Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1229/11.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/03/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:ATRASO NA DECISÃO POR ENTIDADE ADMINISTRATIVA;
DANOS NÃO PATRIMONIAIS;
Sumário:I – Se é verdade que o regime legal vigente faculta aos interessados meios legais para tentar corrigir a inércia da Administração, e, não obstante não terem sido acionados os referidos meios legais que permitiriam “obrigar” a Administração a agir, não pode ser ignorada a incompreensível apatia e imobilidade da Comissão de Proteção das Vítimas de Crimes que durante mais de 10 anos não deu resposta a Requerimento que lhe foi submetido, sendo que o dever de decidir no âmbito de um procedimento administrativo em prazo razoável, é uma obrigação que impende sobre a Administração, gerador de responsabilidade civil do Estado, no âmbito do exercício da sua função administrativa.

II - O art. 22.º da Constituição da República Portuguesa estipula que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício de funções, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

III - Sendo manifesto que se ultrapassou o prazo razoável para a decisão do procedimento tendente à concessão da indemnização prevista no n.º 1, do artigo 2.°, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, forçoso é concluir que a falta de decisão neste procedimento constitui omissão ilícita geradora de responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A...., melhor identificado nos autos, intentou Ação Administrativa contra o Estado Português e Ministério da Justiça, peticionando, a final, a condenação do Ministério da Justiça a decidir, no prazo de trinta dias, o requerimento que dirigiu ao Ministro da Justiça, em 12 de Outubro de 2009, ou, em alternativa, a pagar ao Autor a indemnização requerida através desse requerimento, no montante de 60.000€, e a condenação do Estado Português a pagar ao Autor uma indemnização, por danos não patrimoniais, decorrentes da violação do dever legal de decidir em prazo razoável o procedimento administrativo tendente à concessão da indemnização que requereu ao Ministro da justiça em 12 de Outubro de 2009, no valor total de €250 mensais, a partir de 12 de Outubro de 2009, até à conclusão do procedimento, bem como honorários de mandatário judicial, no montante de €3.500”.

O TAC de Lisboa veio a proferir Sentença em 30 de novembro de 2017, na qual se decidiu julgar a ação parcialmente procedente” condenandoo Ministério da Justiça a decidir, no prazo de 30 dias, o pedido de concessão da indemnização prevista no n.º 1, do artigo 2.°, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que o Autor dirigiu ao Ministro da Justiça em 12.10.2009, e o Estado Português a pagar ao Autor as despesas com honorários de mandatário judicial na presente ação em montante a liquidar em incidente de liquidação”,

Inconformado com a Sentença proferida, veio o Autor, em 18 de janeiro de 2018 a Recorrer da referida Sentença, aí tendo concluído:
A- O A. aceita a douta decisão proferida em 30-11-2017 relativamente ao prazo fixado ao Ministério da Justiça para fixar a indemnização a que tem direito.
B- O A. aceita a douta decisão atrás referida relativamente aos honorários a fixar ao seu mandatário, devendo, pois, ser remetido para o Ministério da Justiça o processo Administrativo junto aos Autos para que seja proferida a decisão administrativa.
C- O A. apenas recorre da decisão relativamente à fixação dos danos não patrimoniais a que tem direito e que apesar de constarem da fundamentação da douta sentença, no sentido da culpa e responsabilidade da Estado, vir o mesmo a ser absolvido, porquê o A. não fez prova
Ora se o Tribunal “a quo” entende que o A. não fez prova dos danos não patrimoniais, teria de sim remeter o processo para o incidente de liquidação e não para a absolvição do pedido.
D -Mas, o A. entende que no processo existem provas mais que suficientes para tal - basta analisar o acórdão do Tribunal da Relação de Évora junto aos Autos e a fls.10 e 11 do mesmo constam as mazelas com que ficou no assalto à sua casa e algumas delas irreversíveis - ficou dependente de terceiros e quase cego e há data com menos de sessenta anos.
E- Motivo pelo qual, o Meritíssimo juiz “a quo” ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 608 n° 2, 609 n° 2, 615 n° 1 alínea c) todos do Código Processo Civil, devendo ser revogada a douta sentença, por uma outra que julgue a ação totalmente procedente, Mas, V. Exas farão a costumada justiça

O Ministério da Justiça veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 5 de abril de 2018, aí tendo concluído:
a) O objeto do recurso não se encontra definido, sendo que a pretensão do Recorrente não se mostra fundamentada;
b) Na verdade, o Recorrente aceita a sentença, mas dela recorre; 11
c) Sabe e reconhece nas alegações que a Administração não pode executar a sentença porque não dispõe do processo administrativo (PA); mas,
d) Também sabe que o PA encontra-se no Tribunal e aí ficará até que seja devolvido à Administração;
e) Não tendo a Administração o PA, não pode decidir, o que configura causa legítima de inexecução;
f) Isto apesar de a Administração ter manifestado a intenção de cumprir espontaneamente a sentença;
g) Pelo que a motivação de recurso e as alegações são contraditórias;
h) Por outro lado, o Recorrente diz recorrer da não condenação dos Réus no ressarcimento do Autor por danos não patrimoniais; mas,
i) Sabe que não fez prova na primeira instância da existência desses danos;
j) Pelo que a sentença só poderia considera-los como não provados;
k) A sentença encontra-se estruturada e não contém qualquer vício;
l) Aliás, o recorrente não identifica qual será o vício do qual a sentença padecerá;
m) O que também configura obscuridade na motivação ad recursum e falta de fundamentação das alegações e das conclusões;
n) Sendo que a primeira instância pronunciou-se sobre todas as questões que devia ter conhecimento e não deixou nenhuma controvérsia por decidir;
o) A decisão impugnada não é portadora de qualquer vício e encontra-se corretamente fundamentada, bem como o iter decisório.
Nestes termos e nos mais de direito deverá o recurso ser indeferido ou, se assim não se entender, deverá ser considerado improcedente, e confirmada a decisão recorrida.”

No mesmo dia, veio igualmente o Estado Português, apresentar as suas contra-alegações de Recurso, tendo concluído:
1. O presente recurso do AUTOR é limitado ao pedido de responsabilidade civil extracontratual por atraso na decisão do processo n.º 100/2009, pendente na COMISSÃO DE PROTECÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES do Ministério da Justiça, pedido que soçobrou na íntegra;
2. Embora reclamando sofrimentos e danos morais que quantificou em 250 EUR mensais, desde a data em que o pedido em causa deveria idealmente estar decidido até à efetiva decisão, a verdade é que não provou o AUTOR quaisquer danos ou sofrimentos morais;
3 A não prova pelo AUTOR do seu sofrimento decorrente do atraso do processo 100/2009 da Comissão determina necessariamente a falência do instituto da responsabilidade civil extracontratual, por aplicação das regras da prova e da responsabilidade civil em Portugal - artigos 342.º, n.º 1; 483.º, n.º 1; 494.º; 496.º, n.º 1; 562.º e 563.º do Código Civil; artigo 7.º, n.º l da Lei 67/2007, de 31 de dezembro;
4 Em função dos factos provados e não provados, e das regras legais a aplicar, outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal recorrido, que conheceu todas as questões para as quais tinha competência; / MINISTÉRIO PÚBLICO PORTUGAL Procuradoria da República junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa
5. O atraso processual, ainda que evidente e notório, se bem que seja uma causa em abstrato adequada de sofrimento moral do demandante (portanto de danos não patrimoniais), não se afigura possa ser "de per si" considerado como presunção natural da existência de dano moral concreto (ou dano presumido) carecendo, a nosso ver, mas à semelhança de todos os eventos lesivos, de concretização com factos provados, naturalmente pessoais e referentes à pessoa do demandante;
6. De igual forma, as lesões corporais e psicológicas decorrentes do crime violento de que o AUTOR foi infelizmente vítima não são, por si só, prova de sofrimento por atraso do processo 100/2009 da Comissão.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a sentença em crise ser confirmada.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As principais questões a apreciar resultam, designadamente, da necessidade de verificar se os suscitados atrasos administrativos do Ministério da Justiça na pronuncia relativamente ao requerido pedido indemnizatório no âmbito do processo pendente na COMISSÃO DE PROTECÇÃO ÀS VÍTIMAS DE CRIMES, poderão ser qualificados como atraso relevante em termos indemnizatórios, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
A) No dia 11 de fevereiro de 2009, o Autor foi vítima de crimes de ofensa à integridade física qualificada, roubo agravado, sequestro agravado e burla informática (cf. documentos de fls. 15, e seguintes, do processo físico, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
B) Foram acusados e condenados pela prática dos referidos crimes os arguidos A...., P...., E......, A......e N......, por acórdão de 08 de julho de 2010, proferido no Processo n.º 63/09.3JALRA, do 3o Juízo da Comarca de Abrantes - Círculo Judicial de Abrantes, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:
«(...) Fundamentação de facto: O Tribunal julga provados os seguintes factos com interesse para a decisão: (...) No dia W de Fevereiro de 2009, a partir da hora de jantar, os arguidos A......, E......, P...... e A...... combinaram entre si que o A…. e o P…. se dirigiriam â casa de habitação da M...... e do A...., sita no Casal da Eira, Casas Novas, Mouriscas, nesta comarca, com a intenção de ali entrarem e de se apoderarem de objetos e valores que ai pudessem encontrar.
(…) Chegados à casa dos ofendidos, pelas 1:30 horas, o arguido V...... partiu com um soco um vidro da janela da cozinha da habitação, que dista do solo cerca de 1 metro, com estrutura em ferro e vidro, e dessa forma logrou abrir o fecho (trinco) da mesma, que abriu, entrando ambos, de seguida, no interior da habitação. O arguido V...... entrou na aludida habitação empunhando a faca, enquanto o arguido A…. segurava a réplica de revólver de plástico. Logo após, os arguidos foram surpreendidos no interior da habitação por A......, que apontou uma caçadeira e disparou um tiro para o ar, conseguindo inicialmente afugentar o arguido V....... Pouco depois, o A...... foi surpreendido pelo arguido A......, que o segurou por trás, lhe tirou a caçadeira e lhe apontou a réplica de revólver de plástico, após o que um dos arguidos lhe apontou a faca ao pescoço.
Ato contínuo, o arguido A...... empurrou o A......, atirando-o ao chão, e, de seguida, espancou-o com pontapés na cabeça e no olho esquerdo e em diversas outras partes do corpo. Logo que derrubaram o A......, os arguidos amarraram as mãos e os pés daquele e da A...... com fita-cola larga, impedindo-os de qualquer reação, inclusive de pedir auxílio exterior.
De seguida os arguidos exigiram ao A...... e à M….. que lhes entregassem todo o dinheiro e ouro que tivessem na sua posse, dizendo-lhes o arguido V......, para reforçar o seu propósito, que se não o fizessem seriam ambos mortos.
De igual modo exigiram os arguidos ao A...... e à M......, sempre pela voz do arguido V......, que lhes dessem os cartões de multibanco que possuíssem.
Os ofendidos, agredidos na forma acima descrita, intimados com foros de seriedade com a arma apontada, temendo assim pelas suas vida e integridade física, foram forçados a cumprir a ordem dada e, contra a sua vontade, entregaram aos arguidos (...)
O arguido V...... exigiu a revelação do código do cartão multibanco que o A...... tinha na carteira, titulado pela sua mulher M......, dizendo que se não indicassem o código certo, voltariam ao local e os matariam.
O A...... acedeu em revelar tal código, por já recear pela sua vida, abandonando então os arguidos o local na posse dos aludidos bens e valores. (...) Porém, antes de abandonarem a casa e quando já tinham em seu poder os objetos, valores e o código de Multibanco que visaram com a sua conduta, o arguido P...... levou a M...... para o quarto, deitou-a na cama e tirou-lhe as cuecas. E o arguido A...... desferiu um número não concretamente apurado de vergastadas com um cinto sobre o A.......
De seguida, o arguido A...... dirigiu-se ao quarto e desferiu três vergastadas com um cinto nas costas da M.......
(…)
Em consequência das descritas condutas dos arguidos, resultaram para o A...... AL, direta e necessariamente, ferimentos a saber:
“Crânio: Ferida inciso-contusa, suturada com seis pontos de seda preta, oblíqua para baixo e para a esquerda, na região occipital, medindo seis centímetros de comprimento; escoriação recoberta de crosta sanguínea na região parietal esquerda, medindo um centímetro e meio de comprimento; escoriação linear vertical na região frontal, à esquerda da linha média, medindo dois centímetros de comprimento; equimose arroxeada, estendendo-se da região temporal esquerda até à causa da sobrancelha esquerda medindo sete centímetros e meio de comprimento por um centímetro de largura; equimose bipalpebral esquerda, fortemente arroxeada, medindo seis centímetros de comprimento por cinco centímetros de largura; equimose arroxeada na região retoauricular direita, medindo três centímetros de comprimento por dois centímetros de largura; equimose arroxeada, nas asas e dorso do nariz medindo quatro centímetros e meio de comprimento por quatro centímetros e meio de largura; hemorragia sub conjuntival em ambos os quadrantes (nasal e temporal) do olho esquerdo. Face: escoriação, coberta de crosta sanguínea, em forma de “L” deitado, na região malar direita, medindo ambos os ramos um centímetro de comprimento; equimose arroxeada, na hemiface esquerda, medindo sete centímetros de comprimento por quatro centímetros de largura. Tórax: dores ã digito pressão e à inspiração profunda no terço médio da face esquerda da grelha costal esquerda (...). Abdómen: duas equimoses fortemente arroxeadas na região lombar direita, medindo cada uma delas, cinco centímetros de comprimento por quatro centímetros de largura; equimose arroxeada, no quadrante supero externo da nádega direita, medindo 10 centímetros de comprimento por dois centímetros e meio de largura; equimose arroxeada, no quadrante supero interno da nádega direita, medindo sete centímetros e meio de comprimento por dois centímetros e meio de largura; equimose arroxeada no quadrante supero interno da nádega esquerda, medindo sete centímetros e meio de comprimento por dois centímetros e meio de largura.
Membro inferior esquerdo: dores e limitação dolorosa na região coxofemural esquerda, onde tem prótese da anca desde 1999 (...)
O A...... já tinha perda de acuidade visual do olho direito desde 1974, na sequência de glaucoma. Atualmente a acuidade visual desse olho direito (VOD) é < 1/10. Em consequência das agressões sofridas no olho esquerdo, o A...... sofreu a deslocação da retina, tendo sido operado, recuperou transitoriamente a acuidade visual (VQEcc) até 1/10 com auxílio de óculos, mas ainda em consequência das agressões, da consequente operação e do glaucoma de que era já portador, veio a perder a acuidade visual desse olho.
Atualmente apenas tem perceção à luminosidade nesse olho esquerdo, não vê uma letra da escala, não pode utilizar a visão desse olho esquerdo para realizar tarefas domésticas como cozinhar ou arrumar a casa, ao contrário do que sucedia antes da descrita agressão. Está presentemente a iniciar o treino para usar uma bengala para invisuais.
Em consequência da agressão, o A...... sofreu, pelo menos, 273 dias de afetação para o trabalho geral e profissional. As sequelas resultantes afetam-lhe de maneira grave a capacidade para o trabalho e do sentido de visão.
(...)
Os arguidos V...... e A...... atuaram de comum acordo, deforma concertada e em conjugação de esforços e intentos, tendo as arguidas E...... e A...... participado do propósito comum de assaltarem a habitação das vitimas, e incentivado e beneficiado patrimonialmente do mesmo, com perfeito conhecimento dos utensílios de que aqueles se faliam acompanhar e da forma que iam usar para lograr os seus intentos. Os arguidos A...... e V...... aforam com o propósito comum, que lograram alcançar, de, através da violência que utilizaram contra M...... Candeios e contra A......, lhes retirarem e fazerem seu o dinheiro e os restantes objetos, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que acuavam contra a vontade dos seus legítimos donos.
Aqueles arguidos agram, ainda, com o propósito comum, que lograram alcançar, de privarem M...... e A......da sua liberdade ambulatória, bem como com o propósito de, ao amarrar e amordaçar a vítima A......, forçá-lo a submeter-se às suas vontades, fornecendo-lhes o código secreto do cartão multibanco, o que conseguiram, bem sabendo que tal era contrario à vontade daquele, e que só oficia por temer pela sua integridade física e pela sua vida, hem como da sua mulher.
(...)
O arguido P...... sabia que, ao deterem e empunharem a réplica de revólver, em liga de metálica cromada com platinas em cor preta, reprodução do revólver i(Ruger'Redhatvk Stainless 51/2, modelo KRH445, de calibre 44 magnum cuja característica ocultou, a mesma era suscetível de ser confundida pelos ofendidos, como foi, como se arma autêntica se tratasse, sendo assim idónea a provocar medo e inquietação àqueles, como provocou, diminuindo desse modo a sua capacidade de reação.
(...)
O A...... nasceu no dia .../.../....
O A...... deixou de poder conduzir o seu carro e o trator.
Ficou dependente de terceiros e não pode exercer qualquer profissão que exija a visão.
(...)
Os factos apurados não consubstanciam apenas mais uns ilícitos criminais: revelam uma extraordinária gravidade, pela frega e temeridade evidenciada pelos arguidos.
(...)
Não estamos perante delinquentes ocasionais, que praticam crimes quase irrefletidamente, mas antes pessoas com uma notória indiferença por valores essenciais da vida em sociedade, que não hesitaram em praticar crimes hediondos, com um grau inusitado de violência e crueldade, amarrando as vítimas, pontapeando uma delas na cabeça até o deixar praticamente cego, dentro da própria casa das vitimas, sujeitando-as a todo o tipo de vexames e até as chicoteando depois de se apoderarem dos seus bens, numa conduta centrada na baixeza de carácter e motivada sobretudo pelo ódio. Comungando o horror da narração dos próprios arguidos — mas certamente pouco sentido ou interiorizado por estes — os juízes que assistiram a toda a imediação da prova produzida não podem deixar de expressar ajusta medida da censura legalmente consagrada. Assim, ponderado todo o circunstancialismo evidenciado pela matéria de facto apurada, decide-se impor as seguintes penas concretas:
a)Ao arguido A......:
- 4 anos de prisão para o crime de roubo agravado de que foi vitima o A......; - 4 anos de prisão para o crime de roubo agravado de que foi vítima a M......;
- 4 anos e 6 meses de prisão para o crime de ofensa à integridade física qualificada de que foi vítima o A......;
- 1 ano de prisão para o crime de ofensa à integridade física de que foi vítima a M......;
- 2 anos e 6 meses de prisão para o crime de sequestro agravado de que foi vítima o A......;
- 6 meses de prisão para o crime de sequestro de que foi vítima a M......; e,
-1 ano e 6 meses de prisão para a crime de burla informática.
*
b)Ao arguido P......:
- 4 anos de prisão para o crime de roubo agravado de que foi vítima o A......;
- 4 anos de prisão para o crime de roubo agravado de que foi vítima a M......;
- 3 anos e 6 meses de prisão para o crime de ofensa à integridade física qualificada de que foi vitima o A......;
6 meses de prisão para o crime de ofensa à integridade física de que foi vítima a M......;
- 2 anos e 6 meses de prisão para o crime de sequestro agravado de que foi vitima o A......;
- 6 meses de prisão para o crime de sequestro de que foi vítima a M......;
- 2 anos de prisão para o crime de burla informática; e,
- 6 meses de prisão para o crime de condução sem habilitação legal
*
c) A cada uma das arguidas E...... e A...... (considerando nestes casos a atenuação especial das penas conforme o disposto nos art.es 27. ° e 73. °, do Código Penal):
1 ano de prisão para o crime de roubo agravado de que foi vítima o A......;
- 1 ano de prisão para o crime de roubo agravado de que foi vítima a M......; e,
- 5 meses de prisão para o crime de burla informática. * d) Ao arguido Nuno Duque dá-se a preferência pela pena não privativa da liberdade, que se fixa em 50 dias de multa à razão diária de € 5, o que perfaz o total de € 250 (atendendo particularmente à circunstância de ser primário e jovem, bem como a sua condição sócio económica).
(...)
Cúmulo jurídico das penas (...)» (cf. documento de fls. 171 a 204, do Processo Administrativo,).
C) No Acórdão referido na Alínea anterior, na parte em que apreciou e decidiu o pedido cível deduzido pelo ora Autor e pela ofendida M...... T -andeira Candeias, julgando-o parcialmente procedente, pode ler-se, designadamente, o seguinte:
«Parte cível 314. O pedido cível dos demandantes. São inegáveis os danos sofridos pelos demandantes, se bem que o pedido formulado pareça assentar numa série de presunções ou ilações que carecem de demonstração.
(…)
No que diz respeito à atribuição de uma indemnização ao A...... pela incapacidade de que ficou portador, há elementos que comprovam tal dano, designadamente os ferimentos na visão. Porem, os autos não dispõem ainda de elementos suficientes para computar de forma razoável o montante da indemnização, nomeadamente a quantificação do grau de incapacidade, pelo que se relega a sua fixação para o respetivo incidente - çfr. art.° 661°, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Misturado com o pedido de lucros cessantes surgem os danos morais, tudo no montante de € 100.000. Importa distinguir estes últimos. Novamente sopesando os factos apurados e pelos mesmos fundamentos de direito, entende-se ser de arbitrar ao lesado uma compensação pelo receio, angústia, dores e sofrimentos causados ao A...... que se arbitra pelo valor de €50.000.
(...)
O Tribunal julga ainda o pedido cível parcialmente procedente e, em consequência, decide: a) Condenar o demandado N...... a pagar aos demandantes A...... e M...... a quantia de €50 (cinquenta euros), absolvendo-o do demais peticionado; b) Condenar os demandados A...., P...., E...... e A......a pagarem solidariamente ao demandante A......:
-A quantia de €50.000 (cinquenta mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos;
- A quantia que se liquidar em incidente de liquidação correspondente aos lucros cessantes sofridos e ao valor da reparação da janela, sendo que não ultrapassarão o valor do pedido; c) Condenar os demandados A...., P...., E...... e A......a pagarem solidariamente à demandante M......: -Aquantia de€ 10000 (dez euros)pelos danos não patrimoniais sofridos; -Aquantia de €70 correspondente ao valor do telemóvel;
d) Condenar os demandados A...., P...., E...... pagarem
-A quantia de € 1.738,87 correspondente aos valores retirados da conta bancária e ao qual será deduzido o valor dos objetos recuperados. e) Condenar os demandantes e demandados apagarem as custas cíveis na proporção do respetivo decaimento, (cf. documento de fls. 171 a 204, do Processo Administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
D) Os arguidos A.... e E...... interpuseram recurso do Acórdão referido nas Alíneas anteriores para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 07.12.2010, transitado em julgado, concedeu “parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A...... e em consequência, condená-lo, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 anos de prisão, confirmando, no mas, a douta decisão reconhece e “negar provimento ao recurso interposto pela arguida E...... e confirmar a douta decisão recorrida, na parte que lhe respeito (cf. documento de fls. 158v a 170, do Processo Administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
E) O Autor requereu ao Ministro da Justiça a concessão da indemnização prevista no n. 1, do artigo 2. °, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, por requerimento apresentado no Ministério da Justiça em 12.10.2009, do qual se extrai o seguinte:
«O Requerente nasceu no dia 08/06! 1951 (...)
2 Tem como únicos rendimentos a sua pensão de reforma por invalide^ no montante de 243,33 euros (...)
3 Não apresenta IRS por não ter rendimentos para tal(...)
4 Foi vitima de crime violento, de que resultou a cegueira total, conforme consta do despacho de Acusação do Ministério Público que se junta (...)
5 Logo, ficou com incapacidade permanente.
6 O Requerente deduziu pedido cível no Processo crime suprarreferido, mas não irá receber dos arguidos qualquer indemnização porque os mesmos não trabalham e não tem quaisquer rendimentos- docn°5
7 Dada gravidade das lesões de que foi vitima -ficou com cegueira total
8 O Requerente ficou dependente de terceiros para o resto da sua vida.
9 Motivo pelo qual requer que lhe seja concedida a indemnização prevista no artigo 2 n° 1 do Dec. Lei n° 423/91 no valor de 60,000 euros.», (cf documento de fls. 87, e seguintes, do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
F) Em 15 de Outubro de 2009, o pedido de concessão de indemnização formulado pelo Autor foi reencaminhado para a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes (cf. fls. 73, do Processo Administrativo apenso aos autos).
G) O procedimento administrativo desencadeado pelo pedido de concessão de indemnização formulado pelo Autor, ao qual foi atribuído o n.º 100/2009, encontra-se pendente na Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes, resultando do respetivo processo a seguinte tramitarão)
Em 15.10.2009, foi determinado que se solicitasse à GNR de Abrantes informação sobre a situação económica do requerente, ora autor, e dos arguidos A.... e P.... e a designação de data para prestação de declarações pelo requerente (cf. documento de fls. 74, do Processo Administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
ii) Por ofício de 15.10.2009, dirigido ao Procurador Adjunto junto do Tribunal da Comarca de Abrantes, a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes solicitou a designação de dia para tomada de declarações do requerente (cf. documento de fls. 75, do Processo Administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
iii) Em 10 de Novembro de 2009, procedeu-se à audição do requerente (cf. documento junto com a Petição Inicial sob o n.º 4 - fls. 156, do processo físico -, e documentos de fls. 76 a 81, do Processo Administrativo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
iv) Por ofícios de 09.11.2009, dirigidos ao Comandante da GNR de Abrantes, a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes solicitou informação sobre a situação económica do requerente e dos arguidos A.... e P.... (cf. documentos de fls. 82 a 84, e 85, do Processo Administrativo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
v) Por despacho de 14.04.2011, foi determinado que se solicitasse aos serviços do Ministério Púbico junto do Tribunal Judicial de Abrantes que informassem se foi proferida sentença no processo-crime n.º 63/09.3JALRA, referido na Alínea B), supra, e, sendo esse o caso, se a mesma transitou em julgado (cf. documento de fls. 107, do Processo Administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
vi) Por ofício de 18.04.2011, a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes solicitou o Ministério Púbico de Abrantes que informasse se foi proferida sentença no proces
so-crime n.º 63/09.3JALRA e, sendo esse o caso, se a mesma transitou em julgado (cfr. documento de fls. 108, do Processo Administrativo, que aqui se dá por integramente reproduzido).
H) A coberto de ofício de 06.06.2011, o Presidente da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes enviou ao Ministério da Justiça a Informação de fls. 215 a 219, do Processo Administrativo, relativa o Procedimento n.º 100/2009, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrai o seguinte:
«(...) – Os factos que motivaram o requerimento a esta Comissão, ocorreram no dia 10.02.2009.
- O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Abrantes deduziu acusação no dia 11.08.2009.
(...)
- No dia 15.10.2009, ou seja, no mesmo dia em que o requerimento entrou na Comissão, o então Presidente Desembargador C….. deu início à instrução do presente processo, solicitando diversas diligências à GNR de Abrantes, bem como solicitou ao Tribunal Judicial de Abrantes, as diligências necessárias para que o requerente pudesse ser inquirido em videoconferência (fls. 74). –
Essa diligência somente foi possível executar no dia 10 de novembro de 2009 (fls. 81).
- Entretanto, no final do mês de novembro de 2009, o Desembargador C... deixa a presidência da Comissão, voltando ao Tribunal da Relação de Lisboa. A Comissão deixa de funcionar, mantendo-se na mesma a desempenhar funções uma funcionaria administrativa.
- Em 07 de Abril de 2010, o mandatário do requerente solicita certidão onde conste informação sobre o estado do processo (fls. 99)
A funcionária administrativa da Comissão, responde por email no dia 12.07.2010, informando que o processo 100/99 se encontra em instrução, bem como que se aguarda a nomeação de uma nova Comissão, bem como a publicação do Decreto Regulamentar que virá regular a Lei 104/2009 de 14 de setembro, entretanto aprovada fls. 102).
- A 11 de Outubro de 2010, a funcionaria administrativa da Comissão volta a informar a Provedoria de Justiça sobre o estado do processo, que em nada havia alterado a situação anterior (fls. 104). - No dia 5 de fevereiro de 2011, o mandatário do requerente volta a dirigir um oficio à Comissão, solicitando informações sobre o estado do processo. –
A este oficio não foi dada nenhuma resposta, uma vez% que nesta data, a funcionária administrativa que desempenhava funções na Comissão havia sido transferida para outro serviço, não havendo nesse momento ninguém a desempenhar funções na Comissão.
- O Senhor Ministro da Justiça veio a nomear uma nova Comissão, a qual veio a tomar posse no dia 22 de março de 2011, tendo iniciado funções no início mês de abril de 2011.
- A nova Comissão veio encontrar mais de 500 processos pendentes, sendo os mais antigos referentes ao ano de 2006. - A nova Comissão tem neste momento o Presidente a tempo inteiro, secundado por uma única funcionária administrativa. São estes os únicos recursos da Comissão neste momento. A Comissão tem de reforçar o seu quadro administrativo, mas neste momento os recursos humanos são estes e é com estes que funciona. - No dia 14 de abril de 2011, a vogal da Comissão encarregue da instrução deste processo, solicita aos serviços do Ministério Público junto do T.J. de Abrantes, que informe sobre o estado do processo, e em caso de o mesmo ter sido já julgado que remeta à Comissão cópia do acórdão, para melhor poder fundamentar a decisão que vier a ser tomada. - Neste momento a Comissão encontrava-se à espera da resposta do Ministério Público de Abrantes.
Estes são os dados que constam no processo 100/09 e que agora foram exaustivamente analisados. Temos, pois, que o presente processo, não teve ainda decisão por rabões que transcendem a própria Comissão, mas tal deve-se principalmente ao facto de ela não ter funcionado durante todo o ano de 2010. (...)». (cf. fls. 215 a 219, do Processo Administrativo apenso aos autos).
I) A petição que originou a presente ação foi apresentada em juízo no dia 06.05.2011 (cf. fls. 1, dos autos).
J) O Estado Português e o Ministério da Justiça foram citados para a presente ação em 23.05.2011 e 24.05.2011, respetivamente (cf. fls. 372 e 374, dos autos).
K) Foi concedido ao Autor apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com a presente ação (cf. documento de fls. 330/331, dos autos - processo físico)”

IV – Do Direito
Decidiu-se em 1ª Instância julgar a presente Ação parcialmente procedente e, nessa medida, foi o Ministério da Justiça condenado a decidir, no prazo de 30 dias, o pedido de concessão da indemnização prevista no n.º 1, do artigo 2. °, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, que o Autor dirigiu ao Ministro da Justiça em 12.10.2009, e o Estado Português a pagar ao Autor as despesas com honorários de mandatário judicial na presente ação em montante a liquidar em incidente de liquidação.

Sublinha-se que o Autor “apenas recorre da decisão relativamente à fixação dos danos não patrimoniais a que tem direito e que apesar de constarem da fundamentação da douta sentença, no sentido da culpa e responsabilidade da Estado, vir o mesmo a ser absolvido, porquê o A. não fez prova.”

Em bom rigor, não estamos em presença de uma Ação tendente a obter a condenação do Estado pelo atraso do sistema Judiciário, mas face a um Ação que visa o ressarcimento decorrente do atraso de decisão por parte da entidade administrativa competente, no caso, a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes.

Estando em causa a ausência de decisão tempestiva da Administração, como se sublinhou em 1ª instância, tinha o Autor à sua disposição mecanismos legais que, utilizados tempestivamente, poderiam ter, no mínimo, mitigado o referido atraso.

Com efeito, como se refere na sentença recorrida, “O meio jurisdicional adequado para reagir contra o incumprimento do dever de decisão relativamente a um requerimento dirigido à prática de um ato administrativo é a ação administrativa de condenação à prática do ato devido, prevista e regulada nos artigos 66.°, e seguintes, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”

Em qualquer caso, apreciemos o suscitado, pois que a referida omissão do Recorrente não permite desresponsabilizar o Estado pelo atraso verificado.

Resulta da matéria dada como provada que o Processo do aqui Recorrente deu entrada na Comissão de Proteção das Vítimas de Crimes em 12.10.2009, sendo que nunca foi objeto de qualquer decisão.

Perante a decisão judicial proferida em 1ª Instância, entende o Recorrente que aquele tribunal terá omitido o seu dever de pronuncia relativamente à Responsabilidade civil extracontratual, invocando para tal, os Artºs os artigos 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.

Se é verdade que o regime legal vigente faculta aos interessados meios legais para tentar corrigir a inércia da Administração, e, não obstante não terem sido acionados os referidos meios legais que permitiriam “obrigar” a Administração a agir, como se afirmou, não pode ser ignorada a incompreensível apatia e imobilidade da Comissão de Proteção das Vítimas de Crimes.

É pois incontornável que o Recorrente aguarda há mais de 10 anos por uma pronuncia administrativa face a requerimento submetido à referida Comissão, sendo que o dever de decidir no âmbito de um procedimento administrativo em prazo razoável, é uma obrigação que impende sobre a Administração (artigo 58.°, n.º 1, CPA aplicável – Atual artigo 59.°, do CPA, aprovado pelo DL n.º 4/2015), sendo gerador de responsabilidade civil do Estado, no âmbito do exercício da sua função administrativa.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas de direito publico por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa, está consagrada no artigo 22.°, da CRP, regendo-se pelo disposto na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, em tudo o que não esteja previsto em lei especial (cfr. artigo 1.“, n.“ 1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro).

Efetivamente, resulta dos n.ºs 1, 3 e 4, do artigo 7.“, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, que “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercido da função administrativa e por causa desse exercício” (n.º 1) “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço." (n.º 3) “Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstância e padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos.” (n.º 4).

Por outro lado, nos termos do n.º 1, do artigo 9.º, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, “Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”

Já o nº 1, do artigo 10.º, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, estabelece que “A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor."

A par da ilicitude e da culpa, constituem, ainda, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, como resulta, designadamente, do artigo 7.° do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.

Aqui chegados, importa sublinhar que a aferição da razoabilidade da duração de um procedimento administrativo deve ser feita casuisticamente e mediante uma análise global ou de conjunto do mesmo, como tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição administrativa, a propósito do atraso na decisão, o que constitui o Estado no dever de indemnizar.

Deverá ainda, na determinação da razoabilidade da duração do procedimento administrativo ser ponderado o concreto processo em análise, considerado na sua globalidade (Cfr. Acórdão TCAS, de 11.04.2013, proferido no Processo n.º 07084/11.

Várias tem sido as propostas para uma mais eficaz determinação da razoabilidade da duração de um processo, admitindo-se a razoabilidade dos critérios definidos nos Acórdãos do STA de 09.10.2008 (Processo n.º 319/08), e de 10.09.2014 (Processo n.º 090/12), os quais distinguem três seguintes situações, a saber:
i) - Quando é claro e seguro que a duração do processo ultrapassou o prazo razoável, ainda que “o método analítico de cada ato processual” conduzisse à conclusão que não houvera atraso;
ii) - Quando é indubitável que a duração do processo se considera razoável, também não interessa averiguar-se num caso ou noutro houve atraso;
iii) - Quando não é ostensivo que a duração do processo tenha ou não ultrapassado o prazo razoável, já “o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais pode desempenhar um papel relevante.

Na situação em apreciação está em causa um procedimento tendente à concessão da indemnização prevista no n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, desencadeado pelo requerimento referido na Alínea E), dos Factos Assentes, apresentado pelo Autor na sequência dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, roubo agravado, sequestro agravado e burla informática de que foi vítima, ocorridos em 11 de Fevereiro de 2009, pelos quais foram condenados os arguidos no Processo n.º 63/09.3JALRA, do 3º Juízo da Comarca de Abrantes - Círculo Judicial de Abrantes, pelos acórdãos de 08.06.2010, e 07.12.2010, referidos nas Alíneas B) a D), dos Factos Assentes (Alíneas A) a E), dos Factos Assentes).

O requerimento que desencadeou este procedimento, ao qual foi atribuído o n.º 100/2009, dirigido ao Ministro da Justiça, órgão competente para a decisão, foi apresentado pelo Autor junto do Ministério da Justiça em 12 de outubro de 2009, tendo sido reencaminhado para a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes, órgão legalmente competente para a respetiva instrução, em 15 de outubro de 2009 (cf. Alíneas E) e F), dos Factos Assentes).

Acontece que não resulta dos autos que tenha já sido feita alguma apreciação e decisão face ao referido processo pela referida Comissão, não obstante terem já passado mais de 10 anos, resultando da matéria de facto provada que, entre 10 de novembro de 2009 e 14 de abril de 2011, não foram praticados quaisquer atos no âmbito do procedimento em questão, tendo o último ato documentado nos autos sido praticado em 14 de abril de 2011 (cf. Alíneas G) e H), dos Factos Assentes).

Entendeu a 1ª instância ter-se a Administração constituído no dever legal de decidir, em 18 de maio de 2010, não tendo daí, no entanto, retirado quaisquer ilações em termos de Responsabilidade Civil Extracontratual pelos danos não patrimoniais gerados.

Não obstante o incompreensível e desajustado atraso verificado na tramitação procedimental, tal como discorrido em 1ª instância, não se reconhece a verificação de especial complexidade das questões a apreciar, que justificasse não ter sido proferida decisão final no procedimento, em tempo, sendo que resultou provado no âmbito do processo-crime (Processo n.º X), que o Autor foi vítima de crimes violentos ocorridos no dia 11.02.2009, dos quais resultaram ferimentos graves, nomeadamente no olho esquerdo, determinantes de uma incapacidade visual permanente e definitiva (cf. Alíneas B) a D), dos Factos Assentes).

As referidas decisões judiciais de âmbito criminal - Processo-crime n.º X – são do conhecimento das Entidades Demandadas, pelo menos, desde as datas em que foram citadas para a presente ação (23.05.2011 e 24.05.2011, respetivamente - cf. Alínea J), dos Factos Assentes) -, sendo que, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro (Entretanto derrogado pela Lei n.º 104/2009, de 14/09), para efeitos de atribuição da indemnização nele prevista, que tem subjacente a ideia de «solidariedade social», “o que releva são os elementos externos, objetivos, do facto ilícito de natureza criminal, não se requerendo a imputabilidade do agente, cuja identidade pode, aliás, não ser conhecida”.

Por outro lado, decorre da Informação mencionada na Alínea H), dos Factos Assentes, que o Presidente da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes remeteu ao Ministério da Justiça, a coberto de ofício datado de 06.06.2011, que o atraso na decisão do procedimento em causa, ainda pendente, deve-se ao facto de a Comissão não ter funcionado durante quase 14 meses, por os anteriores titulares terem cessado funções, e, posteriormente, à falta de recursos humanos da nova Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes, designadamente para recuperar os atrasos acumulados durante aquele período em que a Comissão não funcionou, mantendo-se nas respetivas instalações apenas uma funcionaria administrativa (cf. Alínea H), dos Factos Assentes), factos que não desresponsabilizam o Estado pelos atrasos verificados, antes pelo contrário.

Na referida Informação, o Presidente da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes refere, designadamente, que a Comissão não funcionou entre finais de novembro de 2009, desde a data em que o anterior presidente deixou de exercer funções, e 22 de março de 2011, data em que tomou posse a nova Comissão nomeada pelo Ministro da Justiça.

“A nova Comissão veio encontrar mais de 500 processos pendentes, sendo os mais antigos referentes ao ano de 2006. A nova Comissão tem neste momento o Presidente a tempo inteiro, secundado por uma única funcionaria administrativa. São estes os únicos recursos da Comissão neste momento. A Comissão tem de reforçar o seu quadro administrativo, mas neste momento os recursos humanos são estes e é com estes que funciona”, concluindo que “...o presente processo, não teve ainda decisão por razões que transcendem a própria Comissão, mas tal deve-se principalmente ao facto de ela não ter funcionado durante todo o ano de 2010.” (cf. Alínea H), dos Factos Assentes).

Assim, e de acordo com o entendimento adotado em 1ª instância, não contestado ou recorrido, e que aqui se ratifica, uma vez que a Administração estava obrigada a proferir decisão até 18.05.2010, é manifesto, incontroverso e incontornável que a duração do procedimento administrativo ultrapassou o prazo razoável, no qual, de resto, ainda não foi proferida decisão.

Sendo manifesto que se ultrapassou o prazo razoável para a decisão do procedimento tendente à concessão da indemnização prevista no n.º 1, do artigo 2.°, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, forçoso é concluir que a falta de decisão neste procedimento constitui omissão ilícita geradora de responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Tal como igualmente assente em 1ª Instância, perante a factualidade apurada nos autos e atento o critério de aferição da culpa resultante do n.º 1, do artigo 10.°, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, mostra-se igualmente preenchido o pressuposto da culpa, pois que o Estado não podia desconhecer a existência de pedidos pendentes, a aguardar instrução pela Comissão, a qual foi mantida sem titulares durante mais de um ano.

O Autor alega que por causa da demora na conclusão do procedimento administrativo, ainda pendente, sofreu e continua a sofrer de insónias, perturbações psicológicas, ansiedade e irritabilidade.

Verificados os pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual pelo atraso na emissão de decisão por parte da Administração, importa agora mensurar o valor indemnizatório a titulo de danos não patrimoniais, sendo que o Autor peticionou a atribuição de indemnização “no valor total de €250 mensais, a partir de 12 de outubro de 2009, até à conclusão do procedimento” (3.000€/ano)

Como já se discorreu, resulta do Artº 7º do regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas - Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro:
1 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
(…)
3 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.
4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos.”

Em face dos factos dados como provados, o Autor beneficia da presunção da ilicitude por culpa leve, nos termos do disposto no artigo 7º nº 3 da lei 67/2007.

Por forma a melhor explicitar o regime legal vigente, reafirma-se, em síntese, o seguinte:
O art. 22.º da Constituição da República Portuguesa estipula que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício de funções, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

Ainda que admitindo alguma redundância, mas para deixar explicito o regime legal vigente, e evitar quaisquer equívocos, refira-se que, no que respeita aos requisitos da ilicitude e da culpa, dispõe o art. 7º, nº 1, do regime anexo à citada Lei 67/2007, que o Estado e demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos “danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”

Segundo o nº 3 do mesmo artigo, quando os danos que “não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço”.

Consideram-se ilícitas, por força do art. 9.º do mesmo regime, “as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos” (nº 1) ou “quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7º(nº 2).

Em concreto, é desconcertante e inconcebível que a administração, passados que foram mais de 10 anos sobre a data entendida como aquela em que a Administração ficou constituída no dever legal de decidir - 18 de maio de 2010 – nada tenha ainda dito ou decidido, mormente no âmbito de um regime legal que tem exatamente por objetivo garantir a celeridade no apoio às vitimas de crimes.

Em qualquer caso, entende-se que o valor peticionado a titulo de danos não patrimoniais se mostra excessiva – 3000€/ano – mormente atenta a circunstancia do Autor poder ter eventualmente minorado os danos reclamados, caso tivesse intentado Ação tendente à prática de ato devido.

Estão aqui em causa os danos causalmente provocados pelo facto ilícito, resultante da violação do direito a uma decisão administrativa em prazo razoável, sendo que o Autor beneficia da presunção da ilicitude por culpa leve, nos termos do disposto no artigo 7º nº 3 da lei 67/2007.

Como salientado pelo Supremo Tribunal Administrativo (cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 28.11.2007, P. 308/07), aqui aplicado mutatis mutandis, a apreciação destes pressupostos implica a densificação de conceitos como o de “prazo razoável”, de “indemnização razoável” e de “danos morais indemnizáveis”, a qual não pode deixar de implicar uma interpretação do direito interno em conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), sob pena de “divergência entre a aplicação tida por apropriada na ordem nacional e a interpretação dada pelo Tribunal de Estrasburgo” (cfr. Acórdão citado).

No que concerne ao montante do valor indemnizatório, estando em causa danos morais estes devem ser atribuídos segundo regras da equidade, tendo sempre em atenção a situação concreta dos autos.

O montante dos danos não patrimoniais deve ser calculado, não arbitrariamente, mas atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização (artigo 496º n.º 3), aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, às flutuações da moeda (João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol I, 10º edição pág 607). A indemnização, refere ainda este Autor, reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar; no plano civilística e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

No que se refere à jurisprudência, muito vasta nesta matéria, cita-se ainda o Acórdão do STA proc. n.º 0197/15, de 22-04-2015, no qual se sumariou que:
I - A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar de forma justa, satisfatória e equilibrada aqueles que foram forçados a suportar desgostos e sofrimentos causados por factos ilícitos de outrem por forma, a que se sintam compensados por terem sido sujeitos a tais sofrimentos.
II - Todavia, só podem ser indemnizados os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, atenta a impossibilidade da sua quantificação, o seu montante tem de ser fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (art.ºs 496.º e 494.º do CC).
III - Sendo certo que a gravidade desses danos deve ser medida por um padrão tanto quanto possível objetivo e não à luz de fatores subjetivos.

Em face do que precede, mostra-se que na situação em apreciação, a duração do procedimento se mostra excedido, pois que o prazo razoável está excedido.

Como se disse já, mostra-se verificada a ilicitude, traduzida num atraso na decisão administrativa, o viola o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão que aprecie a pretensão deduzida junto da Administração.

Quanto ao pressuposto da culpa, ou seja, o juízo de censura que, sendo, no caso, imputável à Comissão, equivale ao conceito de “culpa do serviço”, o qual se consubstancia na demora excessiva do procedimento, devida a um funcionamento deficiente dos serviços.

Assim, e em decorrência do declarado atraso de mais de 10 anos na prolação de decisão administrativa, face ao requerido, é patente que o Estado não adotou as medidas suficientes para garantir uma decisão em “prazo razoável”.

O certo é que no caso vertente ficou provada uma atuação da administração ilícita e culposa, porque a morosidade procedimental verificada foi, em boa medida, decorrente da sua atuação omissiva, pelo menos, a título de culpa leve.

Aqui chegados, mostra-se equilibrado e ajustado à realidade fática dada como provada, atribuir ao Autor uma indemnização a titulo de danos não Patrimoniais de 10.000€, enquanto dano presumido, sendo que foram convocados os padrões fixados na jurisprudência nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Em face do que precede, procederá parcialmente o Recurso interposto.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao Recurso, condenando-se o Estado Português no pagamento ao Autor de indemnização a titulo de danos não patrimoniais de 10.000€, mantendo-se o demais decidido em 1ª instância.

Custas pelos Recorridos.

Lisboa, 3 de março de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa