Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:766/19.4BELSB-A
Secção:CA
Data do Acordão:07/21/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL;
DIREITO DE RETENÇÃO;
FALTA DE PROVISORIEDADE.
Sumário:I. Tendo os pedidos formulados na ação e na reconvençãonatureza patrimonial, respeitando ao cumprimento e incumprimento contratual do contrato de empreitada de obra pública, pretendendo cada uma das partes fazer valer contra a outra o valor dos créditos de que se considera ser titular, o litígio opõe direitos da mesma natureza ou com o mesmo conteúdo.

II. Estando em causa direitos de conteúdo equivalente, no que respeita ao juízo de ponderação de interesses, previsto no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA, não se pode dizer que o direito de uma das partes é prevalecente em relação ao da outra.

III. Tendo a co-contratante invocado o direito de retenção sobre a obra, nos termos do disposto nos artigos 327.º e 328.º, do CCP e formulado o pedido na ação de o exercício desse direito ser declarado lícito, o reconhecimento do direito de retenção da obra pela ora Recorrida integra o objeto da ação e constitui uma das pretensões deduzidas.

IV. Não sendo posto em crise o direito de retenção no pedido reconvencional na reconvenção, o decretamento da providência cautelar de entrega do imóvel livre de pessoas e bens, vem diretamente pôr em causa uma das pretensões formuladas na ação.

V. O que acarretaria que através de adoção de uma providência cautelar, provisória e sob conhecimento sumário de facto e de direito, se destituiria de efeito útil um dos pedidos formulados pela Autora, que integram o objeto da ação, o que colide com o requisito da provisoriedade próprio das providências cautelares, por nessa parte, esgotar o objeto do litígio.

VI. Acresce que a ora Recorrente, na qualidade de contraente público não lançou mão da emissão da Resolução Fundamentada, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 327.º do CCP, por aplicação do artigo 328.º do CCP, não invocando que a retenção da obra implica grave prejuízo para a realização do interesse público.

VII. Tal assume relevância também para efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 5 do CPTA, pois perante a falta de alegação de que a retenção da obra prejudica o interesse público, o Tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva, o que ora não se configura.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A Caixa de Previdência do Ministério da Educação, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 13/02/2020, que no âmbito do processo cautelar não especificado para restituição de coisa certa, movido contra a C……, Lda., apresentado como incidente a processar por apenso à reconvenção deduzida na ação administrativa, indeferiu a adoção da providência cautelar, de entrega do imóvel pela Requerida à Requerente, livre de pessoas e bens, absolvendo a Requerida do pedido.


*

Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

- Da alegada violação dos princípios da instrumentalidade e da provisoriedade:

a) Mal andou o Tribunal recorrido ao decidir que os requisitos da “instrumentalidade” e da “provisoriedade” da providência cautelar requerida não se encontram preenchidos.

b) O Tribunal recorrido não levou em devida linha de conta que o deferimento da providência cautelar, com a consequente entrega do imóvel à ora Recorrente, manterá intacto o direito/crédito peticionado pela Recorrida, que é o verdadeiro pedido.

c) A ser decretada, a providência não antecipará qualquer decisão sobre se os valores das facturas são, ou não, devidos pela Recorrente.

d) Foi em função do pedido reconvencional, formulado na acção principal, que a Recorrente propôs a providência cautelar, pelo que seria somente quanto ao mesmo que o preenchimento dos mencionados requisitos da providência cautelar teria que ser apreciado, o que não aconteceu.

e) E, também quanto à reconvenção o deferimento da providência cautelar não anteciparia qualquer decisão, porquanto esta apenas visa “estancar” os prejuízos da Recorrente, fazendo cessar os prejuízos vincendos, nos termos em que foram peticionados e objecto de correcção pela Ré, aqui Recorrente, a qual foi totalmente desconsiderada pela sentença recorrida, conforme resulta da respectiva fundamentação.

f) A providência requerida visando conter, em valores, os prejuízos passiveis de ser ressarcidos pelo património da ora Recorrida, verifica-se uma clara conformação entre a reconvenção e a providência cautelar requerida.

g) E nem se diga que para o deferimento da providência teria que se verificar uma correspondência entre o pedido cautelar e o pedido reconvencional.

h) Muito embora a entrega do imóvel não conste do pedido reconvencional da acção principal, resulta da contestação ao direito de retenção, que foi dada por reproduzida no pedido reconvencional.

i) A entrega do imóvel à Recorrente é um desfecho inevitável da acção de que depende a providência cautelar requerida, independentemente até do desfecho da mesma, pois que a Recorrente, em caso de eventual condenação transitada em julgado para pagamento das facturas, procederá ao pagamento e recuperará o imóvel.

j) Já na situação inversa, isto é, caso a decisão transitada em julgada declare a ilicitude do direito retenção, a restituição do imóvel acontecerá também, seja voluntária ou coercivamente; o que acontece é que, neste último cenário o património da Recorrida poderá não ser suficiente para pagar os prejuízos à Recorrente, dado o seu elevado montante crescendo.

k) Situação essa, em relação à qual a sentença recorrida fez tábua rasa, pois nem sequer permitiu a produção de prova em audiência sobre tal circunstância.

l) Vem sendo doutrinal e jurisprudencialmente pacífico e assente que entre a providência cautelar e a acção principal não tem que existir uma identidade entre os pedidos formulados, (cfr. entre outros, acórdão proferido no processo n.º 00104/15.5BECBR, disponível em www.dgsi.pt, sublinhado nosso).

m) Entre o procedimento cautelar e a ação principal não tem de existir coincidência de pedidos, mas tão-só quanto às partes e à causa de pedir.

n) No caso dos autos, a identidade das partes na reconvenção e no procedimento cautelar é manifesta, assim como é manifesta a identidade entre as causas de pedir, que são os prejuízos que a ora Recorrente sofreu, e continua a sofrer, de mês para mês com a retenção ilícita do imóvel pela Recorrida e a não conclusão da empreitada.

o) A entrega do imóvel justifica-se para salvaguardar o efeito útil do pedido reconvencional, isto porque a delonga própria da acção principal faz crescer mensalmente, em quantia significativa, o prejuízo da Recorrente que facilmente poderá atingir, como já atingiu, valores que a aqui Recorrida não possa, nem consiga ressarcir.

p) A Recorrente, mesmo obtendo provimento no seu pedido reconvencional, a lesão que lhe é causada é grave e dificilmente reparável considerando os montantes em causa, os quais a Recorrente calculou para dois anos de pendência, como alegado nos autos, mas que a Recorrida vaticina de cinco anos.

q) A confirmar-se o cenário, os prejuízos da Recorrente serão muito superiores a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), quando a decisão transitar em julgado, e o património da Recorrida certamente insuficiente para o liquidar como se verifica facilmente das contas da mesma, juntas aos autos.

r) A providência cautelar é a que for adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado e a acautelar a irreparabilidade do dano, sendo um dos critérios de decisão “os prejuízos de difícil reparação” – n.º 1, do artigo 120º do CPTA.

s) A restituição do imóvel à Recorrente fará cessar o crescente prejuízo, até montantes impossíveis agora de calcular,

t) É a providência adequada a garantir a efectividade do direito da Recorrente, consubstanciado no pedido de indemnização levado a cabo na reconvenção que se poderá conter, por agora, em montantes que possam ser ressarcidos pelo património da Recorrida,

u) Prejuízos esses que facilmente, face à demora inevitável do processo, com os recursos possíveis para Tribunais superiores, irá atingir valores que o património da Recorrida não conseguirá ressarcir.

v) Não se justifica, por manifesta desproporcionalidade, a Recorrente ficar privada do imóvel que é seu, quando o prejuízo da retenção é muito superior ao alegado benefício da Recorrida, que são o valor das facturas peticionadas, cujo pagamento não está posto em causa, nem comprometido, com a delonga da acção, como foi demonstrado nos autos, face à capacidade financeira da Recorrente, que além do mais é uma entidade pública.

w) Se o efeito útil de uma decisão favorável à Recorrida está assegurado, face a um alegado crédito, apurado em valor definitivo, o mesmo não se pode dizer, caso a decisão seja favorável à Recorrente, situação que não foi considerada pela sentença recorrida, verificando-se uma manifesta violação, entre outros, do princípio da proporcionalidade enquanto critério de decisão expressamente previsto no artigo 120º, n.º 2 do CPTA.

x) Só a entrega do imóvel, e nenhuma outra situação, se mostra capaz de assegurar esse efeito útil, pois faz conter o prejuízo da Recorrente, impossível de calcular de outra forma, como referido nos autos.

y) O efeito útil da sentença não se resume à condenação da Requerida no pagamento de uma quantia, sendo por demais evidente que o montante da quantia é o facto mais relevante para esse efeito útil.

z) De nada servirá à aqui Recorrente uma sentença que condene a Recorrida numa quantia que esta seja e esteja objectivamente incapaz de liquidar, sendo que não há outra forma de fazer cessar o avolumar dos prejuízos da requerente, até montantes agora incalculáveis, que não seja com a entrega e posse do imóvel.

aa) A sentença recorrida fez uma incorreta apreciação dos requisitos da providência cautelar, assim como fez um errado enquadramento da situação de facto que está na origem dos presentes autos, o que viciou o seu resultado final, concluindo, erradamente, pelo não preenchimento dos requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade da providência.

bb) Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 112º, n.º 1, 120º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do CPTA.

– Da alegada antecipação da decisão da causa principal:

cc) A sentença recorrida merece igualmente um objectivo juízo de censura ao considerar que a providência cautelar requerida constituiria uma antecipação da decisão da causa principal, “no sentido de definitivamente anular o objecto da causa”.

dd) A sentença recorrida olvida que mesmo que o direito de retenção venha a ser declarado lícito tem sempre o efeito útil para o período em que foi exercido, o qual não seria prejudicado pela decisão de entrega do imóvel em sede da presente providência.

ee) O Tribunal recorrido não teve em conta que o que está verdadeiramente peticionado na acção principal pela Requerida, aqui Recorrida, é o pagamento de facturas.

ff) Na acção principal a Recorrida não pede a retenção do imóvel, mas apenas que seja reconhecida que a retenção é legítima, como forma de garantir o seu eventual crédito.

gg) A própria sentença recorrida faz referência ao alegado direito de retenção como um direito real de garantia, nada mais, o que é perfeitamente compreensível, porquanto o direito retenção alegado não é, verdadeiramente, o pedido da Recorrida, o qual apenas serve para garantia do alegado crédito, este sim o verdadeiro pedido.

hh) O decretar da providência cautelar requerida não anteciparia a decisão da causa principal, a qual prosseguiria a sua normal tramitação para apreciar se os valores peticionados pela Recorrida são ou não devidos e, por seu turno, se os valores peticionados pela ora Recorrente, na reconvenção, são ou não devidos.

ii) Pedidos esses cuja apreciação na acção principal respectiva em nada seria beliscada, ou prejudicada com o deferimento da providência cautelar, cuja apreciação autónoma mostra-se perfeitamente possível e legalmente admissível.

jj) Sendo que, mesmo que assim não fosse, o que não se admite mas ora se equaciona por mera hipótese de raciocínio, verifica-se que a lei, nomeadamente o artigo 120º, n.º 4 do CPTA permitia que a sentença recorrida lançasse mão, oficiosamente, de outra solução tendente a que fosse decretada a providência cautelar.

kk) Tratando-se, como se trata, de um direito real de garantia, o direito de retenção pode ser substituído por caução ao abrigo do referido preceito.

ll) O Tribunal recorrido podia, mesmo oficiosamente, ouvidas as partes, determinar essa operação.

mm) Ao não fazê-lo, a sentença recorrida não revelou nenhuma vontade de olhar com rigor para a situação dos autos, demitindo-se objetivamente da sua função de julgar de acordo com a prova produzida e o direito aplicável, o que viciou o seu resultado final, cuja alteração aqui se pugna, por ser de justiça.

nn) Assim proferida, a sentença recorrida é, além do mais, inábil, porque não teve em conta a factualidade, o contexto e vicissitudes subjacentes à situação dos autos, nem os normativos legais aplicáveis e possíveis de aplicar.

oo) Ao decidir como decidiu, indeferindo a providência cautelar requerida, sem sequer avaliar a hipótese da sua sujeição a caução, a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 112º, n.º 1, 120º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do CPTA.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e que, em consequência, seja decretada a providência cautelar requerida para entrega do imóvel dos autos à Recorrente, com as legais consequências, ainda que, sujeita à prestação de caução, nos termos do artigo 120º, n.º 4 do CPTA, com a consequente restituição do imóvel à Recorrente.


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Notificada a ora Recorrida para contra-alegar o recurso, a mesma nada disse ou requereu em juízo.

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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pelo Recorrente resume-se em determinar se a decisão recorrida incorre em erro de julgamento quanto à decisão de indeferimento da providência, por falta dos requisitos de instrumentalidade e provisoriedade, por violação dos artigos 112.º, n.º 1 e 120.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do CPTA.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes as seguintes “OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS RELEVANTES”:

A) A 2 de Maio de 2019 a aqui Requerida propôs neste Tribunal, uma acção administrativa contra a aqui Requerente e a qual corre termos sob o n.º 766/19.4BELSB-A, formulando os seguintes pedidos:

“Ser declarada a nulidade, ou, assim não se entendendo, anulando-se o ato administrativo de resolução sancionatória do contrato de empreitada celebrado entre a A. e a 1ª R., mediante o reconhecimento e declaração judicial da ilicitude do referido ato administrativo de resolução do contrato em apreço;

b) Ser a 1ª R. condenada no pagamento das faturas vencidas e não pagas emitidas pela A. no âmbito da empreitada, no valor global de 213.819,29€;

c) Ser a 1ª R. e o seu Administrador delegado, ora 2º R., condenados pelos danos causados à A. decorrentes dos factos descritos na presente ação, designadamente, da resolução contratual, do não pagamento atempado das faturas e da não receção da obra, a liquidar em execução de sentença, incluindo, mas sem limitar, o pagamento dos juros de mora vencidos à data da presente ação sobre todas as faturas não pagas ou pagas após o prazo do seu vencimento, calculados à taxa legal aplicável às obrigações comerciais, acrescido dos juros vincendos calculados sobre as faturas não pagas;

d) Ser declarada judicialmente a licitude do direito de retenção sobre a obra invocado pela A.;

e) Ser declarada judicialmente a data do início da contagem do prazo de garantia da obra; e

f) Ser a 1ª R. condenada a abster-se de acionar as garantias bancárias à primeira solicitação emitidas pela G...................., S.A. a favor da 1ª R., no valor de 29.750€ e de 2.245,17€, para efeitos do ressarcimento dos pretensos danos decorrentes do atraso na execução da obra e da resolução sancionatória do contrato de empreitada.”

- cfr. páginas 1 do SITAF, relativa à tramitação da acção principal;

B) A 12 de Julho de 2019, a Requerente apresentou contestação com reconvenção na acção com o n.º 766/19.4BELSB, tendo formulado o seguinte pedido reconvencional:

“(…) a Autora condenada a pagar à 1ª Ré:

a) A quantia de € 66.505,71 (sessenta e seis mil quinhentos e cinco euros e setenta e um cêntimos) a título de danos emergentes;

b) A quantia de € 216.172,00 (duzentos e dezasseis mil cento e setenta e dois euros) a título de lucros cessantes;

c) Os juros vincendos até à entrega do imóvel e posterior conclusão das obras.

d) A serem compensados os eventuais créditos da Autora com os créditos da 1ª Ré sobre a mesma, e condenada a Autora a pagar à 1ª Ré o remanescente.”

- cfr. páginas 824 do SITAF, relativo à tramitação da acção principal;

C) A 5 de Dezembro de 2019, e com o propósito de assegurara a utilidade da decisão que viesse a recair sobre a reconvenção, a Requerente e Ré na acção principal, apresentou a presente providência cautelar na qual formula o seguinte pedido:

“(…) ser determinada a entrega pela Requerida de imóvel à Requerente, totalmente livre de pessoas e bens.”

- cfr. páginas 1 do SITAF;”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa entrar na análise da questão colocada para decisão.

Erro de julgamento quanto à decisão de indeferimento da providência, por falta dos requisitos de instrumentalidade e provisoriedade, por violação dos artigos 112.º, n.º 1 e 120.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do CPTA

Nos presentes autos de processo cautelar vem a Requerente, ora Recorrente, recorrer da decisão recorrida que indeferiu a providência cautelar contra a mesma dirigindo o erro de julgamento de direito.

Alega que mal andou o Tribunal recorrido ao decidir pela falta dos requisitos da instrumentalidade e provisoriedade da providência requerida, olvidando que o decretamento da providência de entrega do imóvel à Recorrente manterá intacto o direito/crédito peticionado pela Recorrida, pelo que, não se antecipará qualquer decisão sobre se os valores das faturas são ou não devidos pela Recorrente.

Sendo a presente providência requerida na dependência do pedido reconvencional, será só à sua luz que os requisitos têm de ser apreciados, o que não aconteceu, sendo que, mesmo em relação à reconvenção o decretamento da providência não antecipa qualquer decisão, por a providência apenas visar “estancar” os prejuízos da Recorrente, fazendo cessar os prejuízos vincendos.

Assim, entende a Recorrente que a providência se conforma com a reconvenção, não tendo de existir uma correspondência entre o pedido cautelar e o pedido reconvencional.

Embora a entrega do imóvel não conste do pedido reconvencional da ação principal, resulta da contestação ao direito de retenção, sendo a entrega do imóvel à Recorrente um desfecho inevitável da ação de que depende a providência cautelar requerida.

Em qualquer dos desfechos dados à ação, deverá existir a restituição do imóvel.

Não tem de existir uma identidade entre os pedidos formulados na providência cautelar e na ação principal, mas apenas quanto às partes e à causa de pedir, o que ora se verifica.

Alega que a entrega do imóvel se justifica para salvaguardar o efeito útil do pedido reconvencional, pois a delonga da própria ação faz crescer mensalmente o prejuízo da ora Recorrente.

Não se justifica, por manifesta desproporcionalidade, a Recorrente ficar privada do imóvel que é seu, quando o prejuízo da retenção é muito superior ao alegado benefício da Recorrida, que são o valor das faturas peticionadas, cujo pagamento não está posto em causa com a delonga da ação, face à capacidade financeira da Recorrente.

Daí entender a Recorrente que a sentença recorrida viola do princípio da proporcionalidade, enquanto critério previsto no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA.

Mais invoca que de nada servirá à Recorrente uma sentença que condene a Recorrida numa quantia que a mesma não seja capaz de liquidar.

Conclui por a sentença fazer uma incorreta apreciação dos requisitos da providência cautelar e um errado enquadramento da situação de facto que está na origem dos presentes autos.

Além de que não se poder defender que a adoção da providência requerida constituiria uma antecipação da decisão da causa principal, pois mesmo que o direito de retenção venha a ser declarado lícito, tem sempre o efeito útil para o período em que foi exercício, o qual não seria prejudicado pela decisão de entrega do imóvel.

Entende a Recorrente que o tribunal a quo não teve em devida conta que o que é peticionado na ação principal pela Requerida, aqui recorrida, é o pagamento de faturas, não sendo pedida a retenção do imóvel, mas apenas que seja reconhecida que a retenção é legítima como forma de garantir o seu eventual crédito.

Defende que ao decretar a providência requerida, não se antecipa a decisão da causa principal, que prossegue a sua normal tramitação para apreciar se os valores peticionados pela Recorrida são ou não devidos e se os valores peticionados pela Recorrente, na reconvenção, são ou não devidos.

Além de que, mesmo que assim não fosse, o artigo 120.º, n.º 4 do CPTA permitiria ao tribunal lançar mão oficiosamente de outra solução, como substituir o direito de retenção por caução.

Vejamos.

Tendo presente as ocorrências processuais julgadas provadas na sentença recorrida, que não se mostram impugnadas no presente recurso, decorre que a ora Recorrida instaurou contra a ora Recorrente ação administrativa, formulando os seguintes pedidos:

a) Ser declarada a nulidade, ou, assim não se entendendo, anulando-se o ato administrativo de resolução sancionatória do contrato de empreitada celebrado entre a A. e a 1ª R., mediante o reconhecimento e declaração judicial da ilicitude do referido ato administrativo de resolução do contrato em apreço;

b) Ser a 1ª R. condenada no pagamento das faturas vencidas e não pagas emitidas pela A. no âmbito da empreitada, no valor global de 213.819,29€;

c) Ser a 1ª R. e o seu Administrador delegado, ora 2º R., condenados pelos danos causados à A decorrentes dos factos descritos na presente ação, designadamente, da resolução contratual, do não pagamento atempado das faturas e da não receção da obra, a liquidar em execução de sentença, incluindo, mas sem limitar, o pagamento dos juros de mora vencidos à data da presente ação sobre todas as faturas não pagas ou pagas após o prazo do seu vencimento, calculados à taxa legal aplicável às obrigações comerciais, acrescido dos juros vincendos calculados sobre as faturas não pagas;

d) Ser declarada judicialmente a licitude do direito de retenção sobre a obra invocado pela A.;

e) Ser declarada judicialmente a data do início da contagem do prazo de garantia da obra; e

f) Ser a 1ª R. condenada a abster-se de acionar as garantias bancárias à primeira solicitação emitidas pela G...................., S.A. a favor da 1ª R., no valor de 29.750€ e de 2.245,17€, para efeitos do ressarcimento dos pretensos danos decorrentes do atraso na execução da obra e da resolução sancionatória do contrato de empreitada.

Nessa ação, a Ré, ora Recorrente, apresentou contestação, onde deduziu reconvenção, formulando o pedido reconvencional de a Autora ser condenada a:

a) pagar a quantia de € 66.505,71, a título de danos emergentes;

b) pagar a quantia de € 216.172,00, a título de lucros cessantes;

c) pagar os juros vincendos até à entrega do imóvel e posterior conclusão das obras;

d) serem compensados os eventuais créditos da Autora com os créditos da Ré e condenada a Autora a pagar o remanescente.

Com o propósito de assegurar a utilidade da decisão que venha a recair sobre a reconvenção, a Ré, ora Recorrente, requereu a presente providência cautelar na qual formula o pedido de entrega pela ora Recorrida de imóvel à Recorrente, totalmente livre de pessoas e bens.

Tendo presente a configuração dos pedidos e das causas de pedir da ação administrativa instaurada pela Recorrida contra a Recorrente e da contra-ação instaurada pela Recorrente contra a Recorrida, fundada no pedido reconvencional, o Tribunal a quo indeferiu a providência requerida, de entrega pela ora Recorrida do imóvel à Recorrente, totalmente livre de pessoas e bens.

Extrai-se da fundamentação de direito da sentença sob recurso, de entre o mais, o seguinte:

A tutela cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade, provisoriedade e, bem assim, pela sumariedade dos poderes de cognição do Tribunal.

Com efeito, o processo cautelar depende da acção principal, cuja utilidade visa assegurar, impedindo que durante a pendência dessa acção a situação se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida perca o seu efeito útil, tornando-se, deste modo, desnecessária.

Associada à instrumentalidade surge a característica da provisoriedade, pois que a decisão cautelar, ainda que antecipatória, será sempre, pela sua função, provisória relativamente à decisão [definitiva] do litígio, o que implica a reversibilidade da providência, isto é, a proibição de, no processo cautelar, sem prejuízo da admissibilidade de antecipação do conhecimento do mérito [cfr. Artigo 121º do CPTA], se obter um efeito que corresponda ao provimento antecipado do pedido em termos irreversíveis, ou seja, que não possam ser anulados ou revertidos pelo Tribunal na decisão da causa principal – vide JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 14ª edição, 2015, Almedina, págs. 305-307.

Também neste sentido, explicita MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, que “A provisoriedade transparece da possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias inicialmente existentes (art. 124º, nº 1) (…). Por outro lado, afirma-se correntemente, a este propósito, que o tribunal não pode dar, através de uma providência cautelar, o que só à sentença a proferir no processo principal cumpre proporcionar, se vier a dar provimento às pretensões nele deduzidas pelo requerente. (…) com a referida afirmação, não se pretende dizer que uma providência cautelar não pode antecipar, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo. Ponto é que essa antecipação tenha, na verdade, lugar a título provisório e, portanto, que ela possa caducar se, no processo principal, o juiz chegar a conclusões que sejam incompatíveis com a manutenção da situação provisoriamente criada. (…) O que a providência cautelar não pode fazer é antecipar, a título definitivo, a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no processo principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consintam a sua manutenção.” (cfr. Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017, págs. 424 e 425).

No caso vertente, a Requerente peticiona a adopção de uma providência antecipatória, concretamente a entrega do imóvel onde se realizou a obra em causa nos autos – (…) – livre de pessoas e bens.

E a presente providência cautelar foi já instaurada na pendência da acção principal e na sequência do pedido reconvencional por si formulado.

Ora, sendo, em regra, admissível a adopção de providências cautelares que tenham como finalidade a antecipação do efeito pretendido com a decisão do processo principal, tal admissibilidade depende, todavia, como se viu, do carácter provisório das medidas a decretar, não podendo os efeitos jurídicos que se antecipem coincidir, no plano dos factos, e de modo definitivo, com os efeitos a alcançar com a decisão definitiva do litígio, sob pena de se confundir a tutela urgente cautelar com a tutela urgente de mérito.

E considerando o pedido formulado pela Requerente, é forçoso concluir que, a providência requerida, por visar a constituição de uma situação jurídica nova/distinta da actual, implementado uma alteração no status quo e não a conservação de uma situação existente, constitui uma providência de natureza antecipatória.

E diga-se, desde já, que no caso em apreço não se mostram reunidos os requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade da providência cautelar.

Com efeito, e conforme resulta do sobredito, a Requerente, de forma a assegurara a utilidade da decisão que venha a ser proferida quanto ao seu pedido reconvencional – o qual é de condenação de pagamento em quantia certa – peticiona a entrega do imóvel onde se realizou a obra contratada à Requerida, e em relação ao qual esta se encontra e exercer um direito de retenção e cuja licitude de exercício peticiona que seja reconhecido na acção principal.

Sucede que, não vislumbra este Tribunal de que forma é que a entrega imediata do imóvel assegura a utilidade da decisão que possa vir a recair sobre o pedido reconvencional; considerando que, em caso do provimento do pedido a Requerente obtém a condenação da Requerida pagar-lhe determinada quantia.

Dito de outro modo, a circunstância de, na pendência da acção principal, o imóvel passar para a posse da Requerente não terá por efeito a garantia da utilidade da decisão que venha ser proferida; pois que, a posse do imóvel é absolutamente irrelevante no que diz respeito à utilidade da decisão.

Na verdade, a decisão perde o seu efeito útil se, no momento em que vier a ser proferida, o Autor e/ou o Reconvinte já tiverem obtido por outro meio, o mesmo efeito que com a sentença visavam obter; ou se, no memento em que vier a ser proferida, no plano dos factos, já não seja possível que o Autor e/ou o Reconvinte possam obter o que é determinado na sentença.

A Requerente argumenta, quando a esta característica em específico, que providência cautelar se mostra adequada a garantir o efeito útil da sentença que venha a ser proferida, considerando que, a fonte dos prejuízos que são reclamados na reconvenção é, precisamente, o facto de o imóvel não estar na sua posse. Nesta conformidade, ao ser-lhe entregue o imóvel, os prejuízos em questão não aumentam de valor, não correndo assim o risco de, em função dos avultados prejuízos, o património da Requerida já não ser suficiente para assegurar o ressarcimento daqueles.

Porém, de tais circunstâncias não resulta que a decisão que venha a ser proferida, caso o imóvel não seja entregue á Requerente na pendência da acção principal, seja infrutuosa; assim como, não resulta que, no plano dos factos, não seja de todo possível à Requerente obter o que a sentença determinar. O que, in casu, seria uma condenação ao pagamento de quantia certa.

Acresce que, a instrumentalidade é associada à provisoriedade, que se traduz na precariedade dos efeitos da decisão cautelar, que sempre se encontram dependentes do julgamento do processo principal. E com o pedido que é formulado em sede cautelar, não só a Requerente retira o efeito útil da decisão que venha ser proferida quantos aos pedidos formulados pela Requerida na acção principal, como acaba por consumir e esgotar parte do objecto da acção principal, anulando-o.

Tratando-se a presente providência cautelar de uma providência de natureza antecipatória [a qual, bisa-se, tem por função antecipar provisoriamente os efeitos de uma possível sentença favorável, ampliando ou modificando o status quo preexistente, visando acautelar os efeitos de um possível retardamento da sentença a proferir nos autos principais], na apreciação do caso concreto, a decisão cautelar tem de observar um limite implícito à natureza instrumental e provisória da tutela cautelar, e segundo o qual a providência não pode proporcionar uma utilidade mais ampla ou diversa da que uma eventual sentença favorável no processo principal permite alcançar – nesse sentido vide Acórdão do TCAS de 28/02/2018, p. 2640/17.0BELSB

Nesta conformidade, em sede cautelar a decisão não pode exceder, em momento algum, o âmbito e o objecto da causa principal.

Sucede que, o provimento do pedido aqui formulado não só extravasará o pedido por si formulado na acção principal; como anulará parte do objecto do pedido que a Requerida formula naquela.

Senão vejamos.

A Requerente, mesmo em caso de procedência do pedido reconvencional, nunca obteria, fruto da condenação da Requerida, a entrega do imóvel onde decorreu a obra em causa nos autos. Pois que, o pedido que formula na reconvenção é de condenação ao pagamento de quantia certa e não de condenação a entrega de coisa certa.

Ao ser decretada a providência, a Requerente obteria uma vantagem que nunca obteria da procedência do pedido reconvencional. E o que não pode suceder, sob pena de violação do pressuposto da insrtumentalidade da providência, é que a Requerente obtenha a partir da mesma, o que não obteria com a procedência do seu pedido na acção principal. Dito de outro modo, a providência cautelar não pode, em circunstância alguma, exceder o efeito jurídico propiciado pela procedência do pedido reconvencional.

Na verdade, no presente caso, a procedência da providência redundaria num excesso violador do pressuposto da instrumentalidade, na media em que, através deste meio instrumental estar-se-ia a conceder à Requerente mais do que ela, num juízo de probabilidade, poderá obter na acção principal; pois a providência antecipa-lhe um deferimento que os autos principais, primo conspectu, não lhe facultarão. Solução que é inadmissível e processualmente ilegal.

Pois que, tratando-se de uma providência cautelar de natureza antecipatória, tendencialmente, o pedido formulado em sede cautelar terá de ser idêntico ao pedido formulado na acção principal; de contrário, não faz qualquer sentido em falar-se em antecipação [nesse sentido vide Acórdão do STA de 01/02/2017, p. 01338/16]. Ora, no caso em apreço isso não sucede.

A Requerente em sede de reconvenção deduzida na acção principal peticiona a condenação de pagamento em quantia certa e nesta sede, a coberto de uma providência cautelar antecipatória, peticiona a entrega de coisa certa. E note-se que, sequer resulta do seu pedido, que o faz a título provisório. Antes resultando da causa de pedir gizada, que pretende a sua entrega a título definito. O que, por si só, viola o pressuposto da provisoriedade próprio das providências cautelares.

Acresce que, a ser decretada a presente providência, a decisão irá anular parte do objecto dos pedidos formulados pela Requerida na acção principal. O que é, do mesmo modo, inadmissível.

Com efeito, a Requerida, Autora nos autos principais, peticiona que seja reconhecida a licitude do exercício do direito de retenção sob o imóvel onde a obra em questão nos autos foi executada. O mesmo imóvel que a Requerente pretende que, nesta sede, lhe seja entregue.

Ora, estando a ser discutido na acção principal a licitude do exercício do direito de retenção pela Requerida, não poderá a Requerente obter em sede cautelar a entrega do imóvel. Sob pena de, por esta via, retirar a utilidade da sentença que venha a ser proferida em relação aos pedidos formulados pela Requerida nos autos principais.

Ademais que, decidindo-se pela licitude do exercício do direito de retenção, a Requerente nunca obterá procedência no pedido reconvencional que formula nos autos principais. Ao fundamentar o seu pedido num exercício ilegítimo de um suposto direito de retenção pela Requerida, afastada que seja essa actuação ilegítima e o seu pedido não poderá, naturalmente, proceder.

Donde resulta que, procedendo o pedido da Requerida na acção principal e procedendo, também, o pedido cautelar da Requerente, no plano dos factos, a decisão principal será totalmente infrutífera, por já não ser possível obter o que nela se determinar. Dito de outro modo, a decisão proferida nestes autos seria irreversível, pois não seria passível de alteração na sentença que viesse a ser proferida na acção principal.

É que a partir do momento em que o imóvel for entregue à Requerente, o qual se esgota no momento da sua realização, a Requerida não poderá manter o exercício do direito de retenção que, na sua perspectiva, equivale a um exercício legitimo e nos termos da lei. E, no fundo, aquela antecipação passa a ser irrevisível e definitiva para futuro em face ao exercício do direito de retenção.

Note-se que, através do direito de retenção, reconhece-se ao devedor da restituição de uma coisa a faculdade de não a entregar até que seja realizada uma prestação que se encontre numa relação de conexão material ou jurídica com essa mesma coisa. O direito de retenção é, na verdade, um direito real de garantia, que propicia ao seu titular a faculdade de se fazer pagar pelo valor da coisa com preferência face a outros credores, desde que não sejam titulares de privilégio imobiliário especial. Por outro lado, consiste na faculdade de recusa de entrega da coisa retida, sem incorrer em responsabilidade civil, enquanto o credor da restituição não cumprir a sua obrigação, pressionando desta forma o cumprimento da obrigação em falta.

Ante o exposto, facilmente se constata que, estando em discussão nos autos principais a legalidade de exercício do direito de retenção pela Requerida, não poderá a Requerente obter a entrega da coisa retida em sede cautelar a pretexto de assegurar a utilidade da decisão que venha a ser proferida sobre o pedido reconvencional que formulou, o qual sequer tem o mínimo de correspondência com o pedido cautelar que ora formula.

Nem tão pouco, pode o Réu escudar-se num meio instrumental e provisório, e impedir através do mesmo, que o Autor obtenha através de uma acção principal uma determinada pretensão. Para esse propósito é que existe a contestação e a defesa no processo principal.

Em suma, a decretar-se a providência requerida, dela resultaria a violação do princípio da instrumentalidade e da provisoriedade das providências cautelares face às acções principais de que são meio acessório, na vertente da proibição imposta ao juiz cautelar de decidir a causa antecipadamente ao juiz da causa principal, no sentido de definitivamente anular o objecto da causa. Que era o que iria suceder.

Em face do exposto, os limites da tutela cautelar, impostos pelas características da provisoriedade e da instrumentalidade, não permitem o decretamento da providência ora requerida; pelo que, a pretensão da Requerente terá de improceder.”.

A decisão recorrida é de confirmar, embora com uma fundamentação não inteiramente coincidente.

Resulta dos pedidos formulados na ação e na reconvenção que o litígio que opõe as partes assume natureza patrimonial, respeitando ao cumprimento e incumprimento contratual, decorrente da execução do contrato de empreitada de obra pública celebrado, pretendendo cada uma das partes fazer valer contra a outra o valor dos créditos de que se consideram ser titulares.

Por isso, o presente litígio opõe direitos da mesma natureza ou o mesmo conteúdo entre as partes, estando em causa unicamente aferir dos direitos patrimoniais que cada uma das partes se arroga em relação à outra.

Nessa medida estão em causa direitos de conteúdo equivalente, no que respeita ao juízo de ponderação de interesses, previsto no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA, invocado no presente recurso, sob a enunciação do princípio da proporcionalidade, não se podendo dizer que o direito de uma das partes é prevalecente em relação ao da outra.

Assim, as partes em litígio pretendem que o Tribunal defina os direitos patrimoniais de que cada uma se arroga em relação à outra.

Por outro lado, decorre da configuração do pedido e da causa de pedir dada pela Autora da ação, ora Recorrida, que a mesma exerceu o direito de retenção sobre a obra, nos termos do disposto nos artigos 327.º e 328.º, do Código dos Contratos Públicos (CCP).

Como se extrai, fundado no alegado incumprimento contratual da ora Recorrente por falta de liquidação das faturas, a ora Recorrida exerceu o direito de retenção nos termos do disposto nos artigos 327.º e 328.º do CCP e pretende que, na ação principal instaurada contra a ora Recorrente, o exercício do direito de retenção seja declarado lícito.

O que implica que o reconhecimento do direito de retenção da obra pela ora Recorrida integra o objeto da ação e constitui uma das pretensões deduzidas.

A ora Recorrente no pedido reconvencional não põe em crise o direito de retenção, pois pede a condenação da Autora, ora Recorrida, no pagamento das quantias certas de que se arroga ter direito, a título de danos emergentes e de lucros cessantes e respetivo pagamento dos respetivos juros, além da compensação dos créditos.

Pelo que o decretamento da providência cautelar requerida pela ora Recorrente vem diretamente pôr em causa uma das pretensões formuladas na ação pela Autora, ora Recorrida.

O que traduziria que através de adoção de uma providência cautelar, necessariamente provisória e sob conhecimento sumário de facto e de direito, a ora Recorrente destituiria de efeito útil um dos pedidos formulados pela Autora, que integram o objeto da ação, a ser decidido definitivamente e mediante conhecimento integral de facto e de direito.

Daí não assistir razão à ora Recorrente ao alegar o erro de julgamento da sentença recorrida no tocante à falta de provisoriedade da providência cautelar requerida.

A providência de entrega do imóvel livre de pessoas e bens da Recorrida à Recorrente esgotaria uma parte do objeto do litígio, o que contraria a finalidade provisória da tutela cautelar.

Tanto assim que para o Tribunal decidir sobre o decretamento da providência cautelar de entrega do imóvel livre de pessoas e bens pela Recorrida, forçoso seria que se pronunciasse sobre a licitude do direito de retenção sobre a obra invocado pela Autora, constituindo esse o pedido formulado sob a alínea d) do petitório da ação.

Assim, não se invoque para tanto, como faz a ora Recorrente, que a adoção da providência cautelar manterá intacto o direito de crédito peticionado pela Recorrida, por não ser essa a única pronúncia jurisdicional peticionada pela Autora na ação instaurada.

Acresce que a ora Recorrente, na qualidade de contraente público não lançou mão da emissão da Resolução Fundamentada, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 327.º do CCP, por aplicação do artigo 328.º do CCP.

Invocado o direito de retenção pelo co-contratante, nos termos dos artigos 327.º e 328.º, do CCP, poderia o contraente público reconhecer no prazo de 15 dias contado da notificação pelo co-contratante, que a retenção da obra implica grave prejuízo para a realização do interesse público, o que não logrou ocorrer.

Tal acarreta que nos termos legais do citado n.º 4 do artigo 327.º do CCP, a invocação do direito de retenção não é gravemente prejudicial para o interesse público.

No demais, tal assume relevância também para efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 5 do CPTA, pois perante a falta de alegação de que a retenção da obra prejudica o interesse público, o Tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva, o que ora não se configura.

No que respeita à falta de lançamento oficioso pelo Tribunal recorrido de outra solução, nos termos do artigo 120.º, n.º 4 do CPTA, entendendo a ora Recorrente que o direito de retenção poderia ser substituído pela prestação de caução, importa dizer que tal nunca se poderia oferecer como uma possibilidade que emergisse para o Tribunal em face da pretensão cautelar formulada em juízo e dos contornos das respetivas ação e contra-ação.

Tanto mais que a própria Recorrente o poderia ter requerido, conduzindo a que se apreciassem, em momento próprio, pelo Tribunal de 1.ª instância, no quadro normal do exercício do contraditório e perante a eventual necessidade de produção de meios de prova, a indispensável apreciação jurisdicional das circunstâncias de facto e de direito.

Sem prejuízo, considerando que a tutela cautelar, pelas suas próprias finalidades, poderá ser deduzida a qualquer momento, nada obsta que a ora Recorrente venha a formular essa pretensão ou qualquer outra, mediante alegação e demonstração sumária dos respetivos pressupostos para o seu decretamento.

O que de todo o julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida, não impugnado no presente recurso pela Recorrente, não permite.

Donde não existir substracto factual mínimo na sentença recorrida que permita sustentar qualquer eventual pretensão cautelar diferente da requerida, segundo o disposto nos n.ºs 4 e 6, do artigo 120.º do CPTA.

Por último, não tem qualquer sustento a Recorrente falar em antecipação da decisão da causa principal, confundindo a questão da natureza dos efeitos da providência requerida, com o julgamento de antecipação do conhecimento da causa principal.

A sentença recorrida não decidiu antecipar o conhecimento da causa principal, não lançando mão do disposto no artigo 121.º do CPTA, limitando-se a qualificar a providência requerida como tendo natureza antecipatória.

Por isso, a decisão proferida é a de indeferir o decretamento da providência cautelar requerida e não a de julgar a ação improcedente.

De resto, apresenta-se indiferente para o desfecho do processo cautelar a qualificação da providência requerida como antecipatória ou como conservatória, visto que são os mesmos os requisitos para o seu decretamento, segundo o disposto no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA.

Termos em que, com base em todo o que antecede e sob uma fundamentação não inteiramente coincidente à constante da sentença recorrida, não assiste razão à Recorrente quanto aos fundamentos do presente recurso, sendo de julgar não provadas as violações dos artigos 112.º, n.º 1 e 120.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do CPTA, implicando que se mantenha a decisão de indeferimento da providência cautelar requerida.


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Nestes termos, será de negar provimento ao recurso, por não provado os seus respetivos fundamentos, mantendo-se a decisão recorrida, embora com diferente fundamentação, nos termos antecedentes.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Tendo os pedidos formulados na ação e na reconvenção natureza patrimonial, respeitando ao cumprimento e incumprimento contratual do contrato de empreitada de obra pública, pretendendo cada uma das partes fazer valer contra a outra o valor dos créditos de que se considera ser titular, o litígio opõe direitos da mesma natureza ou com o mesmo conteúdo.

II. Estando em causa direitos de conteúdo equivalente, no que respeita ao juízo de ponderação de interesses, previsto no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA, não se pode dizer que o direito de uma das partes é prevalecente em relação ao da outra.

III. Tendo a co-contratante invocado o direito de retenção sobre a obra, nos termos do disposto nos artigos 327.º e 328.º, do CCP e formulado o pedido na ação de o exercício desse direito ser declarado lícito, o reconhecimento do direito de retenção da obra pela ora Recorrida integra o objeto da ação e constitui uma das pretensões deduzidas.

IV. Não sendo posto em crise o direito de retenção no pedido reconvencional na reconvenção, o decretamento da providência cautelar de entrega do imóvel livre de pessoas e bens, vem diretamente pôr em causa uma das pretensões formuladas na ação.

V. O que acarretaria que através de adoção de uma providência cautelar, provisória e sob conhecimento sumário de facto e de direito, se destituiria de efeito útil um dos pedidos formulados pela Autora, que integram o objeto da ação, o que colide com o requisito da provisoriedade próprio das providências cautelares, por nessa parte, esgotar o objeto do litígio.

VI. Acresce que a ora Recorrente, na qualidade de contraente público não lançou mão da emissão da Resolução Fundamentada, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 327.º do CCP, por aplicação do artigo 328.º do CCP, não invocando que a retenção da obra implica grave prejuízo para a realização do interesse público.

VII. Tal assume relevância também para efeitos do disposto no artigo 120.º, n.º 5 do CPTA, pois perante a falta de alegação de que a retenção da obra prejudica o interesse público, o Tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva, o que ora não se configura.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo, com diferente fundamentação, a decisão de indeferimento da providência cautelar.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Carlos Araújo)


(Ana Pinhol)