Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2312/10.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PARTES DE CAPITAL
ELEMENTOS DO CAPITAL PRÓPRIO
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
MAIS-VALIAS
SGPS
JUROS COMPENSATÓRIOS
ERRO DESCULPÁVEL
NOTIFICAÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
APROVEITAMENTO DO ATO
Sumário:I - Sendo discernível partes de capital de elementos do capital próprio, resulta que a aquisição de participações sociais se distingue da realização de prestações suplementares.
II - A circunstância de a realização do capital ter decorrido da transferência de um valor, com origem em prestações suplementares entretanto restituídas, não altera a conclusão extraída em I., uma vez que se trata apenas da forma como o capital subscrito foi realizado.
III - No caso da conversão de prestações suplementares em participações sociais há um momento intermédio, consubstanciado na deliberação da sociedade no sentido da restituição das mesmas ao sócio, com o consequente nascimento de um direito de crédito na esfera jurídica do sócio sobre a sociedade.
IV - Estando em causa liquidações de juros compensatórios, relativos a situação na qual a Impugnante seguiu entendimento defendido em alguns contextos pela própria AT, a atuação daquela entra dentro dos padrões exigíveis de diligência, dado ter adotado uma posição interpretativa possível numa matéria de caráter não pacífico dentro da própria Administração.
V - Resultando provado que a entidade que distribui o correio postal registou informaticamente a entrega de determinado objeto registado a recetor que não o seu destinatário, não se encontra demonstrada a efetividade de notificação.
VI - Nos termos da teoria do aproveitamento do ato, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma.
VII - Quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado.
VIII - Tendo sido apreciada, em sede impugnatória, toda a argumentação sustentada pela Impugnante (que coincide com a argumentação invocada em sede de audição prévia) e da mesma tendo resultado verificarem-se os pressupostos de facto e de direito da atuação da AT em sede inspetiva, a falta de apreciação do alegado em sede de direito de audição revela-se irrelevante e sem força invalidante, na medida em que os pressupostos da tributação já foram apreciados pelo Tribunal.
IX - Demonstrada, junto do Tribunal, a conformidade substancial do ato praticado, uma solução distinta da mencionada em VIII conduziria a um resultado antijurídico.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

S..., SGPS, S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 16.04.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2005.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“a) A sentença a quo pôs termo à impugnação judicial que correu sob o n.° 2312/10.6BELRS, contra a liquidação adicional de IRC n.° 2010 8310003047, relativa ao exercício de 2005, da qual resultou um valor inicial a pagar de € 912.886,61 de imposto e juros compensatórios, reduzido entretanto pela AT e já na pendência do processo, para € 888.189,50.

b) Por não se conformar com o teor da sentença proferida, na parte em que considerou a impugnação improcedente, a ora Recorrente apresenta o presente recurso com vista a obter a revogação da sentença proferida em primeira instância, através do reconhecimento do vício de procedimento e/ou do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito de aplicação do artigo 31.°, n.° 2 do EBF, de que padece a liquidação adicional em causa.

c) O probatório da sentença recorrida deve ser alterado nos termos explicitados no Capítulo C) das presentes alegações:

i) corrigindo-se o lapso cometido na alínea G) do probatório onde deve passar a ler-se `RC410446252PT em vez de `RC410446262PT;

ii) complementando-se a respetiva alínea I) do probatório com «e documento n.° 10 em anexo à p.i.» no final;

iii) substituindo-se o conteúdo da alínea II) do probatório por «O correio registado sob o registo postal n.° RC410446252PT, expedido em 09/04/2010, foi entregue pelos CTT, em 12/04/2010 no Instituto do Emprego e da Formação Profissional»;

iv) adicionando-se uma nova alínea G) onde se leia que «O ofício referido em G) do probatório foi recebido na sede da Impugnante em 13/04/2010»;

v) e dando-se como não provado «que o ofício referido em G) do probatório foi entregue no domicílio fiscal da Recorrente em 12/04/2010».

d) Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo não pode presumir-se que a carta registada sob o n.° RC410446252PT, contendo o Projeto de Relatório da Inspeção e, assim, a notificação para o exercício do respetivo direito de audição prévia, foi efetivamente entregue à Recorrente no terceiro dia útil posterior ao seu envio, nos termos do artigo 39.°, n.° 1 do CPPT.

e) A presunção de entrega contida naquele preceito legal apenas opera se for afastado com segurança o risco de extravio, havendo, por isso, certeza de que a carta registada foi colocada na esfera de cognoscibilidade da Recorrente, i.e., entregue na sua sede.

f) Apenas com a prova da entrega da carta registada na sede da Recorrente, através da exibição do recibo de entrega a que se refere o n.° 4 do artigo 28.° do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 176/88, de 18 de Maio, pode operar a presunção prevista no artigo 39.°, n.° 1 do CPPT.

g) Este é o único entendimento que se coaduna com a necessidade das formalidades da notificação postal oferecerem garantias de segurança e fiabilidade que não inviabilizem aos notificados ilidir a presunção de efetivo recebimento da correspondência, a que se referem os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.° 130/02, de 14 de março de 2002 e n.° 439/2012 de 26 de setembro de 2012; entendimento esse que ficou plasmado de forma clara e inequívoca no Acórdão deste TCA Sul de 8 de maio de 2019, proferido no processo n.° 154/12.3BESNTLM, e nos Acórdãos do STA de 30 de maio de 2018 e de 29 de maio de 2013, proferidos respetivamente nos processos n.° 0830/17 e 0473/13, oportunamente citados.

h) Só nessas circunstâncias caberia então à Recorrente demonstrar que, não obstante a receção da correspondência na morada certa e no dia indicado, não havia sido notificada — i.e. o seu representante legal não havia tomado conhecimento do seu conteúdo — dentro do prazo previsto no artigo 39.°, n.° 1 por facto que não lhe podia ser imputável.

i) O ónus da prova de entrega efetiva da carta registada contendo o Projeto de Relatório da Inspeção na sede da Recorrente cabia à AT, que não logrou provar, através do recibo de entrega referido no n.° 4 do artigo 28.° do Regulamento do Serviço Público de Correios, que aquela carta foi colocada ao alcance da Recorrente no dia 12 de Abril de 2010, como alega, não podendo, dessa forma, beneficiar-se da presunção legal prevista no artigo 39.°, n.° 1 do CPPT.

j) Ao contrário, a Recorrente provou, através de documentos e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, que o Projeto de Relatório de Inspeção contendo a notificação para o exercício da audição prévia foi entregue na sua sede apenas em 13 de Abril de 2010 e não podia tê-lo sido em data anterior, visto ter sido entregue no dia 12 de Abril de 2010 ao Instituto do Emprego e da Formação Profissional — cfr. documentos n.° 10 e n.° 15 em anexo à p.i. e depoimentos das testemunhas a minutos 17m30s e 31m34s da gravação da audiência de inquirição de testemunhas.

k) Assim, ainda que pudesse defender-se o entendimento segundo o qual a presunção do artigo 39.°, n.° 1 do CPPT é aplicável in casu, sempre teria que concluir-se que a Recorrente logrou ilidi-la como impõe o artigo 39.°, n.° 2 do CPPT, tendo demonstrado inequivocamente que, por facto que não lhe foi imputável, apenas foi notificada para exercer a audição prévia em 13 de Abril de 2010.

l) A audição prévia exercida em 28 de Abril de 2010 — conforme alínea J) do probatório — foi tempestiva pelo que a sua não ponderação na decisão final é ilegal por violação do disposto no artigo 60.° da LGT e 60.° do RCPIT e deveria ter determinado a anulação da liquidação de IRC e de juros compensatórios contestada pela sentença recorrida, pelo que deve a mesma ser revogada.

m) A Recorrente, depois de ter recebido o relatório final de inspeção e aí ter constatado que o seu direito de audição não havia sido considerado, prontamente entrou em contacto com a AT a explicar o sucedido, tendo esta ignorado olimpicamente os esclarecimentos prestados pela Recorrente, sem ter feito, sequer, o esforço para contradizer ou refutar o facto de a Recorrente apenas ter recebido o projeto de relatório a 13 de abril de 2010 (e não a 12 de abril de 2010).

n) A sentença recorrida interpretou erroneamente o disposto no artigo 31.°, n.° 2 do EBF (à data dos factos), ao considerar que a venda das 18.023 ações atribuídas à Recorrente em virtude da conversão de prestações suplementares em participações sociais não pode beneficiar da isenção aí prevista por, alegadamente, se tratar de capital detido há menos de um ano.

o) Deve considerar-se que as partes de capital em causa foram adquiridas, não aquando da conversão das prestações suplementares em ações, mas antes, na data em que aquelas foram efetuadas, i.e., em 27 de Maio de 2004, pelo que, em Dezembro de 2005, data na qual foram alienadas todas as partes de capital detidas pela Recorrente na E... II, já havia decorrido o período de um ano exigido pelo artigo 31.°, n.° 2 do EBF (à data dos factos) para efeitos da exclusão de tributação aí prevista.

p) Do ponto de vista económico e contabilístico, conforme resulta do ofício 8/97 de 29 de Janeiro, da Comissão de Normalização Contabilística, prestações suplementares e participações sociais têm a mesma natureza — a de partes de capital — não havendo qualquer princípio ou norma que determine que devem ser concedidos tratamentos fiscais diversos àquelas realidades pelo simples facto de a prestação das primeiras ser facultativa e a realização das segundas obrigatória, ao contrário do alegado na sentença recorrida.

q) A operação de aumento de capital da E... II (inicialmente G...) ocorrida em Janeiro de 2005, do ponto de vista contabilístico e fiscal, por efeito do disposto nos artigos 17.° e 21.° do Código do IRC, mais não foi do que a transferência de € 90.115 da rubrica das "prestações suplementares" para a rubrica "capital social", ambas dentro da classe dos "capitais próprios" não tendo, consequentemente, havido qualquer aumento dos capitais próprios nem qualquer variação patrimonial positiva relevante para efeitos de IRC.

r) Do ponto de vista contabilístico da Recorrente na qualidade de sócia, também não há qualquer alteração já que as prestações suplementares são registadas exatamente na mesma conta em que está registada a participação, i.e. na conta de investimentos financeiros.

s) Ao alienar as partes de capital detidas na E... II, a Recorrente não distinguiu ou valorizou separadamente as participações sociais e as prestações suplementares; como resulta do probatório, a sua participação no capital daquela sociedade manteve-se inalterada desde Maio de 2004, detendo 0,67% das participações sociais da E... II e partes de capital valorizadas e contabilizadas em € 165.758,95, as quais foram vendidas na totalidade pelo valor de € 3.135.718,47.

t) Conferir tratamento distinto a prestações suplementares e participações sociais condiciona o comportamento dos contribuintes de forma ilegal, ao tratar de formas diversas uma realidade económica e contabilisticamente uniforme.

u) A Recorrente realizou um investimento financeiro (parte por via de capital social, parte por via de prestações suplementares entretanto convertidas em capital social) que vendeu passado algum tempo, realizando um ganho. Pretender tributar esse ganho de duas formas é um completo absurdo que contraria a teleologia do artigo 31.°, n.° 2, do EBF e o princípio maior da neutralidade dos impostos.

v) A interpretação vertida na sentença recorrida viola os princípios de direito da prevalência da substância sobre a forma e da neutralidade fiscal, na medida em que o aumento de capital em nada alterou a realidade económica e contabilística subjacente, tendo-se traduzido numa mera conversão de prestações suplementares em participações sociais, do mesmo modo que, se não tivesse realizado o aumento de capital, a participação alienada pela Recorrente teria sido exatamente a mesma, como resulta do probatório, não se justificando por isso, uma penalização da Recorrente no regime fiscal aplicável em virtude da opção — de cariz organizacional e societário — tomada.

w) Tanto assim é que o próprio legislador veio clarificar o regime de exclusão de tributação nesse sentido — explicitando que esta é aplicável também à alienação das prestações suplementares — e até mesmo alargar o seu escopo, por forma a abranger todas as sociedades e não só as SGPS — cfr. artigo 51.°-C do Código do IRC, na redação introduzida pela Reforma de 2014.

x) Em virtude do erro de julgamento praticado na sentença recorrida, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que conceda provimento à impugnação apresentada, anulando a liquidação de IRC e de juros compensatórios na totalidade por violação do artigo 31.°, n.° 2 do EBF (à data dos factos).

y) A liquidação de juros compensatórios in casu é ilegal, não só por decorrência da ilegalidade da liquidação de imposto que lhe está subjacente nos termos expostos nas presentes alegações, como também porque sempre será de considerar que o retardamento da liquidação de IRC contestada se deveu a uma compreensível e explicada divergência de critérios interpretativos entre o contribuinte e a Administração fiscal, divergência esta que, aliás, em outros processos é uma convergência pois que a AT vem defender, designadamente, junto do Tribunal Constitucional que as prestações suplementares não devem ser consideradas distintas das participações sociais.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. por certo suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, anulada a sentença recorrida e a impugnação judicial julgada procedente por provada, pois só assim se fará a aqui peticionada e muito reclamada Justiça!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões decidir (cfr. art.º 639.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT):

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que se verificou preterição do direito de audição?

c) Verifica-se erro de julgamento, dado que se encontram reunidos os requisitos previstos no então n.º 2 do art.º 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)?

d) Verifica-se erro de julgamento, porquanto não se verificam todos os pressupostos inerentes à liquidação dos juros compensatórios?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A partir de 09/09/2003, a Impugnante alterou a sua designação social para S... SGPS, S.A., na sequência de um processo de restruturação das formas de exploração do seu objeto social que desde 2002 consistia em «gestão de empreendimentos imobiliários ou de participações financeiras noutras empresas, o exercício de atividades económicas relacionadas com a indústria e comercialização de águas, a exploração e administração de bens móveis e imóveis, próprios e alheios, bem como a exploração de atividades turísticas e cinegéticas» - cfr. fls. 79 a 92 do documento sob registo 005236772 (PI);

B) Ao abrigo da ordem serviço n.º OI200903804, datada de 26/05/2009, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Lisboa realizaram uma ação de inspeção externa, de âmbito parcial, à sociedade ora Impugnante, na qual foi elaborado em 29/04/2010, o Relatório Final (RIT), sancionado na mesma data pelo Diretor de Finanças de Lisboa, ora a fls. 131 a 172 do PA e 37 a 78 do documento sob registo 005236772 (PI), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

C) Do Relatório referido em B) destaca-se o seguinte: «O sujeito passivo deduz para apuramento do seu resultado para efeitos fiscais do exercício em análise o montante de 2.969.959,53 €, através da respectiva inscrição no campo 229 - Mais-valias contabilísticas da declaração de rendimentos modelo 22 (Anexo n.º 1, fls. 1).

O valor indicado resulta de apuramento evidenciado no mapa modelo 31 – Mapa as mais ou menos-valias fiscais- que elabora em referência a este mesmo exercício (Anexo n.º 2, fls. 2).

Analisado este mapa, bem como um conjunto de documentos relacionados com as operações de aquisição e alienação a que se refere, recolhidos no decurso do procedimento, constata-se o seguinte.

A mais-valia aqui em causa é apurada na venda de uma participação de 0,67% que o sujeito passivo detinha no capital de uma sociedade inicialmente denominada G..., SGPS (NIPC: ...) (“G...") e posteriormente E... II - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA. (“E... II”).

Esta participação tinha sido adquirida pelo sujeito passivo em dois momentos:

Primeiro, ao abrigo de um contrato datado de 21 de Maio de 2004, o sujeito passivo adquire à S... Soc. Investimento e Gestão SGPS, SA (…) ("S...”) um primeiro conjunto de 67 acções, representativas de 0,67% do capital da (então) G..., pelo preço de 335 € (Anexo n.° 3, fls. 3 a 5). A data exacta da concretização desta transacção é desconhecida [em rodapé: «O contrato que suporta a transação estipula a data de 31 de Maio de 2004 como limite para a entrega dos títulos pelo vendedor ao comprador, e para o cumprimento de todas as formalidades necessárias à respetiva transmissão.»] mas é seguro afirmar que se situa entre o dia 21 de Maio de 2004 (data do contrato que estabelece os respectivos termos) e o dia 27 do mesmo mês, visto que, neste último dia, a S... coloca já na G... 165.423,94 € de Prestações Suplementares (Anexo n.° 4, fls. 6 e 7).

Posteriormente, no dia 13 de Janeiro de 2005, é celebrada uma escritura através da qual o capital social da (até então) G... é aumentado de 50.000 € para 13.500.000 € (Anexo n.° 5, fls. 8 a 11). O aumento, de 13.450.000 €, é, conforme fica vertido na escritura, realizado em dinheiro, pela emissão de 2.690.000 novas acções.

No mesmo acto, a até então G... altera a sua denominação para E... II. A S... acompanha este aumento de capital, recebendo 18.023 novas acções da empresa, com o valor nominal global de 90.115,00 €, que imediatamente realiza. O Anexo às Demonstrações Financeiras referentes ao exercido de 2005 da (agora) E... II (ex-G...) diz, na sua nota 40, que: “Em 13 de Janeiro de 2005 foram restituídas aos acionistas Prestações Acessórias de Capital, no montante de Euros 13.450.000,00, de acordo com a respectiva proporção. (...) Na mesma data, foi aumentado o capital social, em igual montante, a que correspondeu a emissão de 2.690.000 novas acções, ao portador, com o valor nominal de Euros 5,00.” (Anexo n.º 6, fls» 12 e 13).

São estas as circunstâncias em que o sujeito passivo adquire a parte de capital cuja venda vem a gerar o ganho que aqui se pretende enquadrar I) um primeiro conjunto de 67 acções, por compra à S..., em Maio de 2004, e; II) um segundo conjunto de 18.023 acções, resultantes do aumento de capital feito na participada em Janeiro de 2005.» - cfr. fls. 42 e 43 do documento sob registo 005236772 (PI);

D) Do mesmo RIT destaca-se também o seguinte: «Finalmente, na sequência de um processo negocial concluído entre o Grupo S... e uma gestora de fundos denominada B..., que vem a resultar na transmissão do conjunto de empresas de energias renováveis encabeçado pela (agora) E... II (ex-G...) do primeiro para a segunda, celebra-se a 16 de Dezembro de 2005 um contrato de compra e venda nos termos do qual a S... vende a uma sociedade denominada P... - Consultoria e Investimento, Sociedade Unipessoal, Lda. (adiante “P..."), constituída pela B...para o efeito, as suas 18.090 acções da E... II (ex-G...). A venda é feita pelo preço de 3.135.718,47 €, que inclui o direito às Prestações Suplementares que a S... mantém na E... II (ex-G...), no valor de 75.308,94 €.

A S... apura o resultado desta venda por diferença entre, por um lado, o preço respectivo (3.135.718,47 €), e, por outro, o valor pago à S... em maio de 2004 pela aquisição das primeiras 67 acções na G... (335,00 €), o valor entregue à própria G... na mesma altura a título de Prestações Suplementares e ainda não saldado (75.308,94 €), e o valor das novas 18.023 acções emitidas pela G... no aumento de capital de 13 de janeiro de 2005 (90.115,00 €).

A S... apura, assim, um ganho contabilístico de 2.969.959,53 € em resultado desta venda (2.969.959,53 = 3.135.718,47 - 335 - 75.308,94 - 90.115,00).

Exclui este ganho de tributação, pela sua totalidade, ao inscrever o respectivo valor no campo 229 da respectiva declaração de rendimentos, campo este reservado à dedução de mais-valias contabilísticas no apuramento do lucro tributável.

Ao fazê-lo, a S... está a enquadrar este ganho no disposto pelo n.º 2 do art.º 32.º do EBF: (…) (Anexo n.º 7, fls. 14 e 15).

E, portanto, está também a considerar não ser aqui aplicável a exceção a esta norma que se apresenta no n.º 3 do mesmo artigo: (…)» - cfr. fls. 44 do documento sob registo 005236772 (PI);

E) Prossegue o RIT referido em B) nos seguintes termos: «Todavia, o enquadramento dado pelo sujeito passivo ao ganho aqui em questão é indevido. Em primeiro lugar, devido às circunstâncias da aquisição das 18.090 acções de cuja venda, realizada em 16 de dezembro de 2005, resulta esta mais-valia.

Conforme acima se diz, a aquisição destas acções ocorre em dois momentos: primeiro, em maio de 2004, o sujeito passivo compra à S... um primeiro conjunto de 67 destas acções. Depois, em 13 de janeiro de 2005, obtém as restantes 18.023 ao acorrer a um aumento de capital da E... M (ex-G...).

É sujeito a tributação o ganho imputável quer ao primeiro, quer ao segundo destes conjuntos de acções, pelos motivos seguintes.

O primeiro conjunto é adquirido pelo sujeito passivo a uma entidade com a forma de “SGPS" (a S...), e por este alienado em 16 de dezembro de 2005, antes de estarem decorridos três anos desde a data da respectiva aquisição, ocorrida em 21 de maio de 2004. O ganho imputável à venda deste conjunto de acções resulta assim da venda de uma parte de capital adquirida há menos de três anos a uma entidade residente em território português e sujeita a um regime especial de tributação. Este ganho não pode por isso ser tratado nos termos previstos no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, visto que se enquadra na norma de exceção contida no n.º 3 do mesmo artigo, devendo ser tributado.

O segundo destes dois conjuntos de acções, isto é, as 18.023 acções que a S... obtém ao acorrer ao aumento de capital da E... II (ex-G...) de 13 de janeiro de 2005, não estava ainda, em 16 de dezembro de 2005, na sua posse há um ano. O período de detenção da parte de capital impede que a respectiva mais-valia se possa enquadrar no n.º 2 do art.º 32.º do EBF.

Pelas razões expostas se afirma que as circunstâncias de aquisição da participação vendida em 16 de dezembro de 2005 - designadamente o regime especial de tributação a que se encontrava sujeita a entidade à qual foi, em parte, adquirida, e as datas de aquisição das duas parcelas dessa participação pelo sujeito passivo - determinam a sujeição do respectivo resultado a tributação, nos termos do n.º 3 do art.º 32.º do EBF.

Adicionalmente a estas, uma outra razão determina o enquadramento deste ganho no n.º 3 do art.º 32.º do EBF, e a respectiva tributação: a forma de “SGPS” havia sido adotada pela S... em 9 de setembro de 2003 (Anexo n.º 9, fls. 17 a 20).

Por isso, na data em que concretiza o ganho aqui em apreço - 16 de dezembro de 2005 - a S... está na situação a que se refere a parte final daquela norma, isto é, resultou de transformação de sociedade, ocorrida há menos de três anos, à qual não era aplicável o n.º 2 do mesmo artigo.

Sublinha-se, para concluir, que cada um dos tipos de razões que se apontaram - primeiro, as que se referem às circunstâncias da aquisição da participação agora vendida e, segundo, a que se refere à antiguidade da adoção da forma de “SGPS” por parte da S... - chega, por si só, para que se enquadre o resultado da venda dessa participação no disposto pelo n.º 3 do artigo 32.º do EBF. A este resultado não se aplica o n.º 2 daquela norma, nem qualquer outra norma que o afaste de sujeição, isente, atenue ou permita o diferimento da tributação em sede de IRC.

Assim, propõe-se a correção, a favor do Estado, do resultado declarado para efeitos fiscais pelo sujeito passivo em relação ao exercício de 2005, pelo montante de € 2 969 959,53, correspondente ao ganho obtido na venda de uma parte de capital da E... II (anterior G...), enquadrável no disposto pelo n.º 3 do art.º 32.º do EBF.» - cfr. fls. 45 e 46 do documento sob registo 005236772 (PI);

F) Do Relatório referido em B) destaca-se ainda: «O sujeito passivo foi notificado através do nosso oficio n.º 029147, de 09.04.2010, para exercer, querendo, o direito de audição prévia previsto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro e no art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, não tendo exercido esse direito.» - cfr. fls. 48 do documento sob registo 005236772 (PI);

G) O ofício n.º 029147, datado de 09/04/2010 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, sob o assunto: «Projeto de Relatório da Inspeção Tributária - Artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT)» e relativo à ordem de serviço OI200903804, foi remetido à Impugnante sob o registo postal n.º RC 410446262PT, expedido em 09/04/2010 - cfr. fls. 96 do documento sob o registo 005236772 e 174 do PA;

H) Dá-se por reproduzida a informação constante do sítio dos CTT na internet, a fls. 119 do documento sob registo 005236772 (PI);

I) Nos serviços da Impugnante foi aposto no ofício referido em G) o seguinte carimbo:

“RECEBIDO 13 ABR 2010” - cfr. depoimento das testemunhas;

J) A Impugnante exerceu o direito de audição prévia quanto ao projeto de relatório da ação de inspeção referida em B) nos termos do requerimento ora a fls. 97 a 109 do documento sob o registo 005236772 (PI), o qual foi remetido em 28/04/2010, aos SIT da Direção de Finanças de Lisboa, através do registo postal RC 360871643 PT com aviso de receção – cfr fls. 110 do documento sob registo 005236772 (PI);

K) Em 27/05/2010 foi emitida em nome da Impugnante, a liquidação adicional de IRC ao exercício de 2005, n.º 2010 8310003047, a qual apurou um valor a pagar de € 912 886,61, tendo como data limite de pagamento 07/07/2010 - cfr. fls. 33 a 35 do documento sob registo 005236772 (PI);

L) Em 31/08/2010 foi prestada pelo M... BCP, a garantia bancária n.º 125-02-1690449, no montante de € 1 169 833,91, destinada ao processo de execução fiscal n.º 3247201001099302, a qual foi cancelada por determinação do beneficiário, em 23/01/2014 – cfr. fls. 3 do documento sob o registo 006165415;

M) O PEF referido em L) diz respeito à liquidação objeto da presente impugnação - cfr. fls. 127 do PA;

N) A Impugnante suportou o montante de € 59 873,65 a título de encargos com a garantia referida em L) - cfr. fls. 4 a 19 do documento sob o registo 006165415;

O) Dá-se por reproduzido o teor da informação prestada pelos CTT, ao Tribunal em 02/09/2014, a qual constitui o documento sob registo n.º 005745570;

P) A PI da presente impugnação foi remetida por correio a este Tribunal em 01/10/2010 - cfr. fl. 1 do documento sob registo 005236773;

Q) Relativamente ao exercício de 2004, a Impugnante apurou um prejuízo para efeitos fiscais no montante de € 127 423,26 - cfr. fls. 177 e 178 do PA;

R) No exercício de 2006, a Impugnante deduziu prejuízos fiscais no montante de € 50 026,97 - cfr. fls. 182 do PA;

S) Nos exercícios de 2007 a 2010, a Impugnante não apurou lucro tributável - cfr. fls. 184 a 199 do PA.

II.B. O Tribunal recorrido considerou não provada a seguinte matéria de facto:

“1) Que o oficio referido em G) do probatório só foi recebido pela Impugnante em 13/04/2010 por razões que não lhe são imputáveis”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

O depoimento das testemunhas, que se revelou sério, coerente, credível e imparcial, apesar das funções desempenhadas na Impugnante, e de terem sido questionadas sobre factos não controvertidos, e a provar por documento, designadamente quanto às operações de aquisição e alienação, foi relevante, pois a descrição, embora genérica, do modo como se processava a receção de correspondência na Impugnante e o confronto com a cópia do oficio referido em G), permitiu dar como provado o facto referido em I).

Todavia, não permitiu que o Tribunal formasse a sua convicção em sentido contrário, quanto ao facto não provado, uma vez conjugado com as demais provas produzidas nos autos, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 39.º do CPPT.

Decorre do disposto nesta norma que a presunção de notificação estabelecida no seu n.º 1, só pode ser ilidida pelo notificando e quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior, ainda que possa requerer que a AT ou o Tribunal solicitem aos correios informação sobre a data efetiva da receção.

Neste sentido, trata-se de um ónus dos contribuintes, não só ilidir a presunção - de que recebeu a notificação para além do terceiro dia útil posterior ao registo - mas também que tal facto, a ter ocorrido, não lhe foi imputável.

Refere a norma em causa - mas até numa dimensão pouco atualista e desfasada da realidade, já que as regras de experiência apontam no sentido de que os CTT prestam nos mesmos termos, diretamente aos contribuintes, a informação por estes pretendida, e com base na informação disponível no seu sitio informático - que para o efeito, o interessado pode requerer à Administração ou ao Tribunal que requeira aos correios a informação sobre a data da efetiva receção.

No caso em apreço, por questões relativas ao tempo em que a informação fica disponível nas bases de dados dos CTT, não foi possível aos CTT prestar a informação pretendida pela Impugnante e requerida pelo Tribunal.

De qualquer modo, a Impugnante, obteve anteriormente e quando deduziu a presente impugnação, impressão da informação constante no sitio informático dos CTT, quanto ao registo em causa. Dali consta que a correspondência em causa foi entregue no dia 12/04/2010 no “Instituto Emprego e Formação Profissional”.

Todavia, o que por ali se prova é o teor da informação que constava desse sitio informático em determinada data, mas não que tal informação corresponde à realidade descrita, na medida em que se trata de informação inserida posteriormente à distribuição da correspondência, nesse sistema e, portanto, sujeita, não raras vezes, a lapsos e erros quer quanto aos destinatários/recetores quer quanto às respetivas datas.

É também neste sentido, o que se pode retirar do carimbo aposto pelos serviços da Impugnante no oficio em causa. Ou seja, resulta provado que a Impugnante lhe apôs um carimbo datado de 13/04/2010.

Todavia, o mesmo não permite dar por provada a receção daquela correspondência só naquela data, tanto que não é razoável nem crível admitir que caso a correspondência tivesse, por lapso dos CTT, já que a AT a dirigiu corretamente à Impugnante, sido entregue no “Instituto Emprego e Formação Profissional”, logo no dia seguinte, tivesse sido entregue na Impugnante, como se quem a recebeu indevidamente, não a tivesse devolvido aos CTT ou a tivesse ido entregar em mão;

E por facto não imputável à própria Impugnante, tanto que o carimbo em causa se encontra, apenas e somente na sua disponibilidade”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração (1).

Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação do facto J, transcrito em II.A:

J) A Impugnante exerceu o direito de audição prévia quanto ao projeto de relatório da ação de inspeção referida em B) nos termos do requerimento ora a fls. 97 a 109 do documento sob o registo 005236772 (PI), o qual foi remetido em 28/04/2010, aos SIT da Direção de Finanças de Lisboa, através do registo postal RC 360871643 PT com aviso de receção – cfr. fls. 97 a 110 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 004055725, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

A Recorrente insurge-se, desde logo, contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando que:

a) Deve ser corrigido o lapso cometido na alínea G) do probatório onde deve passar a ler-se RC410446252PT em vez de RC410446262PT;

b) Deve ser complementada a motivação da alínea I) do probatório com «e documento n.° 10 em anexo à p.i.»;

c) Deve substituir-se o conteúdo da alínea H) do probatório por «O correio registado sob o registo postal n.° RC410446252PT, expedido em 09/04/2010, foi entregue pelos CTT, em 12/04/2010 no Instituto do Emprego e da Formação Profissional»;

d) Deve ser aditada uma alínea G1) onde se leia que «O ofício referido em G) do probatório foi recebido na sede da Impugnante em 13/04/2010»;

e) Deve ser dado como não provado «que o ofício referido em G) do probatório foi entregue no domicílio fiscal da Recorrente em 12/04/2010».

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (2).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (3).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

¾ Facto a corrigir supra identificado sob a alínea a):

Efetivamente, assiste razão à Recorrente, sendo de corrigir o mencionado lapso de escrita.

Como tal o facto G) passará a ter a seguinte redação:

“G) O ofício n.º 029147, datado de 09/04/2010 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, sob o assunto: «Projeto de Relatório da Inspeção Tributária - Artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT)» e relativo à ordem de serviço OI200903804, foi remetido à Impugnante sob o registo postal n.º RC 410446252PT, expedido em 09/04/2010 - cfr. fls. 96 do documento sob o registo 005236772 e 174 do PA”.

¾ Facto a corrigir supra identificado sob a alínea b):

O facto I), nos termos formulados pelo Tribunal a quo, tem a seguinte redação:

I) Nos serviços da Impugnante foi aposto no ofício referido em G) o seguinte carimbo:

“RECEBIDO 13 ABR 2010” - cfr. depoimento das testemunhas;

Compulsada a prova documental indicada, verifica-se que assiste razão à Recorrente, na medida em que o documento n.º 10, junto com a petição inicial, consubstancia-se, justamente, no documento no qual foi aposto o referido carimbo.

Face ao exposto, a redação do facto I) passará a ser a seguinte:

I) Nos serviços da Impugnante foi aposto no ofício referido em G) o seguinte carimbo:

“RECEBIDO 13 ABR 2010” - cfr. depoimento das testemunhas e documento n.º 10 junto com a petição inicial.

¾ Facto a substituir supra identificado sob a alínea c):

Considera a Recorrente que o facto H) deve passar a ter a seguinte redação:

“O correio registado sob o registo postal n.° RC410446252PT, expedido em 09/04/2010, foi entregue pelos CTT, em 12/04/2010 no Instituto do Emprego e da Formação Profissional”.

Desde já se refira que, com efeito, a formulação constante de II.A. atinente ao facto H) não é tecnicamente correta, não se consubstanciando em qualquer facto, mas sim limitando-se a dar como reproduzido um meio de prova.

Como tal, desse ponto de vista assiste razão à Recorrente.

No entanto, o deferimento do requerido não será nos termos propostos, dado que o mencionado documento apenas prova que foi registado no sistema informático dos CTT que a entrega foi efetuada no Instituto do Emprego e da Formação Profissional.

Face ao exposto, o facto H) passará a ter a seguinte redação:

“H) Foi registada, no sítio da Internet da empresa distribuidora de correio postal, relativamente ao objeto n.º RC410446252PT, o estado de “entrega conseguida” a 12.04.2010 e, como recetor, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) (cfr. documento n.º 15 junto com a petição inicial”.

¾ Facto a substituir supra identificado sob a alínea d) e facto não provado a aditar, supra identificado sob a alínea e):

Considera a Recorrente que deve ser aditada uma alínea G1) com o seguinte teor:

«O ofício referido em G) do probatório foi recebido na sede da Impugnante em 13/04/2010».

Entende ainda que deve ser dado como não provado que «o ofício referido em G) do probatório foi entregue no domicílio fiscal da Recorrente em 12/04/2010».

Vejamos.

Da prova documental produzida, por si só, não permite dar como provado o mencionado facto, sendo apenas possível, como base nela, que, pelo menos a 13.04.2010, tal ofício foi recebido pela Impugnante e que a distribuidora dos serviços postais registou no seu sistema que o terá entregado no IEFP. Por outro lado, a prova testemunhal produzida foi demasiado genérica, falando ambas as testemunhas em procedimentos habituais em abstrato e não na situação em concreto.

Do demonstrado, sabemos o que foi registado no sítio da Internet da empresa prestadora de serviços postais e sabemos que, pelo menos, a 13.04.2010, a notificação tinha chegado ao conhecimento da Impugnante.

Entende-se, por outro lado, que o que a prova produzida permite demonstrar, a este respeito, já decorre da factualidade assente, designadamente dos factos H) (na redação conferida por este TCAS) e I), devendo daí o Tribunal extrair as suas conclusões, motivo pelo qual se considera ser de indeferir quer o aditamento do facto provado quer o do não provado.

No entanto, em consequência e pelos mesmos motivos, oficiosamente se determina a eliminação do facto não provado 1), cujo teor, aliás, não é exclusivamente factual, mas conclusivo.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Não obstante, nas conclusões formuladas, a Recorrente ter optado por uma ordem, no sentido de ter atentado, em primeiro lugar, em vícios de caráter formal e, adiante, em vícios de caráter substancial, a ordem de conhecimento das questões suscitadas será feita considerando a maior tutela que a sua eventual procedência confere à parte.

III.A. Do erro de julgamento, face à aplicação do então art.º 31.º, n.º 2, do EBF

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, em virtude de ser aplicável in casu o disposto no então art.º 31.º, n.º 2, do EBF.

Vejamos então.

In casu, em termos de factualidade pertinente, temos que:

a) A Impugnante, em 2003, passou a ser uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS);

b) Enquanto tal, adquiriu, em maio de 2004, à S..., SGPS, SA, uma participação (67 ações), correspondente a 0,67% do capital social, da sociedade G..., SGPS (doravante G..., depois designada E... II, Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA);

c) A 27.05.2004, a Impugnante coloca na G... 165.423,94 Eur., a título de prestações suplementares;

d) A 13.01.2005, é realizado um aumento de capital da G..., na sequência do qual a Impugnante recebe 18.023 ações, com o valor nominal global de 90.115,00 Eur., que imediatamente realiza, no seguimento da restituição de parte das prestações suplementares;

e) A 16.12.2005, a Impugnante vendeu as 18.090 ações e as prestações suplementares que mantinha;

f) A administração tributária (AT) considerou que não era aplicável o disposto no art.º 31.º, n.º 2, do EBF, porquanto, em seu entender, grande parte das ações foram adquiridas em janeiro de 2005, com o aumento de capital.

Vejamos então.

As SGPS têm o seu regime jurídico consagrado no DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, cujo art.º 1.º, n.º 1, define que são as sociedades que “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, definindo o n.º 2 do mesmo art.º 1.º que tal exercício ocorre quando não seja feito com caráter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada (direta ou indiretamente).

Ao nível tributário, as mais e menos-valias obtidas por SGPS, no exercício da sua atividade, tiveram, durante vários anos (até à revogação do então art.º 32.º do EBF, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), regime próprio, ainda que tal regime tenha tido diversas configurações.

Assim, o art.º 7.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, no seu n.º 2, definia que às mais-valias e menos-valias obtidas pelas SGPS, mediante a venda ou troca das quotas ou ações de que fossem titulares, era aplicável o disposto no então art.º 44.º do Código do IRC (CIRC), sempre que o respetivo valor de realização fosse reinvestido, total ou parcialmente, na aquisição de outras quotas, ações ou títulos emitidos pelo Estado, no prazo aí fixado.

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que procedeu a uma das reformas da tributação do rendimento e adotou medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, veio alterar este regime.

Assim, no que respeita à reforma da tributação do rendimento das pessoas coletivas, é de chamar à colação o seu art.º 5.º, que revogou o n.º 6 do já mencionado art.º 44.º do CIRC e que conferiu ao seu n.º 1 a seguinte redação:

“Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante transmissão onerosa de elementos do ativo imobilizado corpóreo ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos é considerada por um quinto do seu valor no exercício da respetiva realização e por igual montante em cada um dos quatro exercícios subsequentes, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício, ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do ativo imobilizado corpóreo afetos à exploração”.

Por seu turno, o seu art.º 7.º, n.º 7, previu um regime transitório, nos seguintes termos:

“… 7 – O disposto na nova redação do artigo 44.º do Código do IRC aplica-se nos períodos de tributação iniciados a partir de 1 de janeiro de 2001 sem prejuízo do seguinte:

a) O disposto na anterior redação do artigo 44.º do Código do IRC continua a aplicar-se às mais-valias e menos-valias realizadas antes de 1 de janeiro de 2001 até à realização, inclusive, de mais-valias ou menos-valias relativas a bens em que se tenha concretizado o reinvestimento dos respetivos valores de realização;

b) A parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias relativa a bens não reintegráveis, correspondente ao valor deduzido ao custo de aquisição dos bens em que se concretizou o reinvestimento nos termos do n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRC, na redação anterior, será incluída no lucro tributável, em frações iguais, durante 10 anos, a contar do da realização, caso se concretize, nos termos da lei, o reinvestimento da parte do valor de realização que proporcionalmente lhe corresponder;

c) Relativamente às mais-valias e menos-valias realizadas nos períodos de tributação iniciados em 2001, aplica-se o regime do artigo 44.º do Código do IRC quando o reinvestimento a que se refere o n.º 1 deste artigo se verifique até ao fim do terceiro período de tributação seguinte ao da realização.

(…) 10 — A remissão constante do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que estabelece o regime fiscal aplicável às mais-valias e menos-valias obtidas pelas sociedades gestoras de participações sociais, mediante a venda ou troca das quotas ou ações de que sejam titulares e que constituam imobilizações financeiras, considera-se efetuada para o artigo 44.º do Código do IRC, com a redação em vigor no momento da realização das mais-valias e menos-valias”.

A Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro (Orçamento do Estado – OE – para 2002), por seu turno, para além de ter revogado o já mencionado art.º 7.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, deu nova redação ao então art.º 31.º, do EBF, nos seguintes termos:

“Às SGPS e às SCR é aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem de participação e ao período de detenção, bem como o disposto no n.º 1 e no n.º 4 do artigo 45.º daquele Código, neste último caso sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto á percentagem de participação”.

Finalmente, para o que ora interessa, há que ter em conta a Lei do OE/2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro), que, designadamente, alterou o art.º 31.º do EBF (disposição legal que foi ainda objeto de alteração pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, em termos que ora não relevam).

Nos termos desta disposição legal, na redação então vigente:

“1 - Às SGPS e às SCR é aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 46º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação.

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

3 - O disposto no número anterior não é aplicável relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do nº 4 do artigo 58º do Código do IRC, ou entidades com domicilio, sede ou direção efetiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objeto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão.

4 - As SCR podem deduzir ao montante apurado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 83º do Código do IRC, e até à sua concorrência, uma importância correspondente ao limite da soma das coletas de IRC dos cinco exercícios anteriores àquele a que respeita o benefício, desde que seja utilizada na realização de investimentos em sociedades com potencial de crescimento e valorização.

5 - A dedução a que se refere o número anterior é feita nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 83º do Código do IRC, na liquidação de IRC respeitante ao exercício em que foram realizados os investimentos ou, quando o não possa ser integralmente, a importância ainda não deduzida poderá sê-lo, nas mesmas condições, na liquidação dos cinco exercícios seguintes”.

Feito este introito, em termos de legislação fiscal, cumpre, paralelamente, fazer um breve enquadramento em torno das prestações suplementares.

As prestações acessórias, realizadas no âmbito de sociedades anónimas, encontram-se previstas no art.º 287.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), nos termos do qual:

“1 - O contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns acionistas a obrigação de efetuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente. Quando o conteúdo da obrigação corresponder ao de um contrato típico, aplicar-se-á a regulamentação legal própria desse contrato.

2 - Se as prestações estipuladas não forem pecuniárias, o direito da sociedade é intransmissível.

3 - No caso de se convencionar a onerosidade, a contraprestação pode ser paga independentemente da existência de lucros do exercício, mas não pode exceder o valor da prestação respetiva.

4 - Salvo disposição contratual em contrário, a falta de cumprimento das obrigações acessórias não afeta a situação do sócio como tal.

5 - As obrigações acessórias extinguem-se com a dissolução da sociedade”.

Assim, como resulta deste enquadramento, as prestações acessórias consubstanciam-se em quaisquer prestações a que os sócios se obriguem, entre si, para além da obrigação de entrada para realização do capital social (4).

Tratando-se de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, como sucede in casu, há que considerar este último igualmente.

“As prestações acessórias seguem o regime das prestações suplementares quando tiverem i) dinheiro por objeto; ii) não vencerem juros a favor do sócio prestador; iii) a sua devolução ficar dependente de deliberação dos sócios nos termos previstos no artigo 213.º do CSC e iv) ficar sujeita à intangibilidade do capital social” (5).

Assim, nos termos do art.º 210.º do CSC:

“1 - Se o contrato de sociedade assim o permitir, podem os sócios deliberar que lhes sejam exigidas prestações suplementares.

2 - As prestações suplementares têm sempre dinheiro por objeto.

3 - O contrato de sociedade que permita prestações suplementares fixará:

a) O montante global das prestações suplementares;

b) Os sócios que ficam obrigados a efetuar tais prestações;

c) O critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados.

4 - A menção referida na alínea a) do número anterior é sempre essencial; faltando a menção referida na alínea b), todos os sócios são obrigados a efetuar prestações suplementares; faltando a menção referida na alínea c), a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota de capital.

5 - As prestações suplementares não vencem juros”.

Por seu turno, determina o art.º 211.º do mesmo diploma legal que a exigibilidade depende sempre de deliberação dos sócios, não podendo ser exigidas prestações suplementares depois de dissolvida a sociedade.

Do disposto no art.º 212.º do CSC extrai-se, designadamente, que a sociedade não pode exonerar o sócio da obrigação de efetuar prestações suplementares, sendo um direito intransmissível, nele não se podendo sub-rogar os credores da sociedade.

Cumpre ainda atentar no disposto no art.º 213.º do CSC, nos termos do qual:

“1 - As prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e o respetivo sócio já tenha liberado a sua quota.

2 - A restituição das prestações suplementares depende de deliberação dos sócios.

3 - As prestações suplementares não podem ser restituídas depois de declarada a falência da sociedade.

4 - A restituição das prestações suplementares deve respeitar a igualdade entre os sócios que as tenham efetuado, sem prejuízo do disposto no n.º 1 deste artigo.

5 - Para o cálculo do montante da obrigação vigente de efetuar prestações suplementares não serão computadas as prestações restituídas”.

Deste enquadramento normativo resulta, pois, que se trata de prestações que têm de ser permitidas pelos estatutos da sociedade, sendo tal condição para que os sócios possam deliberar a sua realização, são sempre pecuniárias, não vencem juros e a sua restituição exige a salvaguarda da intangibilidade do capital social.

As caraterísticas das prestações suplementares a que nos referimos, designadamente o facto de não vencerem juros e de terem de ser sempre constituídas em dinheiro, fazem com que as mesmas sejam consideradas como quase capital. Ademais, a sua restituição depende sempre da deliberação dos sócios. Tal implica que, contabilisticamente, se reflita no seu reconhecimento em rubricas de capital próprio da sociedade que as recebe (ao contrário, por exemplo, dos suprimentos) – sendo (ou devendo ser), no âmbito do POC (aplicável, in casu), inscritas na conta 53.

“[A] realização de prestações suplementares é uma operação neutra da perspetiva do valor do património, pelo que não terá efeitos na rubrica contabilística do capital social. Assim o é porque a sociedade não assume qualquer obrigação patrimonial perante os sócios como contrapartida da realização das prestações suplementares, mormente a título de restituição de capital ou a título de pagamento de juros. Assim, as prestações suplementares não têm a natureza de Passivo financeiro, mas de Capitais Próprios da sociedade e, nestes termos, constituem expressão do valor residual dos ativos da sociedade após a dedução dos seus passivos” (6).

No entanto, tais prestações não equivalem a partes sociais, não podem ser consideradas capital social.

Nas palavras de Raul Ventura (Sociedade por Quotas, Vol. I, 2.ª Ed., 4.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2007, p. 239), “dizer (…) ‘prestação suplementar de capital’ é errado, pois estas prestações talvez possam ser consideradas prestações suplementares ao capital, mas não de capital, visto que elas não fazem alterar o montante do capital e não estão sujeitas ao regime jurídico do capital”.

Como refere Manuel Anselmo Torres («Prestações suplementares, seu regime comercial, contabilístico e tributário», Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 916), “[a]s prestações suplementares não constituem “partes de capital” porquanto não são susceptíveis de transmissão autónoma da participação social a que respeitam (…). Tanto é reconhecido pela própria lei fiscal, ao referir-se às prestações suplementares como “outras componentes do capital próprio” por oposição a “partes de capital” (CIRC 45.3)”.

No mesmo sentido, referem Fernando Carreira Araújo e António Fernandes de Oliveira («O código do IRC e os conceitos de (i) capital, (ii) partes de capital, (iii) prestações suplementares e (iv) créditos pela realização de prestações suplementares», Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. IV, cit., pp. 708 e 709), “[n]ão dispondo o Código do IRC (e o direito fiscal em geral) de um conceito próprio de “capital” e de “partes de capital” (…), a conclusão que se impõe é a de que eles terão o significado técnico de que se revestem no direito societário e da contabilidade: “capital social” e “participações sociais” (vulgo, principalmente, quotas e acções), respectivamente. (…). [D]o próprio Código do IRC se retiram indicações seguras, pela positiva, no sentido de que o conceito de “partes de capital” que utiliza tem exactamente o mesmo significado acolhido nos outros ramos do direito (de onde é originário) atrás passados em revista”.

Do ponto de vista fiscal, estas diferenças têm reflexos. A título exemplificativo, e por referência ao exercício de 2005, verifica-se que o legislador, quando quis ter uma perspetiva abrangente, lançou mão da terminologia capital próprio”, distinguindo-o do capital social (cfr. art.º 61.º, n.º 3 e 5, do CIRC). Da mesma forma, no art.º 42.º, n.º 3, do CIRC (redação dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de dezembro), o legislador traça a distinção entre partes de capital ou “outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Como referido, a Recorrente considera ser de aplicar o disposto no então n.º 2 do art.º 31.º do EBF, porquanto, na sua perspetiva, deve entender-se que as partes de capital foram adquiridas aquando da realização das prestações suplementares, e não aquando da conversão dessas prestações suplementares em capital social. Nesse seguimento, segundo a sua perspetiva, em dezembro de 2005, já havia decorrido o prazo de um ano previsto naquela disposição legal.

Como já referimos, é certo que às prestações suplementares é conferida uma natureza de quase capital, nos termos já explanados. É também certo que as mesmas, do ponto de vista contabilístico, são registadas em rubricas de capital próprio.

A circunstância, no entanto, de as prestações suplementares terem estas caraterísticas não implica que as mesmas sejam, como parece defender a Recorrente, passíveis de ser consideradas capital social nem consideradas partes de capital, nos termos e para os efeitos do então n.º 2 do art.º 31.º do EBF.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.09.2020 (Processo: 0954/13.7BEPRT):

“A previsão da norma refere-se, textualmente, a mais-valias e menos-valias realizadas tendo por fundamento a titularidade de "partes de capital", tal como aos encargos financeiros suportados com a sua aquisição (das ditas "partes de capital"). É pacífico que o preceito em questão, ao utilizar na sua previsão a expressão "partes de capital", se refere, desde logo, às mais-valias e menos-valias resultantes da titularidade de participações sociais, ou seja, acções e quotas, tal como aos encargos financeiros suportados com a aquisição das mesmas participações sociais. Mas será que a previsão da norma abrange, ainda, os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares?

Pensamos que não.

Expliquemos porquê.

A este título e enquanto elemento sistemático de interpretação, deve trazer-se à colação a previsão da norma constante do artº.42, nº.3, do C.I.R.C., norma onde a referência às prestações suplementares não existia antes da redacção introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12, alteração legislativa essa com a qual pretendeu explicitar que as prestações suplementares se enquadram entre as "outras componentes do capital próprio", assim se verificando uma extensão da incidência do mesmo preceito (cfr. Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.245 e seg.; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.25).

Pelo contrário, na norma sob interpretação (artº.32, nº.2, do E.B.F.) nunca o legislador operou a identificada alteração (e teve oportunidades para a realizar - cfr.artº.9, nº.3, do C.Civil).

Face a tudo o exposto, deve concluir-se que a previsão da norma constante do artº.32, nº.2, do E.B.F., na redacção em vigor em 2009, não abrangia os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares”.

Chama-se ainda à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.09.2020 (Processo: 0954/13.7BEPRT), no qual se escreveu:

“As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação (aumento) de capital, da qual se diferenciam. Ou seja, consubstanciam um instrumento de financiamento societário sem custos (contrariamente aos suprimentos que, na maioria dos casos, pressupõem remuneração) e sem a notada "rigidez" do aumento de capital”.

Nesse seguimento, sendo discernível partes de capital de elementos do capital próprio, resulta que a aquisição de participações sociais se distingue da realização de prestações suplementares.

Logo, não se pode entender que o momento da realização das prestações suplementares é o momento a considerar, para efeitos de cômputo do prazo definido no art.º 31.º, n.º 2, do EBF, que nos fala em detenção. Objetivamente, na data da realização das prestações suplementares a Impugnante apenas detinha 67 ações.

Como refere Menezes Cordeiro Da preferência dos accionistas na subscrição de novas acções; exclusão e violação», Banca, bolsa e crédito: estudos de direito comercial e de direito da economia, Almedina, Coimbra, 1990, p. 347), a “aquisição [de ações] pode ser (…) originária ou derivada. (…) No primeiro [caso], a aquisição dá-se apenas, ou com a constituição da sociedade ou com o aumento de capital, dependentes da escritura pública”.

No caso dos autos, foi em janeiro de 2005 que, por força do aumento do capital social, a Impugnante, por o ter subscrito, passou a ser titular de mais 18.023 ações, passou a detê-las.

No mesmo dia, tinham sido restituídas as prestações suplementares (quer à Impugnante quer a outros acionistas) e foi aumentado o capital social em igual montante.

Como refere Sofia Gullander Metelo (Aumento de capital por “conversão” de créditos sobre a sociedade, nomeadamente de créditos resultantes de prestações suplementares, Dissertação de Mestrado, maio de 2013, p. 37, disponível para consulta em https://run.unl.pt/bitstream/10362/
17406/1/Metelo_2013.pdf)
, “no momento da realização do aumento de capital o que vai entrar para a sociedade é o crédito do sócio, nascido em consequência da entrega por este de dinheiro à sociedade. Assim, o que existe na esfera jurídica do sócio subscritor do aumento de capital no momento da sua realização é um direito de crédito e não o dinheiro que já se encontra na titularidade da sociedade”.

A circunstância de a realização do capital ter decorrido da transferência de um valor relativo a prestações suplementares restituídas não altera a conclusão extraída, uma vez que se trata apenas da forma como o capital subscrito foi realizado, nos termos já assinalados.

Veja-se que não se trata de uma operação meramente nominativa, como defende a Recorrente, e ao contrário do que, por exemplo, ocorre quando estamos perante uma incorporação de reservas (cfr. art.º 91.º do CSC), também elas rubricas de capital próprio. No caso da conversão de prestações suplementares em participações sociais há um momento intermédio, consubstanciado na deliberação da sociedade no sentido da restituição das mesmas ao sócio, com o consequente nascimento de um direito de crédito na esfera jurídica do sócio sobre a sociedade.

Evidentemente que, realizando-se o aumento do capital social através deste crédito, o valor em causa passa a corresponder a tal realização.

Nas palavras de Paulo de Tarso Domingues (“O financiamento societário através de suprimentos, prestações suplementares e prestações acessórias”, Revista de Direito Comercial, 2021, p. 891), “não é possível proceder a um aumento gratuito de capital por incorporação de outros recursos [para além das reservas] (nomeadamente prestações suplementares de capital, ou outros créditos dos sócios, e.g., de prestações acessórias ou suprimentos realizados103 [103 Refira-se, no entanto, que estes créditos dos sócios poderão, desde que sujeitos ao regime das entradas em espécie (…) ser utilizados para uma operação de aumento de capital.])(…). Tais valores terão de ser restituídos aos sócios, se e na medida em que tal for possível (…), podendo só então ser levados a capital mediante um aumento por novas entradas”.

Portanto, face a este contexto, a Impugnante, em maio de 2004, realizou prestações suplementares, cuja restituição foi deliberada em janeiro de 2005, sendo tal crédito utilizado em sede de aumento de capital. Foi nesse momento que passou a ser titular do lote de ações em causa, passou a detê-lo, e não na data da realização das prestações suplementares.

A circunstância de a posição relativa da Recorrente no capital social da sociedade participada ter resultado inalterada não implica distinta decisão. Com efeito, com a operação de aumento do capital social, a Recorrente optou por subscrevê-lo, por forma a manter essa posição relativa. No entanto, podia não o ter feito. Foi uma opção sua, que em nada contende com o que já afirmamos, ou seja, que não há sustentação legal para se considerar como data de aquisição (ou, usando a terminologia do n.º 2 do art.º 31.º do EBF, como data da detenção das ações) a data da realização das prestações suplementares.

Não se considera que este entendimento condicione o comportamento dos contribuintes, porquanto, ao contrário do que refere a Recorrente, as realidades económica e contabilística atinentes às participações sociais e às prestações suplementares são distintas, nos termos já explanados. A sua posição não resultou inalterada, na medida em que passou a ser titular de um número superior de ações correspondente a um valor absoluto no capital social também ele superior, com a correspondente diminuição do valor das prestações suplementares realizadas.

Não se considera igualmente que esta interpretação atente contra a teleologia do n.º 2 do art.º 31.º do EBF. Veja-se que esta disposição legal se refere inequivocamente à “transmissão onerosa (…) de partes de capital”, quando, como já referimos anteriormente, o legislador, noutros campos, quando quis referir-se não a partes de capital (social), mas a capital próprio o refere inequivocamente.

Ora, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, do EBF, os benefícios fiscais configuram-se como “… as medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.

Este seu caráter excecional implica que o art.º 9.º do EBF disponha que as “normas que estabeleçam benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

No caso, o legislador quis apenas abranger as partes de capital que, como vimos, não são sinónimo de elementos constitutivos do capital próprio.

Não se trata de uma questão de prevalência de substância sobre a forma e de neutralidade fiscal. Trata-se da circunstância de a Recorrente ter passado a ser detentora, em janeiro de 2005, ainda que por conversão das prestações suplementares em participações sociais (nos termos já explanados), das 18.023 ações em causa. Reiteramos, podia não ter subscrito o aumento de capital e manter-se titular das prestações suplementares que realizou (e que lhe poderiam ser restituídas). A equiparação da realização de prestações suplementares a aquisição do capital social não tem, pois, suporte legal, sendo duas realidades distintas.

A alteração ocorrida com a reforma de 2014 não altera a nossa posição, reforçando-a, na medida em que o legislador, quando entendeu que era de aplicar à transmissão de participações suplementares o regime das mais e menos-valias, expressamente o consagrou, tratando-se de opção legislativa entendida como pertinente nesse momento.

Face ao exposto, carece de razão a Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, quanto ao elemento subjetivo inerente à liquidação de juros compensatórios

Considera a Recorrente, por outro lado, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que não se encontra verificado o pressuposto subjetivo inerente à liquidação de juros compensatórios.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

2 - São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.

3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

4 - Para efeitos do número anterior, em caso de inspeção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia.

5 - Se a causa dos juros compensatórios for o recebimento de reembolso indevido, estes contam-se a partir deste até à data do suprimento ou correção da falta que o motivou.

6 - Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais.

7 - Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em ação de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão.

8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.

10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”.

Para efeitos de liquidação de juros compensatórios, têm de estar preenchidos elementos objetivos (ter havido atraso na liquidação de imposto, taxa, número de dias) e um elemento subjetivo (o facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência (7)).

Quanto à culpa, como referido, a liquidação de juros compensatórios tem subjacente a existência de uma conduta censurável do sujeito passivo, a título de dolo ou negligência.

A conduta censurável pode, portanto, sê-lo a título de mera negligência, o que remete desde logo para o critério da pessoa média (“bom pai de família”, na expressão legalmente adotada), previsto no art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil, que determina que a referência a este critério ocorra quando não haja na lei outro critério determinador.

Caem, no entanto, fora do âmbito do alcance deste conceito as situações de erro desculpável.

Assim, como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.10.2010 (Processo: 0587/10):

“[C]onstitui entendimento jurisprudencial pacífico (Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 8-7-92, proferido no recurso n.º 12147; de 28-6-95, proferido no recurso n.º 19014; de 20-3-96, proferido no recurso n.º 20042; de 2-10-96, proferido no recurso n.º 20605; de 18-2-98, proferido no recurso n.º 22325; de 3-10-2001, proferido no recurso n.º 25034; de 16-02-2005, proferido no recurso n.º 1006/04; de 12-07-2005 proferido no recurso n.º 12649 e de 19-11-2008, proferido no recurso n.º 325/08.) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bónus pater famílias (…).

Deste modo, e apesar de a doutrina e a jurisprudência também sufragarem a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária, o certo é que essa culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais. E, por essa razão, a jurisprudência firmou-se no entendimento de que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (…) ou a erro desculpável do contribuinte …” (sublinhados nossos).

In casu, considera-se que assiste razão à Recorrente nesta parte.

Com efeito, e não obstante entendermos que a distinção entre capital próprio e capital social decorre da legislação societária de forma clara, a verdade é que própria AT tem defendido entendimentos distintos, como resulta, a título ilustrativo, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.09.2020 (Processo: 0954/13.7BEPRT), cuja factualidade subjacente parte justamente do entendimento da AT de que as prestações suplementares equivalem a partes de capital. Aliás, das alegações de recurso ali apresentadas extrai-se: “tem sido entendimento da AT que quer as prestações suplementares quer as prestações acessórias de capital constituídas sob o regime de prestações suplementares, incluem-se no regime de mais e menos valias relativas a partes de capital, ficando assim abrangidas pelo regime constante da referida norma, pelo que os encargos financeiros incorridos com o seu financiamento não poderão concorrer para a formação do lucro tributável”.

Considerando, pois, esta divergência interpretativa, dentro da própria AT, espelhada, desde logo, na jurisprudência existente sobre a matéria, entende-se que, in casu, estamos perante uma situação de erro desculpável, pois a Impugnante seguiu um entendimento que, noutras sedes, a própria AT defendera.

Portanto, estando em causa liquidações de juros compensatórios, relativos a situação na qual a Impugnante seguiu entendimento defendido em alguns contextos pela própria AT, a atuação daquela entra dentro dos padrões exigíveis de diligência, dado ter adotado uma posição interpretativa possível numa matéria de caráter não pacífico dentro da própria Administração.

Assim sendo, não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, considerando-se não verificado o elemento subjetivo inerente à liquidação de juros compensatórios.

Face ao exposto, assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento, por preterição do direito de audição

Considera ainda a Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que a AT não demonstrou, como era seu ónus, que a notificação para efeitos do direito de audição tenha sido perfeita, o que resulta, aliás, da informação colhida junto do prestador de serviços postais. Entende ademais que, mesmo que se considerasse ser de aplicar a presunção legal de notificação, a mesma foi ilidida. Em consequência, verifica-se uma preterição do direito de audição.

Vejamos.

Nos termos do art.º 60.º do então Regime Complementar do Procedimento De Inspeção Tributária (RCPIT):

“1 - Concluída a prática de atos de inspeção e caso os mesmos possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação.

2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões.

3 - A entidade inspecionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo”.

No que respeita às notificações, o RCPIT dispõe de alguma disciplina especial (cfr. art.ºs 37.º e ss.), sendo subsidiariamente aplicável o CPPT, naquilo em que aquele diploma é omisso [cfr. art.º 4.º, al. b)].

Assim, e considerando que, in casu, a notificação tem de ser feita través de carta registada [cfr. art.º 60.º, n.º 4, da LGT, ex vi art.º 4.º, al. a), do RCPIT], nos termos do art.º 39.º do CPPT:

“1 - As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efetiva da receção”.

Em termos de prova, cabe, em primeira linha, à AT a prova de que a notificação efetuada o foi perfeitamente. Feita esta prova, funciona então a presunção legal prevista no n.º 1 do art.º 39.º do CPPT, cabendo ao contribuinte a prova em contrário.

Ora, no caso dos autos, a prova da efetivação da notificação nos termos exigíveis não decorre dos autos.

É certo que a carta não foi devolvida ao remetente (situação, sublinhe-se, em que o próprio RCPIT presume efetuada a notificação – cfr. art.º 43.º, n.º 1, do RCPIT) e que a própria Recorrente assume ter tido conhecimento da notificação pelo menos a 13.04.2010.

No entanto, a AT não fez qualquer prova em termos de perfeição da notificação e essa mesma perfeição não se pode considerar demonstrada, na medida em que, face ao que resulta provado, a própria entidade distribuidora de correio postal atestou que a entrega se efetivou em 12.04.2010, mas que o recetor da notificação é estranho à Impugnante (trata-se do Instituto de Emprego e Formação Profissional).

Face a esta prova, considera-se que a AT não logrou demonstrar, como era seu ónus, a perfeição da notificação, pelo que não há que apelar à presunção legal prevista no art.º 39.º, n.º 1, do CPPT.

Como tal, assiste razão à Recorrente nesta parte, não se secundando o entendimento do Tribunal a quo.

No entanto, tal circunstância não fere, per se, o ato impugnado de ilegalidade.

Concretizemos.

O direito de audição prévia, ao nível tributário, encontra-se previsto no art.º 60.º, da LGT, consagrando, ao nível ordinário, o desiderato constitucional consubstanciado no direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito, consagrado no art.º 267.°, n.º 4, da CRP. Está ainda, como referido, salvaguardado no art.º 60.º do RCPITA.

Como referido por Pedro Machete («A Audição Prévia do Contribuinte», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 322):

“A audição prévia do contribuinte visa garantir a defesa dos interesses destes perante o Fisco e a valoração dos factos tributáveis de acordo com o princípio da verdade material. Consequentemente, o seu único pressuposto positivo é a previsão de uma decisão da Administração fiscal desfavorável aos interesses do contribuinte. Perante tal hipótese, quis o legislador que fosse dada ao contribuinte a possibilidade de criticar o entendimento já assumido pela Administração”.

O art.º 60.º, n.º 7, da LGT, determina que a AT tem de se pronunciar sobre os elementos novos suscitados pelos contribuintes, em sede de exercício do direito de audição.

É certo, pois, que a AT deve pronunciar-se, face ao direito de audição apresentado, e é certo também que, in casu, não o fez, por ter considerado que o mesmo foi exercido intempestivamente, quando, como vimos, não o foi.

No entanto, entendemos que esta irregularidade formal não é de molde a pôr em causa a legalidade da liquidação.

Com efeito, compulsado o documento de exercício do direito de audição, verifica-se que o mesmo, na parte da liquidação ora em apreciação, se centra em questões de direito e na interpretação do alcance das normas aplicáveis e ora abordadas em III.A.

Em situações como a presente, revela-se pertinente apelar à teoria do aproveitamento do ato, acolhida já há muito entre a doutrina e a jurisprudência e atualmente até objeto de positivação legal (cfr. art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo).

Nos termos da mencionada teoria, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma. Assim, quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado (8).

Com efeito, uma solução em sentido diferente conduziria a um resultado antijurídico, na medida em que os pressupostos de facto da tributação já foram apreciados pelo Tribunal.

Chama-se, a este respeito, à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.04.2012 (Processo: 0896/11), onde se refere:

“[A]pós a sentença recorrida ter confirmado a validade do acto, no que toca à relação material subjacente, (…) não há dúvida que as liquidações adicionais correspondem à solução imposta pela lei para a situação concreta, pelo que a sua anulação criaria uma situação antijurídica. Para evitar tal situação, impõe-se aproveitar o acto, quanto ao vício de procedimento”.

Assim, sendo certo que a AT preteriu uma formalidade legal, no caso em concreto, esta degradou-se em formalidade não essencial.

Como tal, embora com a presente fundamentação, carece de razão a Recorrente.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2014 (Processo: 01953/13): “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso).

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.b., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante se entender que, face à complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à atuação das partes, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 350.000,00 Eur.

Vencidas ambas as partes são as mesmas responsáveis pelas custas na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de, no caso da Recorrida, não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do RCP).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder parcial provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar parcialmente a sentença recorrida, julgando-se, na parte objeto de recurso, parcialmente procedente a impugnação, com a consequente anulação da liquidação de juros compensatórios na parte que subsistia;

b) Custas por ambas as partes da proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 86,5% pela Recorrente e 13,5% pela Fazenda Pública, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 350.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 09 de junho de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 169.
(3) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(4) António Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades – II – Das Sociedades em Especial, 2.ª Ed., 3.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2017, p. 285.
(5) Sérgio Brigas Afonso, «Regime Societário e Fiscal dos Créditos por Prestações Suplementares e Prestações Acessórias», Revista de finanças públicas e Direito fiscal, a. 10, n. 2, nota de rodapé 17.
(6) Marta Correia Rocha de Sampaio Pinto, Os Aumentos de Capital nas Sociedades por Quotas por Conversão dos Créditos dos Sócios, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2018, p. 19.
(7) V. Jorge Lopes de Sousa, «Juros nas relações tributárias», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pp. 147 e 148.
(8) Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS).