Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2306/12.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IRC – INACTIVIDADE - PROVA
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:Não tendo o impugnante provado a inactividade ou a ausência de rendimentos da sociedade, no exercício de 2007, terá de se considerar legal a liquidação oficiosa de IRC em crise nos autos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com os artigos 280.º e 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou nula, na parte respeitante ao fundamento opositivo de ineficácia e inexegibilidade da dívida e procedente, por provada, no mais, a impugnação judicial deduzida por A... na sequência da sua citação como responsável subsidiário à sociedade F...– Equipamentos de Escritório, Unipessoal, Ldª, e que no âmbito do processo de execução nº34922…, pendente no Serviço de Finanças de Loures 4, impugnou a/até 27 de agosto de 2012 a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, relativa ao exercício de 2007, que à sociedade foi elaborada, da qual emergiu a dívida exequenda, no montante global de €13.941,99.. Ainda, fixou à causa o valor correspondente ao da dívida que dela determina, conforme o critério estabelecido no art.97º, nº1, al. a) do CPPT, e condenou a Fazenda Pública nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso, consiste em aferir se a douta sentença recorrida deve prevalecer na parte que procedeu ao desiderato do impugnante ao anular a liquidação oficiosa de IRC n.º 2011 …, relativa ao exercício de 2007, elaborada à sociedade F… – Equipamentos de Escritório, Unipessoal Lda..
II. Decorre do disposto no artigo 160.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais que uma sociedade só é considerada extinta após o registo do encerramento da liquidação, mantendo-se até lá a sua personalidade jurídica, isto é, mantém-se como sujeito de direitos e obrigações.
III. O Código de IRC determina que são sujeitos passivos deste imposto, entre outros, as sociedades comerciais com sede ou direção efetiva em território português, as quais são tributadas pelo respetivo lucro até à cessação de atividade – artigos 2.º, n.º 1, alínea a) –, cessação que, relativamente às sociedades em liquidação só ocorre na data de encerramento da liquidação – artigo 8.º, n.º 5, alínea a) do CIRC.
IV. Considerando-se extinta uma sociedade somente após o registo do encerramento da liquidação, bem se compreende a razão pela qual o legislador estabelece que deve ser apresentada no serviço de finanças, no prazo de 30 dias a contar da data de cessação de atividade, a respetiva declaração de cessação de atividade (art.º 110.º n.º 6 do CIRC).
V. O Impugnante deduziu a presente impugnação judicial contra a liquidação oficiosa de IRC relativa ao ano de 2007 porquanto, segundo alegou, a sociedade devedora originária esteve inativa nesse ano não tendo assim gerado quaisquer proveitos sujeitos a tributação.
VI. De acordo com o ponto 2 da factualidade dada como assente “A sociedade viria a ser dissolvida a 18 de abril de 2008, e liquidada até 2 anos, na sequencia de decisão do seu único sócio, de 31 de dezembro de 2007, porquanto a sociedade havia cessado de facto a usa atividade no início desse mesmo não de 2007 – embora na escritura se refira, antes, 31 de dezembro de 2007”.
VII. “E assim o declararia a sociedade à Administração Tributária… mas a 2 de dezembro de 2011, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, tendo-lhe a 28 desse mês comunicado o inicio de funções do liquidatário …a 22 de abril de 2008”, cfr ponto 3 da factualidade provada.
VIII. A douta sentença recorrida salienta que “(…) para fixar o teor dos pontos 1.-2. louvamo-nos do teor do registo, cuja certidão permanente consta de fls. 11-12, como na ata de fls. 13, e na escritura de fls. 14-16, sempre destes autos – já constantes da citada reclamação graciosa, aliás. Perante tanto, o Tribunal apurou a localização temporal da cessação da atividade pela ata da assembleia, em que se delibera pela dissolução da sociedade, em cotejo com a data dessa dissolução, pouco mais de três meses depois, com base nas regras da experiência e na normalidade do parecer humano. Com efeito, apesar do que se exarou ter sido dito perante o Notário, o que é normal perante uma ata de 31 de dezembro de 2007, em que se decide a dissolução da sociedade por não ter tido atividade desde inicio desse ano (e serve de base, pouco mais de três meses depois, à escritura de dissolução), é que pela função e natureza de uma tal decisão vai forçosamente implicado que a sociedade não tinha atividade havia já algum tempo , até que se formou a ideia e por fim se atingiu a decisão de dissolvê-la; depois, há ainda que agendar a escritura e, por fim, celebrar a dissolução. Logo, não se vislumbra nenhuma razão para que não correspondesse à verdade a motivação da decisão de dissolução e, portanto, que o que foi dito perante o Notário não pode ter deixado de ficar a dever-se, senão, a lapso ou erro. Tendo-nos por isso convencido da veracidade da motivação para a deliberação de 31 de dezembro de 2007, a única que sentido faz (e que a escritura se limita a executar) no contexto temporal dos atos executados no sentido de dissolver a sociedade.”
IX. Com o assim decidido não pode a Fazenda Pública, respeitosamente, conformar-se, porquanto entende, salvo o devido respeito e sem embargo de melhor opinião, que tendo a sociedade sido dissolvida a 18 de abril de 2008, o Impugnante deveria ter provado que não teve no exercício em causa (2007) qualquer atividade nem gerou rendimentos.
X. O que não conseguiu.
XI. A junção da escritura não prova mais do que nela consta, ou seja, que a atividade cessou a sua atividade no dia 31 de dezembro de 2007.
XII. Não prova de modo algum que a sociedade esteve inativa no ano de 2007 cuja liquidação ora se impugna.
XIII. Assim a sociedade F...– Equipamentos de Escritório, Unipessoal, Ldª deveria ter apresentado, tempestivamente, a declaração periódica de rendimentos (Mod. 22) referente ao exercício de 2007.
XIV. Não tendo sido cumprida tal obrigação declarativa, a lei atribui à Administração Fiscal a competência para a liquidação do imposto (art.º 89 alínea b) do CIRC).
XV. Com a omissão declarativa da sociedade devedora originária gerida pelo ora impugnante, nos termos e prazos previstos no art.º 112° do CIRC, a iniciativa do procedimento de liquidação, justificadamente, deixou de assentar na autoliquidação do sujeito passivo e transferiu-se para a AT, por força da lei, nos termos especialmente previstos para o caso, deixando de operar a presunção de verdade que aproveitaria à declaração periódica de rendimentos da sociedade se tivesse cumprido pontualmente a obrigação acessória de entrega da declaração de rendimentos nos termos da lei, retornando-lhe o ónus de demonstrar que a sua matéria tributável é efetivamente inferior à oficiosamente apurada.
XVI. A liquidação ora impugnada, elaborada nos termos da alínea b) do nº1 do art.º 83° do ClRC, assentou na determinação da matéria tributável da sociedade devedora originária por avaliação indireta, por se basear em rendimentos presumidos, pelo que competia ao ora impugnante arguir e fazer prova dum suposto excesso de quantificação da matéria tributável determinada nesses termos, de acordo com o nº 3 do art.º 74° da LGT, demonstrando não apenas a pretensa inatividade, mas a falta de obtenção de rendimentos.
XVII. A sentença recorrida, não obstante a alegação de ilegalidade da liquidação ora impugnada porque a sociedade devedora originária não teria tido qualquer atividade em 2007, e que, por isso, não teria obtido rendimentos, não fixou nenhuma factualidade a este respeito, até porque o impugnante não fez prova dessa factualidade.
XVIII. Perante a factualidade dada como provada na sentença não se pode declarar que o ato tributário impugnado, elaborado nos termos da alínea b) do nº1 do art.º 83° do ClRC, não pode subsistir por não terem sido obtidos os rendimentos ficcionados, ou quaisquer rendimentos.
XIX. Aliás, tratando-se de facto extintivo do direto à liquidação, cabia ao ora impugnante a prova desse facto, como resulta do art.º 74°da LGT em sintonia com o disposto no art.º 342° do Código Civil.
XX. Por conseguinte, não tendo sido provado a inatividade da sociedade devedora originária, e sabendo-se que esta apenas foi dissolvida a 18 de abril de 2008, a falta de prova da inatividade deverá ser valorada contra aquele a quem aproveita.
XXI. Do exposto resulta que a sociedade F...– Equipamentos de Escritório, Unipessoal, Ldª, no exercício de 2007, permanecia vinculada a obrigações fiscais pois somente com a cessação de atividade – que, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 8.º do CIRC, ocorre na data do encerramento da liquidação – é que a sociedade em liquidação ou dissolvida deixa de estar sujeita ao IRC.
XXII. Ora face ao exposto, é manifesto que a Administração Tributária fez uma interpretação correta das normas legais aplicáveis ao caso concreto ao ter elaborado a liquidação oficiosa de IRC n.º 2011 …, relativa ao exercício de 2007, à sociedade F...– Equipamentos de Escritório, Unipessoal, Ldª.
XXIII. Assim, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e de direito, devendo por isso a sentença ser revogada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple a interpretação de Direito acima explanada. Tudo com as devidas consequências legais.
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O Impugnante, aqui Recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, nas quais alcança as seguintes conclusões:
“A – O Recorrido foi notificado das Motivações de Recurso da Recorrente AT, versando o mesmo sobre uma discordância em relação à Douta Sentença de fls. ..., na parte em que a mesma entendeu “que o douto Tribunal “ad quo” estribou a sua fundamentação numa errónea apreciação dos factos e aplicação do direito ao ter considerado demonstrada, no ano de 2007, a inexistência de rendimentos da sociedade devedora originária e decidido no sentido de que a liquidação oficiosa ora impugnada violava as alíneas b) e c) do art.º 83.º do CIRC.”.
B - O Recorrido entende que o presente Recurso se mostra desprovido de fundamento legal, para que possa ter procedência
C - A Liquidação Oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, concretamente, correspondente ao ano 2007, na medida em que inexista atividade e/ou rendimento tributável foi indevidamente efectuada.
D - É incontornável que a convicção positiva do Tribunal “a quo” resulta da análise que esse mesmo Tribunal efectuou à prova documental junta aos presentes autos,nomeadamente, porque os “atos levados a efeito na execução, os factos levados ao Registo acerca da sociedade (onde constam designadamente, a sua constituição, gerência e dissolução), integrando ainda os elementos documentais da liquidação cuja dívida deu origem ao citado processo executivo (em especial os elementos de caracterização da liquidação, sua emergência e causa imediata, em procedimento oficioso), a declaração de cessação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado da sociedade extinta e as declarações de início de atividade do liquidatário e ainda a mencionada ata em que se decide a dissolução”.
E - Nenhuma da Prova Documental constante dos presentes autos, seja pública ou particular, ofereceu qualquer tipo de dúvida ao Tribunal “a quo”., até porque os Documentos juntos à Impugnação Judicial foram impugnados.
F - O Tribunal “a quo” , consequentemente, conferiu à documentação junta pelo Recorrido na sua Impugnação Judicial “o valor probatório que lhe deferem os arts.369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº1 do Código Civil e, arts.373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1 do Código Civil, quanto à ata e, ainda, o art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
G - Assim, ao teor do conteúdo da Acta n.º 23, junta à Impugnação Judicial como Doc. 2, decidiu o Tribunal “a quo”, diga-se bem e de forma correcta, atribuir o valor probatório pleno à mesma, nos termos previstos nos n.º 1 dos artigos 373º, 374º e 376º, todos do Código Civil.
H - A empresa F… não teve qualquer actividade empresarial durante o ano 2007, consequentemente, não teve qualquer rendimento ou lucro nesse período, devendo ser de atender ao disposto na alínea b) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 6, ambas do artigo 109º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
I - Bem esteve o Tribunal “a quo” ao ter fundamentado na Douta Sentença Recorrida, “inexistindo atividade da sociedade executada no exercício de 2007, uma inatividade, sem outra fonte de rendimentos ou réditos, não pode logicamente dar azo a uma matéria tributável que relevante seja de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, art.º 104º nº2 da Constituição da República Portuguesa, art.º 1º do respetivo Código, em princípio, salvo algum facto episódico, como v. g. a propósito de liquidação do ativo, de que não se veem indícios, de resto.”
J - A obrigação declarativa incumprida não gera imposto, dado que a ausência de rendimento e de lucro comprova a total falta de matéria tributável, sendo que no caso concreto o Impugnante demonstrou a insubsistência do imposto, pelo que forçoso é concluir que provou o sustentáculo da impugnação e, com ele a liquidação não pode coexistir.
K - A normal sujeição a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas carece sempre do pressuposto de imposto, ou seja, de rendimentos que concretizem a possibilidade de sujeição àquele tributo em factos constitutivos da específica relação jurídica tributária, sendo esta a posição Jurisprudencial que se retira, entre outros, dos Acórdãos do STA de 22/04/2015, tirado no processo n.º 0826/13, ou de 22/03/2011, este tirado no processo n.º 0988/10, ou de 04/11/2009, proferido no processo n.º 0553/09, ou ainda de 17/11/2010, proferido no processo n.º 0609/10, todos in www.dgsi.pt.
L - Bem andou o Tribunal “a quo” ao ter concluído na Douta Sentença que, além de tudo o mais que concluiu, decidiu que “Pelo exposto, na demonstrada inexistência de rendimentos da sociedade, em 2007, pela simples mas suficiente razão de não ter exercido atividade alguma então, gerando rendimentos ou lucros que pudessem consubstanciar o pressuposto daquele tributo, não pode manter-se a liquidação impugnada, que por isso anulamos ao abrigo e nos termos do art.163ºnº2 do Código de Procedimento Administrativo atual, por violar as normas supra-citadas.”
M - Em conclusão final, cumpre requerer a V.as Ex.as Venerandos Desembargadores que a Douta Sentença Recorrida seja por Vós mantida e confirmada nos exactos termos em que foi proferida pela 1ª Instância, i. e., pelo Tribunal “a quo”, fazendo-se assim a costumada Justiça.

ASSIM DECIDINDO V.AS EX.AS, VENERANDOS DESEMBARGADORES, FARÃO A TÃO DESEJADA JUSTIÇA”
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, em virtude de não ter ficado demonstrada a inexistência de facto tributário.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
“1. A sociedade F… – Equipamentos de Escritório Unipessoal, L.da, com sede em Sacavém, no concelho de Loures, foi fundada em/até 21 de agosto de 2002, sendo desde sempre seu sócio e gerente o Impugnante, A....
2. A sociedade viria a ser dissolvida a 18 de abril de 2008, e liquidada até 2 anos, na sequência de decisão do seu único sócio, de 31 de dezembro de 2007, porquanto a sociedade havia cessado de facto a sua atividade no início desse mesmo ano de 2007 – embora na escritura se refira, antes, 31 de dezembro de 2007.
3. E assim o declararia a sociedade à Administração Tributária… mas a 2 de dezembro de 2011, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, tendo-lhe a 28 desse mês comunicado o início de funções do liquidatário…a 22 de abril de 2008.
4. Entretanto, como a sociedade não apresentara a sua declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, relativamente ao ano de 2007 [modelo 22], já a Administração Tributária lhe elaborara, a 13 de outubro de 2011, uma liquidação oficiosa de tal tributo, com o nº[2011]83…, que gerou uma dívida de imposto e juros que, no seu conjunto, ascende a €13.941,99 [incluindo €274,10 a título de juros compensatórios], baseando-se nos elementos que lhe conhecia, respeitantes ao seu exercício de 2005.
5. Tendo sido tal liquidação notificada ao liquidatário da sociedade a 11 de novembro de 2011, mas como no prazo de pagamento voluntário – com termo a 28 de novembro de 2011 – tal dívida não foi satisfeita, foi instaurado no Serviço de Finanças de Loures 4 o processo de execução nº349…, para cobrança coerciva da dívida determinada e do seu acrescido.
6. Na inexistência de bens à sociedade pertencentes, o Órgão de Execução Fiscal reverteu a execução sobre o Impugnante, como responsável subsidiário da sociedade por despacho de 3 de maio de 2012 que, citado nessa qualidade a 11 desse mês, apresentou a impugnação na origem dos presentes autos a/até 27 de agosto de 2012.
7. Já em 10 de abril de 2012 o Impugnante, na qualidade de liquidatário da sociedade, suscitara reclamação graciosa [a que coube o nº349…, no referido Serviço de Finanças] daquela liquidação, invocando que a atividade da sociedade inexistira já naquele ano de 2007, não tendo tido quaisquer proveitos e encontrar-se já então dissolvida.
8. Tal procedimento mereceu despacho de indeferimento, de 20 de dezembro de 2012, com fundamento em que, ainda que inativa (o que não admitia), a sociedade mantinha relativamente a 2007 as suas obrigações declarativas e, não tendo apresentado a sua declaração de rendimentos, a liquidação ora impugnada era legal, porque elaborada ao abrigo do disposto no art.83ºnº1 corpo e alínea do b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [e art.109ºnº1 corpo e alínea b), ou mesmo do art.73º, ambos também do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na versão coeva, também ali invocados].”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Não há outros factos provados com pertinência para a decisão e inexistem factos não provados com esse relevo.”.
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Em matéria de motivação, consta da decisão recorrida o seguinte:
“A convicção positiva acerca da matéria julgada provada extraiu-a o Tribunal da análise crítica do teor da documentação constante destes autos, do processo administrativo e da reclamação graciosa citada, onde se incluem os mencionados atos levados a efeito na execução, os factos levados ao Registo acerca da sociedade (onde constam designadamente, a sua constituição, gerência e dissolução), integrando ainda os elementos documentais da liquidação cuja dívida deu origem ao citado processo executivo (em especial os elementos de caracterização da liquidação, sua emergência e causa imediata, em procedimento oficioso), a declaração de cessação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado da sociedade extinta e as declarações de início de atividade do liquidatário e ainda a mencionada ata em que se decide a dissolução. Toda essa documentação é pública e, esta última, particular, mas nenhuma oferece dúvida alguma, nem é questionada, sendo aliás consensuais os factos (à exceção da data da cessação de atividade) nela vertidos, permitindo conferir a essa prova o valor probatório que lhe deferem os arts.369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº1 do Código Civil e, arts.373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1 do Código Civil, quanto à ata e, ainda, o art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim, para fixar o teor dos pontos 1.-2. louvamo-nos no teor do Registo, cuja certidão permanente consta de fls.11-12, como na ata de fls.13, e na escritura de fls.14-16, sempre destes autos – já constantes da citada reclamação graciosa, aliás. Perante tanto, o Tribunal apurou a localização temporal da cessação de atividade pela ata da assembleia, em que se delibera pela dissolução da sociedade, em cotejo com a data dessa dissolução, pouco mais de três meses depois, com base nas regras da experiência e na normalidade do proceder humano. Com efeito, apesar do que se exarou ter sido dito perante o Notário, o que é normal perante uma ata de 31 de dezembro de 2007, em que se decide a dissolução da sociedade por não ter tido atividade desde início desse ano (e serve de base, pouco mais de três meses depois, à escritura de dissolução), é que pela função e natureza de uma tal decisão vai forçosamente implicado que a sociedade não tinha atividade havia já algum tempo, até que se formou a ideia e por fim se atingiu a decisão de dissolvêla; depois, há ainda que agendar a escritura e, por fim, celebrar a dissolução.
Logo, não se vislumbra nenhuma razão para que não correspondesse à verdade a motivação da decisão de dissolução e, portanto, que o que foi dito perante o Notário não pode ter deixado de ficar a dever-se, senão, a lapso ou erro. Tendo-nos por isso convencido da veracidade da motivação para a deliberação de 31 de dezembro de 2007, a única que sentido faz (e que a escritura de limita a executar), no contexto temporal dos atos executados no sentido de dissolver a sociedade. O teor dos ponto 3. resulta dos documentos aí aludidos, de fls.17-26. Já o teor do ponto 4. extraiu-se da liquidação de fls.27-29 da reclamação graciosa e de fls.51 do processo administrativo e, quanto à sua emergência, na decisão da reclamação graciosa e, ainda, quanto ao ano tomado como de referência, na informação lavrada no processo administrativo. O consignado no ponto 5.-6. retirou-se do teor de fls.46-49 e fls.51 da reclamação graciosa (notificação) e de fls.58-63 do processo administrativo (execução e sua reversão sobre o Impugnante) e da menção aposta à petição destes autos. Por fim, o vertido nos pontos 7.-8. retirou-se, naturalmente da citada reclamação graciosa.
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Dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:
9. A decisão de 31/12/2007, referida no ponto 2., refere-se à Acta nº 23 de 31/12/2007, onde consta que «reuniu-se em Assembleia Geral o único sócio, senhor A...» onde consta no Ponto Um a seguinte Deliberação:
«Cessar a actividade nesta data em virtude da sociedade não ter tido qualquer movimento desde um de Janeiro de dois mil e sete.»

10. Na escritura de dissolução de sociedade, datada de 18/04/2008, referida no ponto 2., foi dito pelo outorgante, único sócio da sociedade “F… – Equipamentos de Escritório, Unipessoal, Lda.”, e aqui impugnante, o seguinte:
«Que a sociedade deixou de exercer a sua actividade em trinta e um de Dezembro de dois mil e sete.»
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente impugnação:
a) Nula, na parte respeitante ao fundamento opositivo de ineficácia e inexigibilidade da dívida determinada por tal acto, absolvendo da instância, nesta parte, a Fazenda Pública, ao abrigo do disposto no art. 278º, nº 1 corpo e alínea b) do CPC, aqui supletivamente aplicável; e
b) Procedente, por provada no mais, anulando-se a liquidação.

Para tanto, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:

«Como resulta da matéria de facto provada, a sociedade F… – Equipamentos de Escritório, Unipessoal, L.da, de que o Impugnante era o único sócio e gerente, cessou a sua atividade no final de 2006, mas nada disse ou comunicou oportunamente à Administração Tributária, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, do mesmo passo nada disse ou lhe declarou, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, nem mesmo na sequência ou com uma sua dissolução. Só muito mais tarde tal seria feito, já em 2011. Paralelamente, não foram apresentadas as declarações para efeitos deste último tributo, ainda que vazias de uma qualquer atividade – como aliás parece resultar acontecera já também relativamente ao ano de 2006…
Assim, ao elaborar a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas aqui impugnada, por seu turno a Administração Tributária procedeu nos termos do regime previsto no art.83º corpo e alíneas b)-c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, isto, é com base nos elementos mais recentes de que dispunha, que eram os respeitantes ao exercício de 2005. Essa a evidente e óbvia fundamentação do ato de tributação aqui impugnado.
Porém, inexistindo atividade da sociedade executada no exercício de 2007, uma inatividade, sem outra fonte de rendimentos ou réditos, não pode logicamente dar azo a uma matéria tributável que relevante seja de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, arts.104ºnº2 da Constituição, art.1º do respetivo Código, em princípio, salvo algum facto episódico, como v. g. a propósito de liquidação do ativo, de que não se veem indícios, de resto.
(…)
Quanto à liquidação oficiosa, cumpre dizer que só cobra sentido a aplicação do regime, maxime, do art.83º corpo e alíneas b)-c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, quando haja atividade da entidade sujeita a tal tributo, que todavia não declara os seus rendimentos. Efetivamente, liquidações oficiosas com a impugnada, elaboradas que são sob os pressupostos e ao abrigo daquele regime, intendem a suplantar a omissão declarativa do art.109º do mesmo diploma, é certo, mas no pressuposto lógico de que houve efetiva, i. e., substancial omissão de declaração de rendimentos, sob pena de esse expediente de liquidação oficiosa do tributo (baseado num rendimento/lucro semelhante aos dos exercícios mais próximos) se volver de estimativa normalizada para o caso acerca da determinação da matéria coletável, para uma ficção da própria relação jurídico-tributária. Pelo exposto, na demonstrada inexistência de rendimentos da sociedade, em 2007, pela simples mas suficiente razão de não ter exercido atividade alguma então, gerando rendimentos ou lucros que pudessem consubstanciar o pressuposto daquele tributo, não pode manter-se a liquidação impugnada, que por isso anulamos ao abrigo e nos termos do art.163ºnº2 do Código de Procedimento Administrativo atual, por violar as normas supra-citadas.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando que tendo a sociedade sido dissolvida a 18 de abril de 2008, o Impugnante deveria ter provado que não teve no exercício em causa (2007) qualquer atividade nem gerou rendimentos. O que não conseguiu. A junção da escritura não prova mais do que nela consta, ou seja, que a atividade cessou a sua atividade no dia 31 de dezembro de 2007. Não prova de modo algum que a sociedade esteve inativa no ano de 2007 cuja liquidação ora se impugna.

Adiantamos, desde já, que assiste razão à recorrente.
Vejamos.

O acto tributário tem na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (Acórdão do TCAS proferido no Proc. 08750/15 de 05/11/15, disponível em www.dgsi.pt).

A liquidação impugnada, elaborada nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 83º do CIRC, assentou na determinação da matéria tributável da sociedade devedora originária por avaliação indirecta, por se basear em rendimentos presumidos, pelo que competia ao impugnante, ora recorrido, arguir e fazer prova do erro ou excesso da quantificação da matéria tributável determinada nesses termos, demonstrando a inactividade e/ou a falta de obtenção de rendimentos.

Aqui chegados, importa verificar se o impugnante provou que no exercício de 2007 a sociedade não teve qualquer actividade e se esses factos foram levados ao probatório, pois o ónus da prova recaía sobre o impugnante, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

Do ponto 2. e 10. do probatório, retira-se que na escritura de dissolução de sociedade, datada de 18/04/2008, foi dito pelo outorgante, único sócio da sociedade “F… – Equipamentos de Escritório, Unipessoal, Lda.”, e aqui impugnante, o seguinte:
«Que a sociedade deixou de exercer a sua actividade em trinta e um de Dezembro de dois mil e sete.»
Não se desconsidera a Acta nº 23 de 31/12/2007 (ponto 9. do probatório), onde consta que «reuniu-se em Assembleia Geral o único sócio, senhor A...» onde consta no Ponto Um a seguinte Deliberação:
«Cessar a actividade nesta data em virtude da sociedade não ter tido qualquer movimento desde um de Janeiro de dois mil e sete.»
Mas esta Acta tem data anterior à escritura de dissolução da sociedade onde o único sócio da sociedade declarou que a sociedade deixou de exercer a sua actividade em 31/12/2007.
Melhor dizendo, o impugnante, ora recorrido, juntou aos autos documentos onde prestou declarações contraditórias, onde apresentava datas diferentes para o encerramento da actividade da sociedade.
Ora, a demonstração da inactividade de uma empresa e da ausência de rendimentos pode ser feita por todos os meios de prova admissíveis, designadamente, através de prova testemunhal. (Acórdão do STA de 14/09/2011, Proc. 0215/11, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, o impugnante não fez qualquer outra prova, sendo que, e compulsados os autos, prescindiu da única testemunha que tinha arrolado nos autos.

Sobre esta matéria, veja-se o que se escreveu no Acórdão do STA de 05/07/2012, Proc. 0474/11, disponível em www.dgsi.pt:
«Destarte, nenhuma prova foi feita pela Impugnante quanto à inactividade e ausência de rendimentos tributáveis no período em análise, sendo certo, ademais, que tais rendimentos poderiam nem resultar directamente do exercício do seu objecto social, quando lhe cabia esse ónus de prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
Ora, como ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 304, «O significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto». A regra do onus probandi no direito português sobressai, assim, quando o Juiz é confrontado com a dúvida insanável sobre os factos e não lhe é permitido abster-se de julgar a causa; aí a causa será julgada em sintonia com as regras substantivas sobre qual das partes incumbe o ónus de tais factos. O non liquet do julgador converte-se contra a parte que tem o ónus de prova, de acordo com o dever de decisão que lhe é imposto pelo artigo 8.º, nº 1, do Código Civil.
Neste conspecto, não tendo a Impugnante provado, como lhe competia, factos denunciadores da ilegitimidade do acto ou ilidido a presunção legal de obtenção do rendimento determinado pelas regras contidas no n.º 4 do artigo 53.º do CIRC, impunha-se ao julgador decidir a causa em sintonia com as aludidas regras do ónus da prova, julgando improcedente o pedido de anulação formulado.
Termos em que se impõe revogar a sentença recorrida e substitui-la por acórdão que julgue improcedente a impugnação judicial, tendo em conta que mais nenhum vício foi assacado ao acto de liquidação impugnado.»

Retornando ao caso concreto, a simples junção da cópia de uma Acta de uma Assembleia Geral, em que em que o impugnante era o único sócio, com elementos que contradizem o outorgado pelo próprio impugnante na escritura de dissolução da sociedade não prova a inactividade da sociedade no exercício de 2007, nem a ilegalidade do acto de liquidação de IRC por inexistência de facto tributário, traduzido na alegação de total ausência de exercício de actividade e falta de obtenção de quaisquer rendimentos passíveis de tributação.
Não tendo o impugnante provado a inactividade ou a ausência de rendimentos no exercício de 2007, nos termos supra referidos, terá de se considerar legal a liquidação oficiosa de IRC em crise nos autos.

Face ao exposto, terá de proceder o presente recurso, e consequentemente revogar a sentença recorrida, o que se determinará no dispositivo.

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando a presente impugnação improcedente.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Outubro de 2021


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[Lurdes Toscano]

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[Ana Cristina Carvalho]

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[Catarina Almeida e Sousa]