Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:61/21.9 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
ERRO DE JULGAMENTO
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS
Sumário:I-Ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.

II-Na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do artigo 28.º do mesmo diploma, não podendo abranger qualquer erro de julgamento.

III-A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito.

IV-Verifica-se contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida quando o discurso argumentativo constante da decisão arbitral impugnada conduza a uma decisão distinta da que foi proferida, não se confundindo a mesma com o erro de julgamento

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

I ……………………………….., LDA, deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo do artigo 28.º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, dirigida a este Tribunal visando decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo nº ………/2020-T, datada de 21 de maio de 2021, que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2015 e 2016, tendo decretado a anulação das liquidações de IVA, referentes ao ano de 2015, e mantendo no demais.


***

O Impugnante termina a exposição da impugnação formulando as seguintes conclusões:

“1. A presente Impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 2021-05-21 pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa que julgou parcialmente procedente o Pedido determinando a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante “IVA”) relativas aos vários períodos do 2015;

2. Tal decisão considerou-se notificada à Impugnante a 2021-05-24;

3. A Impugnante não concorda a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral por entender que: (a) a mesma não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão; (b) os fundamentos apontados estão em oposição à decisão;

4. No tocante ao primeiro ponto, o Tribunal Arbitral deu como provado, entre outros que, do RIT constava que “a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.”

5. Para mais tarde concluir na decisão impugnada que a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, constitui fundamentação à posteriori, ou seja, que não foi fundamento das liquidações impugnadas;

6. Contudo, da análise da referida decisão não se compreende quais os fundamentos em concreto nos quais o Tribunal a quo fundou a sua convicção, até porque da análise do constante do RIT (dado como reproduzido na decisão impugnada), tudo aponta no sentido contrário àquele em que arrimou o areópago;

7. Pelo que, se deve dar por provado que a decisão não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão, com todas as consequências legais.

8. Pelo mesmo motivo, na falta de qualquer fundamento que em detrimento do que foi dado como provado constar do RIT, permita a conclusão formulada na decisão impugnada, de que a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, constitui fundamentação à posteriori, ou seja, que não foi fundamento das liquidações impugnadas, se deve concluir que esta conclusão está em contradição com os fundamentos da mesma.

9. Entende, assim, a Impugnante que a decisão arbitral em causa se mostra contrária à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser anulada a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


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A Recorrida, devidamente notificada apresentou contra-alegações, como segue:

I. Vem a presente impugnação judicial interposta da douta decisão Arbitral que anulou as liquidações de IVA da impugnada referente ao ano de 2015.

II. Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, o qual foi introduzido pelo Dec. Lei 10/2011, de 20/1 (R.J.A.T.), os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consistem na impugnação da decisão arbitral consagrada no artº.27º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28º, nº.1.

III. Na verdade, no regime da arbitragem tributária o desígnio legislativo foi de restringir os recursos das decisões arbitrais, revelado na alínea h) do nº 4 d artigo 124 da Lei 3/b/2010 de 28 de Abril, na qual a Assembleia da republica deu ao Governo a autorização legislativa na qual se baseou o DL 10/2011 de 20 de janeiro que regulamenta a arbitragem e que consagrou a regra da irrecorribilidade da decisão arbitral em matéria tributária, com exceção dos recursos de constitucionalidade e o recurso por oposição de acórdãos do STA, nos termos do art.º. 25.º do RJAT e da a impugnação da decisão arbitral, prevista nos art.º 27.º e 28.º do RJAT.

IV. Vem a Impugnante ancorar a sua impugnação em duas alíneas do art.º 28º do RJAT que correspondem a vícios de nulidade das sentenças nos tribunais arbitrários nos termos do plasmado no artigo 125 nº 1 do CPPT.

V. O que a impugnante alega no seu aliás douto articulado é um erro de julgamento e não nulidade da sentença.

VI. Ora, pela própria letra da lei o fundamento da presente impugnação não poderá assentar nas duas alíneas do art.º 28º, porquanto as mesmas são incompatíveis entre si.

VII. Ou não existem fundamentos e como tal a impugnação é possível atenta a alínea a) do n.º 1 do art.º 2º.

VIII. Ou os fundamentos existem e estão em oposição à decisão e subsume-se na alínea b) do n.º 1 do art.º 28º, mas já não na alínea a).

IX. Vem a Impugnante no seu art.º 5º dizer que o Acórdão Arbitral dá como reproduzido tudo o RIT no ponto B) da matéria dada como provada para fundamentar a não especificação dos fundamentos , quando na verdade o que a mesma indicia no seu articulado é um erro de julgamento

X. Refere a Impugnante que da transcrição do RIT resulta evidente que os SIT entenderam que não se verificou a finalidade terapêutica nos serviços de nutrição quando eram acessórios do ginásio o que nem sequer está em causa era os vícios invocados da nulidade da decisão.

XI. Contudo, se lermos atentamente o RIT a conclusão é diferente e antagónica é que são acessórios da atividade e exercício físico.

XII. Na verdade, o que ficou provado foi que os serviços de nutrição vendidos com a Sigla SDIET (que foram objeto de correção aritmética) e os serviços SNUT (que não foram objeto de correção) não são diferenciados.

XIII. Não se pode concluir como pretende a Impugnante que do relatório dos SIT se infirma que não se verificou a finalidade terapêutica e daí a não beneficiação da isenção do IVA e a correção aritmética e como tal existira oposição entre os fundamentos e a decisão.

XIV. Ora os fundamentos da douta decisão assentam em que os SIT basearam a correção com base na questão da acessoriedade e decidiu em conformidade entendendo que os serviços de nutrição prestados ela impugnante não são acessórios, mas autónomos e independentes.

XV. Na verdade, não estamos em sede de impugnação judicial a discutir o mérito da questão, mas tao somente vícios na decisão subsumíveis nas alíneas a e b do nº 1 do artigo 28 do RJAT ou seja, nulidades da decisão.

XVI. Na verdade, a pedra basilar de todo o relatório não tem a haver com a finalidade terapêutica das consultas prestadas sob a sigla SDIET, mas sim na tónica de que sendo as prestações de serviços de nutrição contratadas conjuntamente com os serviços de ginásio, são acessórios e por essa razão não tem fim terapêutico ou seja se os SIT não tivessem caracterizassem os serviços como acessórios nem sequer a questão da finalidade terapêutica se punha e causa como aconteceu nos serviços de nutrição faturados com a sigla SNU que como não foram considerados acessórios nem sequer se discutiu a finalidade terapêutica .

XVII. Acresce que, dúvidas não existem que os SIT apenas fizeram a diferença pelos códigos SDIET e SNUT tendo procedido às correções de todas as faturas dos códigos SDIET.

XVIII. Ou seja, o critério distintivo não foi se as consultas foram ou não efetuadas, que aliás o próprio SIT referem existirem.

XIX. O critério distintivo não foi que as consultas SDIET não tinham fim terapêutico sendo que o próprio tribunal na sua douta decisão refere que o Relatório assenta na questão da acessoriedade transcrevendo vários enxertos do relatório em que as conclusões dos SIT foram nesse sentido pelo que inexiste qualquer contradição ente s fundamentos e a oposição.

XX. Pelo que andou bem o Tribunal arbitral ao considerar que a fundamentação de correção não foi a finalidade terapêutica das consultas, pois se assim fosse, não poderia justificar e fundamentar as correções com a questão de acessoriedade pelo que não existe por um lado nem falta de fundamentação nem contradição entre os fundamentos e a decisão , não sofrendo a decisão arbitral de qualquer nulidade e portanto não sendo suscetível este tribunal de apreciar o mérito da questão já decidida em tribunal arbitral

XXI. A conclusão do RT é bem clara e assenta claramente na questão da acessoriedade, alias só assim se justifica que o pedido de suspensão do processo arbitral tenha como base o reenvio em que apenas se colocava em causa a situação da disponibilização dos serviços e da acessoriedade e nunca a finalidade terapêutica das consultas.

XXII. A decisão que se impugna especificou concretamente aos fatos que justificam a decisão pelo que não existe qualquer nulidade de decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 28º do RJAT e ainda que houvesse erro na apreciação da matéria como provada , o que só se concede por excesso de patrocínio , não se subsumiria nas alíneas do artigo do RJAT pelo que nunca poderia ser objeto de impugnação judicial

XXIII. A decisão impugnada fundamentou bem a sua posição no sentido de justificar porque razão não estava em causa a finalidade terapêutica das consultas tendo decidido nesse sentido não havendo qualquer oposição.

XXIV. O RI não se refere à finalidade terapêutica como justificativo da correção.

XXV. Ora, quer do relatório do Chefe de Equipa, que nem sequer faz alusão à finalidade terapêutica, mas sim acessória, quer ao critério utilizado para a correção aritmética concluímos sem mais que os SIT não operaram as correções de IVA com base na finalidade terapêutica, mas sim com base na acessoriedade das consultas vendidas conjuntamente com os serviços de ginásio.

XXVI. Aliás, sempre foi o caracter acessório que foi discutido nos processos de IVA nos exercícios de 2013/2014 que foram decididos no Tribunal Arbitral sob os números 169/2019-T; 159/2019-T; 170/2019-T; 163/2019-T; 373/2018-T; 162/2019-T; 164/2019-T; 161/2019-T e 160/2019-T e cujos RIT são quase uma cópia integral ao dos presentes autos.

XXVII. E aliás foi essa a questão discutida nos processos 160/2019-T e 373/2018-T nos quais foi aproveitada a prova para a decisão impugnada, pelo que não existe nem falta de fundamentação nem sequer oposição.

XXVIII. Na verdade, tendo o Tribunal a quo decidido que a questão basilar de correção era a questão de acessoriedade, a decisão foi no sentido de entender que os serviços de nutrição são autónomos e independentes das prestações dos serviços de ginásio, aliás na senda do doutamente decidido pelo TJUE pelo que noa existe nenhuma das nulidades invocadas.

XXIX. A decisão em causa não enferma de nenhuma nulidade constante do art.º 28º do RJAT

Temos em que devera apresente impugnação ser julgada improcedente mantendo-se a decisão arbitral por a mesma não conter qualquer vicio tudo com custas a cargo da impugnante.”


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II. Fundamentação de Facto

A decisão arbitral impugnada possui, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte teor:

2.1. Factos provados
A)A Requerente integra-se no Grupo …;
B) A Requerente tem como actividade a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia;
C)A Requerente desenvolvia a sua actividade em 2015 e também actualmente, num Health Club do Grupo … localizado na …, “… …”, …, …;
D) Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal;
E) A Requerente proporciona aos seus sócios não só a prática de ginásio similar aos seus concorrentes de mercado, mas vai bastante para além da mera prática de exercício físico, proporcionando ainda outros serviços;
F) As instalações da Requerente incluem ginásio, zona de treino funcional, 3 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 Gabinetes dedicado a Fisioterapia e 2 Gabinetes de Nutrição;
G) A Requerente oferece um variado leque de aulas de grupo, Treino personalizado, Serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição;
H) Os serviços oferecidos inserem-se na mais ampla política do Grupo … espelhada na máxima … assente em três pilares “…, … e …" (…, …, …);
I) Foi realizada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao ano de 2015, a coberto da Ordem de Serviço …;
J) Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
I DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1-EM SEDE DE IVA

III. 1.1 - Do IVA não liquidado - (prestação de serviços dietéticos) IH.1.1.1 Dos Factos
O SP tem como principal objeto social o exercício de gestão e exploração de health clubs, atividade, essa, que desenvolve no ginásio que explora sob a insígnia …, sito na …, … "…" (designado por "…", até janeiro de 2019), sito na … … …, ….
Atualmente, nesse estabelecimento, são colocadas à disposição dos sócios, não apenas as instalações desportivas necessárias à prática de atividade física, mas, também, uma série de outras valências, das (CAE 93130), o SP desenvolve uma série de atividades secundárias, conforme quadro abaixo:
Quem pretender ser cliente daquele ginásio e usufruir dos serviços nele disponibilizados, tem de se tornar sócio do ginásio explorado pelo sujeito passivo, mediante a assinatura de um contrato individual de adesão (Anexo 2), proceder ao pagamento de uma "taxa de inscrição* e ao pagamento antecipado de uma mensalidade cujo valor é variável de acordo com a frequência semanal e/ou serviços utilizados.
Por outro lado, a partir de 2013, nos atos de inscrição como sócios, passou a ser possível associar ao "Contrato de Adesão", a subscrição de um "Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos" (embora também pudesse ser subscrito à posteriori ou, até, ser subscrito por sócios que já se encontravam, àquela data, com contratos em vigor).
(...)
Salvo a não inclusão dos rendimentos isentos no campo 09 da DP de IVA, verificou-se conformidade entre os ficheiros, as declarações periódicas e a contabilidade.
Por outro lado, constatamos que a natureza das vendas e das prestações de serviços (faturação) se distribui, resumidamente, por três grandes áreas de atuação, a saber:
> … - Faturação (anual)
> … (…) - Loja (anual)
> … (…) - Gestão Espaços (anual)
Da análise a todos estes ficheiros, foi possível concluir sobre as atividades que o sujeito passivo desenvolve, bem como os respetivos enquadramentos em sede de IVA.

O ficheiro "… - Faturação (anual)" engloba a disponibilização das instalações e equipamentos desportivos para a prática de exercício físico - Ginásio (atividade principal) - alividade suleita a IVA e dele não isenta - e algumas outras atividades associadas, tais como Fisioterapia e Nutrição (…-…) -atividades isentas de IVA.
A título de exemplo, solicitámos algumas das faturas referentes às Mensalidades (Anexo 2), e verificamos que das faturas emitidas aos clientes que, para além do "Contrato de Adesão" subscreveram, igualmente, o "Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos": nelas, para além da rubrica "Utilização das instalações desportivas" (atividade sujeita e não isenta), podem surgir outras rubricas, tais como "Personal Training" (também atividade sujeita e não isenta), contudo, a esta ou estas, surge sempre associada a rubrica 'Prestação de Serviços Dietéticos" (â qual correspondem códigos tais como "…", "…"), rubrica, essa, considerada, pelo sujeito passivo, como Isenta de IVA. nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA.
Porém, nas referidas faturas (as das mensalidades de quem subscreveu, também, o contraio de prestação de serviços dietéticos^ para além das duas rubricas - a referente à utilização das instalações desportivas e a referente à prestação de serviços dietéticos - surge, ainda, uma terceira rubrica: trata-se de um desconto por subscrição deste serviço, ou seja:
• "Utilização das instalações desportivas' (sujeita a IVA à taxa normal - 23%);
• "Prestação de serviços dietéticos" (isenta de IVA nos termos da alínea 1) do Art.º 9º do CIVA)
Uma terceira rubrica:
• "Desconto por subscrição de acompanhamento dietético" (sujeito a IVA à taxa normal - 23%)
Note-se que o SP sujeita o desconto à taxa normal, quando o faz depender da subscrição de um serviço que considera isento e quando ambos os valores são exatamente iguais o que, na prática, transforma este serviço num serviço gratuito.
Assim, como se constata pela análise das faturas correspondentes às mensalidades dos sócios que subscreveram, também, o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, o valor referente à prestação destes serviços (dietéticos) é considerado isento, pelo sujeito passivo, nos termos da alínea 1) do art.º 9º do CIVA, enquanto o desconto, de montante igual ao do serviço dietético, é objeto de regularização de IVA a favor do sujeito passivo à taxa de 23%, donde decorre que o valor de Imposto a ser entregue ao Estado, proveniente da faturação ao cliente da atividade principal desenvolvida (utilização de instalações desportivas, sujeita à taxa de 23%), sofre uma diminuição por via da regularização a favor do sujeito passivo, correspondente a 23% sobre o montante faturado com isenção (i.e. sobre o montante da prestação de serviços dietéticos).
Constata-se também, através do ficheiro correspondente a toda a sua faturação, que o SP entende que todos os serviços que presta na área da nutrição se encontram isentos de IVA. Não é esse, contudo, o entendimento da AT. Efetivamente, na área da nutrição, o sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas vertentes:
Prestação de Serviços Dietéticos (vários códigos "…");
Consultas de Nutrição, isoladas, ou em packs que podem ir até 6 consultas (vários códigos "…").
Se o próprio SP faz esta distinção (… e …) é porque esses dois códigos encerram conteúdos diversos e, de facto, de toda a análise efetuada, apurámos que o código … se refere a consultas de nutrição, enquanto o código … se refere, unicamente, a "Prestação de Serviços Dietéticos". Esta 'Prestação de Serviços Dietéticos" surge sempre associada à "Utilização das instalações desportivas", constituindo, assim, uma atividade acessória a esta.
A prová-lo, estão os "Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos" (Anexo 2) de cujas cláusulas, respetivamente, primeira e terceira, se retira o caráter "acessório" desta vertente dos serviços dietéticos, relativamente ao ginásio, já que o acesso à mesma só é "permitido" enquanto durar o "Contrato de Adesão" (contrato para "Utilização das instalações desportivas" - Ginásio) - (Anexo 2):
Clausulas 1a e 3a:
Caráter acessório:
"Pelo presente a primeira obriga-se a prestar serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais (...)- (in Cláusula 1a);
'O termino do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação do Presente contrato (...) - (in Cláusula 3a - ponto 3.3)
Note-se que é, exatamente, no caráter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a respetiva prática, uma vez que, nessa matéria, solicitamos elementos e pudemos assim comprovar a conformidade com os requisitos exigidos no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho.
Assim, é sobre a demonstração deste carácter acessório da "Prestação de serviços dietéticos" (por contraponto com as consultas de nutrição) e sobre os respetivos enquadramentos em sede de IVA, que nos iremos debruçar no ponto que se segue.
III.1.1.2. Dos fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1.1.2.1 Enquadramento fiscal
III.1.1.2.1.1 Direito comunitário
> A Diretiva do IVA estabelece, no nº 1 do seu artigo 132º, a isenção de determinadas prestações de serviços na érea da saúde.
> Beneficiam de isenção, nos termos da alínea b), "a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos".
> Por seu turno, a alínea c) isenta "as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercido de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa".
> A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência médica que figura na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Sexta Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde" (acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01).
> A aceção de que a isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 opera independentemente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE.
> No acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.
> Segundo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o referido Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo c-141/00, referente ao caso Kugler, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, embora visem regular a totalidade das isenções aplicáveis às prestações médicas em sentido estrito, têm âmbitos muito distintos.
> Assim, a alínea b), do nº 1, do artigo 132 da Diretiva isenta todas as prestações efetuadas em meio hospitalar.
> Já a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva, destina-se a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do doente, ou em qualquer outro lugar, ou seja, aplica-se a prestações efetuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, relação que normalmente tem lugar no consultório deste último.
III.1.1.2.1.2 Direito interno

V Aquelas isenções previstas nas alíneas c) e b), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, foram transpostas para o Direito interno:
o Para a alínea 11. do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE) - FORA DE MEIO HOSPITALAR
o Para a alínea 2), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea b), do nº 1, do artigo 132º da mesma Diretiva 2006/112/CE). - EM MEIO HOSPITALAR
> Na sequência dessa transposição, a alínea 11 do artigo 9.º do CIVA, isenta do imposto, Vis prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas." - FORA DE MEIO HOSPITALAR
> A alínea 2), do mesmo artigo prevê ainda estarem isentas de imposto, "As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efeituadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares".
> Daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2), do artigo 9.º do CIVA, respeitam a "atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde".
> Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades.
> A alínea 2), do artigo 9.º do CIVA, destina-se a isentar os serviços de assistência efetuados no meio hospitalar.
> O sujeito passivo isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé nas respetivas faturas (Anexo 2), pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.
> Assim sendo, passamos a analisar a isenção aplicada pelo sujeito passivo à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9" do CIVA.
> Ora estabelece a alínea 1) do artigo 9º do CIVA que 'estão isentas as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".
> Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:
- Decreto-lei 261/93, de 24 de julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o desempenho da função e
- Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o nº 1 do seu artigo 3º, que refere o conteúdo funcional que terá de, necessariamente, compreender a "realização das atividades constantes do anexo ao já referido decreto-lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação." (dessa lista consta, designadamente, a atividade de "dietista").
> Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9º do CIVA. importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em "prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde" (Processo nº 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).
> E continua: "Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da Isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas." (sublinhado nosso).
> Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, não é licita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a "disponibilização" de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente "procurar" esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.
> Tal significa que as prestações de serviços que não tenham tal objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas ao âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas "duas sessões presenciais" (e não consultas) e "dois acompanhamentos telefónicos anuais", os quais surgem designados por "aconselhamento dietético").
> De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (ou Health club) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.
> A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes vêem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor).
> Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional. disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.
> Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art.º 9º do CIVA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal.
> Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos a seguir desenvolvidos.
"natação principal vs acessória
> Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.
> Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tornam-se suscetíveis de constituir operações "puramente acessórias" ou "estreitamente conexas".
Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:
• Acórdão de 22 de outubro de 1998 "T. P .Madgett, R. M. Baldwín e The Howden Court Hotel", Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, "não constituem (...) um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.", concluindo nesse contexto que se trata de "prestações (...) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal.]".
• Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, "Card Protection Plan Lttl", Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que "uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador".
• Acórdão de 27 de setembro de 2012, "Field Fisher Waterhouse LLP", processo C-392/11, o Tribunal de Justiça declarou que se está em presença de uma prestação única quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador. Neste sentido vide os seguintes acórdãos: a) CPP - Processo n.º C-349/96, Colet, p. I-973, n.º 30, de 25 de fevereiro de 1999; b) Part Service, C-425/06, Colet., p. I-897, n.º 52 de 21 de fevereiro de 2008; c) Bog e outros, Processos n.ºs C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, Colet., p. 1-1457, n.º 54, de 10 de março de 2011).
. Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, "BGZ Leasing Sp.z o.o.", Processo C-224/11, onde se refere que está "em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial" e que "a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade ao sistema do IVA". Continua, ainda, referindo que "para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa", designadamente, "uma determinada conexão entre si".
Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no nº 30 deste acórdão que se vem referindo (processo C-224/11), "uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador". Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
III.1.1.3 Da Análise dos factos
No âmbito da presente Ordem de Serviço, e como já foi referido, verificou-se que nas faturas emitidas em 2015 pelo sujeito passivo aos seus clientes (os quais efetuam contratos de adesão e. acessoriamente, contratos de Prestação de serviços dietéticos), para além da rubrica "Utilização das instalações desportivas" (atividade sujeita), podem surgir outras rubricas, tais como, a título de exemplo, "StrarterPack Classic" ou "Serviço de Toalhas" (atividades igualmente sujeitas), contudo, surge sempre associada a rubrica 'Prestação de Serviços Dietéticos", à qual correspondem códigos tais como "… " ou "…"), consideradas, pelo sujeito passivo, como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA, e uma terceira rubrica: "Desconto por subscrição de acompanhamento dietético" (sujeito a IVA à taxa normal - 23%) - veja-se, a título exemplificativo, cópia de faturas no Anexo 2.
Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Ponto II 1.1.1.2.1. -Comunitário e Interno), é de salientar que a atividade de "Dietética", não obstante estar prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n.º 261/93 de 24.07, determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132" da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).
Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18º do CIVA.
Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.
Da análise a diversos "Contratos de Adesão" e "Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos" (Anexo 2) se retira, designadamente a partir das suas cláusulas primeira, terceira e quinta, que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. De facto, e não obstante a cláusula quinta estabelecer que a extinção do contrato de prestação de serviços dietéticos não implica a anulação do contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas, nem qualquer alteração às condições subscritas pelo utente, Já o inverso, ou seja, o fim do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação de contrato de Prestação de serviços dietéticos, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).
Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.
Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.
Fica assim demonstrado o caráter acessório da "Prestação de serviços dietéticos" (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos "…") enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição às consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde" daqueles sócios do ginásio que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código "…” ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.
Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a "Prestação de Serviços Dietéticos" (códigos "…"), uma vez que, relativamente às mesmas - e tão só a essas - não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 11 do art.º 9.º do CIVA.
III.1.1.4 Das propostas de correção (ao IVA não liquidado) -Ano 2015
Como já referido ao longo deste relatório, a nossa análise baseou-se nos elementos e esclarecimentos que nos foram facultados.
• Para determinação do valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da desconsideração, por parte da AT, da "Prestação de serviços dietéticos' como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, foi trabalhado o ficheiro " TEJ_V f)_Prest Serv_20í5" (que é o ficheiro relativo à PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS 2015, em resposta à alínea f) da nossa notificação);
• Este ficheiro inclui as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e pelos serviços secundários relacionados, incluindo os serviços dietéticos, os quais se encontram evidenciados através de diversos códigos "…";
• Utilizando este ficheiro, foi colocado um filtro na coluna "IVA". através do qual se selecionou o valor €0,00. O resultado obtido foi a totalidade das prestações de serviços efetuadas em 2015, sobre as quais não houve liquidação de IVA, ou seja, Prestações de serviços isentas de IVA, de acordo com o entendimento do sujeito passivo:
•Restringindo, desta forma, o nosso âmbito de análise às prestações de serviços que, na ótica do sujeito passivo, se encontravam isentas de IVA, foram apurados os respetivos códigos. Para tal, colocamos um filtro na coluna "Artigo", a partir do qual constatamos que os códigos correspondentes a essas prestações de serviço isentas são: diversos códigos "…" (Fisioterapia), diversos códigos "… (Nutrição) e diversos códigos "…" (Prestação de Serviços Dietéticos);
•Sendo que os códigos "…" e "…", correspondem a prestações de serviço efetivamente isentas de IVA, selecionámos os diversos códigos …, obtendo assim, garantidamente, o total das prestações de serviço, relativamente às quais o sujeito passivo deveria ter efetuado a correspondente liquidação de IVA;
Por último, aplicando um filtro na coluna "Período", obtivemos o valor das Prestações de Serviços Dietéticos (códigos …) efetuadas em cada um dos meses de 2015, sobre as quais o sujeito passivo não efetuou a correspondente liquidação de IVA. Com base nesses valores, que constituem agora a nossa "Base Tributável", elaborámos o quadro que se segue, demonstrativo dos cálculos subjacentes à correção proposta, em sede de IVA (Quadro nº 7):
III 1.2.2.3 Resumo da Correção de IVA - Ano 2015
Assim, os valores de correção totais ao IVA (liquidado e dedutível), que propomos para o ano de 2015. encontram-se resumidos no quadro que se segue:
K) Na sequência da inspecção, aplicando as correcções efectuadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações d eiva e juros compensatórios
• 2020 … no valor de € 9.659,74, relativa ao período 201501 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.942,64
• 2020 … no valor de € 9.533,62, relativa ao período 201502 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.904,62
• 2020 … no valor de € 9.426,69, relativa ao período 201503 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.851,24;
• 2020 … no valor de € 9.350,57, relativa ao período 201504 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.804,53;
• 2020 … no valor de € 9.068,56, relativa ao período 201506 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.690,47;
• 2020 … no valor de € 8.747,12, relativa ao período 201507 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.600,84;
• Liquidação n.º 2020 … no valor de € 7.532,87, relativa ao período 201508, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.352,20;
• 2020 … no valor de € 10.229,54, relativa ao período 201511 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.734,25;
• 2020 … no valor de € 5.603,31, relativa ao período 201512 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 931,53;
L) A Requerente contava em 2015, no seu quadro de pessoal, com dois funcionários com a categoria de nutricionista que prestam os serviços de nutrição/dietéticos em duas salas individualizadas e que foram adaptadas para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio (depoimentos das testemunhas B… e C…);
M) As expressões serviços de nutrição e serviços dietéticos são utilizadas indistintamente, estando todos os profissionais que realizam tais serviços inscritos na Ordem dos Nutricionistas;
N) A Requerente, como as outras empresas do grupo …, tem programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem doa Nutricionistas;
O) Em 2013 a Requerente passou a disponibilizar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”, situação a se mantinha em 2015;
P) Aos sócios que aceitaram este serviço foi oferecido um desconto na mensalidade do ginásio correspondente ao valor do novo serviço de nutrição, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente e por estratégia de marketing;
Q) O referido contrato era, em 2015, composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up das consultas, podendo os sócios que pretendam mais do que duas consultas de nutrição por ano podem adquirir consultas de nutrição que são vendidas quer isoladamente, quer em pacote, e prestadas pelos mesmos profissionais de saúde, nos mesmos termos (depoimentos das testemunhas B… e C…);
R) Os clientes podiam usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição ou estas sem o ginásio;
S) Os sócios que subscrevem os serviços de nutrição não têm de pagar qualquer valor adicional pelas consultas que utilizem até ao número previsto no contrato;
T) A Requerente detém um sistema informático interno, comum a todo o grupo …, denominado …, que permite registar e controlar todas as consultas de nutrição, quer as iniciais (designadas consultas base) quer as subsequentes (designadas consultas premium), sendo acessível apenas aos nutricionistas credenciados;
U) A Requerente, na facturação emitida, aplicou aos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos celebrados com os seus clientes, a isenção de IVA prevista na alínea 1), do artigo 9.º do Código do IVA;
V) Foram disponibilizadas consultas de nutricionismo aos sócios/cliente da Requerente conjuntamente com serviços de ginásio, mas apenas uma parte destas foi efectivamente realizada (quadro de fls. 19 do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha C…);
W) Por defeito, a componente de nutrição é incorporada nos pacotes apresentados aos clientes/sócios, simultaneamente com a componente de actividade física;

X) Por despacho de 19-08-2015, do Subdiretor-Geral do IVA, foi emitida a Informação Vinculativa n.º 9215, publicitada em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMA%C3%87%C3%83O.9215.pdf;
Y) Nessa Informação Vinculativa, relativa a «Isenções - Serviços de aconselhamento de nutrição, prestados em Health clubs, clubes de fitness e ginásios, faturados aos seus clientes, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável», cujo teor se dá como reproduzido, conclui-se, além do mais, que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)»;
Z) Para cada consulta é implementado um protocolo de nutrição clínica, em que são colocadas questões para fazer um diagnóstico correcto, e em todas as consultas de nutrição é feita uma análise clínica (depoimento da testemunha C…);
AA) As consultas de nutrição servem para diagnosticar problemas de saúde depoimento da testemunha C…);
BB) Em 12-08-2020, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que as seguintes liquidações relativas a períodos de tributação de 2016, tenham por fundamento o Relatório da Inspecção Tributária junto pela Requerente, relativo ao período de 2015:
– 2020 … relativa ao período 201601 no valor de € 14.173,57 e respectiva liquidação de juros compensatórios no valor de € 2.712,57;
– 2020 … relativa ao período 201605 no valor de € 3.653,94 e respectiva liquidação de juros compensatórios no valor de € 675,99;
– 2020 … relativa ao período 201606 no valor de € 2.594,48 e respectiva liquidação de juros compensatórios no valor de € 469,30.
Na verdade, o Relatório da Inspecção Tributária apenas se reporta ao ano de 2015 e nenhuma das correcções nele efectuadas corresponde a qualquer dos valores das liquidações relativas ao exercício de 2016.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nas gravações dos depoimentos prestados nos processos n.ºs 160/2019-T (em que se inclui a prova produzida nos processos 373/2018-T e 159/2019-T que naquele foi utilizada) e no presente processo, bem como nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
Provou-se que foram disponibilizadas consultas de nutricionismo aos sócios/clientes da Requerente, que foram facturadas, mas apenas uma parte destas foi efectivamente realizada.
Nos pontos indicados, a fixação da matéria de facto baseia-se no depoimento das testemunhas B… e C…, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que relataram.
3. Matéria de direito
3.1. Questões que são objecto do processo
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, designadamente invocados no âmbito da impugnação contenciosa. ( )
A Requerente presta consultas de nutrição nas suas instalações em que também presta serviços de ginásio, além de outros serviços.
Parte das consultas de nutrição são contratadas isoladamente ou em «pacote» de consultas e facturadas autonomamente, a clientes/sócios da Requerente que as pretendem especificamente.
Mas, a Requerente disponibiliza também consultas de nutrição a clientes/sócios que pretendem os serviços de ginásio, facturando-as em conjunto com os serviços de ginásio.
Dessas consultas incluídas em «pack» com os serviços de ginásio, apenas uma parte, não quantificada, é efectivamente prestada.
As consultas adquiridas isoladamente ou em «pack» são prestadas nos mesmos termos, pelos mesmos nutricionistas e nos mesmos locais a isso destinados.
A Requerente aplicou isenção de IVA a todas as consultas de nutrição, com base na da alínea 1) do art.º 9º do CIVA.
A Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que as consultas de nutrição contratadas isoladamente beneficiavam da isenção referida, não efectuando qualquer correcção.
Mas, quanto às consultas disponibilizadas em «pack» e em parte efectivamente prestadas a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não beneficiavam da referida isenção por deverem ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio.
Foi essencialmente isto que a Autoridade Tributária e Aduaneira sintetizou no Relatório da Inspecção Tributária da seguinte forma:
Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.
Assim, é de concluir que a Administração Tributária entendeu que apenas parte das consultas de nutrição facturadas aos sócios/clientes da Requerente não podia beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, designadamente as que foram facturadas conjuntamente com serviços de ginásio;
– a razão pela qual entendeu que essa parte das consultas não podia beneficiar da isenção não foi o hipotético entendimento de que elas não tenham finalidade terapêutica ou não terem sido parcialmente prestadas;
– a não aceitação da aplicação da isenção, foi justificada exclusivamente pelo entendimento de que são «uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio», o que entendeu impor a aplicação do regime fiscal dos serviços de ginásio.
Assim, por um lado, a Administração Tributária, no RIT, não questionou que os serviços prestados de nutricionismo, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de beneficiarem da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA, designadamente não invocando que não tenham natureza terapêutica, nem afastando a isenção se as consultas foram facturadas fora do âmbito de pacotes em que se incluem serviços gímnicos.
De resto, está-se perante uma situação enquadrável na Informação Vinculativa n.º 9215, com despacho de 19-08-2015, do Senhor Director-Geral do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em que se entendeu que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)». ( )
Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira também não baseou a correcção no facto de parte das consultas facturadas em conjunto com os serviços de ginásio terem sido disponibilizadas, mas não terem sido efectivamente realizadas.

Assim, a questão que se coloca neste meio contencioso que tem apenas por objecto «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos» (artigo 2.º do RJAT) é apenas a de saber se está ou não em sintonia com a lei o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas facturadas em conjunto com serviços de ginásio são prestações acessórias destes.
3.2. Questão da natureza acessória ou não das consultas de nutrição facturadas em «pack» com serviços de ginásio
Como se disse, não foi fundamento das correcções efectuadas a não utilização das consultas adquiridas por grande parte dos clientes /sócios da Requerente, mas apenas a invocada natureza acessória em relação aos serviços de ginásio.
Afigura-se que esta questão está proficientemente tratada no acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, que tem subjacente uma situação fáctica essencialmente idêntica, pelo que se reitera aqui o entendimento aí adoptado, tendo em mente o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que estabelece que «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».
Este «tratamento análogo» justifica-se acentuadamente em situações como a presente em que as situações fácticas e o enquadramento jurídico são idênticos e as questões a apreciar são as mesmas.
Refere-se nesse acórdão o seguinte:
«O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.
O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)
Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BG¯ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.
O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.
Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007 . (realce nosso)
A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.
Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.
Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.
Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio.
A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.
Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.
As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.
No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.
Por outro lado, a diferente codificação “…” e “…” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.
Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.
À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados».

Na mesma linha, é de salientar ainda, que para efeitos da regra de que «cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente», quanto às prestações de serviços de nutricionismo há «fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de actividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo): (i) A contratação de nutricionistas inscritos na respectiva Ordem legalmente habilitados a exercer tal profissão; (ii) A existência de instalações adequadas à prática da actividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas; (iii) A prática de facturação separada, individualizando especificamente as prestações de serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de actividades físicas». ( )
Neste contexto, a consideração separada nas facturas das prestações relativas à utilização das instalações gímnicas e à prestação de serviços dietéticos não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, suscetível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.
Por isso, o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas de nutrição facturadas em «pack» com os serviços de ginásio devem ser consideradas prestações acessórias é ilegal por contrariar o Direito da União Europeia.
3.3. O acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira e a repartição nacional de competências entre Tribunais e Administração Tributária
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nas suas alegações o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».
Como se vê esta decisão do TJUE, confirma a sua jurisprudência anterior e a verificação e conclusão a que se chegou no transcrito acórdão arbitral n.º 378/2018-T, sobre a natureza não acessória das consultas de nutrição em relação aos serviços de ginásio.
Por isso, este acórdão do TJUE confirma que as liquidações efetuadas enfermam da ilegalidade que lhes foi imputada por erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao entender as referidas consultas deveriam ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio.
É certo que, na parte em que se refere que o serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva» a doutrina do TJUE poderia justificar que, em vez das correcções que fez, com os fundamentos que utilizou, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuasse diferentes correcções, com distintos fundamentos.
Mas, como já se referiu, o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um acto liquidação deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.
No nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.
Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.
Na verdade, com resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».
É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).
Na verdade, se a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, em vez da acessoriedade em relação aos serviços de ginásio, a defesa da Requerente e a prova que a produzir poderiam ser diferentes.
Assim, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do acto impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.
Como lapidarmente esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 31-01-2018, processo n.º 01157/17, por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo o Tribunal um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)».
Nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à "interpretação dos Tratados", e à "validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União", pelo que não se estende à interpretação das normas nacionais sobre a o âmbito dos processos jurisdicionais e sobre a repartição de competências entre os Tribunais e a Administração, na densificação do princípio da separação de poderes.
É apenas quanto às matérias que se inserem nas competências do TJUE que as decisões proferida em reenvio prejudicial podem ser consideradas obrigatórias (pelo menos, quando não são contraditórias).
De resto nem existe qualquer norma do direito da União Europeia sobre as competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária e tipo de poderes que lhes são atribuídos, sendo matéria que se insere plenamente na discricionariedade do legislador nacional.
Por isso, não havendo qualquer competência do TJUE em matéria de repartição de competências entre Tribunais e Administração Tributária, nem tendo sido proferida qualquer decisão sobre a forma processual adequada à implementação do Direito da União em matéria de isenções de IVA, não há qualquer fundamento para colocar, nesta matéria de definição do âmbito do contencioso arbitral tributário, qualquer questão de violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP ou de consequente inconstitucionalidade.
3.4. A jurisprudência do acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nas suas alegações o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».
Na parte em que se refere que o serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva», a doutrina do TJUE não pode ser aplicada no presente processo, em que o Tribunal Arbitral tem poderes de mera anulação com fundamento em ilegalidade, e está em causa impugnação de actos de liquidação que se basearam no entendimento de que «as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA».
Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei.
É por isso que a fundamentação a posteriori só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.
Por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo este Tribunal Arbitral um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-01-2018, processo n.º 01157/17).
Por outro lado, tendo o TJUE entendido, «sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio», que «um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente», contraria a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT, em que entendeu que se tratava de «uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio».
No caso em apreço, o facto de haver sócios/clientes da Requerente que apenas utilizam os serviços de nutrição, demonstra bem que estes devem ser considerados como uma prestação distinta e independente dos serviços de ginásio, não sendo uma forma de aqueles usufruírem melhor destes serviços.
Por isso, no que releva para a presente decisão, a jurisprudência do TJUE confirma o erro de que enferma a posição assumida no RIT pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao entender que as consultas de nutrição deveriam ser consideradas prestações acessórias dos serviços de ginásio e não «prestação de serviços distinta e independente».
3.5. Liquidações relativas a períodos de 2016
No que concerne às liquidações relativas aos períodos 201601, 201605 e 201606, os elementos que constam do presente processo não permitem concluir qual é a sua fundamentação, designadamente se é ou não a mesma que sustenta as correcções relativas ao ano de 2015.
Na verdade, o Relatório da Inspecção Tributária junto pela Requerente limita-se ao apuramento de factos ocorridos no ano de 2015 e não se refere nesse ter sido efectuada qualquer correcção relativa a períodos de 2016, nem nenhuma das correcções que foram efectuadas corresponde a qualquer dos valores das liquidações referentes a 2016.
Por outro lado, a matéria de facto alegada e a prova produzida reportam-se apenas ao ano de 2015.
Nestes termos, tem de se concluir que nenhum vício se demonstra relativamente a esta liquidações.
3.6. Litigância de má-fé
A Requerente nas suas alegações formula o seguinte pedido:
«Devendo a AT ser condenada como litigante de má fé ao vir nos presentes autos e já na pendencia dos mesmos invocar fatos novos que não foram sequer objecto de contraditório tentando a revelia de todos os princípios norteadores de um Estado de direito nos termos do artigo 104.º da LGT que estabelece que «sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas» para alem de fazer do processo um uso reprovável ao vir alegar fatos contrários aos constantes do RI e que serviram de base as notas de liquidação ora impugnadas .
A litigância de má-fé abrangerá indemnização e honorários de advogado»
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, dizendo, em suma, que não aplicável o regime da litigância de má-fé aos processos arbitrais e que a questão da finalidade das consultas é referida no RIT.
3.6.1. Questão da admissibilidade ou não de condenação por litigância de má-fé no âmbito da arbitragem tributária.
No que concerne à alegada inadmissibilidade de aplicação do regime da litigância de má-fé aos processos arbitrais tributários, afigura-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão.
Na verdade, no artigo 4.º, n.º 1, da LGT estabelece-se que «a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas».
Sendo uma das poucas normas processuais incluídas na LGT ela está vocacionada para aplicação generalizada em processos tributários, sendo essa aplicação generalizada que pode justificar que ela não esteja incluída no CPPT, que regula a tramitação dos processos nos tribunais tributários estaduais.
A decisão arbitral citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira refere-se a arbitragem voluntária, regulada exclusivamente pela Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) e pelas normas que as Partes acordarem, em que só por convenção ou decisão do tribunal podem ser aplicadas regras que regem o processo perante o tribunal estadual, como se prevê no artigo 30.º, n.º 3, da LAV.
Mas, o mesmo não sucede com a arbitragem tributária a que, por força da lei, são aplicáveis subsidiariamente as normas aplicáveis nos tribunais tributários estaduais, arroladas no n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por isso, não há obstáculo à aplicação nos tribunais tributários de condenações da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé, nos termos em que está prevista no artigo 104.º, n.º 1, da LGT.
3.6.2. Questão da condenação por litigância de má-fé
Como resulta do exposto, os termos em que é permitida a condenação por litigância de má-fé nos tribunais arbitrais são os definidos no n.º 1 do artigo 104.º da LGT.
No regime do processo civil a condenação por litigância de má-fé abrange multa e indemnização à parte contrária, se ela a pedir (artigo 542.º, n.º 1. do CPC).
Mas, no artigo 104.º, n.º 1, da LGT, prevê-se apenas a aplicação de sanção pecuniária e não também indemnização à parte contrária.
Assim, desde logo, não há fundamento legal para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira em «indemnização e honorários de advogado», como é requerido.
Por outro lado, o fundamento invocado pela Requerente para o pedido de condenação por litigância de má-fé, que é a invocação de «factos novos que não foram sequer objecto de contraditório tentando a revelia de todos os princípios norteadores de um Estado de direito», não se enquadra em nenhuma das duas únicas situações em que o artigo 104.º, n.º 1, da LGT prevê a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé, designadamente, «actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas».
Pelo exposto, por falta de fundamento legal, é de indeferir o requerimento de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé.
3.7. Conclusão
3.7.1. Relativamente ao requerimento de suspensão da instancia por pendência do processo do TJUE C-581/19 - caso Frenetikexito, fica naturalmente prejudicada a sua apreciação pelo facto de o acórdão do TJUE já ter sido proferido nesse processo.
3.7.2. Pelo que se referiu, ao terem subjacente o entendimento de que nenhuma das consultas de nutrição facturadas no ano de 2015 em conjunto com os serviços de ginásio beneficia de isenção por serem acessórias dos serviços de ginásio, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.7.3. As liquidações de juros compensatórios relativas às liquidações referentes ao ano de 2015 têm como pressupostos as respectivas liquidações de IVA pelo que enfermam dos mesmos vícios.
3.7.4. Resultando do exposto que as liquidações enfermam de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
3.7.5. Relativamente às liquidações relativas ao ano de 2016, não se tendo demonstrado que enfermem de qualquer vício, tem de improceder o pedido de pronúncia arbitral.
3.7.6. Não se verificam os requisitos da condenação por litigância de má-fé prevista noa artigo 104.º, n.º 1, da LGT.

4. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
A. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B. Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
• 2020 … no valor de € 9.659,74, relativa ao período 201501 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.942,64
• 2020 … no valor de € 9.533,62, relativa ao período 201502 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.904,62
• 2020 … no valor de € 9.426,69, relativa ao período 201503 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.851,24;
• 2020 … no valor de € 9.350,57, relativa ao período 201504 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.804,53;
• 2020 … no valor de € 9.068,56, relativa ao período 201506 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.690,47;
• 2020 … no valor de € 8.747,12, relativa ao período 201507 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.600,84;
• n.º 2020 … no valor de € 7.532,87, relativa ao período 201508, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.352,20;
• 2020 … no valor de € 10.229,54, relativa ao período 201511 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 1.734,25;
• 2020 … no valor de € 5.603,31, relativa ao período 201512 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 931,53;
C. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações relativas ao ano de 2016, no valor global de € 24.279,85, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos pedidos;
D. Indeferir o requerimento de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé.”


***

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº …./2020-T, datada de 21 de maio de 2021, na parte em que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, e decretou a anulação das liquidações de IVA referentes ao ano de 2015.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão arbitral padece de nulidade por falta de especificação da fundamentação de facto, e bem assim por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Apreciando.

Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:

a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b-Oposição dos fundamentos com a decisão;

c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;

d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .

Ora, subsumindo-se as arguidas nulidades, no citado normativo, concretamente, nas alíneas a), e b), vejamos, então, se as mesmas procedem.

Comecemos, então, pela falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

Preceitua o artigo 125.º do CPPT, que constitui causa de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

O que corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Quanto à falta de fundamentação de facto e de direito, a Doutrina(1) tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (2).

Como doutrina Alberto dos Reis (3), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base.”

Vejamos, então, se assiste razão à Impugnante.

A Impugnante defende que a decisão arbitral padece do vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificam, vício a que se refere o artigo 28.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e que determina a nulidade da mencionada decisão, nos termos previstos no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, conjugado com os artigos 607.º, n.ºs 3 e 4 e 154.º do mesmo diploma, porquanto não lhe permite compreender minimamente os motivos que conduziram o Tribunal a quo a negar provimento ao seu pedido arbitral.

Invoca, para o efeito, que não se percecionam quais os fundamentos em concreto que sustentaram a convicção de que a falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição constitui fundamentação a posteriori, até porque da análise do RIT, e da decisão proferida sobre a matéria de facto tudo aponta no sentido contrário.

Dissente a Impugnada relevando que o Tribunal arbitral especificou, concretamente, os factos que justificam a decisão pelo que não existe qualquer nulidade de decisão nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT, sendo certo que ainda que houvesse erro na apreciação da matéria como provada, tal redundaria em erro de julgamento que não poderia ser objeto de apreciação na presente lide.

Apreciando.

No caso em apreço, e inversamente ao propugnado pela Impugnante, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto e de direito em que assentou o juízo de procedência prolatado pelo Tribunal Arbitral, percecionando-se, de forma clara, as razões subjacentes à aludida decisão, mormente, no atinente à aduzida fundamentação a posteriori.

Senão vejamos.

O Tribunal Arbitral evidencia, desde logo, em termos de concreta delimitação da lide que “[a] razão pela qual entendeu que essa parte das consultas não podia beneficiar da isenção não foi o hipotético entendimento de que elas não tenham finalidade terapêutica ou não terem sido parcialmente prestadas; a não aceitação da aplicação da isenção, foi justificada exclusivamente pelo entendimento de que são «uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio», o que entendeu impor a aplicação do regime fiscal dos serviços de ginásio.”

Relevando, de forma expressa que “[p]or um lado, a Administração Tributária, no RIT, não questionou que os serviços prestados de nutricionismo, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de beneficiarem da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA, designadamente não invocando que não tenham natureza terapêutica, nem afastando a isenção se as consultas foram facturadas fora do âmbito de pacotes em que se incluem serviços gímnicos. De resto, está-se perante uma situação enquadrável na Informação Vinculativa n.º 9215, com despacho de 19-08-2015, do Senhor Director-Geral do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em que se entendeu que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)». ( ) Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira também não baseou a correcção no facto de parte das consultas facturadas em conjunto com os serviços de ginásio terem sido disponibilizadas, mas não terem sido efectivamente realizadas.”

Para depois concluir, neste concreto particular que “[a] questão que se coloca neste meio contencioso que tem apenas por objecto «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos» (artigo 2.º do RJAT) é apenas a de saber se está ou não em sintonia com a lei o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas facturadas em conjunto com serviços de ginásio são prestações acessórias destes.”

Esclarecendo, ulteriormente, que “[c]omo resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).”

Enfatizando, neste conspecto que “[s]e a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, em vez da acessoriedade em relação aos serviços de ginásio, a defesa da Requerente e a prova que a produzir poderiam ser diferentes.Assim, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do acto impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.”

Ora, face ao supra aludido não assiste qualquer razão à Impugnante quando aduz que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, porquanto, contrariamente ao propugnado pela Impugnante, a mesma contempla toda a factualidade relevante para dirimir o litígio nos moldes em que foi decidido.

Note-se que ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é unânime na doutrina e na jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito (4)”.

Como tradicionalmente perfilhado por Alberto dos Reis (5), a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, é preciso distinguir-se entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”

Conclui-se, assim, que do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, tendo sido definida concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, convocando e apreciando os meios probatórios produzidos.

Subsequentemente, essa mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao quadro jurídico que entendeu relevante para o efeito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, permitindo aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica.

E por assim ser não pode, pois, sustentar-se que a decisão em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na decisão recorrida se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional.

Note-se que, se essa fundamentação é acertada e se o Tribunal Arbitral analisou com a devida propriedade e com acerto o litígio, já não integra nulidade da decisão, mas, tão-só, erro de julgamento o qual, como é consabido, não pode ser analisado por este Tribunal.

Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma.(6).

Não podemos, porém, confundir a ausência ou falta de fundamentação com a deficiência da mesma, sendo que o peso que, na solução adotada, o tribunal arbitral confere a determinada factualidade é questão que excede a impugnação da decisão arbitral, na qual apenas se cuida das nulidades taxativamente elencadas no RJAT.

Destarte, dir-se-á que a Impugnante pode, naturalmente, discordar da procedência ajuizada pelo Tribunal Arbitral, ou até considerar que é desacertada a extrapolação atinente à fundamentação das liquidações, mormente, quanto à falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, mas não pode propugnar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por falta de fundamentação, sendo que, conforme já devidamente evidenciado anteriormente, apenas a absoluta ausência ou grave deficiência de fundamentação, quer de facto, quer de direito– de forma verdadeiramente impeditiva que o destinatário alcance o quadro factual e jurídico subjacente à decisão em contenda – pode levar ao decretamento da nulidade da decisão.

E por assim ser, considera-se que está suficientemente fundamentada a presente decisão arbitral a qual enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respetivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando percetível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio, resolvendo, ainda que a descontento, a impugnação em apreço, pelo que improcede a arguida nulidade.

Atentemos, ora, na nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Aduz a Impugnante que pelo mesmo motivo, inexistindo fundamento que permita fundar e legitimar a conclusão formulada na decisão impugnada, de que a alegação pela Impugnante da falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, constitui fundamentação a posteriori, ou seja, que não foi fundamento das liquidações impugnadas, implica que a mesma esteja eivada de nulidade por contradição com os fundamentos da mesma.

Mais uma vez, dissente a Impugnada convocando que a supra aduzida alegação mais não consubstancia que um erro de julgamento.

E, de facto, também o assim entendemos.

Vejamos, então.

De harmonia com o consignado no artigo 615.º nº.1, alínea c), do CPC, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Concatena-se, assim, com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, nº.1, do CPC.

No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125, nº.1, do CPPT (7) e no RJAT, está expressamente regulado no artigo 28.º, nº1, alínea b).

Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada (8).

No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que atentando no seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela procedência da pronúncia arbitral deduzida, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido.

Note-se, desde já, que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.

A nulidade em análise concatena-se com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, nº.1, do CPC.

Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada (9).

In casu, cotejando a fundamentação da decisão supra expendida, resulta que o decisor enuncia a factualidade que reputa de relevante, estabelecendo uma concreta delimitação da lide, estruturando, desde logo, qual a fundamentação contemporânea do ato, e as razões pelas quais entendeu apartar a fundamentação atinente à finalidade terapêutica e justificando o iter respeitante à fundamentação a posteriori, e, depois, convocando o direito que entende aplicável ao caso vertente, ajuíza que os serviços de nutrição prestados pela Impugnante não são acessórios, mas autónomos e independentes e decide, de forma totalmente coerente e lógica-ainda que a Impugnante discorde da aludida fundamentação jurídica-que há lugar à anulação do ato impugnado por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Conclui-se, assim, que o sentido da decisão não se encontra em contradição ou oposição com os fundamentos, visto que os fundamentos expressos pelo Tribunal arbitral não conduziriam a uma solução de sentido antagónico, o mesmo é dizer que a proposição final (conclusão) revela-se compatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), inexistindo, assim, vício de raciocínio, donde nulidade.

Ademais, e conforme já evidenciado anteriormente a nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.

Com efeito, perceciona-se que a Impugnante, sob a “veste” de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão arguiu um erro de julgamento, visto que, rigorosamente, não assaca uma concreta oposição, mas apenas uma desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, na medida em que interpretou, erradamente, a decisão proferida sobre a matéria de facto no sentido de a AT ter efetuado as correções com base em diferentes fundamentos do da falta de finalidade terapêutica, justificando, por conseguinte, a anulação das liquidações, plasmada, em total conformidade, no dispositivo.

Donde, aferir se ocorreu uma errada interpretação do RIT e em que medida, mormente, no concernente à falta de finalidade terapêutica e ao que se extraia do respetivo Relatório Inspetivo, já contende com o mérito, e com um eventual erro de julgamento, em nada configurando a arguida nulidade.

E por assim ser improcede a aludida nulidade.

No mesmo sentido, e em situações em tudo similares à dos autos -ressalvada a questão do vício de omissão de pronúncia aqui não arguido- vide Acórdãos proferidos por este TCAS, no âmbito dos processos 12/22 BCLSB, 26/22 BCLSB, e 122/21 BCLSB, de 16.03.2023, e 20.04.2023, respetivamente, sendo que nos últimos dois Arestos a, ora, Relatora interveio como 2ª Adjunta.

Destarte, improcede, na íntegra, a presente impugnação.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO.

Condena-se a Impugnante em custas.

Registe. Notifique.



Lisboa, 04 de maio de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)


(1)Neste sentido Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
(2) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.
(3) Ob. Cit, Vol. V, p. 139.
(4) Vide, neste sentido, por todos, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687.
(5) Ob. citada, Vol. V, pág. 140.
(6) cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes.
(7) cfr.Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; Ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, processo nº 1158/09; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, processo nº 7435/14.
(8) vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
(9) vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.