Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:14/09.5BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
ANULAÇÃO PARCIAL/ANULAÇÃO TOTAL DO ACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:1) Os actos administrativos que impõem a obrigação de pagamento de uma quantia, designadamente os actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial dos mesmos.
2) Anulada parcialmente a liquidação, que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantém-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por ilegalidade.
3) No caso, a ilegalidade do acto tributário resulta da falta de imputação do rendimento aos exercícios anteriores do rendimento percebido em função desses exercícios, pelo que a taxa a aplicar após a referida imputação é diferente da que foi aplicada, o que implica a reformulação da liquidação em causa, operação administrativa que não cabe ao tribunal realizar, impedindo a anulação parcial da mesma.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I- Relatório
E........ deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2007. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por sentença proferida a fls. 168 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 31 de Março de 2017, julgou procedente a impugnação. Da sentença interpôs recurso a Fazenda Pública. Nas alegações de fls. 210 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, Fazenda Pública, formula as conclusões seguintes:
a) «Foram violados pela douta sentença os artigos 76/4 do CIRS, 15/1 também do CIRS, artigo 15º e artigo 23º ambos da Convenção celebrada entre Portugal e o Brasil, artigo 4/ 1 da LGT, e o artigo 661.º, n.º 1, do CPC (actual artigo 609º).
b) Uma vez que a liquidação de IRS do exercício de 2007 foi anulada na totalidade
c) Tendo, por um lado, sido evidenciado que os rendimentos da categoria B - rendimentos profissionais, comerciais e industriais -, declarados pelo impugnante no anexo B da declaração modelo 3 de IRS, no valor de 20.248,97€, não foram objecto de impugnação, vindo o impugnante a final no seu pedido, "requerer a anulação parcial da liquidação de IRS relativa ao ano de 2007, devendo apenas serem qualificados como rendimentos sujeitos a tributação em Portugal os declarados no anexo B do modelo 3 de declaração de IRS, bem como, tal anulação parcial deverá ter efeito na determinação da taxa a ser aplicada aos rendimentos tributáveis"
d) E, por outro lado, ficado provado que os rendimentos de trabalho dependente obtidos no estrangeiro, declarados pelo impugnante no anexo J da declaração modelo 3 de IRS, no valor de 210.465,54€: foram rendimentos ganhos/obtidos no Brasil e declarados e aceites pelo impugnante/recorrido; que se encontram sujeitos a imposto em Portugal, por estar provada a residência do impugnante em Portugal no momento da colocação à disposição ou recebimento do rendimento; que o pagamento de imposto no Brasil foi no valor de 57.653,50€, tendo direito à respectiva dedução para evitar a dupla tributação; que, nos termos da douta sentença, deverá ser aplicado a estes rendimentos o artigo 74º do CIRS de forma a limitar o efeito agravante da progressividade do imposto, ao permitir que, para apuramento da taxa, seja considerada apenas uma parte do valor dos rendimentos englobados
e) Devendo, consequentemente, ser reformada a liquidação a fim de ser tido em conta o referido artigo 74º do CIRS - nos termos do artigo 76/4 do CIRS, à data em vigor -, e não anulada na totalidade como propugnado na douta sentença.
f) Sendo semelhante pedido feito na p.i. do impugnante/recorrido, ao referir "subsidiariamente, caso o entendimento supra não tenha vencimento... [pedido de anulação parcial da liquidação de IRS/2007, devendo apenas ser qualificados como rendimentos sujeitos a tributação em Portugal os declarados no anexo B da declaração de IRS] ... sempre deverá a liquidação de IRS relativa ao ano de 2007, ser anulada, por violadora das normas que lhe estão subjacentes, designadamente a conjugação dos artigos 62º e 74º do CIRS, por não terem levado em conta a informação documentada de que os rendimentos declarados no anexo J dizem respeito a rendimentos obtidos em 5 anos anteriores, devendo ser substituída por outra em que tais factos e normas sejam tidos em consideração".
g) Pelo que, não sendo o impugnante/recorrido objecto de tributação em Portugal estarão a ser violados o disposto nos artigos 15º - tributação dos rendimentos obtidos no Brasil também no Estado de residência, Portugal -, e 23º - dedução em Portugal do imposto pago no Brasil para evitar a dupla tributação -, ambos da Convenção celebrada entre Portugal e o Brasil, o artigo 15/1 do CIRS (princípio da tributação universal) e também o princípio da capacidade contributiva, (actualmente previsto no artigo 4/1 da LGT), princípio transversal do direito fiscal, corolário do princípio da igualdade.
h) O Tribunal ao anular a liquidação, para além de fazer errada interpretação dos factos, e, por isso, errada aplicação da lei [artigo 76/4 e artigo 15/ 1 ambos do CIRS, artigo 15º e artigo 23º ambos da Convenção celebrada entre Portugal e o Brasil, e artigo 4/1 da LGT], vai além do pedido e excede as suas competências ofendendo, igualmente, o disposto no artigo 661.º, n.º 1, do CPC (actual artigo 609º), pelo que deve a sentença ser revogada e substituída por outra que determine a reformulação/correcção da liquidação de acordo com os factos dados como provados na douta sentença e nos autos.
i) O acto tributário de liquidação, saldando-se no apuramento do imposto devido pelo sujeito passivo, é divisível «tanto por natureza como na própria expressão legal, pelo que é sempre susceptível de anulação parcial» - cfr. Acórdão de 22 de Setembro de 1999 no recurso n.º 24.101, ou Acórdão de 02/12/2015 do STA, processo nº 0754/15, ou Acórdão de 12/07/2017 do STA, processo nº 0636/17.
j) Ou seja, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo só nessa parte, deixando-o subsistente, no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.
k) Todos os elementos e documentos juntos aos autos são reveladores, por um lado, que os rendimentos da categoria B obtidos em Portugal, e declarados pelo impugnante no anexo B da declaração modelo 3 de IRS, no valor de 20.248,97€, não foram objecto de impugnação;
l) E, por outro lado, que o impugnante/recorrido no ano 2007 era residente em Portugal, tendo obtido rendimentos no Brasil no valor de 210.465,54€, tendo aí pago imposto no montante de 57.653,50€, com direito à dedução do mesmo nos termos do 23° da Convenção celebrada entre Portugal e o Brasil, devendo, nos termos do artigo 15/1 do CIRS (e 15º da Convenção) esses rendimentos ser cá tributados, e, nos termos da douta sentença, de acordo com o artigo 74º do CIRS.
m) O tribunal "a quo" ao não decidir a reformulação/correcção da liquidação do IRS/2007 nos termos do artigo 76/4 do CIRS violou também o princípio da capacidade contributiva.
n) Deverá, pois, a liquidação ser reformulada/corrigida nos termos do artigo 76/4 do CIRS
o) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, nos pontos 1) a 9) da fundamentação fáctica da douta sentença, no pedido a final da p.i. do impugnante a requerer a correcção da liquidação nos termos do artigo 74º do CIRS, na primeira e na declaração de substituição modelo 3 IRS entregues pelo impugnante, na sentença proferida pelo Tribunal do Brasil, na declaração emitida pela autoridade fiscal brasileira, tendo sido juntos quer pelo impugnante/recorrido, quer pela fazenda.
Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»
X
O Recorrido, E….., nas suas contra-alegações de fls. 242 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), formula as conclusões seguintes:
«1. No modesto entendimento do Impugnante, aqui Recorrido, na liquidação aqui impugnada não foi respeitado o disposto na dita convenção, aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 33/2001, de 1 de Março, e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 27/2001, de 27 de Abril;
2. De acordo com o artigo 15º da mencionada Convenção "...os salários, ordenados e outras remunerações similares obtidos de um emprego por residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante...", itálico e sublinhado nossos;
3. As remunerações em causa tiveram origem em trabalho dependente prestado no Brasil, para entidade patronal domiciliada naquele mesmo Estado, sendo o Contribuinte residente naquele Estado (Brasil), na altura da prestação daquele trabalho dependente que deu origem aos rendimentos declarados no anexo J da declaração de rendimentos junta aos autos - vide certidão de sentença judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região - Poder Judiciário - Justiça do Trabalho, junta como doc. 3 da p. i. de Impugnação;
4. Apenas foram pagas no ano de 2007, por terem sido objecto de diferendo judicial (acção e recursos), que apenas tiveram resolução definitiva no referido ano - vide sentença judicial, acima referida e "ALVARÁ" junto como documento 4 da p.i. de Impugnação;
5. Acrescendo, ainda, que o valor recebido, e declarado, é composto por remunerações referentes a vários anos trabalhados na dependência da entidade patronal - vide doc. 3 junto à p.i.;
6. Não se verificam, no caso concreto, quaisquer excepções à aplicação da norma enunciada em 2. supra;
7. Assim, entende o Impugnante, aqui Recorrido, que, os rendimentos declarados no anexo J da declaração de IRS relativa ao ano de 2007, apenas poderiam ser tributados na República Federativa do Brasil, o que já foi efectivado (e pago) - vide doc.2 junto á p. i. de Impugnação;
8. Ao que acresce que, o método previsto no artigo 23º, nº 1 da Convenção destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento celebrada entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 33/2001 e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 2712001, de 27 de Abril, destina-se apenas aos casos em que os rendimentos "possam ser tributados no outro estado", o que conforme melhor explicitado e provado nos autos não é o caso;
9. Daí que, andou bem o Tribunal recorrido em anular a liquidação impugnada, por a qualificação dos mencionados rendimentos declarados no anexo J, como matéria colectável e consequente tributação dos mesmos ser violadora do artigo 15° da Convenção destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento celebrada entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 33/2001 ratificada por Decreto do Presidente da República nº 27/2001, de 27 de Abril;
10. Por outro lado, sem prescindir, aquando da notificação da liquidação em causa nos autos, o Contribuinte/Impugnante, aqui Recorrido, percebeu que, por lapso no preenchimento da declaração, não havia feito constar no quadro 7, que os rendimentos constantes do quadro 4 do anexo J, do modelo 3 de declaração de IRS, eram relativos a anos anteriores, mais precisamente os anos de 1991 à 1995 (5 anos), conforme sentença junta;
11. Para corrigir o mencionado lapso o Contribuinte apresentou, ainda dentro do prazo para pagamento voluntário, uma declaração rectificativa de modelo 3 IRS, em que no quadro 7 do anexo J faz constar a informação supra - Vide cópia da dita declaração que se juntou como doc. 4 da p. i. de Impugnação;
12. Assim, Entendeu o Tribunal recorrido, e muito bem (note-se que, nesta parte sequer é posto em crise nas doutas alegações de recurso) que: "Isto posto, tendo sido apresentada declaração de substituição dentro do prazo para reclamação graciosa [ainda nem sequer tinha começado a correr, pois o só se iniciaria o prazo de 120 dias após o terminus do prazo voluntário para pagamento da liquidação, conforme artigos 70. n.º 1 e 102. n.º 1, alínea a), ambos do CPPT]; para correcção de erros ou omissões imputáveis ao sujeito passivo de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na primitiva declaração [é o caso, como vimos] impunha-se que a Administração Tributária revisse a sua posição, anulando a liquidação emitida com base na primeira declaração e a substituísse por outra, na qual, tendo por base os elementos fornecidos pelo impugnante na declaração de substituição, aplicasse o regime previsto no artigo 74.º do C1RS, não por ser mais vantajoso para o contribuinte, mas porque resulta de imperativo legal, isto sob pena de a possibilidade de apresentar declarações de substituição dentro dos prazos legais se revelar estéril, se a Administração Tributária não as levar em consideração. Estando demonstrado que os rendimentos englobados em 2007 reportam-se a vários anos emergia, pois, a aplicação do regime previsto no artigo 74.º do CIRS, sob pena de violação de lei. No caso versado, a Administração Tributária fez tábua rasa da declaração de substituição, desconsiderando-a e mantendo na ordem jurídica a liquidação impugnada, na qual não se aplica o regime estatuída no artigo 74.º do CIRS, como devia. Impõe-se, assim, a anulação da liquidação impugnada, o que se determinará afinal."
13. Sendo que o cerne da discordância da Fazenda Pública, em seu douto recurso, ora respondido, reside no facto de que no seu entendimento a douta sentença recorrida deveria ter determinado a reformulação/correcção da liquidação de IRS/2007 do Impugnante - entendimento com o qual não podemos concordar;
14. Como bem ensina o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo nº 079/13, datado de 27/11/2017:" I - O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação. II - Não é, todavia, possível proceder-se à anulação parcial do acto se ela implicar uma nova liquidação. " - in www.dgsi.pt, no mesmo sentido acórdão do supremo Tribunal Administrativo processo nº 01157/14, datado de 17/12/2014, e disponível no mesmo site;
15. Ou seja, a possibilidade de anulação parcial de uma liquidação está dependente da sua divisibilidade, o sentido de partes da liquidação não afectadas pelo vício causador da nulidade poderem ser aproveitadas, mas não pode ser entendida, como pretende a Recorrente, como a possibilidade de o Tribunal se substituir a Fazenda Pública com a elaboração de uma nova liquidação reformulada, retificada e ou corrigida;
16. Em outras palavras: na liquidação em causa o vício de não aplicação do disposto no artigo 74º do CIRS afecta a totalidade do acto impugnado (uma vez que a matéria colectável não é distribuída por 4 anos), não podendo ser aproveitada em partes não inquinadas de vício, determinando a elaboração de uma nova liquidação, e assim, sendo indivisível para efeitos de anulação;
17. Não se podendo olvidar, que face ao princípio da legalidade, está vedado ao Tribunal decidir o que seja peticionado em desacordo com o normativo legal, e que decidir de acordo com a lei, com apoio jurisprudencial nunca poderá ser considerado excesso de pronúncia;
18. Daí que não sofra qualquer mácula a sentença que com o fundamento acima elencado (que, aliás, não é posto em crise pela Recorrente) determine a anulação da liquidação impugnada, não sendo a referida sentença violadora de qualquer norma ou princípio jurídico - devendo esse Venerando Tribunal mante-la nessa parte;
19. Por fim, a douta sentença recorrida decidiu que: "Quanto ao pedido de restituição da garantia «que vier a prestar», acrescida de juros moratórias desde a data da constituição da garantia até efectiva e integral devolução, não existindo elementos nos autos que permitam concluir que foi, efectivamente, prestada garantia, o tribunal não pode reconhecer tal pretensão."
20. Esquecendo que, no requerimento de 27.05.2009, o Impugnante juntou guia de depósito nº 9/2009, pela qual comprova a prestação de garantia, por meio de depósito-caução, para os presentes autos e execução que lhes deu origem;
21. Assim, deverá ser determinada por esse Venerando Tribunal a restituição total da garantia prestada, acrescida de juros moratórias, desde a data da constituição daquela garantia, até efectiva e integral devolução;
Em assim decidindo estará esse Tribunal a fazer a costumeira justiça.»
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«1) O impugnante, em 22-05-2008, apresentou a declaração anual modelo 3 de IRS, relativo ao ano de 2007, preenchendo o anexo “B”, fazendo inscrever no campo “Outras prestações de serviços e outros rendimentos (inclui Mais-valias)” a quantia de € 20.248,97 e preenchendo o anexo “J” relativo aos rendimentos obtidos no estrangeiro, fazendo inscrever no campo “montante do rendimento” a quantia de € 210.465,54 e no campo “Imposto pago no estrangeiro” a quantia de € 57.653,50 – cfr. fls. 9 a 16 dos autos;
2) Em 11-06-2008, deu entrada no Serviço de Finanças da Guarda requerimento apresentado pelo ora impugnante com o seguinte teor:
«Vimos pela presente solicitar a V. Exas. o tratamento dos rendimentos declarados no Anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro) da declaração de IRS relativa ao ano de 2007 (em anexo), ao abrigo da Convenção destinada a evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento celebrada entre Portugal e o Brasil.
Informamos V. Exas. que tais rendimentos foram declarados e tributados na República Federativa do Brasil, de acordo com original de declaração de Imposto de Renda – Pessoa Física relativo a 2007 que se anexa.
Esclarecemos ainda V. Exas. que tais rendimentos auferidos e tributados em Reais, foram convertidos para Euros à taxa cambiam em vigor a 31-12-2007» - cfr. fls. 17 dos autos;
3) Com o requerimento mencionado na alínea antecedente, foi junta a declaração constante de fls. 18 a 22 dos autos, da qual consta como tendo auferido na República Federativa do Brasil o montante de 541.536,92 reais, tendo sido retido imposto na fonte na quantia de 148.344,95 reais, determinando-se a restituição da quantia de 8.933,79 reais, por só serem devidos impostos no total de 139.411,16 reais;
4) Os rendimentos mencionados na alínea antecedente, reportam-se ao período compreendido entre 1991 e 1995 e foram determinados por sentença judicial proferida em 11-09-2007, no âmbito do processo n.º 00622.661/96-5 da 1ª Vara do Trabalho de Passo Fundo – Rio Grande do Sul – cfr. fls. 23 a 34 dos autos;
5) Em 01-08-2008, foi emitida e notificada ao impugnante a liquidação n.º 2008 5003976931, respeitante a IRS/2007, no montante de € 22.979,49, a pagar até ao dia 01-10-2008 – cfr. fls. 46 dos autos;
6) Na liquidação mencionada no ponto anterior foi deduzido à colecta o montante de € 59.076,66, na qual se engloba a totalidade do montante de imposto pago no estrangeiro – cfr. consta de fls. 46 dos autos [ponto 18] conjugada com a declaração de rendimentos e artigo 14.º da contestação;
7) Em 30-09-2008, o impugnante apresentou declaração de substituição da declaração anual de rendimentos modelo 3 do IRS aludida em 1), onde fez constar que os rendimentos obtidos no Brasil, identificados no anexo “J” reportavam-se a cinco anos – cfr. fls. 35 a 43 dos autos;
8) Em 26-11-2008, deu entrada no Serviço de Finanças da Guarda a presente impugnação judicial – cfr. carimbo aposto no rosto de fls. 4 dos autos;
9) À data em que foram recebidos os rendimentos mencionados na declaração de IRS/2007, o ora impugnante residia em Portugal – cfr. resulta do depoimento da testemunha inquirida conjugado com as declarações de rendimentos mencionadas em 1) e 7) do probatório [concretamente campo 1 do quadro 5];
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Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.
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O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos.»
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
10) A taxa aplicada pela liquidação referida em 5) é de 42% - fls. 46.
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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença que anulou a liquidação impugnada, estruturando, para tanto, a argumentação seguinte.
«No caso versado, (…) o ora impugnante não começou por fazer a imputação na declaração de rendimentos que os rendimentos se reportavam a anos anteriores. Todavia, em 30-09-2008, quando ainda se encontrava a decorrer o prazo para pagamento voluntário da liquidação de imposto [que acabava em 01-10-2008], liquidação essa efectuada em conformidade com o mencionado na declaração periódica referida em 1) do probatório, foi detectado o erro pelo ora impugnante, vindo este apresentar declaração de substituição, na qual fazia essa imputação, dizendo que os rendimentos obtidos no estrangeiro, mencionados no anexo “J” se reportavam a cinco anos. // (…) // Isto posto, tendo sido apresentada declaração de substituição dentro do prazo para reclamação graciosa [ainda nem sequer tinha começado a correr, pois o prazo só se iniciaria o prazo de 120 dias após o terminus do prazo voluntário para pagamento da liquidação, conforme artigos 70.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPPT]; para correcção de erros ou omissões imputáveis ao sujeito passivo de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na primitiva declaração [é o caso, como vimos] impunha-se que a Administração Tributária revisse a sua posição, anulando a liquidação emitida com base na primeira declaração e a substituísse por outra, na qual, tendo por base os elementos fornecidos pelo impugnante na declaração de substituição, aplicasse o regime previsto no artigo 74.º do CIRS, não por ser mais vantajoso para o contribuinte, mas porque resulta de imperativo legal, isto sob pena de a possibilidade de apresentar declarações de substituição dentro dos prazos legais se revelar estéril, se a Administração Tributária não as levar em consideração. // Estando demonstrado que os rendimentos englobados em 2007 reportam-se a vários anos emergia, pois, a aplicação do regime previsto no artigo 74.º do CIRS, sob pena de violação de lei. // No caso versado, a Administração Tributária fez tábua rasa da declaração de substituição, desconsiderando-a e mantendo na ordem jurídica a liquidação impugnada, na qual não se aplica o regime estatuída no artigo 74.º do CIRS, como devia».
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro em que terá incorrido a sentença recorrida, ao determinar a anulação total da liquidação em causa.
A recorrente estrutura o presente recurso com base nas asserções seguintes:
a) A sentença incorreu na preterição do disposto no artigo 609.º (“Limites da condenação”), porquanto o pedido formulado na petição inicial e que foi acolhido na sentença consistia em que «deverá a liquidação de IRS relativa ao ano de 2007, ser anulada, por violadora das normas que lhe estão subjacentes, designadamente, a conjugação dos artigos 62.º e 74.º do CIRS, por não terem levado em conta a informação documentada de que os rendimentos declarados no anexo J dizem respeito a rendimentos obtidos em 5 anos anteriores, devendo ser substituída por outra em que tais factos e normas sejam tidos em consideração» [i].
b) A sentença enferma de erro de julgamento, porquanto ao ter determinado a anulação total da liquidação e não apenas a reformulação da mesma, tendo por base o disposto no artigo 76.º/4, do CIRS, incorreu em erro de julgamento, seja sobre o pedido formulado, seja sobre a matéria de facto assente [ii].
c) A sentença enferma de erro de julgamento, na medida em que, pese embora reconhecendo que os rendimentos percebidos pelo impugnante devem ser tributados em Portugal, apenas o devem ser luz à do regime do artigo 74.º do CIRS, não podia ter determinado a anulação total do acto tributário, mas apenas a sua anulação parcial, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva [iii].
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em [i) (Da nulidade da sentença por preterição do limite previsto no artigo 609.º do CPC), a recorrente sustenta que a sentença é nula por preterição dos limites do pedido.
Cabe às partes circunscrever «o thema decidendum, através do pedido e da defesa. (…) Em processos anulatórios, cada um dos vícios imputados ao acto impugnado constitui uma causa de pedir, como se conclui do preceituado na parte final do n.º 4 do artigo [581.º] do CPC, em que se estabelece [que] nas acções de anulação a causa de pedir «é a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido». Assim, se for pedida apenas a anulação parcial de um acto tributário, com fundamento em determinado vício, o tribunal não poderá, em princípio, anulá-lo integralmente» (1)
No caso em exame, na petição inicial, o impugnante formulou o pedido seguinte:
«requer a anulação parcial da liquidação de IRS, relativa ao ano de 2007, devendo apenas ser qualificados como rendimentos sujeitos a tributação, em Portugal, os declarados no anexo B do modelo 3 da declaração de IRS, bem como, tal anulação parcial deverá ter efeito na determinação da taxa a ser aplicada aos rendimentos tributáveis. Subsidiariamente, caso o entendimento supra não tenha vencimento (…), sempre deverá a liquidação de IRS relativa ao ano de 2007 ser anulada, por violadora das normas que lhe estão subjacentes, designadamente, a conjugação dos artigos 62.º e 74.º do CIRS, por não ter levado em conta a informação documentada de que os rendimentos declarados no anexo J dizem respeito a rendimentos obtidos em 5 anos anteriores, devendo ser substituída por outra em que tais factos e normas sejam tidos em consideração».
Perante o presente circunstancialismo, não se vê como acompanhar a tese da recorrente, de que a sentença ultrapassou os limites do pedido, dado que a sentença julgou improcedente o pedido principal e, após apreciar do bem fundado do pedido subsidiário, determinou a anulação total do acto tributário, acolhendo a pretensão do impugnante. Ou seja, o segmento decisório no sentido de anulação na totalidade do acto tributário assentou na consideração de que o segundo pedido formulado se mostra fundamentado, pelo que deve ser acolhido, como foi.
Não existe por isso violação dos limites do pedido ou da causa de pedir.
2.2.4. No esteio de recurso referido em [ii], a recorrente sustenta a ocorrência de erro de julgamento, porquanto o tribunal recorrido não podia ter anulado na íntegra o acto tributário, quando o que estava em causa e vinha requerido era apenas a reformulação da liquidação, à luz do disposto no artigo 74.º do CIRS. É que «não sendo o impugnante/recorrido objecto de tributação em Portugal estarão a ser violados o disposto nos artigos 15º - tributação dos rendimentos obtidos no Brasil também no Estado de residência, Portugal -, e 23º - dedução em Portugal do imposto pago no Brasil para evitar a dupla tributação -, ambos da Convenção celebrada entre Portugal e o Brasil, o artigo 15º/1 do CIRS (princípio da tributação universal) e também o princípio da capacidade contributiva (actualmente previsto no artigo 4/1 da LGT), princípio transversal do direito fiscal, corolário do princípio da igualdade». Mais refere que devia ter sido aplicado ao caso o disposto no artigo 76.º/4, do CIRS, norma que estabelece que: «Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária».
Na apreciação da alegação, importa ter presente que os actos que imponham o pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são actos por natureza divisíveis, dado estar em causa uma quantia pecuniária e por implicarem operações ariméticas. A divisibilidade resulta da própria lei, sendo admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. «[Nestes casos], o tribunal tem poder não só para anular a parte ilegal do acto tributário, mas também para fixar a parte não ilegal do mesmo, conquanto que essa fixação não colida com o núcleo essencial da função administrativa»(2) . Mais se refere que «[a]s situações de anulação judicial e parcial do acto tributário (…) somente podem verificar-se em relação a actos tributários que tenham base em correcções técnicas à matéria colectável, pois somente em relação a esta espécie de aperfeiçoamentos da mesma é possível cindir o acto tributário e declarar a anulação parcial do mesmo, que não já em relação a actos tributários assentes na fixação da matéria colectável por métodos indirectos»(3) .
No mesmo sentido, «[o STA] tem entendido, em geral, que os actos administrativos que impõem a obrigação de pagamento de uma quantia, designadamente os actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial dos mesmos (art. 100º da LGT)»(4), pelo que «se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira». Há que determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário na sua inteireza, caso em que deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. Por outro lado, tem igualmente sido admitida a possibilidade de anulação parcial do acto tributário com base na natureza de sentença de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, por razões de economia processual, para que da sentença resulte desde logo uma definição da situação que não careça de nova pronúncia da administração tributária e os limites à plena jurisdição só serem de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa que afrontem o núcleo insubstituível da função administrativa. Anulada parcialmente a liquidação, que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantém-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por ilegalidade.
A questão que se suscita consiste em saber se a aplicação da norma do artigo 74.º do CIRS (“Rendimentos produzidos em anos anteriores”), a qual foi preterida pela liquidação em causa, configura vício susceptível de determinar a anulação parcial (e não total) do acto tributário sob escrutínio.
O preceito em exame determina o seguinte:
«Se forem englobados rendimentos das categorias A ou H que, comprovadamente, tenham sido produzidos em anos anteriores àquele em que foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo, e este fizer a correspondente imputação na declaração de rendimentos, o respectivo valor é dividido pelo número de anos ou fracção a que respeitem, com o máximo de quatro, aplicando-se à globalidade dos rendimentos a taxa correspondente à soma daquele quociente com os rendimentos produzidos no ano».
Recorde-se que as taxas do IRS são progressivas (artigo 68.º do CIRS); no caso, a taxa aplicada pela liquidação impugnada é de 42%. No entanto, uma vez que, tal como foi determinado pela sentença e não é contestado pela recorrente, importa fazer a imputação de rendimento percebido nos exercícios anteriores, nos termos do disposto no artigo 74.º do CIRS, a taxa a aplicar após a referida imputação é diferente da aplicada na liquidação em causa, pelo que o apuramento do rendimento colectável e da correspondente taxa, constituem operações administrativas que não cabe a este Tribunal realizar. Ou seja, não é o mesmo resultado, do ponto de vista do rendimento colectável e da taxa de imposto a aplicar na liquidação do imposto, considerar o rendimento tributável imputado nos termos do artigo 74.º do CIRS aos exercícios anteriores ou considerar o rendimento tributável sem a referida imputação. De onde se extrai a necessidade de reformulação da liquidação, sem possibilidade de aproveitamento parcial do acto impugnado. O que implica que a norma do artigo 76.º/4, do CIRS (5), que permite o recurso à figura da correcção da liquidação não tem aplicação ao caso em exame.
Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida não enferma de erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. No que respeita o fundamento de recurso referido em [iii], a recorrente ensaia um discurso argumentativo com base no princípio da capacidade contributiva. Ao invés do que a recorrente sustenta, da sentença recorrida não se extrai afirmação no sentido da exclusão da tributação em Portugal dos rendimentos auferidos no Brasil. Aí se consignou que «[n]ão há dúvidas que tais rendimentos teriam que ser declarados na declaração de rendimentos de 2007, apresentada em 2008, tal, aliás, como o foram. // Para evitar a dupla tributação aplicar-se-ia, então, o regime previsto no artigo 23.º da aludida Convenção, deduzindo em Portugal, onde estava obrigado a declarar os rendimentos obtidos no estrangeiro, pelo Anexo “J”, o imposto pago no Brasil, o que foi feito, deduzindo-se à colecta a totalidade do imposto pago no Brasil (e ainda mais), conforme resulta do ponto 18 da nota de liquidação de IRS/2007, constante de fls. 46 dos autos [cfr. facto 6) do probatório]».
O presente segmento decisório não foi objecto de impugnação recursória, pelo que transitou em julgado. De tal segmento não se extrai, todavia, a asserção de que a liquidação em causa deve apenas ser objecto de anulação parcial, dado que a reformulação da mesma, imposta pelo vício de preterição do disposto no regime de imputação do rendimento do artigo 74.º do CIRS não a permite, nos termos supra referidos.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.

2.2.6. No que respeita ao pedido de restituição de garantia, acrescida de juros moratórios, o recorrido invoca que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao não ter apreciado o pedido indemnizatório em apreço.
Sem embargo, o recorrido não requereu a impugnação autónoma ou recurso subordinado da sentença nesta parte (artigo 633.º/1, do CPC) (6), pelo que o pedido formulado não pode ser objecto de apreciação nesta sede, sem prejuízo da apresentação de novo requerimento no processo adequado.
Termos em que se impõe não conhecer do objecto do pedido.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(2º. Adjunto)


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(1)Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, 6ª Edição, 2011, Vol. II, p. 319.

(2) Joaquim Manuel Charneca Condesso, “Discricionariedade da Administração Fiscal”, in Julgar, Setembro/Dezembro, 2011, pp. 150/169, maxime, p. 167.
(3) Idem, p. 168.
(4) Acórdão de 07.03.2018, P. 01460/15.

(5) «Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária».

(6) V. Estando em causa o decaimento quanto a pedido principal formulado, o meio impugnatório corresponde ao recurso jurisdicional ou ao recurso subordinado, V. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 97.