Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:529/09.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:AJUDAS DE CUSTO
FATURAÇÃO A CLIENTES
ÓNUS PROBATÓRIO
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS
Sumário:I-Da letra do artigo 41.º, nº1, alínea f), do CIRC, resulta, tão-só, que devem ser objeto de acréscimo à matéria coletável, na proporção de 20%, as despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, que não sejam faturadas a clientes, não se preceituando qualquer formalidade atinente a essa demonstração, mormente, na fatura visada.

II- No domínio da formalidade atinente à dedutibilidade fiscal dos encargos, os pressupostos têm de resultar, de forma expressa e inequívoca, da lei, não sendo defensável a existência de uma consagração legal implícita.

III-Carecendo de fundamento legal, a circunstância de nas faturas ter de constar, de forma expressa, essa discriminação e segregação, para que a AT pusesse em causa a presunção de veracidade estatuída no artigo 75.º da LGT teria de ter demonstrado, de forma segura, que existia falta de faturação aos clientes, ou seja, teria de demonstrar os pressupostos em que assentou o acréscimo dos 20%.

IV-Limitando-se a AT, de forma absolutamente conclusiva e, como que transpondo os meandros de instrução e de fiscalização para a esfera da Recorrida, a corrigir o valor arbitrado, reconhecendo, inclusive, a segregação contabilística nas diversas contas elencadas no probatório, explicitando a fundamentação associada a cada conta contabilística, mas nada demonstrando no sentido de que do confronto da prova documental, mormente, extratos de conta, orçamentos, contratos, mapas de ajudas de custo e respetivas faturas se possa concluir que inexista a declarada faturação a clientes, não alvitrando ou ensaiando, tão-pouco, uma amostragem, ter-se-á de concluir que a mesma não ilidiu o ónus probatório que sobre si impendia.

V-A AT pode e deve no âmbito de uma ação inspetiva solicitar esclarecimentos e requerer documentação que possa reputar relevante para o efeito, e a parte deve, desde logo, ao abrigo do princípio da colaboração cooperar, tanto quanto lhe seja possível e exigível, porém já não pode é exigir à parte que realize a instrução, análise e fiscalização que se circunscreve nos seus poderes inspetivos.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação apresentada por “S., SA” contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nº 2005 8310121769, referente ao exercício de 2000, no valor de €103.906,45.


***

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A) Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto do sentido preconizado pela douta decisão recorrida, que concluiu pela anulação da correção efetuada pelos serviços de inspeção no montante de €260.754,86, acrescido ao lucro tributável, por ter considerado provado que a Impugnante englobou nas faturas referentes a contratos/projetos, o correspondente montante de ajudas de custo, sem contudo os ter discriminado, cumprindo, desta forma, o disposto no art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC, ao tempo.

B) Com a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, o art.º 41.º n.º 1 alínea f) do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), na redação ao tempo, operada pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado 1999), dispunha que “não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (…) As despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS, na esfera do respectivo beneficiário”.

C) A redação da referida disposição legal veio posteriormente a ser alterada, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, passando a ter a seguinte redação, “não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (…) As despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário. (sublinhado nosso)

D) Pelo que até 31 de dezembro de 2000 (art.º 21.º n.º 2 da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro), as despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, quando não fossem faturadas a clientes e escrituradas a qualquer título, não eram dedutíveis em 20% do seu valor total.

A partir do dia 1 de janeiro de 2001, passaram a não ser dedutíveis, a totalidade das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes e escrituradas a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possuísse, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual fosse possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivo.

E) Considerou o Tribunal a quo que a redação do art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC, ao abrigo da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, passou a ser mais exigente em termos de requisitos de dedutibilidade das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, exigindo um mapa com o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os locais, tempos de permanência e objetivos.

F) Apurou a Inspeção Tributária que “A Siemens, S.A. não fez prova de que o saldo das contas 64.26.911 – Ajudas Custo – p/projectos – assalariados, Conta 64.26.912 – Ajudas Custo – p/ projectos – empregados e Conta 62.227.31 – Despesas de Viagem – km viatura Própria – p/ projecto, no montante total de 1.303.774,28 €, constituem despesas expressamente debitadas a cliente, pelo que acresce 20% desse saldo, no montante de 260.754,86 €, ao lucro tributável do exercício[conforme fls.3 do RIT]”.

G) Essencialmente, uma vez que a Impugnante, ora Recorrida, não procedeu ao débito expresso dos montantes a título de despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, nas faturas emitidas aos clientes, não foi possível à Inspeção Tributária apurar o cumprimento de um dos requisitos para a dedutibilidade das referidas despesas, “faturação a clientes”.

Efetivamente se a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro passou a ser mais exigente em termos de requisitos de dedutibilidade das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, a redação anterior da alínea f) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC não era, ainda assim, isenta de condições para a sua verificação.

H) Ao abrigo da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, exigia-se que as referidas despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador fossem faturadas a clientes e escrituradas a qualquer título.

Tendo a ora Recorrida considerado que “estas despesas já constituem parte do preço final a suportar pelos clientes”, como apurou a Inspeção Tributária, não discriminou, a mesma, o valor faturado a cada cliente a título daqueles encargos, ainda que tenha sido notificada para tal.

Pelo que, perante esta falta de prova de um dos requisitos legais para a dedutibilidade dos referidos encargos, não podia a Inspeção Tributária ter agido de outro modo que não a sua correção, ao abrigo do art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC.

I) E tal, diga-se, desde já, não se deveu ao facto da ora Recorrida não ter um mapa por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual fosse possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, onde constassem designadamente os locais, tempos de permanência e objetivos das mesmas deslocações, como passou a ser exigência a partir da redação do art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC operada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro.

J) A correção levada a cabo pela Inspeção Tributária baseou-se unicamente no facto de não estar preenchido o segmento da referida norma legal “faturação a clientes” ou, pelo menos, não ter havido prova deste segmento pela Impugnante, ora Recorrida.

Não é possível apurar diretamente [na fatura de fls. 55 dos autos, no exemplo constante do ponto D do probatório], a que trabalhador diz respeito, embora a mesma fatura inclua o montante de € 55.961 a título de despesas de viagem. E, não só não é possível apurar a que trabalhador da Impugnante diz respeito a despesa de viagem como qualquer outro facto relativamente à mesma despesa.

K) É que, se bem se entende, não basta a própria Recorrida ter considerado suficiente que as despesas constituíam parte do preço final a suportar pelos clientes, para assim ficar justificada despesa e ser a mesma dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável.

L) Embora algumas das faturas juntas pela ora Recorrida à petição inicial como prova documental discriminem valores a título de despesas de viagem [a título de exemplo as fls. 55 e 56 dos autos], nenhuma delas tem qualquer anotação relativa ao trabalhador que prestou o serviço e muito menos os tempos de permanência, ou qualquer outro elemento adicional relativamente à referida despesa.

Não se pode negar que tal informação assume uma enorme relevância na confirmação do encargo e na verificação do seu cabimento legal.

Além disso, em todas as faturas juntas com a petição inicial os preços unitários são diferentes, embora a rubrica a título de quantidade seja sempre a mesma, unidade. Tal nos parece sobejamente insuficiente.

M) Portanto, desconhecemos que trabalhador prestou os serviços enquadráveis nos vários valores a título de despesas de viagem constantes das várias faturas juntas com a petição inicial.

E, se nas faturas juntas pela ora Recorrida como meio de prova, a designação é de despesas de viagem, tal também não nos fornece informação suficiente para apurar se os montantes correspondem a despesas efetivamente tidas.

N) Não havendo qualquer informação acerca do(s) trabalhador(es) que levaram a cabo o serviço concreto constante das várias faturas, o tempo de permanência, os km percorridos, entre outros factos, não tendo o Tribunal a quo igualmente tal informação, não se compreende como pode o mesmo considerar que as mesmas despesas se encontram justificadas e, portanto, devem ser aceites como encargos dedutíveis.

O) É verdade que a lei fiscal, nomeadamente a redação do art.º 41.º n.º 1 f) ao tempo não exigia como requisito a existência de um mapa através do qual fosse possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem as mesmas despesas.

No entanto, tal só se pode apresentar como um requisito implícito ao art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC.

P) Se assim não se entendesse, qualquer valor constante da fatura a emitir aos clientes seria aceite como despesa enquadrável no art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC e, portanto, encargo dedutível para a empresa, no apuramento do lucro tributável, independentemente de se ter verificado ou não.

Q) O mesmo será dizer, nada impediria a qualquer empresa, no sentido de diminuir o lucro tributável e, nessa vertente, diminuir o imposto (IRC) a pagar, de imputar a um cliente um montante a título de ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, que, na verdade o trabalhador não incorreu e, portanto, na perspetiva do Tribunal a quo, uma vez que cumpre os pressupostos constantes do art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC, estaria, per si, justificado.

R) Com o respeito que o Tribunal a quo nos merece, não nos parece que possamos olhar para esta questão desta forma tão “simplista”.

S) É verdade que a ora Recorrida apresentou várias faturas nas quais se encontram discriminados vários montantes a título de despesas de viagem.

Também é verdade que a ora Recorrida apresentou em sede de impugnação judicial, em junção à petição inicial, várias folhas de serviço preenchidas pelos técnicos relativamente a vários serviços prestados, nos quais se encontra discriminada a data de realização do serviço, o técnico e os cálculos efetuados.

A título de exemplo vejamos o documento n.º 2 junto com a p.i. (fls. 55 e 56 dos autos) e o documento n.º 19 (fls. 111 a 113 dos autos), respetivamente fatura emitida ao cliente e folha de serviço respetiva.

T) No entanto, se atentarmos bem aos dois documentos, logo concluímos que a fatura constante de fls. 55 e 56 dos autos data de 2000.04.27, enquanto a folha de serviços constante das fls. 111 a 113 dos autos, diz respeito a um serviço prestado a 2000.02.25.

Pelo que, do probatório constante dos pontos D e E, não se consegue concluir, como fez o Tribunal a quo, que “Resultado provado que a Impugnante englobou nas facturas referentes a contratos/projectos, o correspondente montante de ajudas de custo, sem contudo os ter discriminado, importa determinar a anulação da correcção efectuada pelos serviços de inspecção, ao abrigo da al. f) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, por falta de suporte legal”.

U) Se atentarmos aos pontos D e E do probatório estes estipulam o seguinte:

“D. No ano de 2000, a Impugnante emitiu facturas referentes a serviços no âmbito de pedidos de assistência técnica e de manutenção, onde discrimina o valor das despesas de deslocação [prova testemunhal e a título de exemplo, cópias das facturas a fls. 54 a 68 dos autos].

E. No ano de 2000, os trabalhadores da Impugnante elaboravam documentos de ajudas de custo –folhas de serviço, onde constava o nome do beneficiário do serviço, o local para onde se deslocou, a respectiva data, o montante diário que lhe foi atribuído e o valor facturado, e a menção da existência ou não de contrato associado ao serviço [prova testemunhal e fls. 91 a 115 dos autos].”

V) Não há qualquer referência à relação entre as duas situações supra discriminadas, i.e. não consta a título de factos provados, que o valor das despesas de deslocação constantes das faturas referentes a serviços no âmbito de pedidos de assistência técnica e de manutenção, corresponde aos valores impressos pelos trabalhadores da Impugnante, ora Recorrida, nos documentos de ajudas de custo – folha de serviço.

E, conforme já vimos, não corresponde.

W) Além disso, os documentos juntos com a petição inicial, quer sejam as faturas emitidas, quer sejam as folhas de serviço preenchidas pelos trabalhadores da ora Recorrida, não abrangem a totalidade das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, relativas ao ano de 2000.

O mesmo será dizer, relativamente ao ano 2000, a Impugnante, ora Recorrida deduziu despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, no montante de 1.303.774,28€, conforme se apurou em sede inspetiva.

X) Os documentos juntos pela Impugnante com a petição inicial estão longe de representar, sequer, uma amostragem das despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, no referido ano de 2000.

Y) Se analisarmos pormenorizadamente as faturas juntas com a petição inicial [conforme fls. 55 a 69 dos autos], e concretamente as despesas de viagem nelas inscritas, concluímos facilmente que em causa no total das faturas emitidas, juntas com a p.i. estão quase 350.000,00€, o que representa sensivelmente 27% das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, deduzidas pela Impugnante relativamente ao ano de 2000.

Ora, dos sensivelmente 27% de despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, justificadas para o Tribunal a quo e, por isso, aceites como encargos dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, inferiu o mesmo Tribunal conclusão semelhante para a totalidade das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador durante o ano de 2000.

Considerando que a ora Impugnante nem sequer justificou os 27% respeitantes às faturas que juntou com a petição inicial, não se compreende como concluiu o Tribunal a quo que estando justificados 27%, estariam justificados os 100% das despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

Veja-se que a sentença ora recorrida determinou a anulação, acrescente-se, total da correção efetuada pelos serviços de inspeção, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, por falta de suporte legal, não determinou a anulação parcial, no montante relativamente ao qual a Impugnante, ora Recorrida, fez prova para o Tribunal a quo.

Z) E, salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, não se pode considerar a prova testemunhal suficiente para provar que todas as despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, se encontram legalmente justificadas, independentemente do entendimento que se tenha do art.º 41.º n.º 1 alínea f) do CIRC ao tempo.

Pelo que, em causa, se põe o ponto C do probatório, “C. Os valores dos contratos identificados no ponto anterior incluem as despesas de deslocação necessária ao cumprimento dos mesmos [prova testemunhal]”.

AA) Questiona-se, que contratos?

Todos os contratos celebrados no ano de 2000?

Apenas os contratos juntos pela Impugnante, ora Recorrida, com a petição inicial?

E, tal generalização, feita pelas testemunhas, segundo o Tribunal a quo, não será passível de censura?

Ou pelo menos algum juízo de dúvida?

BB) É certo que as testemunhas podem afirmar o que lhes aprouver e a tal não estão impedidas. No entanto, fundamental é que o Tribunal avalie exatamente o que as mesmas testemunhas afirmaram e valor convenientemente tal testemunho e tal, parece-nos que não foi feito convenientemente.

Senão vejamos.

CC) Não é possível a qualquer testemunha afirmar que todos os contratos celebrados no ano de 2000, o mesmo será dizer, todas as faturas emitidas pela Impugnante relativamente a contratos celebrados no ano de 2000, continham as despesas de deslocação necessárias ao cumprimento dos mesmos.

Mais não fosse, as testemunhas não estariam sempre presentes.

DD) Considerar, por isso, que todas as faturas emitidas relativamente a contratos celebrados no ano de 2000, continham as despesas de deslocação, sendo que todas foram faturadas aos clientes e coincidiam integralmente com as folhas de serviço preenchidas pelos trabalhadores da Impugnante, apenas com base em prova testemunhal, é, no mínimo, insuficiente e consubstancia claro erro de julgamento.

EE) Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objeto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos – Acórdão do TRP de 04/07/2016, in www.dgsi.pt.

FF) Já a prova testemunhal terá de ser valorada em consonância com a prova documental apresentada, não tendo a virtualidade de provar factos apenas justificáveis documentalmente, como sucede no caso concreto.

GG) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que a Impugnante englobou nas faturas referentes a contratos/projetos o correspondente montante de ajudas de custos, sem contudo os ter discriminado, tal bastando para se determinar a anulação da correção efetuada pelos serviços de inspeção tributária, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC, por falta de suporte legal.

HH) Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente.

A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, nos termos supra expostos, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.”


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A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“1. A mera reprodução das alegações sob a menção de “conclusões” não traduz a formulação de conclusões, pelo que, na ausência de conclusões, deverá o recurso interposto pela Recorrente ser imediatamente rejeitado;

2. O presente recurso interposto pela Recorrente tem por objecto apenas Matéria de Direito, sendo a questão a esclarecer a de apurar se, à face da Matéria de Facto Provada e da legislação vigente à data dos factos, recaía sobre a Recorrida a obrigação de discriminar, em verba própria, nas facturas emitidas aos clientes, os encargos pagos a título de ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador;

3. No decurso no ano de 2000, a Recorrida emitiu facturas referentes a serviços efectuados em sede de cumprimento de contratos celebrados com clientes que incluíam as despesas de deslocação necessária ao cumprimento dos mesmos;

4. A Recorrida emitiu também facturas referentes a serviços no âmbito de pedidos de assistência técnica e de manutenção, onde incluía, de forma discriminada, as despesas de deslocação;

5. O controlo entre as duas situações encontrava-se espelhado na contabilidade, com a criação de contas específicas para cada situação – c/projecto ou s/ projecto - e documentada através das folhas de serviço, elaboradas pelos funcionários, onde constava o nome do beneficiário do serviço, o local para onde se deslocou, a respectiva data, o montante diário que lhe foi atribuído e o valor facturado, bem como a menção da existência ou não de contrato/projecto associado àquele serviço;

6. O controlo efectuado pela Recorrida permitia-lhe controlar com rigor quais as ajudas de custo e compensações atribuídas aos trabalhadores que foram facturadas aos Clientes;

7. A alínea f) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, não exigia a discriminação dos encargos na própria factura, nem qualquer formalidade na sua escrituração, para efeitos de dedutibilidade integral do seu valor;

8. Tendo a Recorrida demonstrado que englobou nas facturas referentes a contratos/projectos o correspondente montante de ajudas de custo, cujo controlo realizava, andou bem a douta sentença recorrida ao julgar a impugnação judicial procedente, tendo efectuado uma correcta interpretação dos Direito aplicável e cuidada subsunção da Matéria de Facto Provada ao Direito.

Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso interposto nos presentes autos e, consequentemente, confirmada a douta sentença recorrida.”


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos constantes dos autos:

A. A Impugnante no âmbito da prossecução da sua actividade atribui ajudas de custo aos seus trabalhadores [prova testemunhal].

B. No ano de 2000, a Impugnante emitiu facturas referentes a serviços efectuados em sede de cumprimento de contratos celebrados com diversas entidades, em função de um preço unitário [prova testemunhal, e a título de exemplo, cópia do contrato a fls. 69 a 90 dos autos].

C. Os valores dos contratos identificados no ponto anterior incluem as despesas de deslocação necessária ao cumprimento dos mesmos [prova testemunhal].

D. No ano de 2000, a Impugnante emitiu facturas referentes a serviços no âmbito de pedidos de assistência técnica e de manutenção, onde discrimina o valor das despesas de deslocação [prova testemunhal e a titulo de exemplo, cópias das facturas a fls. 54 a 68 dos autos].

E. No ano de 2000, os trabalhadores da Impugnante elaboravam documentos de ajudas de custo – folhas de serviço, onde constava o nome do beneficiário do serviço, o local para onde se deslocou, a respectiva data, o montante diário que lhe foi atribuído e o valor facturado, e a menção da existência ou não de contrato associado ao serviço [prova testemunhal e fls. 91 a 115 dos autos].

F. Ao abrigo da ordem de serviço n.º 04/1/144 de 04.05.2004, foi despoletado o procedimento de inspecção, em nome da Impugnante, para o exercício de 2000 [cf. fls. 136 do PAT em apenso].

G. A 26.01.2005, foi elaborado o Relatório de Inspecção no âmbito do procedimento identificado no ponto anterior, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

III.1.1.1-b) Despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria 260.754,86€

Nos termos da alínea f), n. ° 1, do artigo 41. ° (actual artigo 42.º) do CIRC não são dedutíveis para efeitos fiscais, 20% das despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes. Tendo em vista o cumprimento desta disposição legal, a Siemens, S.A. tem a sua contabilidade organizada, relativamente a despesas desta natureza, de forma a controlar as despesas de ajudas de custo que considera ser, ou não, debitadas a clientes, e as despesas de compensação em viatura própria do trabalhador que considera ser, ou não, debitadas a clientes.

Para isso, no seu sistema contabilístico, consagrou contas específicas, nas quais procede à diferenciação destas despesas:

Conta 64.26.911- Ajudas Custo - p/projectos- assalariados

Conta 64.26.912- Ajudas Custo - p/projectos- empregados

Conta 64.26.913- Ajudas Custo - s/projectos- assalariados

Conta 64.26.914- Ajudas Custo - s/projectos- empregados

Conta 62.227.31- Despesas de Viagem- Km Viatura Própria- p/projecto

Conta 62.227.32- Despesas de Viagem- Km Viatura Própria- s/projecto

Os saldos das contas com referência "s/projecto" foram acrescidos ao lucro tributável, na proporção de 20%, pois as despesas não foram debitadas a clientes.

Verifica-se que as ajudas de custo e Kms registados em contas com a referência "p/projecto" não foram acrescidos pelo s.p. porque considera esses valores facturados:

• Se as despesas foram incorridas pela prestação de serviços no âmbito de contratos ou grandes projectos (por exemplo, projectos de implementação e garantias associadas ou contratos de manutenção) - a empresa embora não discrimine nas facturas os valores referentes às ajudas de custo e Kms considera-os como facturados, pois os valores orçamentados pela empresa inclui todas as despesas a incorrer para elaboração do produto final, pelo que estes valores pressupõem-se incluídos no orçamento. A empresa não expressa nas facturas os valores relativos a estas rubricas.

• Relativamente às obras de carácter plurianual as despesas de ajudas de custo e Kms integram a componente dos custos incorridos dos projectos, influenciando positivamente o seu grau de acabamento e originando um proveito proporcional, e como tal facturados, mas não são expressos nas facturas.

• Se as despesas foram incorridas no âmbito de um pedido de assistência técnica e manutenção, não contratualizadas e fora do âmbito de garantias - a empresa efectua o serviço, discriminando ao cliente os valores facturados, incluindo as ajudas de custo e os Kms em viatura, pelo que os referidos custos estão expressamente debitados.

Nos termos preceituados na alínea f), n.º 1 do artigo 41.º (actual 42.°) do CIRC não é aceite como custo fiscal 20% das ajudas de custo e de compensação pela utilização de viatura própria quando a empresa não proceda ao débito expresso dos mesmos a seus clientes, não sendo suficiente que considere que estas despesas já constituem parte do preço final a suportar pelos clientes.

Para efeitos de separação dos custos registados, entre os expressamente debitados aos clientes e os que para a Inspecção Tributária o não são, o S.p. foi notificado a proceder à discriminação dos saldos das contas, indicando para cada cliente o valor facturado a título daqueles encargos:

O s.p. em resposta à notificação não procedeu à indicação dos valores debitados incluídos nesses saldos, pelo que se acresce ao lucro tributável o montante de 260.754,86 €, que corresponde a 20% dos saldos das contas referidas. [cf. fls. 15 a 17 do relatório de inspecção, constante a fls. 138 a 140 do PAT em apenso].

H. A 05.12.2005 foi emitida a liquidação adicional de IRC identificada com o n.º 20058310121769, e correspondente liquidação de juros compensatórios, que deram origem à nota de cobrança n.º 2005.1268530, no valor de €1.247.808,78, com data limite de pagamento a €11.01.2006 [cf. fls. 233 do PAT em apenso].

I. A 11.01.2006 foi pago o montante identificado no ponto anterior [cf. fls. 120 dos autos].

J. A 12.01.2006 foi pela Impugnante deduzida reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC identificada no ponto anterior, instaurada no Serviço de Finanças de Amadora 1 com o n.º 3131200604000099 [cf. fls. 2 do processo de reclamação graciosa em apenso].

K. Por despacho de 08.04.2009, do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, foi parcialmente deferida a reclamação identificada no ponto anterior, mantendo a correcção identificada em G) supra [cf. fls. 559 a 575 do processo de reclamação graciosa em apenso].

L. Através do ofício n.º 029369, de 14.04.2009, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a Impugnante notificada do teor da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 576 e 577 do processo de reclamação graciosa em apenso].

M. A petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial foi apresentada em 30.04.2009 [cf. fls. 3 dos autos].


***

Na decisão recorrida consta como factualidade não provada o seguinte:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”


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A decisão recorrida consignou como motivação da matéria de facto que:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Relativamente à prova testemunhal produzida foram ouvidas as testemunhas V. C. S. G., M. E. M. V. e V. M. P. P., todos trabalhadores da Impugnante, da área da contabilidade.

A decisão da matéria de facto quanto às alíneas A) a E) dos factos assentes, assentou no depoimento das três testemunhas inquiridas no âmbito dos presentes autos, em conjugação com a prova documental trazida aos autos e enunciada em cada alínea.

Foi valorado o depoimento de todas as testemunhas que relevaram ter conhecimento directo sobre os factos, por desempenharem funções na área da contabilidade da Impugnante.

Todas elas prestaram depoimentos claros, precisos e credíveis, em particular a segunda testemunha, que explicou de forma muito sucinta a modus operandi da Impugnante no que diz respeito à facturação das ajudas de custo.

Por todas as testemunhas foi evidenciado que a Impugnante paga ajudas de custo aos seus trabalhadores como forma de compensação pelas despesas de deslocação que os mesmos efectuem ao serviço da empresa – cf. al. A) dos factos assentes.

Em regra podiam ser efectuados pagamentos de despesas de deslocação relativamente a serviços que se encontravam incluídos em contratos de empreitada ou outros contratos previamente definidos, e relativamente aos quais havia sido determinado um valor global do contrato que incluía todas as despesas necessárias ao seu cumprimento, incluindo as despesas de deslocação dos técnicos para o cumprimento do contrato – cf. als. B) e C) dos factos assentes.

Nesse sentido podemos ver o documento apresentado pela Impugnante ao contrato de empreitada celebrado com o H. S. J. a fls. 69 a 72, e uma das correspondentes facturas a fls. 72, onde consta apenas o valor do serviço global, embora no mesmo se inclua todas as despesas suportadas pela Impugnante para o cumprimento do contrato, no qual se inclui as despesas de deslocação dos técnicos.

Por outro lado, pela Impugnante foram emitidas facturas referentes a serviços no âmbito de pedidos de assistência técnica e de manutenção, que não estavam relacionados com nenhum projecto/contrato pré-estabelecido, onde constava discriminadas as despesas de deslocação, como as identificadas nos documentos de fls. 54 a 68 dos autos – cf. al. D) dos factos assentes.

Explicaram as testemunhas de forma clara e convincente que a forma que a contabilidade tinha para distinguir as despesas de ajudas de custo associadas a estes dois tipos distintos de facturação – aquelas debitadas aos clientes por via de contratos, ou por via de facturação directa – era através do recurso a folhas de serviço que cada trabalhador tinha de preencher, como as constantes a fls. 91 a 115 dos autos, onde constava o nome do beneficiário do serviço, o local para onde se deslocou, a respectiva data, o montante diário que lhe foi atribuído e o valor facturado, e a indicação se aquele serviço estava associado a um projecto ou não.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRC do exercício de 2000, no valor de €103.906,45.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir :

Ø Se o presente recurso deve ser objeto de rejeição liminar por as conclusões não se apresentarem idóneas a delimitar de forma clara, inteligível e concludente o recurso;

Ø Improcedendo a aludida rejeição, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto, por ter erroneamente valorado a matéria contemplada no probatório, competindo aquilatar do concreto preenchimento do artigo 640.º do CPC;

Ø Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter decidido que a alínea f), do nº1, do artigo 41.º do CIRC, não exigia a discriminação dos encargos na própria fatura para efeitos da dedutibilidade integral do seu valor;

Ø Se a AT afastou o princípio da verdade declarativa, com a inerente densificação do ónus probatório.

Apreciando.

Comecemos pela questão atinente à rejeição liminar do recurso.

A Recorrida começa, desde logo, por requerer que o presente recurso seja liminarmente rejeitado porquanto as suas conclusões mais não representam que uma reprodução das alegações, não cumprindo os requisitos enunciados no artigo 639.º, nº1, do CPC.

Vejamos, então.

Preceitua o artigo 639.º, do CPC aplicável ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT, sob a epígrafe de “ónus de alegar e formular conclusões” que:

“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.”

Mais importa ter presente que as conclusões das alegações de recurso visam identificar e extrair corretamente as questões controvertidas suscitadas pelo Recorrente, tendo a importante função de delimitar o objeto do recurso e circunscrever o campo de intervenção do Tribunal ad quem.

In casu, contrariamente ao defendido pela Recorrida, do teor das conclusões é possível percecionar a delimitação das questões, não sendo o mesmo ininteligível.

No caso vertente, atentando nas alegações de recurso verifica-se que a Recorrente, entende que existiu uma errada valoração da matéria de facto face aos pressupostos consignados no artigo 41.º do CIRC, explicitando, na sua ótica de razão, quais os argumentos que deveriam ter sido ponderados para a legitimação da atuação da AT e consequente manutenção do ato impugnado.

E por assim ser, não se verifica qualquer erro e desadequação do seu objeto, ou qualquer ineptidão que impossibilite o conhecimento do objeto do recurso.

Face ao exposto, improcedendo a arguida rejeição do recurso, cumpre, então, analisar o erro de julgamento de facto.

Apreciando.

A Recorrente começa por defender que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova documental e testemunhal produzida nos autos.

Densifica o supra aludido, aduzindo que das alíneas D) e E) do probatório não se podem retirar as asserções que o Tribunal a quo extraiu, concretamente que englobou nas faturas referentes a contratos/projetos o montante correspondente a ajudas de custo.

Mais evidenciando no atinente à prova testemunhal que, não se pode considerar a mesma suficiente para provar que todas as despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador se encontram justificadas, sindicando, nessa medida, a alínea C) do probatório.

Advogando, ainda, que o Tribunal a quo tem de avaliar exatamente o que as testemunhas afirmaram e valorar em conformidade com tal testemunho.

Vejamos, então, se a sentença recorrida padece do aludido erro.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.(1)
No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” (2)
Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC,(3)aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
Dir-se-á, portanto, que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC.(4)

Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente não impugna a matéria de facto decorrente da prova documental, não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, apenas convoca um erro de julgamento no sentido de que deveria ter sido valorado de forma distinta a prova documental constante dos autos, mormente a elencada nas evidenciadas alíneas D) e E) e face a essa errónea interpretação incorreu em erro de julgamento.

Quanto à produção de prova testemunhal, a Recorrente não procede à transcrição de qualquer depoimento ou excerto do mesmo, nem, tão-pouco, indica, com exatidão, as passagens de gravação dos depoimentos que pretende ver analisados, não requerendo, por conseguinte, qualquer aditamento por complementação ou substituição, e bem assim qualquer supressão do acervo probatório. Pelo que, não impugna a matéria de facto de acordo com os requisitos supra evidenciados.

Mais importa ter presente que quando é colocada em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, não basta a mera alegação que o depoimento não é crível. E isto porque, se a convicção formada pela Recorrente sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se a ausência de credibilidade ponto da discordância, impondo-se ao Recorrente que indique as razões de ciência em que se firma, e bem assim, sendo caso disso, as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade.
Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo.(5)

Não podendo, nessa medida, a Recorrente limitar-se a evidenciar, de forma genérica, que os depoimentos das testemunhas não podem servir para fixar a factualidade em contenda e estabelecer interrogações como as contempladas em AA) sem daí retirar uma concreta asserção quanto ao acervo fático dos autos, mormente, uma redação substitutiva ou, eventual, supressão.

De resto, como é consabido os depoimentos das testemunhas quando, críveis, com razões de ciência perfeitamente evidenciados e devidamente ponderados, podem e devem ser valorados na exata medida da convicção do julgador e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

Ademais, contrariamente ao aduzido pela Recorrente da arrazoada motivação da matéria de facto não se retira, de todo, que a prova testemunhal tenha sido genérica, bem pelo contrário.

In casu, conforme resulta de forma clara e inequívoca da motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo enunciou as razões pelas quais entendeu credibilizar os depoimentos, quais as razões de ciência atinentes ao efeito, evidenciando, outrossim, particularidades dos depoimentos reputados de relevo para a decisão, não tendo a Recorrente sindicados os mesmos com os devidos trechos que poderiam acarretar uma valoração distinta e inclusive díspar redação, nem, tão-pouco, contraditado e refutado com a devida substanciação, donde o acervo fático tem de permanecer inalterado, votando, assim, ao insucesso o aludido erro de julgamento de facto.

De todo o modo, sempre importa sublinhar que atentando no recorte fático dos autos, não se vislumbra que os factos fixados tendo por base a produção de prova testemunhal não pudessem fundar-se na mesma.

Aliás, contrariamente ao alegado pela Recorrente, e conforme se atesta do teor do Relatório Inspetivo não se vislumbra, de todo, que as operações contabilísticas e os contratos, não tivessem o devido suporte documental. Com efeito, o que se retira é que a prova testemunhal visou complementar a documentabilidade, o suporte contabilístico.

Note-se, neste particular, que tanto a alínea D) e E) convocadas-ainda que genericamente- estão suportadas em dois meios de prova, concretamente prova documental nela indicada e prova testemunhal, o mesmo sucedendo quanto à alínea C), atenta a remissão para a alínea B) e para o suporte documental dela constante.

Questão diferente, é se não foram devidamente valorados, designadamente, pela AT, por inércia probatória e descurando realidades documentais e contabilísticas na sua esfera instrutória e inspetiva, no entanto, tal questão já radica em erro de julgamento e será apreciada em sede própria.

Ademais, importa ter presente que há muito que é Jurisprudência assente que se um dado movimento contabilístico não se encontrar comprovado, por um documento externo, ou mesmo se a densificação de uma determinada realidade cuja efetividade não é colocada em crise, tal não pode, sem mais, afastar a sua dedutibilidade fiscal em sede de IRC.
Com efeito, “o custo indocumentado, pode relevar fiscalmente se o contribuinte provar, por qualquer meio admissível, a efectividade da operação e o montante do gasto, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.(6)

Até porque, a densidade de suporte documental em termos de IRC é distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio.

Note-se que “[n]o respectivo código não está concretizada a noção de «documento justificativo», expressamente adoptada no art. 98.°, n.° 3, alínea a), disposição que estipula regras a observar na execução da contabilidade, bastando «uma qualquer forma externa de representação da operação (que não uma factura, por não incluir as imperativas e específicas solenidades documentais, como a numeração ou o timbre da empresa) [...] desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)»TOMÁS DE CASTRO TAVARES, ob. e loc. cit., pág. 123).(7)

Como doutrina Rui Duarte Morais, “julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva"(8)

Face a todo o expendido anteriormente, conclui-se que inexiste qualquer erro de julgamento de facto.


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Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é assacado.


Apreciando.


A Recorrente defende que a correção levada a efeito pela AT deveu-se, tão-só, à circunstância de não estar preenchido o segmento da norma “faturação a clientes”.


Enfatizando, neste âmbito, que pese embora o artigo 41.º, nº1, alínea f) não exigisse, ao tempo, como requisito a existência de um mapa através do qual fosse possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem a despesas, a verdade é que tal só se pode apresentar como um requisito implícito.


Mais evidenciando que não basta a própria Recorrida ter considerado suficiente que as despesas constituíam parte do preço final a suportar pelos clientes, para assim ficar justificada a despesa e ser a mesma dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável.


Sublinhando, neste particular, que pese embora algumas das faturas juntas pela Recorrida discriminem valores a título de viagem, nenhuma delas tem qualquer anotação relativa ao trabalhador que prestou o serviço e muito menos os tempos de permanência, ou qualquer outro elemento adicional relativamente à referida despesa.


Adensando, ainda, no atinente ao suporte documental junto aos autos que o mesmo se afigura pouco expressivo para demonstrar a globalidade da realidade em apreço e cominar de anulabilidade a correção realizada, porquanto apenas representa 27% do total das despesas em apreço, logo, per se, é uma amostragem pouco significativa.


A Recorrida dissente relevando, desde logo, que a exigência de que o montante de ajudas de custo seja discriminado, em verba própria, nas faturas emitidas pela Recorrente aos clientes carece de suporte legal, sendo certo que os dados e os apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, não foram colocados em crise pela AT, pelo que se presumem verdadeiros em ordem ao consignado no artigo 75.º da LGT.


De todo o modo, sustenta que não obstante o ónus probatório se circunscreva na esfera da AT, a verdade é que a Recorrida, conforme resulta do probatório, demonstrou a ilegalidade do acréscimo dos 20%, porquanto tais valores haviam sido, efetivamente, faturados aos clientes.


Apreciando.

Importa, desde já, relevar que a fundamentação que releva e que importa para efeitos de apreciação da questão e legalidade do ato impugnado, é a que se encontra espelhada no Relatório Inspetivo, em nada podendo relevar as constantes, designadamente, em sede do procedimento de reclamação graciosa, por representarem fundamentação a posteriori.(9)

Atentemos, então, na fundamentação aduzida pela AT no seu Relatório.


A AT começa por evidenciar que a Recorrida tem a sua contabilidade organizada, e consagrou no seu sistema contabilístico diversas contas específicas nas quais procede à discriminação das despesas com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.


Após enunciar, com pormenor, as aludidas contas aduz o seguinte:

“Os saldos das contas com referência "s/projecto" foram acrescidos ao lucro tributável, na proporção de 20%, pois as despesas não foram debitadas a clientes.

Verifica-se que as ajudas de custo e Kms registados em contas com a referência "p/projecto" não foram acrescidos pelo s.p. porque considera esses valores facturados:

• Se as despesas foram incorridas pela prestação de serviços no âmbito de contratos ou grandes projectos (por exemplo, projectos de implementação e garantias associadas ou contratos de manutenção) - a empresa embora não discrimine nas facturas os valores referentes às ajudas de custo e Kms considera-os como facturados, pois os valores orçamentados pela empresa inclui todas as despesas a incorrer para elaboração do produto final, pelo que estes valores pressupõem-se incluídos no orçamento. A empresa não expressa nas facturas os valores relativos a estas rubricas.

• Relativamente às obras de carácter plurianual as despesas de ajudas de custo e Kms integram a componente dos custos incorridos dos projectos, influenciando positivamente o seu grau de acabamento e originando um proveito proporcional, e como tal facturados, mas não são expressos nas facturas.

• Se as despesas foram incorridas no âmbito de um pedido de assistência técnica e manutenção, não contratualizadas e fora do âmbito de garantias - a empresa efectua o serviço, discriminando ao cliente os valores facturados, incluindo as ajudas de custo e os Kms em viatura, pelo que os referidos custos estão expressamente debitados.”

Concluindo, depois, que face ao consignado na “[a]línea f), n.º 1 do artigo 41.º (actual 42.°) do CIRC não é aceite como custo fiscal 20% das ajudas de custo e de compensação pela utilização de viatura própria quando a empresa não proceda ao débito expresso dos mesmos a seus clientes, não sendo suficiente que considere que estas despesas já constituem parte do preço final a suportar pelos clientes.”

Ora, face ao supra expendido, verifica-se que a fundamentação em que se estribou a correção em contenda consistiu, tão-só, na circunstância de as faturas visadas não contemplarem, de forma expressa, esses valores.

No entanto, conforme ajuizado pelo Tribunal a quo, a lei, à data da prática dos factos tributários, não exigia que as faturas contemplassem, de forma expressa e perfeitamente individualizada, esse montante.

Com efeito, à data da prática dos factos tributários o artigo 41.º, nº1, alínea f), do CIRC, apresentava a seguinte redação:(10)

“[n]ão são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:(…)

f) As despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS, na esfera do respetivo beneficiário”.

Ora, do aludido preceito legal o que resulta, tão-só, é que são objeto de acréscimo à matéria coletável, na proporção de 20%, as despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, que não sejam faturadas a clientes, não estipulando, assim, qualquer formalidade atinente a essa demonstração, mormente, na fatura visada.

Como é bom de ver, da letra da lei não se retira, de todo, que a fatura tenha de evidenciar, de forma expressa e segregada esse montante, apenas e só que esse montante seja faturado ao cliente.

Em nada podendo proceder a argumentação da Recorrida no sentido de que existe uma consagração implícita, e isto porque no domínio da formalidade atinente à dedutibilidade fiscal dos encargos, quaisquer pressupostos que possam influir na mesma têm de resultar, de forma expressa e inequívoca, do normativo.

Mais importa, outrossim, relevar que à data da prática dos factos tributários a lei nem, tão-pouco, exigia um mapa de controlo individual.

Noutra formulação, dir-se-á que apenas com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, se passou a contemplar o seguinte:

“[a]s despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivo, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário”.

Logo, não logrando mérito, por carecer de fundamento legal, a circunstância de nas faturas ter de constar, de forma expressa, essa discriminação e segregação, para que a AT pusesse em causa a presunção de veracidade estatuída no artigo 75.º da LGT –conforme aduzido pela Recorrida-teria de ter demonstrado, de forma segura, que existia falta de faturação aos clientes, ou seja, teria de demonstrar os pressupostos em que assentou o acréscimo dos 20%.

E por assim ser, a análise e densificação do respetivo ónus probatório terá de ser apreciada, ab initio na veste e na vertente de quem tem o ónus em primeira linha, in casu, a AT.

Neste sentido, convoque-se o Aresto deste Tribunal prolatado no âmbito do processo nº 1954/05, de 24 de junho de 2021 [no mesmo sentido, aponta o Aresto deste Tribunal prolatado no âmbito do processo nº 02014/07, de 15 de julho de 2009], do qual se extrata, no seu sumário, o seguinte:

“II.A não dedutibilidade das ajudas de custo em 20% prevista no disposto na alínea f), do n.º 1, do art. 42.º do CIRC pressupõe que as ajudas de custo não tenham sido faturadas a clientes, este é o requisito legal para a limitação da dedução desses custos, contudo, não se exige a sua discriminação das ajudas de custo nas faturas;

III. Não exigindo a lei que as faturas discriminem as ajudas de custo, tal significa que não existe qualquer irregularidade formal que pudesse afastar a presunção de veracidade conforme o disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, pelo que, vigorando aquela presunção, então cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos em que assentam a correção (cf. n.º 1, do art. 74.º da LGT), cabendo-lhe coligir indícios consistentes de que as ajudas de custo contabilizadas pela Impugnante não foram faturadas aos clientes.”

E a verdade é que a AT, in casu, se limitou, de forma absolutamente conclusiva e, como que transpondo os meandros de instrução e de fiscalização para a esfera da Recorrida, a corrigir o valor de €260.754,86, não cumprindo, assim, o ónus probatório sobre os factos índice de tributação e que sobre si impendia

Note-se que, se atentarmos no Relatório Inspetivo, verifica-se que a mesma reconhece a segregação contabilística nas diversas contas elencadas em G) do probatório, explicitando a fundamentação associada a cada conta contabilística, mas a verdade é que nada demonstra no sentido de que do confronto da prova documental, mormente, extratos de conta, orçamentos, contratos, mapas de ajudas de custo e respetivas faturas se possa concluir que inexiste a declarada faturação a clientes. Aliás, nem, tão-pouco, é sequer alvitrada ou ensaiada uma amostragem.

Aduza-se, em abono da verdade, que se a AT enuncia e valida a especificação contabilística e se a Recorrida congrega e adensa realidades concretas e singulares para a sua materialização, então para que o acréscimo fosse perfeitamente legitimado era imperioso que a AT, enquanto entidade fiscalizadora, demonstrasse que o declarado não espelhava a verdade material.

Até porque, a Recorrida acresceu ao lucro tributável, na proporção de 20%, os saldos das contas com referência “s/projecto”, porquanto tais despesas não haviam sido debitadas a clientes.

Logo, era curial que a AT analisasse as despesas incorridas pela prestação de serviços no âmbito de “contratos ou grandes projectos” e aquilatasse o teor dos visados contratos, os orçamentos ou qualquer outro suporte documental para o qual remetiam e demonstrasse, de forma inequívoca, que contrariamente ao declarado -e que se presume verdadeiro- pela Recorrida tais valores não haviam sido faturados aos clientes, o mesmo sucedendo quanto às obras de caráter plurianual.

Mas, nada disso resulta que tenha sido realizado, não demonstrando -no aludido Relatório Inspetivo- os pressupostos base atinentes ao acréscimo em causa. Com efeito, competiria à AT reunir indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias em causa não haviam sido faturadas aos clientes contrariamente ao declarado pelo contribuinte, em cumprimento do ónus probatório que sobre si impende, como decorre do artigo 74.º da LGT.

Note-se, ademais, que, in casu, resulta provado-factualidade esta, como visto, não impugnada eficazmente- que os trabalhadores elaboravam documentos de ajudas de custo, intitulados de folhas de serviço onde constava o nome do beneficiário do serviço, o local para onde se deslocou, a respetiva data, o montante diário que lhe foi atribuído, do valor faturado e a menção à existência ou não de contrato associado ao serviço, porquanto poderia/deveria a AT ter coligido outros elementos que estavam ao seu dispor e fazer a devida análise, correspondência e alocação.

Não podendo lograr o alcance almejado pela Recorrente o atinente ao pedido de colaboração realizado no âmbito da ação inspetiva, porquanto dado o teor, e o objeto do mesmo tal representaria uma inversão do ónus probatório.

Com efeito, a AT pode e deve no âmbito de uma ação inspetiva solicitar esclarecimentos e requerer documentação que possa reputar relevante para o efeito, e a parte deve, desde logo, ao abrigo do princípio da colaboração cooperar, tanto quanto lhe seja possível e exigível, porém já não é pode exigir à parte que realize a instrução, análise e fiscalização que se circunscreve nos seus poderes inspetivos. E tal, foi, efetivamente, o que resultou no caso em apreço. Aliás, sublinhe-se que a Recorrida, assim o alegou na sua p.i. e, ora reiterou nas suas alegações de recurso, por convocação, desde logo, do princípio da verdade declarativa.

Mais importa, outrossim, relevar que a AT assume, de forma expressa, no Relatório Inspetivo que as despesas incorridas no âmbito dos pedidos de assistência técnica e manutenção, não contratualizadas e fora do âmbito das garantias, a empresa efetua o serviço, discriminando ao cliente os valores faturados, incluindo as ajudas de custo e os kms em viatura própria estando os custos expressamente debitados, reiterando tal asserção e reconhecimento nas suas alegações de recurso que existem faturas que discriminam valores pagos a títulos de viagem, no entanto, ainda assim, procedeu, in totum, à sua desconsideração.

Acresce, in fine, e conforme expendido no recente Aresto do TCA já citado que, “[r]esulta das regras da experiência comum que existindo ajudas de custo só nos casos em que o preço acordado com o cliente não incluísse tais ajudas de custo é que faria sentido lhes fazer referência nas faturas emitidas (…).”

Ora, face ao supra expendido, assiste razão à Recorrida quando aduz que vigorando o princípio da verdade declarativa, a AT não o abalou, de forma consistente, demonstrando os factos génese que legitimam a tributação, incumprindo, por isso, o ónus probatório a que se encontrava adstrita, e que comina o ato tributário de anulabilidade por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

E por assim ser, carece de qualquer relevância as inferências realizadas a uma amostragem com uma percentagem pouco expressiva e bem assim a todas as ilações atinentes ao suporte carreado aos autos de impugnação pela Recorrida, e eventuais discrepâncias e isto porque, a ilegalidade é, desde logo, a montante e inultrapassável.

Ademais, como expendido em recente Aresto deste Tribunal, que acompanhamos, prolatado no processo nº 179/06, datado de 14 de janeiro de 2021:

“Se a AT, com vista a afastar tal presunção de veracidade, funda a sua posição em circunstâncias descritas de forma genérica e por amostragem, não discriminando concretamente as situações subjacentes a essa mesma posição, não é exigível ao contribuinte uma prova que não se quede, igualmente, por aspetos genéricos e globais, porque a própria fundamentação do ato não permite qualquer nível de detalhe adicional.”

Carecendo, por conseguinte, de igual relevo a menção à anulação parcial do ato tributário e bem assim as argumentações constantes de L) a M), sendo certo que no concernente a estas últimas as mesmas consubstanciam, outrossim, fundamentação a posteriori.

In fine, e sem embargo de todo o exposto, sempre se dirá que não tendo a matéria de facto sido impugnada, de forma adequada e eficaz, a mesma legitimaria, per se, a assunção de faturação a clientes propugnada na decisão recorrida.

Destarte, tendo a fundamentação do acréscimo dos 20% radicado, tão-só, na ausência da referência ao valor segregado das ajudas de custo nas faturas, cujo pressuposto não tem assento legal, e não tendo a AT coligido elementos capazes de atestar a ilegalidade do declarado, ou seja, de que os valores não foram faturados a terceiros, a liquidação padece, efetivamente, de ilegalidade.


Dimana, assim, axiomático que a AT não ilidiu o ónus probatório a que se encontrava investida, uma vez que os indícios por si recolhidos não permitem suportar a conclusão a que chegou quanto a acréscimo de 20%, donde, subsumível no artigo 41.º, nº1, alínea f), do CIRC.

Neste particular, sempre importa relevar que no limite sempre o Tribunal teria de fazer valer-se da fundada dúvida contemplada no artigo 100.º do CPPT (anterior 121.º do CPT), e isto porque a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AT, não devendo ela efetuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles. O aludido normativo constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal, determinando que o interesse substancial da justiça domine o atual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado.(11)Conclui-se, assim, pela ilegalidade do ato de liquidação, e consequente anulação, confirmando-se, assim, com a presente fundamentação, a decisão recorrida.

***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, com a presente fundamentação, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 11 de novembro de 2021

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)






1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
2) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.
3)Vide, designadamente, Acórdão do STJ datado de 19/02/2015, proferido no processo nº 299/05.06TBMGD.P2.S1.
4)Conforme doutrina o Ac. STJ. de 03/03/2016, no processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S.
5) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31 de maio de 2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07 de junho de 2018.
6) In Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 2951/09, datado de 07.05.2020.
7) In Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00253/04, de 14.06.2006, e TCA Sul prolatado no processo nº 279/09, de 25.06.2020.
8) in Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pág. 80.
9) Vide, designadamente, Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 65/0, de 11.04.2019 e TCAN, proferido no processo nº 01099/03, de 20.01.2004.
10) Redação da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro
11) Vide, designadamente, o Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 0097/03, de 27 de maio de 2010.