Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03053/09
Secção:CT - 2.º Juízo
Data do Acordão:01/12/2010
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA E IRC
FUNDAMENTAÇÃO
PRESSUPOSTOS PARA MÉTODOS INDICIÁRIOS
ERRADA QUANTIFICAÇÃO
Sumário:1. Encontram-se fundamentados do ponto de vista formal, os actos de liquidação fundados em factualidade constante do relatório do exame à escrita, cujo conteúdo foi aportado pelos vogais na comissão de revisão e nele, em parte, fundaram um acordo quanto ao imposto a liquidar e quanto ao lucro tributável dos exercícios, cujas premissas, suficientes, claras e congruentes, constituem o esteio, o suporte, por que tiveram lugar aquelas liquidações e não quaisquer umas outras;
2. Tendo os vogais reunidos em sede de comissão de revisão examinado o relatório do exame à escrita e chegado a um acordo, nalguns aspectos diverso do contido no mesmo relatório, é de exigir a este acordo um menor grau de fundamentação e densificação do que se o mesmo não tivesse sido obtido;
2. Encontram-se preenchidos os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos quando através da contabilidade da contribuinte, mercê das suas omissões, deficiências e irregularidades, não é possível apurar os reais custos e nem os reais proveitos;
3. Em sede de impugnação judicial, mesmo anteriormente no âmbito da vigência do CPT, cabia à Administração Fiscal assentar os pressupostos que levaram à tributação, em juízos de probabilidade, necessariamente elevada, sem exigir uma certeza do facto tributário, em que a maior parte das vezes, não é possível;
4. E ao contribuinte, que alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...e Filhos, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do então Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Coimbra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) A decisão recorrida é nula nos termos do art° 668° n° 1 alínea d) do CPC por não ter conhecido da questão colocada nos artigos 83° e 84°da p.i.;
B) O acto tributário é ilegal, ilegalidade de que o tribunal ad quem deve conhecer por substituição pois havendo o fisco feito uma fixação do volume de transacções derivadas de prestações de serviços em cada um dos anos e estando elas sujeitas à taxa de 16% ou 17% (depois da Lei n.º 2/92, de 9/03 ou antes), haveria de ter calculado o IVA relativo a elas a estas taxas e aplicar o critério do Despacho Normativo n.º 106/85, de 14 de Novembro apenas às restantes transacções de bens (de ouro ou prata), o que não fez;
C) O acto tributário é ainda ilegal, por vício de falta de fundamentação;
D) “O dever de fundamentação cumpre-se numa declaração de autoria da entidade decidente em que exprimam, de forma contextual ou contemporânea da decisão, ainda que pela apropriação de elementos de ponderação relevantes anteriores, - mas que, em tal hipótese, tem de ser expressa e inequívoca a referência aos elementos apropriados -, as razões de facto e de direito que consubstanciam os motivos e os pressupostos daquela" - Ac. de 14.1.2003, Proc. 3689/00, Senhor Juiz Desembargador Lucas Martins - o que no caso subjudice, não se verifica de todo.
E) A matéria de facto dada como provada é em si mesma contraditória, bastando para isso atentar-se nos factos constantes dos nºs 23),24),29) e 32) do supra art° 35° com o facto de que o exercício de 1991 é o único (exercício) em que o inventário permite um controlo sobre a actividade;
F) Por tal razão, a impugnação teria que proceder no mínimo quanto ao exercício de 1991, porquanto, neste exercício não estão indicados pressupostos de facto que sejam suficientes para sustentar a legalidade do exercício do poder, como não se verificam os pressupostos de facto correspondentes aos abstractamente exigíveis e enunciados nos referidos preceitos para que se possa considerar exercido legalmente o poder tributário de fixação de imposto por métodos indiciários e por presunções ou estimativas, por apenas se verificarem as incorrecções referidas nos supra artigos 41º e seguintes;
G) Por outro lado, salvo o devido e muito respeito, o M.º Juiz a quo limitou-se a debitar para o probatório factos genéricos e indeterminados e a deixar por valorar outros que inequivocamente abonam a favor da recorrente, como sejam os referidos nos supra artigos 58° e 59°, importando pois corrigir o quadro factual;
H) O mesmo se verificando quanto à matéria levada ao probatório de que os inventários impossibilitam a comprovação directa e exacta da contabilidade, pois tal facto tem de ser visto de uma forma integrada com o que se referiu nos supra artigos 47° e seguintes que aqui se dão por reproduzidos;
I) A falta de idoneidade do invocado facto do valor dos serviços prestados contabilizados pela recorrente ter sido sempre inferior ao do custo dos trabalhos especializados executados no exterior para a sua obtenção (de razão de convincência, Cfr. O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, J. Carlos Vieira de Andrade, págs. 231 (maxime), 236, 237, 243, 276 e 297) para legitimar a inferência feita de subtracção à tributação de receitas por cobrança de prestações de serviços está abertamente manifestada na sua atitude de aceitar o critério da impugnante relativamente ao ano de 1994;
J) Sendo que o critério utilizado pela fiscalização se revela errado, citando-se a propósito a exemplar leitura constante do Acórdão desse Venerando Tribunal de 16.10.2001 tirado no processo n.º 4606/00 em que foi relator o Senhor Iuiz Desembargador J.C. Correia: "Tendo a impugnante invocado situações tais como vendas com desconto através de cartão de crédito, vendas com desconto a clientes habituais, ou em compras de valor elevado (...) que por apelo à experiência comum de vida e ao bom senso, se verificam na normalidade do comércio retalhista em causa e influenciam directamente a margem de lucro média, as mesmas deveriam ser consideradas, salvo no que tange à quantificação da influência dessas circunstâncias no cômputo da margem de lucro onde teria de haver sempre uma margem de apreciação discricionária. O que não era consentido à administração fiscal era que pura e simplesmente ignorasse factores relevantes e de verificação notória; ao fazê-lo inquinou de erro invalidante o cálculo da margem de lucro e as subsequentes operações daí decorrentes, designadamente o acto de liquidação do imposto”;
K) A amostragem que a fiscalização realizou é, antes de mais injustificada, pois como escreveu o Senhor Juiz Desembargador João António Valente Torrão, no acórdão tirado no processo n° 3395/00, de 14.11.2000, "a utilização da amostragem para efeitos de determinação da matéria tributável para efeitos de IVA, por métodos indiciários, implica que as amostras utilizadas sejam reflexo da população donde são retiradas, devendo ser justificada a razão da escolha das amostras. Não pode aceitar-se como válida uma amostragem que pretende determinar a margem de lucro, utilizando amostras aleatoriamente escolhidas e sem que elas reflictam o preço e as quantidades dos produtos que constituem o volume de negócios do contribuinte, e se limita a somar o lucro obtido em cada uma dessas amostras, dividindo o total pelo número de amostras”;
L) Ora, em primeiro lugar, a amostra foi feita com base nos preços com que os produtos estão marcados nos expositores de venda e toda a gente sabe, como aliás resulta do processo que a recorrente, cumprindo uma regra de estilo comercial deste sector de comércio tradicional, vendeu sempre os seus produtos aos clientes em geral com base numa negociação directa com eles em que entram sempre, com diferente ponderação, o valor do ouro no mercado, o valor do "feitio", a originalidade do produto, o estado da economia mormente quanto à classe média que é a sua principal cliente, a concorrência, a época do ano, etc. e tudo isto levando a margens de lucro muitíssimo inferiores e com relação a clientes especiais, como os portadores de cartão jovem, clientes mais assíduos e empresas emissoras de cartões de crédito ainda com margens de lucro muito inferior, sendo que foram utilizadas apenas uma lista de 30 produtos e, na sua grande expressão, de baixo valor e em que por uma razão de haver maior possibilidade de acesso ao mercado o preço é fixado com maior margem de lucro (basta notar que 7 em 30 produtos dos apontados por si estão abaixo do limiar dos 6 contos) e desvalorizou todos os elementos de facto de sinal contrário que existiam, como se eles fossem irrelevantes para a formação da margem de lucro bruta, como o facto de ser diferente a margem de lucro consoante os artigos sejam de ouro, prata, relógios e outros, mesmo quanto àqueles cuja existência não pode omitir (vendas a crédito ou com cartão jovem);
M) Desconsiderando-se o elenco significativo de produtos com margens de lucro muito inferiores às consideradas, constante do documento junto à p.i. e bem assim a identificação do total das vendas a crédito e ainda as vendas a turistas, igualmente não consideradas como sendo de mais baixa margem de lucro;
N) Factos que, incluindo a crise económica ocorrida nos anos de 1992 e seguintes cuja existência constitui um facto notório e devidamente provado, que deve ser levado ao probatório, e que afectou especialmente a classe média que é a sua cliente dominante e que a obrigou a baixar as margens de lucro para poder vender, e ainda que de depois de 1991 se ter implantado o Coimbra Shopping Center e outros concorrentes, um destes mesmo em frente do estabelecimento da recorrente (factos que devem ser dados como provados), fizeram com que os preços praticados e a respectiva margem de lucro bruta descessem;
O) A progressiva descida da margem de lucro manifestada pela sua escrita tem esta razão de ser e o M.º Juiz a quo deveria ter constatado tal realidade factual e não pura e simplesmente consagrar singelamente que "As demonstrações de resultados comparados e os indicadores recolhidos, revelam um decréscimo na percentagem do lucro bruto sobre o preço de custo;
P) Depois ainda, constata-se que o critério presuntivo utilizado se revela inadequado e ostensivamente errado, pois a margem de lucro foi determinada tomando como base valores existentes à data da visita inspectiva em 1995, quando o inventário do exercício de 1991 permitia um controlo sobre a actividade, de prática comercial regular e sem grandes alterações ao longo dos anos;
Q) Em caso de dúvida fundada sobre essa existência dos factos deve anular-se o acto contenciosamente impugnado nos termos do artº 121º do CPT.

Termos em que, com o douto suprimento de V.as Ex.as, se requer que seja dado provimento ao recurso, anulando-se a douta sentença recorrida e substituída por douto acórdão que julgue procedente a impugnação judicial, com todas as consequências legais, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer a fls 585, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida não padecer dos vícios imputados e encontrar-se fundamentado o recurso aos métodos indiciários.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


Foi então por este Tribunal proferido o acórdão de fls 603/611 que, objecto de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, foi por este Tribunal revogado pelo acórdão de 16.1.2008 (fls 721/733), transitado em julgado, em ordem a este TCAS proceder à «ampliação da matéria de facto nos termos acima referidos e nova decisão de direito em conformidade».


Remetidos que foram os autos a este Tribunal e colhidos os vistos dos actuais Exmos Adjuntos, cabe dar acatamento ao que no referido acórdão se decidiu e proferir novo acórdão em conformidade.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E padecendo e declarando-se nula a sentença recorrida e conhecendo este Tribunal em substituição, se os actos de liquidação de IVA e de IRC se encontram fundamentados do ponto de vista formal; Se no caso ocorrem os pressupostos para o IVA ser apurado por presunções ou estimativas e o IRC por métodos indiciários; Se o imposto apurado através de tais métodos padece de erro ou excesso de quantificação ou o critério utilizado se revela inapto para o fim em causa.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
a) A impugnante, "A...e Filhos, Ldª”, com sede na Rua Visconde da Luz, 104, Coimbra, exerce a actividade de "Ourivesaria e Relojoaria” CAE 620.940, pela qual se encontra tributada pela 2ª Repartição de Finanças de Coimbra, em IRC e IVA;
b) Em 28 de Março, de 1996, e com referência aos exercícios de 1991 a 1994, foi a impugnante fiscalizada para efeitos de IRC e IVA;
c) Com base no relatório em causa procedeu-se à correcção do lucro tributável em IRC daqueles exercícios;
d) Do quadro do relatório de fiscalização evidenciam-se as vendas que praticou a impugnante, com descontos, mediante cartões de crédito;
e) Sem que existam procedimentos de controlo interno;
f) Sendo que, na generalidade, os documentos, facturas e vendas a dinheiro, que titulam as vendas de mercadorias, ou prestações de serviços, não identificam, de forma adequada, os bens comercializados;
g) A falta de identificação dos bens comercializados inviabilizou a determinação e conferência, no respectivo exercício, das margens de lucro praticadas;
h) Tendo a mesma sido determinada tomando por base valores existentes à data da visita inspectiva, 1995;
i) Tal falta de identificação concreta, verifica-se nos inventários dos exercícios em análise;
j) Não sendo nestes descriminadas as taxas de IVA incidentes sobre cada produto.
l) Por mor de cruzada fiscalização inspectiva, foram determinadas omissões nos registos de aquisição de mercadorias, relativamente ao exercício de 1991;
m) Assim como duplicação de contabilização de aquisições de mercadorias, relativamente ao exercício de 1993;
n) Os serviços prestados consistem, essencialmente, na reparação de relógios ou outras peças e restauro de pratas;
o)Recorrendo a empresa a trabalhos especializados de terceiros;
p) Os custos dos trabalhos especializados são sempre superiores aos valores da prestação de serviços;
q) O valor contabilizado foi sempre inferior ao custo dos trabalhos executados no exterior para a sua obtenção;
r) Os inventários não contêm quaisquer elementos identificativos que permitam conciliar os mesmos com os restantes elementos de escrita;
s) As demonstrações de resultados comparados e os indicadores recolhidos, revelam um decréscimo na percentagem do lucro bruto sobre o preço de custo, assim evidenciada:
Exercícios 1991 1992 1993 1994 %
Lucro bruto de 37,05 35,63% 32,33% 31,66% x
t) Sem que se pudessem evidenciar as razões da baixa das percentagens de "lucro bruto" evidenciadas pela contabilidade, reveladas decrescentes;
u) A amostragem incidiu sobre 30 produtos diferentes, com preços variáveis:
v) Nos exercícios em análise (1991/92/93/94), a empresa impugnante omitiu aquisições de mercadorias, contabilizando documentos de aquisições de mercadorias pertença de terceiros;
x) Omitindo proveitos de vendas de mercadorias e prestação de serviços;
z) Não descriminou os inventários físicos das existências de mercadorias por taxas de IVA;
z1) Foi decorrência da peritagem efectuada a consideração de que, «no caso em apreço, a forma de elaboração dos inventários, quando todos os produtos por lei - imposição da Casa da Moeda - contrastaria - retira toda a possibilidade a quem tem de avaliar, examinar, a escrituração dos movimentos comerciais, de o fazer com rigor, limitando, desta forma, a análise»;
z2) A partir do ano de 1991, em diante, os inventários são realizados sem referenciar o produtos;
z3) Não sendo, portanto, individualizados;
z4) O exercício de 1991 é o único (exercício) em que o inventário permite um controlo sobre a actividade;
z5) Nos exercícios seguintes, isso já não sucede, deixando os inventários de permitir efectuar a análise da actividade exercida;
z6) Decorre também dos Autos e o relatório de peritagem consagra que «os inventários dos exercícios de 1991 a 1994 embora permitam a destrinça das mercadorias sujeitas às diferentes taxas de IVA, com a colaboração dos gerentes da impugnante, não se encontram elaborados de forma a permitir controlo rigoroso da actividade do contribuinte» ( fls. 127);
z7) Em 1992, 1993 e 1994, os artigos de relojoaria não se encontram referenciados como sucedia em 1991;
z8) Nos exercícios de 1993 e 1994, os artigos em ouro não registam peso, como sucedia cem 1991 e 1992;
z9) Aí também se conclui, mesmo, que «sendo os inventários elementos contabilísticos fundamentais para o apuramento da matéria colectável, não possibilitando o controlo inequívoco dos movimentos transaccionados, como sucede nos exercícios referidos, pelas razões apontadas, retiram credibilidade à escrita», (fls. 127).


4. Tendo sido imputada à sentença recorrida o vício de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade - cfr. matéria da sua primeira conclusão do recurso e respectivo pedido formulado a final - porque a mesma a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta que não só a sua anulação, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alíneas b) e d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer em primeiro lugar desta invocada nulidade.

Tal nulidade só ocorre, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante(1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

No caso, invoca a recorrente, na matéria daquela primeira conclusão do seu recurso, que no Tribunal “a quo”, se omitiu o conhecimento da questão colocada nos art.ºs 83.º e 84.º da sua petição inicial de impugnação judicial – qual seja o de que a liquidação de IVA sempre deveria ter lugar ao abrigo do Despacho Normativo n.º 106/85, de 14 de Novembro o que não aconteceu – que igualmente inquina de ilegalidade essa liquidação do mesmo.

Lendo e analisando a sentença recorrida, dela se não vê rasto do conhecimento de tal questão, nela apenas tendo conhecido da verificação dos pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos (então chamados de indiciários), da sua fundamentação, da errada quantificação e da inexistência de dúvida fundada, pelo que ocorre um verdadeiro vício formal em tal decisão, já que tal questão havia sido suscitada pela impugnante como mais um fundamento pelo qual pretendia também obter a anulação da liquidação do IVA liquidado, sendo por isso de declarar nula a sentença recorrida.


Assim, incorreu a sentença recorrida no invocado vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade (art.º 125.º n.º1 do mesmo CPPT), por a sentença recorrida ter deixado de emitir pronúncia sobre a alegada questão articulada nos citados artigos da petição inicial de impugnação judicial.


Procede assim a matéria da citada conclusão das alegações do recurso, sendo de declarar nula a sentença recorrida.


4.1. Declarada nula a sentença recorrida, cabe a este Tribunal, em substituição, conhecer do objecto da apelação, nos termos do disposto no art.º 715.º, n.º1 do CPC – embora o tribunal de recurso declare nula sentença proferida na 1.ª Instância, não deixará de conhecer do objecto da apelação – já que os autos fornecem todos os elementos para o efeito, quer pelos documentos juntos, quer pelos depoimentos prestados pelas testemunhas, por força do n.º2 do mesmo artigo.


4.2. E conhecendo, importa começar por fixar o probatório da presente decisão, segundo as várias soluções plausíveis da questão do direito aplicável, tendo em conta a prova documental, relatório de exame à escrita, prova pericial e testemunhal existente nos autos e a posição das partes assumidas nos articulados, designadamente com a matéria relativa à acta da comissão de revisão, laudos dos peritos e outras incidências relevantes, como se ordenou no citado acórdão revogatório do STA, em ordem a formar a necessária base factual sobre a qual se há-de, depois, aplicar o direito correspondente, e que se subordina às seguintes alíneas:
a) A impugnante foi objecto de um exame à sua escrita findo em 28.3.1996, relativo aos exercícios de 1991, 1992, 1993 e 1994, do qual foi elaborado o respectivo relatório cuja cópia consta de fls 83 e segs dos autos (repetido de fls 152 e segs), cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos, nele tendo sido apurado além do mais, o seguinte:
(...)
Que a impugnante tem por objecto o comércio a retalho de ouro e relógios, exercendo a actividade de comércio a retalho de ouro, prata, jóias, relógios e diversos artigos de casquinha, com estabelecimento em Coimbra, denominado “A...Joalheiros”, com cinco empregados, dispondo de contabilidade organizada e possuindo os registos contabilísticos em dia;
Apresentava, na generalidade, as facturas ou v. a dinheiro, que titulam as vendas de mercadorias/prestações de serviços, sem identificarem de forma correcta os bens comercializados o que impossibilita o seu controlo;
No cruzamento de informações com os seus fornecedores Ferreira Marques & Irmão, Lda, Gonçalves & Raul Silva, Lda, e Simões & Cavacas, Lda, verificou-se a existência de omissões de registos de aquisições de mercadorias, no exercício de 1991, sendo Esc. 57.072$ à taxa de 17% e 146.052$ à taxa de 30%;
Em todos os exercícios, apresentava inventários físicos das mercadorias em existências sem a discriminação por taxas de IVA;
Por se verificar ao longo dos exercícios um decréscimo na percentagem do lucro bruto sobre o preço de custo, procedeu-se a uma amostragem de margens, tendo em conta os valores ao tempo da visita por não ser possível a realização da mesma ao tempo dos exercícios, por falta da correcta discriminação dos bens vendidos, tendo-se alcançado a margem de 43,75%;
A impugnante praticava descontos aos portadores de cartões jovens, a clientes mais assíduos e a empresas emissoras de cartões de crédito, desta forma ficando a margem comercial reduzida a 28,75% (143,75 – 15), mas tendo em conta o seu diminuto peso em relação às vendas totais, os mesmos não são relevantes para o apuramento das margens comerciais efectivamente praticadas, tendo quanto ao exercício de 1991, sido aceite a margem evidenciada pela impugnante de 37,05%;
Correcções técnicas:
Quanto a IRC e no exercício de 1993, foi desconsiderado o custo de Esc. 1.147.110$, relativo a aquisições de mercadorias pertença de terceiros por terem sido considerados custos do exercício e 69.000$, relativo a aquisição de mercadorias, por duplicação de contabilização;
E no exercício de 1994, também quanto ao IRC, foi efectuada uma correcção a favor do sujeito passivo de Esc. 1.236.810$, por não serem proveitos deste exercício;
Face à não credibilização dos elementos contabilísticos e valores declarados em virtude inexactidões no apuramento do custo das mercadorias vendidas por ter havido omissões de compras e prestação de serviços inferior aos trabalhos especializados prestados no exterior, foi considerado que a escrita não reflecte a sua exacta situação comercial, com influência no resultado efectivamente obtido, tendo sido proposta a determinação do lucro tributável com recurso à utilização de métodos indiciários, por não ser possível a sua quantificação directa;
Para este efeito foram corrigidas as vendas em resultado da omissão de compras e aplicadas a margem comercial acima referida de 43,75% e as prestações de serviços foram corrigidas para o valor revelado pelos trabalhos especializados realizados no exterior, pelos serviços prestados e pela variação de produção declarados;
Desta forma e quanto ao IRC, foi apurado o total de Esc. 622.826$ omitido no exercício de 1991, Esc. 1.689.529$ para 1992, Esc. 2.797.216$ para 1993 e Esc. 5.168.836$ para 1994;
Quanto ao IVA, igualmente foi considerado que a escrita não permitia o controlo das vendas de mercadorias, que a mercadoria se encontrava sujeita a várias taxas que a mesma não reflectia, tendo-se proposto, igualmente, a utilização de métodos indiciários com o imposto a ser distribuído pelos períodos de imposto, desta forma tendo sido apurado o IVA de Esc. 2.034.594$ para 1991, Esc. 2.244.985$ para 1992, Esc. 4.338.051$ para 1993 e Esc. 2.653.039$ para 1994;
...
Métodos utilizados e quantificação de valores (art.º 52.º do CIRC)
Vendas
Correcção do custo das mercadorias vendidas em resultado de omissão de compras e utilização da margem comercial praticada (ponto 3.2.4 e Anexo V).
Prestação de serviços
Correcção em função dos valores dos trabalhos especializados no exterior, serviços prestados e variação de produção declarados.
Os métodos utilizados estão previstos na alínea a) do art.º 52.º do CIRC.
...
Aplicação de presunção/estimativas (art.º 82.º/84.º do CIVA)
Em virtude de não ser possível o controle das vendas de mercadorias e atendendo a que este s. passivo até 31.12.94 comercializou mercadoria sujeita a diversas tx. de IVA (17% e 30%), propõe-se a correcção do IVA liquidado nos exercícios de 1991/92/93/94, com recurso à utilização de métodos indiciários a que alude o art.º 51.º do CIRC já referido no ponto (3.3.) e ao teste das vendas declaradas nos termos do art.º 47.º do CIVA e Despacho Normativo 106/85, de 14 de Novembro. O imposto encontrado em falta será distribuído uniformemente pelos períodos de imposto.
Quanto à prest. Serviços estimada em falta (ponto3.3), o imposto (IVA) em falta será distribuído por períodos de imposto segundo o critério antes definido.
Taxa norma utilizada: 17% até 23.03.92 e 16% a partir de 24.03.92 – Lei n.º 2/92, de 9 de Março.
(...)
b) A Chefe de Equipa emitiu o parecer constante do rosto do mesmo relatório onde confirma o teor do citado relatório e a aplicação de métodos indiciários quanto ao IRC e o recurso a presunções quanto ao IVA – cfr. mesmo relatório;
c) Em Junho de 1996 foi a impugnante notificada do apuramento do IVA consequente, pelos vários períodos de imposto, dos anos de 1991, 1992, 1993 e 1994, para querendo, reclamar – docs. de fls 34 a 37 e repetidos a fls 593 a 595 dos autos;
d) Por requerimento dirigido à Comissão Distrital de Revisão, veio a impugnante reclamar contra a matéria colectável que lhe foi fixada para efeitos de IVA e para os citados exercícios de 1991 a 1994, pugnando pelo deferimento da mesma quanto à parte em que foram utilizados métodos indiciários e veio indicar o seu vogal e o seu perito – cfr. doc. de fls 27 a 33;
e) A comissão de revisão veio a reunir em 14.10.1996, nela se encontrando presente o Director Distrital de Finanças de Coimbra, o vogal da Fazenda Pública, o vogal designado pelo reclamante bem como pelo seu perito, tendo nessa comissão sido conseguido obter um acordo entre os vogais e fixado o IVA em falta para liquidar adicionalmente de Esc. 2.034.594$ para 1991, Esc. 2.138.354$ para 1992, Esc. 4.220.068$ para 1993 e Esc. 2.167.630$ para 1994, tendo os peritos reapreciado o relatório do exame à escrita, tendo sido ponderados os argumentos do contribuinte e aceite pelo vogal da Fazenda Pública parte da sua proposta, e recalcular o volume de negócios pela aplicação da margem de comercialização que baixou para 36,5% para 1992 e 1993, e de 35% para o exercício de 1994 e manter-se inalterado o mesmo lucro quanto a 1991, desta forma tendo sido fixado aquele montante de imposto em falta nos citados exercícios - cfr. acta n.º 157, cuja cópia consta de fls 62 a 65 e repetida a fls 596 e 597;
f) Consequentemente foi liquidado adicionalmente o IVA supra, e a impugnante notificada por carta registada com A/R, os quais se mostram assinados em 28.10.1996 (todos eles), para pagar em trinta dias e a presente impugnação deu entrada na então Repartição de Finanças de Coimbra – 2.ª, em 14.2.1997 – cfr. docs. de fls. 598 a 601, inf. de fls 591 e carimbo aposto a fls 2 dos autos;
g) Por requerimento dirigido à Comissão Distrital de Revisão, veio a impugnante também reclamar contra a matéria colectável que lhe foi fixada para efeitos de IRC e para os citados exercícios de 1991 a 1994, pugnando pelo deferimento da mesma quanto à parte em que foram utilizados métodos indiciários e veio indicar o seu vogal e o seu perito – cfr. doc. de fls 66 a 72;
h) A comissão de revisão veio a reunir em 14.10.1996, nela se encontrando presente o Director Distrital de Finanças de Coimbra, o vogal da Fazenda Pública, o vogal designado pelo reclamante bem como pelo seu perito, tendo nessa comissão sido conseguido obter um acordo entre os vogais e fixado o lucro tributável presumido Esc. 5.618.853$ para 1991, Esc. 9.087.908$ para 1992, Esc. 9.634.786$ para 1993 e Esc. 13.092.486$ para 1994, tendo os peritos reapreciado o relatório do exame à escrita, tendo sido ponderados os argumentos do contribuinte e aceite pelo vogal da Fazenda Pública parte da sua proposta, e recalcular o volume de negócios pela aplicação da margem de comercialização de 36,5% para 1992 e 1993, de 35% para o exercício de 1994 e manter-se inalterado o mesmo lucro quanto a 1991, desta forma tendo sido fixado aqueles de lucro tributável donde resultou o imposto em falta nos citados exercícios - cfr. acta n.º 156, cuja cópia consta de fls 73 a 75 dos autos;
i) A impugnante pagou o imposto em causa em 28.5.1997, ao abrigo do Dec-Lei n.º 124/96, de 10.8 – cfr. mesma inf. a fls 591;
j) A impugnante requereu um exame pericial à sua escrita e que foi realizado, tendo os peritos, por unanimidade, respondido nos termos constantes de fls 126/128, complementado a fls 441/446, a qual aqui se dá por integralmente transcrita, tendo em conta a sua longa extensão.


4.3. Aplicando o direito.
Na matéria dos primeiros quinze artigos da sua petição inicial de impugnação judicial, imputa a impugnante aos actos de liquidação impugnados também o vício de falta de fundamentação (formal), ainda que seja bem parca em enunciar quanto aos aspectos em que tal vício se concretizará, o que não obstante dele não deixaremos de conhecer, tanto mais que o acórdão do STA a que se dá acatamento, ordenou a ampliação da matéria de facto em ordem a conhecer da suficiência da fundamentação do acto tributário de liquidação, que elegeu como sendo de conhecimento prioritário – cfr. fls 731 dos autos.

Quanto à invocada falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRC e de IVA impugnados, diremos que a fundamentação dos actos administrativos em geral, constitui um imperativo constitucional, expressamente previsto no art.º 268.º n.º3 da CRP, cujo escopo imediato é esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo que determinou a adopção do acto, com determinado conteúdo, na esteira das lições de Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, 2001, Vol. II, pp.351 e segs.

E no âmbito do direito tributário, tal exigência de fundamentação dimanava directamente da norma do art.º 82.º do CPT e hoje da norma do art.º 77.º da LGT, a qual deve ser remetida ao contribuinte por força do disposto no art.º 21.º do mesmo Código, e a fundamentação externada pela AT deve satisfazer o requisito de fundamentação contemporânea(2) exigível, do ponto de vista formal, sendo suficiente quando permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração, sendo clara quando é inteligível e sem ambiguidades ou obscuridades e é congruente quando exprime concordância entre os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo.

Como é sabido, a fundamentação de um acto de liquidação no caso, deve ser o esteio, o suporte, por que foi efectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variando assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de acto em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.

No caso, a liquidação do IVA impugnado teve a matéria tributável apurada por presunções ou estimativas, tendo por suporte o relatório da fiscalização tributária cuja factualidade foi reapreciada em sede de comissão de revisão, com análise das questões suscitadas pela impugnante, designadamente as margens de comercialização e a uniformidade das mesmas no período em causa de 1991 a 1994, desta forma tendo sido aceite pelo vogal da Fazenda Pública, parte da pretensão da mesma impugnante, e sido fixados por unanimidade as margens de comercialização de 36,5% para 1992 e 1993, 35% para 1994 e manter-se a de 1991, donde resultou o imposto liquidado e ora impugnado, cujos factos, quer desse relatório, quer do acordo obtido nessa comissão, ficado a fazer parte de tal fundamentação (fundamentação por remissão, por expressa disposição neste sentido da norma do art.º 125.º n.º1 do CPA), desta forma tendo feito uso de alguns dos elementos constantes da contabilidade do sujeito passivo e não de outros, conforme o grau de fiabilidade demonstrados, o que se encontra conforme ao tipo de tributação em causa, designadamente da norma do então art.º 76.º, n.º do CPT, em que a AT pode socorrer-se de quaisquer elementos, daquele ou de outro exercício, daquele ou de outro contribuinte, já que a enumeração desta norma é meramente exemplificativa, para os extrapolar e aplicar nos exercícios em causa, tendo em vista apurar os reais custos e os reais proveitos, que a contabilidade não espelhava como deveria, já que a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa e prossegue o mesmo fim daquela, de tentar alcançar os reais custos e os reais proveitos obtidos, como hoje dispõem as normas dos art.ºs 83.º e 85.º da LGT.

E o mesmo aconteceu quanto ao IRC, com semelhante fundamentação, como se pode ver pela acta referida na matéria da alínea h) da matéria de facto provada, valendo para este imposto a fundamentação acima utilizada quanto ao IVA, igualmente impugnado.

Assim, as liquidações dos impostos em causa à impugnante, emergem, directamente, daquela factualidade, fechando o silogismo judiciário, num raciocínio suficiente, claro e congruente, constituindo estas liquidações a emanação normal, típica, daqueles pressupostos e das normas jurídicas apontadas, não padecendo os mesmos de falta de fundamentação (formal), desta forma facilmente se apreendendo porque tiveram lugar estas liquidações e não quaisquer umas outras, sendo esta o resultado normal, típico, das premissas consideradas.

Que tais actos de liquidação não podem padecer do invocado vício formal emerge, também, directamente da petição da presente impugnação judicial e do presente recurso, onde a recorrente demonstra ter apreendido a totalidade das razões invocadas pela AT para efectuar tais liquidações, pelo que a mesma não deixou de cumprir a sua finalidade subjacente: por que foram efectuadas aquelas concretas liquidações e não quaisquer umas outras, e permitir à impugnante apreender os concretos factos donde elas emergem e poderem determinar-se pela sua aceitação ou pela sua impugnação ao entenderem que as mesmas se encontravam eivadas de vários vícios que as inquinavam de ilegais, como veio a entender.

Por outro lado, também sempre se dirá que o conceito de fundamentação exigível e a respectiva densificação constitui um conceito relativo, que varia em função do concreto tipo de acto e da participação ou não do contribuinte nesse resultado, tendo carácter instrumental devendo a sua suficiência ser aferida pelo comprometimento da possibilidade de reacção contra o mesmo, o que no caso se não alcança, sendo também, por outro lado, face ao acordo obtido pelos vogais em sede de comissão de revisão donde resultaram os impostos liquidados, de não exigir o mesmo grau de exigência nessa fundamentação que se tal acordo não tivesse sido obtido, o que o legislador, mais tarde, no âmbito da LGT, veio a dar enorme relevância que, obtido tal acordo, ele passou a fundar essa liquidação, sem possibilidade da sua impugnação, nos termos do disposto nos art.ºs 86.º, n.º4 e 92.º, n.º3 da LGT.

Isto sem se tomar posição, sobre a real existência dos pressupostos invocados e correcta subsunção, que como se sabe já não se integra na existência ou não deste vício formal mas sim em erro de substância, sobre os pressupostos de facto ou de direito, conducentes ao vício de violação de lei, causa de anulação do acto impugnado, a existir, questão que assim se encontra fora do âmbito da questão de falta de fundamentação (formal) do acto de liquidação em que nos encontramos na apreciação deste ponto.

Em suma, os actos de liquidação dos impostos (IVA e IRC), encontram-se devidamente fundamentados sob o ponto de vista formal, improcedendo a matéria da impugnação quanto a este invocado vício.


4.4. Passamos agora a conhecer do vício de falta de pressupostos para no apuramento do IVA serem utilizadas presunções ou estimativas e no IRC os métodos indiciários para apuramento do lucro tributável, matéria que a impugnante articulou nos art.ºs 16.º a 80.º da sua petição inicial de impugnação judicial.

Nos termos do disposto no art.º 16.º n.º1 do CIRC - Métodos de determinação da matéria colectável - a matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal.
2 -
3 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários só pode verificar-se nos termos e condições previstos na secção V.
Nos termos do disposto no art.º 17.º do CIRC - Determinação do lucro tributável - O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º1 do art.º 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas ou negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
...
Nos termos do art.º 23.º do CIRC - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
...
Nos termos do disposto no art.º 51.º do CIRC - Aplicação de métodos indiciários:
1 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a)inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b)...
c) Existências de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal;
d)Erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
2 - A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo.
3 - ...
4 - ...
E a do art.º 98.º n.º3 a) do mesmo Código - Na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte: Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.
E a do art.º 29.º do Código Comercial - Todo o comerciante é obrigado a ter livros que dêem a conhecer, fácil, clara e precisamente, as suas operações comerciais e fortuna.

Como se pode ler do preâmbulo do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas...Em qualquer caso, procura-se sempre tributar o rendimento real efectivo, que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional. Como corolário desse princípio, é a declaração do contribuinte, controlada pela administração fiscal, que constitui a base da determinação da matéria colectável.
A determinação do lucro tributável por métodos indiciários é, consequentemente, circunscrita aos casos expressamente enumerados na lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias e incorrecções da contabilidade, se não for de todo possível efectuar esse cálculo com base nesta. Por outro lado, enunciam-se os critérios técnicos que a administração deve, em princípio, seguir para efectuar a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, garantindo-se ao contribuinte os adequados meios de defesa...
Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.
...
Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como diz a norma do art.º 51.º n.º2 do CIRC.
Por outro lado, o apuramento do lucro tributável com o recurso a métodos indiciários não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.

Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AT se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art.º 52.º do CIRC, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa, não constituindo qualquer erro ou ilegalidade a extrapolação da margem calculada para um exercício ao ser aplicada num outro diferente, quando nenhuma prova for feita de que as mesmas tivessem sofrido quaisquer alterações (para pior) ao longo dos mesmos exercícios.

E no caso, ocorreram ou não tais pressupostos de aplicação dos métodos indiciários?
Pela matéria constante da alínea a) do probatório e que transcreve grande parte do relatório da fiscalização tributária para que remete, apurada em sede de exame à escrita da impugnante e não contrariada por qualquer outra prova, designadamente pela junção de parecer pericial (art.º 117.º n.º2 do CPPT), e onde sobressai, suficientemente indiciada, a falta de identificação correcta das vendas de mercadorias/prestações de serviços não permitindo o seu controlo, omissões de registos de aquisições de mercadorias no exercício de 1991 e inventários físicos das mercadorias em existências sem discriminação por taxas de IVA, retiravam a credibilidade da mesma escrita ao não identificar nessa escrituração correctamente o que vendia, sobretudo ao nível dos proveitos, que sempre teriam de ser estimados, calculados, presumidos, afastando a possibilidade de, através dessa escrita, apurar o real volume de negócios da impugnante, dos seus reais proveitos, o que afectava a totalidade dos proveitos da sua actividade nos exercícios em causa, e não apenas uma ou outra operação, em que fosse assim possível, utilizar as correcções técnicas para esse apuramento (para além das correcções técnicas nas verbas a que foram aplicadas e que aqui se não encontram em causa na presente impugnação – cfr. art.ºs 6.º e 13.º da sua petição inicial de impugnação).

Impossibilidade essa de apuramento do lucro tributável através da escrita da impugnante que a AT expressamente invocou, mas que nem necessitava de, formalmente, expressamente o mencionar nesse relatório da inspecção tributária, bastando que os factos apurados a concretizassem(3), como no caso se entende que exprimem essa impossibilidade.

Assim, face aos indícios acima apontados, recolhidos pela fiscalização tributária e não infirmados por qualquer outra prova, poucas dúvidas poderão restar que a mesma contabilidade não reflectia os reais proveitos obtidos pela ora impugnante nos exercícios em causa, em que estes serão de montantes superiores aos constantes na mesma.

A impossibilidade do apuramento, quer dos reais custos, quer dos reais proveitos, directamente, através da sua contabilidade permitia ou não que se socorresse aos métodos indiciários para esse apuramento?
A nossa resposta é positiva, face às obrigações da impugnante em manter uma escrita organizada de molde através dela se pudesse apurar e controlar o lucro tributável, quer sobretudo quanto aos proveitos, por a sua deficiente escrituração apresentar um volume de vendas abaixo do encontrado pela amostragem efectuada nessa mesma fiscalização que assim face àquela não se sabia o seu volume, desta forma se não podendo também, apenas, operar com correcções técnicas na determinação do lucro tributável do exercício, resultados que não se encontravam espelhados nessa mesma contabilidade, como acima se viu, desiderato que através desta não era possível alcançar.

Assim, face à existência destes diversos índices, que se nos afiguram fundados e suficientes, aberto se encontrava o caminho para lançar mão dos métodos indiciários, por os mesmos não carecerem de ser cumulativos. Ou seja, tal contabilidade não tinha o mérito de espelhar o resultado efectivo, concreto, da realidade económica-financeira do respectivo exercício da contribuinte, aparecendo sobretudo os proveitos escriturados por defeito, sem se mostrarem apoiados em documentos que dessem a conhecer a sua verdadeira existência e extensão, em suma, pela contabilidade da impugnante não era possível apurar os reais custos e os reais proveitos, efectivamente obtidos.

Face a tais anomalias, não permitindo através da contabilidade da impugnante apurar a verdadeira situação patrimonial da empresa e nem o resultado efectivamente obtido, não restava outro caminho à AT senão lançar mão de tais métodos indiciários, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras legais previstas nos códigos tributários e comerciais, de molde a apurar e controlar o lucro tributável da sua actividade nesses exercícios.

Não podendo também no caso apenas operar-se com correcções técnicas no apuramento da matéria colectável, quando o que se encontra em causa, é uma falta generalizada de credibilidade da sua escrita comercial, sobretudo ao nível dos proveitos quanto às vendas/prestações de serviços, pelos apontados vícios supra, que não uma ou outra operação mal contabilizada ou um outro proveito a acrescer ou um ou outro custo a não ser elegível, em que apenas haveria que os desconsiderar no apuramento da matéria colectável (o que aliás, foi efectuado nas partes correspondentes e aqui se não encontram em causa).

Cabia à Fazenda Pública e ora recorrente o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, cabendo-lhe demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suspeições, ainda que não se possa exigir o mesmo grau de certeza nessa quantificação do que aquela que é apurada através da contabilidade do sujeito passivo, por ser inerente àquela uma aproximação à realidade a qual se desconhece, através da utilização de índices como sejam as margens médias de lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras, as taxas médias de rentabilidade de capital investido, o coeficiente técnico de consumos ou utilização de matéria-primas e outros custos directos, como hoje se exemplifica na norma do art.º 90.º da LGT e então se dispunha na norma do art.º 52.º do CIRC e 82.º, n.º4, do CIVA.

Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.

A AT tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributada quantificada.

Caberá, então, àquele a quem o método é oposto (no caso, a impugnante) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

No caso, face aos indícios supra, que se nos afiguram como fundados e seguros, carreou a AT elementos certos e determinados donde se pode extrair que a contabilidade da impugnante não reflectia a totalidade das operações realizadas, sobretudo ao nível dos proveitos, e daí, legitimada ficava, para passar ao apuramento da matéria tributável da contribuinte com o recurso aos métodos indiciários, tendo em vista encontrar o volume de negócios dos exercícios em causa, que a contabilidade não espelhava como deveria.

Para a passagem aos métodos indiciários, entre outros requisitos, hoje nas normas dos art.ºs 87.º a 90.º da LGT e então nas do art.º 51.º e 52.º do CIRC, tendo sido concretamente aplicadas no caso as do art.º 51.º, n.º1, alínea d) e n.º2 e 52.º, alínea a) deste Código [cfr. cópia do relatório das fiscalização a fls 83 e segs dos autos], pode-se bastar com a existência de indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, não restringindo a lei a liberdade da actuação da AT no sentido dos meios aptos a demonstrá-lo, assim podendo ser utilizados quaisquer índices aptos a revelá-los.

É que nos termos do art.º 90.º da LGT, ainda que então ainda não vigente, os procedimentos dirigidos à declaração dos direitos dos contribuintes neles podem ser utilizados todos os elementos de que disponha a entidade competente, sem os restringir a qualquer categoria de meios, mas que a norma do art.º 76.º, n.º1 do CPT, também já previa.

Assim sendo, cabia agora, por sua vez à impugnante no âmbito do ónus probatório que sobre si impende, como acima se fundamentou, ter vindo trazer aos autos prova certa e segura, tendo em vista infirmar os indícios seguros em que a AF se fundou para a passagem aos métodos indiciários, designadamente quanto às apontadas anomalias da sua contabilidade relacionadas, sobretudo com os proveitos, e, se o conseguisse, não obstante aqueles fundados indícios, não teriam a virtualidade de alterar o resultado contabilístico declarado, por devidamente explicados e justificados.

E para esse efeito, invocou a impugnante na matéria dos artigos 16.º a 80.º da sua petição inicial de impugnação, diversa materialidade tendente a infirmar a matéria daqueles pressupostos, como seja que a única falta que a AT lhe aponta para o recurso aos métodos indiciários foi a de falta de registo de aquisição de mercadorias, que como acima se viu não corresponde à realidade, já que também fundou tal impossibilidade de apuramento do lucro tributável na falta de identificação cabal das mercadorias/prestações de serviços vendidas o que não permitia o seu controlo e inventários físicos das mercadorias em existências sem a discriminação por taxas, que os inventários elaborados nestes termos, só por si não permitiam o recurso a tais métodos indiciários, o que como se viu, não foi só a existência destes, nestes termos, que fundaram a passagem a tais métodos indiciários, antes tendo estes surgido ao lado dos outros pressupostos e apenas como mais um que também constitui o esteio desse juízo (aliás, quanto a tais inventários, em resposta à matéria do quesito 18.º do relatório do exame pericial, os peritos responderam que ...«não se encontram elaborados de forma a permitir um controlo rigoroso da actividade do contribuinte...Sendo os inventários elementos contabilísticos fundamentais para o apuramento da matéria colectável, não possibilitando o controle inequívoco dos movimentos transaccionados, como sucede nos exercícios referidos, pelas razões apontadas, retiram credibilidade à escrita. Na verdade, procedendo-se à determinação das margens de lucro bruto por grupos de artigos sujeitos às mesmas taxas de IVA, com base nas vendas declaradas e nos inventários exibidos, chega-se a conclusões que não têm qualquer aderência à realidade.», cfr. fls. 127 e 128 e complemento do mesmo relatório a fls 445 dos autos), que o resultado da amostragem não foi representativo da actividade mercantil da mesma, por praticar descontos a certos clientes e ter-se visto confrontada com uma forte concorrência nesses exercícios de 1991 a 1994, sendo que quanto aos descontos, dado o seu diminuto peso em relação com as vendas totais, eles foram ponderados e considerados no exame à mesma escrita, ainda que se tivesse concluído que, pelo seu diminuto montante, os mesmos não eram relevantes para o apuramento das margens comerciais efectivamente praticadas, desta forma, em sede de exame à escrita, não tendo sido feitos reflectir na quantificação aí operada, como se pode ver da matéria constante da alínea a) do probatório, mas já vieram a ter relevância no acordo obtido em sede de comissão de revisão, com as descidas de tais margens nos termos acima assinalados, ou seja, acabou por lhe vir a ser dada alguma relevância positiva na fixação de tal margem, o que a impugnante não prova que a mesma devesse ser superior, tendo aliás, os peritos que realizaram a perícia em resposta ao seu n.º8 afirmado que ...«a amostragem elaborada pelo Agente da Administração Fiscal é significativa em relação ao sector de actividade em análise...É, portanto, quantitativa e qualitativamente válida, merecendo credibilidade para efeitos de dar uma ordem de grandeza da margem bruta, antes dos descontos...» - cfr. fls 127 dos autos e complemento desse relatório a fls 441, onde, mais em pormenor, se especifica a validade de tal amostragem – sendo que quanto à invocada concorrência que lhe fez diminuir a margem bruta de comercialização nada provou a este respeito pelos depoimentos das duas testemunhas inquiridas, que genericamente se limitaram a afirmá-lo, sem invocação de nenhuma razão de ciência comprovável – art.º 638.º, n.º1 do CPC (ainda que na comissão de revisão de revisão tal questão tenha sido debatida, como do texto das mesmas se pode ver) – e que o depoimento prestado pelo sócio e gerente não deve ser valorado por o mesmo ser inábil para depor como testemunha – cfr. art.ºs 553.º, n.º2, 617.º e 635.º, n.º2 do mesmo CPC.

Quanto aos restantes argumentos articulados ao longo da sua petição inicial de impugnação de quanto aos serviços prestados por trabalhos realizados no exterior serem de valor inferior ao dos seus custos – art.º 46.º e segs – ter-se mantido em situação de crédito de imposto (IVA), com excepção de sete períodos – art.º 69.º e segs – e de as facturas não se mostrarem discriminadas com os elementos constantes no art.º 35.º, n.º5 do CIVA – art.º 75.º e segs – aquele primeiro não se mostra provado, sendo que apenas a última testemunha inquirida se pronuncia que «...manda executar fora sem nada cobrar dos clientes ...», configura, igualmente, afirmação vaga e não localizada no tempo insusceptível de conduzir à prova pretendida pela impugnante da precisa factualidade vertida nos art.ºs 55.º e segs da mesma petição, e os restantes fundamentos avançados, não constituírem eles, também, ao lado dos demais, o esteio para que a AT tenha procedido à passagem aos métodos indiciários, pelo que não podem relevar para a sua verificação ou não.

Assim, apesar de a contribuinte ter posto em causa os pressupostos em que se fundou a AF para lançar mão dos métodos indiciários, designadamente quanto aos proveitos que lhe foram imputados, em vários artigos ao longo da sua petição inicial de impugnação judicial, acima expostos e analisados, a verdade é que não logra prová-los, encontrando-se assim longe de colocar em dúvida séria, fundada, os indícios supra referidos, centrando-se essencialmente, em invalidar os pressupostos em que se fundou a AT para a passagem a tais métodos, sem contudo apresentar outros mais adequados por mais próximos da realidade que se visa alcançar, não tendo desta forma vindo colocar de forma minimamente consistente em causa a matéria apurada pela fiscalização, não tendo por isso logrado provar que esses pressupostos são errados e/ou desajustados à realidade em causa, não podendo a impugnação judicial deixar de improceder por este fundamento.

Esta fundamentação tem igualmente aplicação em sede do IVA impugnado já que a norma do art.º 82.º, n.º4 do CIVA, aplicável a todos os contribuintes que não só aos pequenos retalhistas, permite à AT tributar o contribuinte com base nas operações que o mesmo presumivelmente efectuou, desde que seja demonstrado, sem margem para dúvidas, que foram praticadas omissões ou inexactidões nos registos ou nas declarações periódicas, como no caso aconteceu, pelo que tais métodos indirectos também aqui encontram igual sustentação.


4.5. Na matéria dos restantes artigos da sua petição inicial de impugnação judicial – 81.º a 84.º - invoca a impugnante que, sempre os impostos teriam sido calculados com base em critérios desadequados para o caso, designadamente por não ter aplicado, quanto ao IVA, o critério do Despacho Normativo n.º 106/85, de 14 de Novembro.

Nos termos do disposto no art.º 89.º, n.º2 e 136.º, n.º2, ambos do CPT, então vigente e o aplicável, não obstante o acordo alcançado quanto aos peritos em sede de comissão de revisão quanto ao imposto a liquidar e quanto ao lucro tributável a fixar, podia ainda a impugnante articular a errónea quantificação desta como um vício do acto, sem deixar de lembrar, nesta última norma, que os pareceres periciais seriam no caso de elevada utilidade para com êxito, demonstrar essa errónea quantificação.

No caso, com a petição inicial de impugnação judicial não foi junto qualquer parecer pericial, mas foi requerido um exame pericial e que teve lugar, como acima já se deu nota, do qual resulta prova cujo valor probatório não poderá ser inferior à dos invocados pareceres periciais, mas sim superior, ainda que de livre apreciação pelo tribunal, já que os peritos devem possuir conhecimentos especiais que os julgadores não possuem e cabe-lhes a percepção ou apreciação de factos das respectivas áreas da sua especialidade, como demanda do respectivo regime legal, contido nos art.ºs 388.º e 389.º do Código Civil e 568.º e segs do CPC.

Conforme o relatório do exame à escrita e a parte do acordo obtido nas comissões de revisão de ambos os impostos, o critério seguido para quantificar o lucro tributável e o imposto em sede de IVA, foi o de corrigir o custo das mercadorias vendidas em resultado da omissão de compras com aplicação da margem comercial encontrada por amostragem e de corrigir os montantes dos trabalhos especializados realizados no exterior em que foi aceite a sua facturação ao preço do custo por se tratar de assistência técnica aos seus clientes, que constituía actividade meramente acessória da contribuinte, critério que se nos afigura adequado para o fim em vista e nem a impugnante demonstra que pela sua aplicação tenha resultado erro ou excesso nessa quantificação.

Entendimento este que é corroborado pela resposta dos peritos aos quesitos 8.º, 20.º e 21.º constantes de fls 126 a 128, complementada pelas respostas de fls 441 a 446, e a que se deve dar o valor probatório já acima referido, onde estes respondem, no que se reportam à margem de lucro bruta aplicada nos diversos exercícios em causa e quanto ao critério seguido para quantificar o montante das prestações de serviços dos mesmos exercícios, que o mesmo, do modo como foi elaborado, merece credibilidade científica, o valor mais baixo da margem de lucro bruta de 1994 (35%), em relação aos demais exercícios de 1992 e de 1993 que foi de 36,5%, foi o acordado em sede de comissão de revisão e que quanto aos custos dos serviços prestados a AT se limitou a considerar um valor que cobrisse os custos, o que não é normal nesse sector de actividade, em que se presume também existir margem de lucro, o que revela razoabilidade no procedimento, ou seja, em suma, pelo critério adoptado não se revela que o mesmo tenha conduzido a excesso nessa quantificação, antes a mesma poderia ter ido mais além, pelo que não se vislumbra que a quantificação operada padeça de qualquer erro ou excesso ou o critério, em si, não seja apto para apurar, a dimensão quantitativa dessa mesma matéria tributável, pelo que improcede este invocado vício assacado às liquidações em causa.

Finalmente, ainda no âmbito da invocada errada quantificação, invoca a impugnante na matéria do seu art.º 83.º da sua petição inicial de impugnação, que no caso sempre a mesma deveria ser obtida por aplicação do disposto no Despacho Normativo n.º 106/85, de 14 de Novembro, quanto às transacções restantes (ouro e prata).

O Despacho Normativo n.º 106/85, foi editado e veio dar execução à norma do n.º2 do art.º 47.º do CIVA, como nele expressamente se invoca, sendo aplicável aos retalhistas que efectuem operações sujeitas a diversas taxas [como era o caso da impugnante, como se pode ver do mesmo relatório, transcrito na matéria da alínea a) do probatório ora fixado], estejam dispensados da emissão de factura e não tenham possibilidade de discriminar por taxas os montante apurados diariamente em que podem registar as contraprestações relativas às operações tributáveis sem distinção de taxa (n.º1 do art.º 47.º), mas tendo em vista que a aplicação deste método corresponda sensivelmente à que resultaria da tributação pelas regras gerais.

Ou seja, a norma do n.º1 do citado art.º 47.º do CIVA, permite que estes retalhistas fiquem dispensados nas operações em que cabiam taxas diversas, de as discriminar no respectivo registo, vindo o citado Despacho Normativo, editado ao abrigo do n.º2 do mesmo artigo, especificar os procedimentos que os mesmos contribuintes deveriam observar na sua escrita tendo em vista apurar o imposto devido, que não fora registado pelas suas concretas taxas correspondentes, tendo sempre em vista obter um resultado semelhante àquele que seria obtido se fossem aplicadas as regras gerais de apuramento do imposto, desta forma conferindo ao contribuinte um direito mais expedito de apuramento do imposto, que estes poderão ou não utilizar, conforme lhes aprouver, mas que não se impõe ou afasta as regras de apuramento do imposto por presunções ou estimativas quando o mesmo é apurado pela AT como foi o caso, pelo que na quantificação adicional em causa, o mesmo não tinha de ser observado e nem aplicado pela AT, sendo certo, em qualquer dos casos, que a disciplina permitida pelo citado Despacho Normativo quanto à dispensa da discriminação das diversas taxas das operações efectuadas no respectivo registo, sempre tem em vista obter semelhante tributação da que seria obtida pela aplicação regras gerais, como expressamente se contém na parte final da norma do citado n.º2 do art.º 47.º e se secunda, desde logo, no preâmbulo do citado Despacho Normativo, não se tratando assim, de qualquer forma, de uma nova e diferente maneira vinculada de fixação do imposto, diversa da fixada pela aplicação das regras gerais e devesse conduzir a um resultado diverso, pelo que também por aqui a impugnação judicial não poderá deixar de improceder ao arrimo da invocada errada quantificação do imposto (ainda que, no apuramento da quantificação por aplicação de presunção/estimativas, no mesmo relatório, a AT não tenha deixado de ser invocado como suporte das correcções operadas, também, o “art.º 47.º do CIVA e Despacho Normativo 106/85, de 14 de Novembro”, como se pode ver do mesmo relatório, na sua cópia a fls 105 dos autos).


É assim de conceder provimento ao recurso e de declarar nula a sentença recorrida, e conhecendo em substituição, de julgar improcedente a impugnação judicial mantendo-se as liquidações impugnadas.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em declarar nula a sentença recorrida e conhecendo em substituição, em julgar improcedente a impugnação.


Custas pela impugnante, mas apenas na 1.ª Instância.


Lisboa, 12/01/2010

Eugénio Sequeira
Magda Geraldes
José Correia

1 - Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
2 - Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 4.6.2008, recurso n.º 247/08.
3 - Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 7.6.2006, recurso n.º 1293/05-30.