricionários.
Diferente, seria se o legislador tivesse optado por atribuir à Administração, entre os vários interesses aptos para a satisfação do interesse público, aquele que, no momento, melhor o satisfizesse, em que já lhe deixava nas mãos a escolha entre os vários comportamentos possíveis a adoptar, onde existiria a discricionariedade administrativa.
Como refere, Mário Esteves de Oliveira, também não temos dúvidas de que na interpretação da lei, não goza o intérprete – seja ele um juiz, um órgão administrativo ou a doutrina – de qualquer margem de livre escolha, tendo antes que procurar conhecer a mens legis e actuar na sua conformidade: o sentido a adoptar na interpretação é algo de profundamente diferente – senão contrário – da discricionariedade.
No poder discricionário qualquer dos comportamentos por que o agente opte é legal, enquanto que a interpretação só pode conduzir a um sentido ou comportamento – o que for querido pelo legislador ou pela lei.
Quando a lei administrativa, nomeadamente para a definição dos pressupostos da actividade administrativa, remete para conceitos técnicos próprios de outros ramos da ciência (Medicina, Química, Física, Engenharia, Economia, Sociologia, etc.), tem o órgão administrativo que recorrer aos ensinamentos destes para determinação do conteúdo da lei.
De facto, as questões resultantes da utilização de conceitos técnicos pela lei, resolvem-se através de critérios exclusivamente técnicos, não tendo o órgão administrativo a liberdade de repudiar o conteúdo que lhes é imputado nos respectivos ramos de ciência e optar por qualquer outro.”
Decorre do probatório (vd. pontos 18 e 19) que a AT analisou que não foram demonstradas razões económicas válidas para a realização da operação de fusão em causa, indispensáveis à concessão da referida autorização para a dedução dos prejuízos fiscais.

Resulta, pois, que o pedido foi indeferido com o fundamento capital do não preenchimento do pressuposto legal das razões económicas válidas e a inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio e longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.
E, na verdade, independentemente do cumprimento ou não dos requisitos de natureza formal, o que a lei exige é que sejam demonstradas - ónus que impende sobre a requerente - as vantagens económicas da operação o que, no caso presente, não foi, manifestamente, efectuado.
No tocante à forma de demonstração das razões económicas e da estratégia subjacentes à operação, embora a Lei não defina a forma de demonstração, entende-se que consubstanciando o regime de reporte numa medida de afastamento excepcional do regime geral de intransmissibilidade dos prejuízos fiscais reportáveis, consagrado no artigo 47° do Código do IRC, o legislador subordina a concessão do beneficio à demonstração de determinados pressupostos, como sejam o de a operação subjacente ser realizada por motivos económicos válidos, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.
Nos acórdãos do TCAS acima referidos, esta questão foi assim enfrentada:
Dispõe o artº 69º, nº 1 do CIRC, na redacção vigente à data em que ocorreram os factos, que “Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no nº 1 do artº 47º, contado do exercício a que os mesmos se reportam (...), estando a concessão da autorização aí prevista, segundo o nº 2 do mesmo preceito legal “...subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos”.
Assim, são os seguintes os pressupostos legais para que a A. possa deduzir os prejuízos fiscais da sociedade fundida dos seus lucros tributáveis: I. a existência de autorização; II. a demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, III. a inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, e III. a verificação de efeitos positivos na estrutura produtiva.
Embora se possa considerar uma norma de carácter genérico, já que a lei não define o que entende por razões económicas válidas, nem indica a metodologia a adoptar para determinação dos efeitos positivos, conferindo, desse modo, à AF uma certa flexibilidade, não contém, todavia, um “cheque em branco” para a AF usar como bem entenda, nem qualquer inversão do ónus da prova.
Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se “por razões económicas válidas”, aponta como tais, a título meramente exemplificativo, a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes.
Na verdade, o procedimento questionado pela AF pode ser visto na lógica de gestão do grupo de empresas em que as mesmas estavam inseridas.
Mas isso levanta a controvérsia gerada pelo confronto entre a lógica empresarial, que tem que ver com o sucesso económico de diversas empresas e a lógica jurídico – fiscal que impõe a autonomização de instituições que, sob esse ponto de vista, tudo tinham em comum.
Claro que nem sempre estas lógicas colidem, antes se moldando reciprocamente, embora a realidade empresarial tenha obrigatoriamente de se enquadrar na realidade jurídica em que está inserida, enquanto esta se mantiver inalterada. Por outro lado, também não é verdade que esta limite sempre aquela, pois, em muitas situações como a dos autos, esta divisão empresarial pretende justamente usufruir das vantagens jurídicas e fiscais dessa divisão. Logo, nem sempre são realidades antagónicas. Isto para dizer que a lógica formal nem sempre é contra a empresarial, mas esta sempre tem de obedecer aquela, enquanto a mesma não for modificada.
Ora, no caso dos autos, o que a A. pretende é justamente sobrepor a sua lógica de gestão (inclusive enquanto grupo) à realidade jurídica em que aquela não pode deixar de estar inserida.
Vale isto por dizer que tem a AF de justificar a razão por que não aceitou a transmissão de prejuízos segundo o estalão legal.
Tal como a define Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 1978, 1º tomo, 554, a fusão consiste em duas pessoas colectivas se unirem para formar uma única pessoa, podendo revestir duas modalidades: a)- integração – na qual as pessoas colectivas que se fundem se extinguem e surge uma nova pessoa colectiva e b)-incorporação- em que as pessoas colectivas se extinguem, mas aquela em que se incorporam subsiste, ainda que modificada; ou seja, as duas modalidades distinguem-se pelo destino das pessoas colectivas.
»In casu» ocorreu manifestamente uma operação de fusão por incorporação, ditada, pelos interesses dos sócios de todas as sociedades que dela são objecto e que a autorizam (1).
Daí que se possa afirmar, como parece tê-lo feito a A., que a fusão é, regra geral, e a situação em análise não constitui excepção, recomendada por interesses comuns às sociedades nela intervenientes, e não apenas a uma delas.
E o "redimensionamento empresarial" que faz parte da estratégia na qual a fusão relevante para efeitos do número 2 do artigo 69° do Código do IRC se insere consiste precisamente numa operação em que as sociedades intervenientes (todas as sociedades intervenientes) desempenham um papel. Se, num grupo de sociedades, uma das sociedades deixou de cumprir um papel relevante na estratégia concebida globalmente, a decisão de eliminação dessa sociedade é justificável desde logo pelo mais simples dos motivos, qual seja a eliminação de estruturas duplicadas.
E a ratio do nº 2 do artigo 69° do Código do IRC tem subjacente o conceito de fusão dos interesses comuns às sociedades nela envolvidas e o seu fortalecimento económico quando refere exemplificativamente "a reestruturação ou racionalização das sociedades intervenientes" como razão económica válida para estes efeitos de aplicação do regime.
Ora, o princípio da legalidade administrativa apenas permite que a administração actue se isso lhe permitir a lei, não o podendo fazer contra ela; sendo, de resto, os pressupostos da sua actuação factos constitutivos do seu direito de agir, cuja prova lhe compete.
Donde que a "ideia que é dada" parece inculcar que o Sr. SEAF entendeu dispor de um poder discricionário. Para nós, parece ser aceitável, porque conforme à letra e ao espírito da lei, que a decisão da fusão foi ditada pela razão fundamental de que não se justificava a manutenção de uma estrutura que gera uma actividade reduzida e os custos a ela associados.
E o que decorre do regime legal da transmissibilidade dos prejuízos fiscais, estabelecido no art.º 69.º do CIRC e em face dos elementos fornecidos, é que, os resultados previsionais para os próximos exercícios seriam crescentes, o que poderá indiciar que a operação se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio e longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva por ir permitir um aproveitamento de sinergias funcionais e economias de escala e uma redução de custos, o que desde logo impõe a natural conclusão de que se poderá considerar que a operação foi realizada por motivos económicos válidos com efeitos positivos na estrutura produtiva.
Acresce que, como vínhamos considerando, alinhados na jurisprudência do TCAS manifestada naqueles citados arestos, nem no âmbito do artº 69º em referência, nem no contexto mais geral do artigo 47° do Código do IRC (que regula, em termos gerais, a dedução dos prejuízos fiscais), a lei atribui qualquer efeito ou ponderação à dimensão da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo.
Porque assim, como no caso vertente a actividade da sociedade absorvida foi projectada num cenário em que a mesma sociedade se encontrava inserida num grupo implicou muito naturalmente a ponderação, numa perspectiva económica, dos efeitos positivos da transmissão dos custos e isso qualquer que seja a interpretação do art. 23° do circ.
É que nos termos do artº 10º do CIRC (cuja epígrafe é Custos ou perdas) Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes :...» Como se vê do artº 17º nº 1 do CIRC, uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
Assim, é porque é mister definir cada um destes grupos de elementos que o presente artigo enuncia, a título exemplificativo, os custos ou perdas, os elementos que, para efeitos de IRC, são considerados como componentes negativas do resultado líquido do exercício.
Decorre do estipulado que é consagrado um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. Após a fixação desse critério, enuncia o preceito, a título exemplificativo, volta-se a dizê-lo, os custos ou perdas de maior projecção.
O princípio rector do art° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
É para definir o grupo dos elementos negativos que o art° 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.
E, havendo dúvida em relação a certos "custos financeiros" directamente relacionados com a actividade normal da impugnante e que tais custos não são totalmente estranhos à mesma, tem de aceitar-se que existe, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos numa perspectiva de “grupo económico”.
E isso até porque o IRC visa tributar o lucro da organização, o acréscimo patrimonial experimentado durante o período tributário (art. 17°. n° l e art. 3°. n° l. al. a) e n° 2. do circ) em virtude de representarem custos ocasionados pela actividade da empresa.
Assim, dúvidas não podem sobrar de que, face ao art. 23° do circ, os custos fiscais, em regra, são os gas­tos derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização.
Deste modo e em atenção ao caso concreto, só se as operações económicas deixassem de radicar em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a um terceiro ou de benefícios em favor da empresa A. é que a transmissão de custos seria inadmissível.
Ainda que não se concorde inteiramente com a afirmação de que a relevância fiscal de um custo não depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou sequer da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), já se aceita que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é estritamente empresarial ou visando na ilícita concessão de vantagens a um terceiro ou de benefícios em favor da empresa A.
«In casu», não resulta claro que a A. tirou tais benefícios em detrimento das alegadas razões económicas (empresariais) para operar a fusão, antes resultando desta que geriram a situação estrategicamente de forma adequada à tutela dos seus interesses.
Como se viu, a norma do art.º 69.º da CIRC, impõe como requisito para o deferimento da transmissão dos prejuízos fiscais, no caso da entrada de activos, que a operação seja realizada por razões económicas válidas e este estalão legal deve ser preenchido na acepção da norma do art.º 11.º da Directiva n.º 90/434CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, que veio dispor sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, cisões, entrada de activos e permutas de acções, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas, como foi interpretado no acórdão C-28/95 do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997.
Em tal desiderato e porque se prova a continuidade da actividade da empresa, seria de considerar a transmissão dos prejuízos fiscais como normal e imprescindível à manu­tenção da fonte produtora dada a manifesta e comprovadas adequação e conveniência à acti­vidade e tutela da A .
A solução perfilhada pela AT, parece até ir contra o princípio da capacidade contributiva à luz do qual, entre a aplicação de dois regimes potencial e abstractamente subsumíveis a uma da­da situação, impõe-se fazer a opção pelo menos gravoso, ou seja, pelo que permite a revelação fiscal do em­pobrecimento económico do contribuinte em vista do disposto no art. 23° do circ através da transmissão de prejuízos, em detrimento da sua não aceitação sustentada no acto impugnado, não escorável na letra e no espírito da lei.
No caso das empresas, a sua capacidade contributiva é, na verdade, revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional (n°9 do) preâmbulo do CIRC e n°2 do art°104 da CR, anterior n°2 do art°107) e, no caso de grupos económicos, em que estão em causa cisões ou fusões, haverá que ter em conta.
Evocando uma vez mais o douto aresto deste TCA de 01-02-2005, tirado no Recurso nº 25/04:
Como é bem de ver, essa estratégia empresarial da autora, de continuidade do exercício da actividade em termos de racionalidade económica e de melhoria do seu desempenho em função da absorção das áreas de negócios das referidas Sucursais, que constituem o fundamento da operação da entrada de activos e justificam a concessão do referido benefício, tanto se pode obter mantendo a mesma a titularidade das suas acções no mesmo grupo empresarial ou tendo outro grupo empresarial procedido à sua aquisição. Na verdade, desde que a empresa continue a exercer a sua actividade empresarial em Portugal dentro desse quadro alargado em resultado da extinção da actividade das referidas Sucursais e por esse efeito tenha reduzido os custos e optimizado os ganhos, por força dessa operação de entrada de activos e consequente extinção das Sucursais, como se reconhece na fundamentação do mesmo despacho que no caso ocorreu, continua a existir uma estratégia empresarial de continuidade da sua actividade, e que não poderá deixar de se inserir na promoção da competitividade da empresa, escopo confesso do legislador contido no preâmbulo do citado Dec-Lei n.º 221/2001, independentemente de quem, em cada momento, seja titular do seu capital social.”
“Em suma, não se podendo concluir que tal operação teve por fim, essencial ou primacial, de aproveitamento de benefícios fiscais, para além, naturalmente, dos eventuais e correlativos benefícios fiscais directamente dependentes da operação em causa, nos termos da Directiva n.º 90/434CEE do conselho, de 23 de Julho de 1990, que veio dispor sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, cisões, entrada de activos e permutas de acções, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas, como foi interpretado no acórdão do Tribunal de Justiça C-28/95, de 17 de Julho de 1997, cuja cópia se encontra no processo instrutor, e ambas as partes também se encontram de acordo nesta interpretação, e que tal operação não pode deixar de ter efeitos positivos na estrutura produtiva, no sentido em que veio reforçar, de forma significativa, a sua afirmação no mercado nacional, com um evidente decréscimo de custos e um reforço dos capitais da Europeia, como se fundamenta no despacho proferido, é tal operação de qualificar como tendo sido realizada por motivos económicos válidos, numa estratégia de médio e longo prazo, sendo por isso merecedora de que os prejuízos das sociedades extintas (Sucursais) possam ser deduzidos dos lucros tributáveis da sociedade incorporante, (...) sendo o mesmo de dizer que se mostram preenchidos os requisitos previstos no art.º 69.º do CIRC, com o deferimento do peticionado pela autora e sendo de anular o despacho recorrido que em sentido contrário decidiu.
Todavia, tendemos a rever a nossa posição por razões de uniformidade a que alude o artº 8º nº 3 do CC, pois o STA tem decidido, uniformemente, a questão sub judice, como pode ver-se, por todos, no Ac. do STA, de 12/07/2006, Proc. 01003/05, afirmando que estamos aqui perante conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração.
Expende-se no Ac. do STA, de 12/07/2006, Proc. 01003/05,que "Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos perante um acto sindicável.
Escreve Freitas do Amaral que "o que importa é saber se a interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais - Curso de Direito Administrativo, vol. II, pág. 107.
Ora, saber se houve "razões económicas válidas” ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar-se numa razão económica válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia sectorial. Citando Freitas do Amaral: "Porque não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente entender-se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica".
"Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se antolha (...). No sentido ora exposto, pode ver-se o acórdão deste STA de 5 de Julho de 2006 (rec. n° 142/06)".
Para os referidos efeitos, "erro grosseiro ou manifesto é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de actuação não vinculadas" (cfr. Acórdão de 11/05/2005, rec. 330/05).
No caso dos autos, tal espécie de erro não aconteceu.
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4.5. Da violação do nº 5 do artº 60º da LGT

Como se alcança do petitório (vd, especialmente, os artºs. 113º a 115º) a Autora faz decorrer tal violação do facto de no projecto de decisão a AT ter considerado expressamente ter existido um acto de deferimento tácito afirmando “o acto de deferimento tácito produzido em 07/08/2005 padece de vício de violação de lei….” quando na decisão final contida no despacho ora recorrido, veio afirmar que “não se inicia a contagem do prazo para o deferimento tácito…”.
Ora, se é certo que o n° 5 do art. 60° da LGT obriga a AT a “…comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação”, o que acima se disse sobre a formação do acto tácito de deferimento e a inexistência de incongruência na fundamentação que se prendia, ao fim e ao cabo, sobre o erro nos pressupostos, a veracidade ou inveracidade dos motivos aduzidos pela entidade decidente, a existência ou inexistência do mencionado deferimento tácito, retiram o efeito invalidante ao invocado vício de forma, não se podendo afirmar, «in casu», que a decisão recorrida vai para além dos fundamentos constantes do projecto de decisão, como aliás parece reconhecer-se no articulado de defesa.
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C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a presente acção administrativa especial e em manter o acto impugnado.
Custas pela A., fixando-se o valor da taxa de 10 UCs, tendo em atenção a complexidade da causa, a repercussão económica da acção para o responsável pelas custas e a situação económica deste, a qual será reduzida a metade por se tratar de uma acção administrativa especial em que não houve lugar a audiência pública – cfr. Artºs 73º D nºs 1,3 e 4 e 74º nº 1 al. e) do CCJ.
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Lisboa, 23/06/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Rogério Martins)
() Como expende Ferrer Correia, Lições, II, Sociedades, 240, a fusão de sociedades é o acto pelo qual duas ou mais sociedades reúnem as suas forças económicas para formarem, com os sócios de todas elas, uma só personalidade colectiva, um novo sujeito económico e jurídico.