Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 984/11.3BELRA-S1 |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 01/30/2020 |
Relator: | ALDA NUNES |
Descritores: | PROVA PERICIAL VALOR EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS – ART 421º DO CPC. PRINCÍPIO DA AUDIÊNCIA CONTRADITÓRIA – ART 415º DO CPC |
Sumário: | I – O art 421º do CPC ex vi art 1º do CPTA consagra o princípio da eficácia extraprocessual das provas, princípio esse do qual decorre que o valor das provas não fica confinado ao processo em que foram produzidas, projetando-se para além dele a ponto de poderem as provas produzidas num processo ser invocadas noutro. II - Contudo, este princípio apenas vale para a prova constituenda por depoimentos e perícias, abrangendo-se, assim, tão-só a prova por depoimento e declarações de parte, a prova testemunhal, a prova por exame pericial. De fora ficam a prova documental e a prova por inspeção judicial, a denominada prova pré-constituída que, admitida em determinado processo, pode também ser proposta em outro processo. III - A possibilidade de invocação noutro processo judicial da prova produzida e obtida num processo judicial resultante de depoimentos e de perícias está sujeita, por determinação do legislador, à exigência da mesma ter sido produzida com audiência contraditória da parte à qual se pretendem opor ou contra a qual se querem fazer valer, audiência contraditória essa nos termos que se mostram disciplinados no art 415º do CPC e do qual resulta que salvo … disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas … (nº 1) e quanto … às provas constituendas, a parte será notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção da prova, e será admitida a intervir nesses atos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória … (nº 2). IV - Assim, no que à admissibilidade da prova pericial respeita, a parte contra a qual a prova pericial tenha sido requerida é previamente ouvida sobre a nomeação do perito – art 467º, nº 2 do CPC – e notificada depois da nomeação para arguir impedimentos e suspeições (art 471º, nº 1 do CPC). No entanto, nos termos do art 467º, nº 3 do CPC, as perícias médico-legais são obrigatoriamente realizadas por médicos do Instituto de Medicina Legal ou por peritos médicos por estes contratados ou por docentes ou investigadores do ensino superior (art 27º, nº 1 e nº 2 da Lei nº 45/2004, de 19.8). Também, a parte contrária ao requerente da perícia é ouvida sobre o seu objeto, que pode propor que seja restringido ou ampliado (art 476º, nº 1 do CPC). Ambas as partes podem pedir esclarecimentos aos peritos (art 485º, nº 2 do CPC). |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: S........., SA, interveniente na ação administrativa comum em que é autor J........., tendo sido notificada do despacho de 16.5.2019, que determinou a sustação da produção de meio de prova – perícia médico legal, e com o mesmo não se conformando, dele interpôs recurso jurisdicional. As alegações de recurso da recorrente terminam com as conclusões seguintes: I) «Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Meritíssimo Tribunal "a quo", datado de 16/05/2019, que considerou inútil a realização da perícia médico legal ao A. anteriormente designada nos autos, e determinou a sustação da produção de tal meio de prova, bem como a devolução pelo IML do processo físico ao tribunal. II) Salvo o devido respeito, a ora apelante não pode concordar com os fundamentos que sustentam a douta decisão proferida, considerando que a mesma é ilegal, por atentar contra o princípio do contraditório e da audiência contraditória, plasmado no disposto nos arts. 3º a 5º e 415º do Cód. Proc. Civil, aplicáveis ex vi art. 1º do CPTA. III) Fundam-se os presentes autos na responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente protagonizado pelo Autor na via pública, cuja responsabilidade o mesmo imputa ao Município R. IV) Entre o demais, e para o que releva na presente apelação, veio o Autor, aqui recorrido, alegar que como consequência direta e necessária do evento em causa resultaram, para si, lesões corporais e sequelas no âmbito de diversas especialidades clinicas, nomeadamente, de dermatologia, urologia, psiquiatria V) E pugnando pelo ressarcimento de tais danos mediante arbitramento de indemnização em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais. VI) Na contestação, a Interveniente, ora Apelante, requereu a realização de perícia médico-legal, na modalidade de avaliação corporal do dano, para apuramento e quantificação desses danos alegados pelo Autor/recorrido. VII) Tal diligência probatória foi deferida, pese embora não nos moldes colegiais como requerido pela aqui Seguradora Apelante, mas mediante perícia singular a realização pelo INML. VIII) Posteriormente, e tendo sido carreado aos autos o relatório de uma perícia médico-legal a que se submeteu o A/recorrido no âmbito do Processo nº 79/14 .8TVLSB, que correu termos pela 8ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa, e realizada em 2015, foi proferido o douto despacho aqui posto em crise, e que se passa a recordar: "Atentos a data e o objeto do exame pericial efetuado no processo nº 79/14 .8TVLSB, ação de processo comum, bem como a posição assumida pelo Autor no seu requerimento de 27 de fevereiro, mostra-se inútil o que mais não seria do que uma repetição de perícia médico-legal ao mesmo Autor. Como assim, determino a sustação da produção desse meio de prova e que se solicite ao IML a devolução do processo físico a este tribunal». IX) Não se conforma a Seguradora Apelante com tal entendimento e decisão pois o relatório da perícia médico-legal realizada no indicado Processo nº 79/14.8TVLSB não constitui prova pericial nos presentes autos. X) E, nessa medida, não é pelo mero efeito da junção aos autos de tal documento — porque, em sede de meio probatório é, efetivamente, de prova documental que se trata — que se torna inútil a realização da prova pericial devida e tempestivamente requerida e deferida no presente processo (e ainda que tenha um objeto similar à produzida no outro supra identificado processo cível): (…) Prova pericial é aquela que é realizada no processo, sendo requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficinal apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa ou por perito que as partes, por acordo, indiquem, podendo ser colegial. Os peritos prestam compromisso de honra e estão sujeitos ao regime e impedimentos e suspeições que vigora para os juízes. E uma prova sujeita a contraditório (art. 415º do CPC), podendo as partes formular quesitos, pedir esclarecimentos e estar presentes durante a recolha de indícios ou exame que não contenda com a reserva da intimidade das pessoas. Efetivamente o art. 415º do CPC (Princípio da audiência contraditória) estabelece: 1 — Salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas. 2- Quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória. À exceção da prova documental, todas as restantes provas são constituendas, isto é, são produzidas no processe e não fora dele. (...). (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31/05/2019, proferido no Processo nº 1822/17.9T8BRG.G1) XI) No caso sub judice o relatório da perícia médico-legal em causa foi elaborado noutro processo judicial, porventura a requerimento das partes nele intervenientes, e de entre as quais não figurou a aqui apelante. XII) Tal elemento probatório foi, assim, elaborado sem qualquer controlo possível ou contraditório da Apelante, que não teve qualquer hipótese de se pronunciar sobre a oportunidade da realização de tal exame pericial ou sobre a modalidade ou o objeto da perícia, não teve oportunidade de elaborar quesitos ou formular questões ou esclarecimentos junto dos peritos, ou sequer exercer o contraditório sobre eventuais questões que tenham sido colocadas pelas partes ali intervenientes. XIII) A admitir-se que tal relatório tenha o valor de prova pericial nos presentes autos, está-se a subverter por completo o princípio basilar do nosso ordenamento jurídico, concretamente, o princípio do contraditório e da audiência contraditória, consagrado no art. 415º, nº 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. XIV) Acresce que, no presente caso, nem sequer se pode chamar à colação o disposto no art 421º, nº 1 do Cód. Proc. Civil quanto ao valor extra processual da prova e como eventual suporte da decisão proferida. XV) Sendo certo que tal disposição admite que, verificados os pressupostos nela vertidos, a perícia produzida num processo possa ser invocada noutro processo contra a mesma parte. XVI) Não menos correto é afirmar-se que, para que tal valor extra processual da prova ocorra, é mister que: - as partes num processo e no outro sejam coincidentes - que tenha tido lugar a audiência contraditória da parte contra a qual se pretende invocar o elemento probatório em causa XVII) Não tendo a Seguradora Apelante sido parte no processo onde tal prova pericial foi produzida, não há lugar à aplicação deste preceito legal. XVIII) Assim, e tal como se referiu supra, o relatório pericial em apreço apenas pode figurar nos presentes autos com o valor de prova documental e, portanto, sujeito ao regime aplicável a esta prova, nomeadamente para efeitos de impugnação pelas contrapartes, confronto com os demais meios de prova e formação da convicção probatória do julgador. XIX) Jamais pode ter valor de prova pericial, por não estarem minimamente observados os requisitos legais aplicáveis à realização de uma perícia no âmbito de um processo judicial civil. XX) Não pode, consequentemente, constituir fundamento da não realização da prova pericial oportunamente requerida pela Seguradora Apelante, e sua apodada inutilidade, a mera existência de tal documento nos autos. XXI) Por efeito da decisão proferida, não pode ver a Seguradora Apelante ser-lhe cerceada a possibilidade da realização da prova pericial por si requerida, esta sim, sujeita à sua audiência contraditória, e em plena observância do disposto nos artigos 415º e 467º e segs do Cód. Proc. Civil. XXII) Sendo certo que a realização de tal diligência probatória — perícia - não é inusitada nem despicienda, atenta a matéria de facto controvertida nos autos e aquela que tal meio probatório tende a instruir (ou seja, os danos corporais invocados pelo Autor como consequência direta e necessária do evento danoso). XXIII) Face ao supra expendido, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, temos que o douto despacho recorrido viola, de forma flagrante, o disposto nos artigos 3º a 5º, 410º a 417º, todos do Cód. Proc. Civil. XXIV) Motivo pelo qual deverá ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da realização da prova pericial, por perícia médico legal para avaliação corporal do dano em direito civil». XXV) O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais».
As demais partes não contra-alegaram o recurso. Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do art 146º nº 1 do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. Cumpre decidir, dispensando vistos. As questões suscitadas pela recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em saber se o despacho recorrido [que determinou a sustação da produção de prova pericial, por o autor ter sido submetido a perícia médico-legal noutro processo] incorreu em erro de julgamento, por atentar contra o princípio do contraditório e da audiência contraditória, plasmado nos arts 3º a 5º e 415º do CPC, ex vi art 1º do CPTA. Fundamentação de facto: Da tramitação da ação, com relevo para decidir, resultam provados os factos seguintes: A) O autor J......... instaurou ação administrativa comum, na forma ordinária, contra Município de Rio Maior e contra «T…… – S……, SA», que corre termos sob o nº 984/11.3BELRA, no TAF de Leiria, na qual foram chamadas «Companhia de S........., SA» (atualmente: «S........., SA»), «A......... - P........., Lda», «E…… – D……, SA», «M…… – C……., Lda», «F……, SA», pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 2 159 881,28, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, em sede de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, na sequência de acidente ocorrido a 15.10.2007, com queda do autor em caixa de coletor não fechada convenientemente nem sinalizada no âmbito de empreitada de obras públicas – cfr cópia da ata de audiência prévia inserta na certidão deste apenso. B) Na contestação, a ora recorrente e chamada «S........., SA» requereu a realização de perícia médico-legal na modalidade de avaliação corporal do dano, para apuramento e quantificação de danos no autor – cfr contestação por consulta no sitaf. C) Na audiência prévia de 5.6.2017, o tribunal decidiu: nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 467.º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, e 3.º e 21.º, ambos da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, prefigura-se a necessidade em ordenar a realização de perícia por perito designado pelos serviços competentes do Instituto de Medicina Legal. Objeto da perícia: a perícia deverá versar sobre os 6º a 9º dos temas de prova enunciados (…) – cfr cópia da ata de audiência prévia inserta na certidão deste apenso. D) Os temas de prova objeto da perícia na ação têm o teor seguinte: 6º) Que danos sofreu o autor na sequência do referido acidente? 7º) Quais as repercussões do acidente referido no 5.º) tema de prova na vida quotidiana do autor? 8º) Como era o autor antes da queda referida no 5.º) tema de prova: a) na sua perspetiva e vida familiares? b) na saúde física? c) na sua autoestima? d) no domínio profissional? e) na sua vida gregária? f) na sua saúde emocional e psíquica? g) na sua via afetiva e sexual? 9º) Que repercussões teve queda referida no 5.º) tema de prova no autor: a) na sua perspetiva e vida familiares? b) na saúde física? c) na sua autoestima? d) no domínio profissional? e) na sua vida gregária? f) na sua saúde emocional e psíquica? g) na sua via afetiva e sexual? – cfr cópia da ata de audiência prévia inserta na certidão deste apenso. E) A 20.2.2019 o IML remeteu a este processo ofício com o teor seguinte: tendo sido constatado que o autor J......... foi já submetido neste G……-Oeste a exame pericial para avaliação do dano corporal no âmbito do Direito Civil, que correu termos na 8ª Vara Cível de Lisboa – havendo já transitado a 18.4.2016, somos em remeter anexas ao presente cópias extraídas do nosso processado a fim de, se tal for o entendimento desse tribunal, ponderar da manutenção da necessidade de novo exame pericial. Aguardamos, pois, a vossa pronúncia, após o que de imediato devolveremos os três volumes dos autos ou, se for o caso, agendaremos o novo exame – cfr ofício do IML inserto na certidão deste apenso. F) O relatório do IML anexo ao ofício tem data de 4.2.2015 – cfr ofício do IML inserto na certidão deste apenso. G) A 21.2.2019 a comunicação do IML foi notificada às partes – por consulta de fls 1257 a 1264 da ação no sitaf. H) A 27.2.2019 o autor pronunciou-se sobre o ofício do IML [nada tem a opor ou a requerer] e juntou à ação um atestado médico de incapacidade multiuso, datado de 6.12.2017, emitido pela presidente da Junta Médica do Ministério da Saúde, que lhe conferiu uma incapacidade permanente global definitiva de 67% – cfr por consulta de fls 1265 da ação no sitaf. I) A 7.3.2019 a ora recorrente informou manter o requerimento no sentido de ver realizada a perícia colegial em conformidade com a sua contestação do dia 14-03-2016 e reiterado no requerimento do dia 05-02-2018 - cfr por consulta de fls 1275 da ação no sitaf. J) Por despacho de 15.3.2019, o tribunal indeferiu o pedido de realização de perícia colegial - cfr por consulta de fls 1289 da ação no sitaf. K) A 2.4.2019 a recorrente requer a retificação do despacho de 15.3.2019, no sentido de ser admitida a perícia colegial requerida em sede de contestação, e, subsidiariamente, requer a realização de perícia singular para apreciação do dano corporal do autor, designadamente, por constar dos autos apenas documentação junta pelo autor e um relatório pericial do INML, datado de 2015, e, portanto, previsivelmente, desatualizado – cfr requerimento inserto na certidão deste apenso. L) A 16.5.2019 o tribunal proferiu o despacho recorrido, que tem o teor seguinte: Atentos a data e o objeto do Exame pericial efetuado no processo nº 79/14 .8TVLSB, ação de processo Comum, bem como a posição assumida pelo Autor no seu requerimento de 27 de fevereiro, mostra-se inútil o que mais não seria do que uma repetição de perícia médico-legal ao mesmo Autor. Como assim, determino a sustação da produção desse meio de prova e que se solicite ao IML a devolução do processo físico a este tribunal – cfr despacho recorrido inserto na certidão deste apenso. M) J......... instaurou ação de processo comum, que correu termos com o nº 79/14.8TVLSB, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 2, contra M......... - S........., no âmbito de seguro de acidentes pessoais – cfr por consulta de fls 1329 da ação no sitaf. N) Na ação nº /14 o tribunal determinou a realização de perícia no IML, tendo como objeto a matéria seguinte: 4) em consequência do acidente ocorrido em 15.7.2007, o autor sofreu traumatismo ventral da uretra peno/ bulbal com lesão da mucosa e pontos sangrantes e desvio dos maxilares esquerdo e direito que resultaram em desvio do septo nasal e na deslocação do osso do ouvido esquerdo, originando a sua obstrução; 5) em consequência do acidente, o autor veio a desenvolver um quadro de perturbação de stress pós-traumático e de depressão; 6) em consequência do acidente, o autor veio a sofrer de uma exacerbação grave da psoríase e artrite; 7) em consequência do acidente, o autor veio a padecer de disfunção erétil, com disfunção vascular pós-traumática, necessitando de aperto de substancias vasoativas para conseguir uma ereção suficiente à penetração, não sendo, ainda assim, total; 8) em consequência do acidente, o autor padece atualmente de uma incapacidade permanente global de 72%; 9) em consequência do acidente, a incapacidade permanente do autor poderá ainda sofrer variações/ agravamento – cfr ofício do IML inserto na certidão.
Dispõe o artigo 421º do CPC ex vi art 1º do CPTA o seguinte: 1 — Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova. 2 — O disposto no número anterior não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa à produção da prova que se pretende invocar.” No caso, cumpre efetivamente relembrar que, na sequência do acidente que sofreu em 15.10.2007, previamente à presente ação, que foi instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, o autor havia instaurado ação de processo comum, que correu termos com o nº 79/14.8TVLSB, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 2, contra M......... - S.......... No processo 79/14, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 2, determinou a realização de perícia-médico legal no IML, tendo por objeto os temas de prova nº 4 a 9 do despacho saneador (cfr facto provado na al N). O autor foi submetido a exame pericial para avaliação do dano corporal e o relatório pericial tem data de 4.2.2015. Nesta ação, nº 984/11, a chamada e recorrente requereu a realização de perícia médico-legal na modalidade de avaliação corporal do dano, para apuramento e quantificação de danos no autor, por causa do mesmo acidente. O tribunal admitiu a produção de prova pericial, em 5.6.2017, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 467.º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, e 3.º e 21.º, ambos da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto. No entanto, posteriormente, a 20.2.2019, o IML remeteu a este processo ofício com o teor seguinte: tendo sido constatado que o autor J......... foi já submetido neste G......... a exame pericial para avaliação do dano corporal no âmbito do Direito Civil, que correu termos na 8ª Vara Cível de Lisboa – havendo já transitado a 18.4.2016, somos em remeter anexas ao presente cópias extraídas do nosso processado a fim de, se tal for o entendimento desse tribunal, ponderar da manutenção da necessidade de novo exame pericial. Aguardamos, pois, a vossa pronúncia, após o que de imediato devolveremos os três volumes dos autos ou, se for o caso, agendaremos o novo exame. A 21.2.2019 o tribunal levou ao conhecimento das partes o teor da comunicação do IML. E, nesta sequência, a 27.2.2019 o autor pronunciou-se sobre o ofício do IML, com a indicação que nada tem a opor ou a requerer. O mesmo não sucedendo com a ora recorrente que, a 7.3.2019, informou manter o requerimento no sentido de ver realizada a perícia colegial em conformidade com a sua contestação do dia 14-03-2016 e reiterado no requerimento do dia 05-02-2018. Decidiu então o tribunal recorrido sustar a produção da prova pericial para avaliação do dano corporal do autor, por ser inútil uma repetição de perícia médico-legal ao mesmo Autor, considerando: i) a data e o objeto do exame pericial efetuado no processo cível nº 79/14 e a ii) a posição assumida pelo Autor no seu requerimento de 27.2.2019. Esta decisão mostra-se conforme com o disposto nos arts 3º, 415º e 421º do CPC. Porque o art 421º, nº 1 do CPC, ao contrário do entendimento da recorrente (vertido nas conclusões XV a XVII), não exige a identidade de partes no processo em que a prova é produzida e naquele em que é invocada. O art 421º, nº 1 do CPC exige sim que a parte contra quem a prova é invocada, isto é, a parte contrária àquela que haja requerido a prova pericial, tenha sido parte no primeiro processo e que nele tenha sido respeitado o princípio do contraditório, consignado no art 415º, nº 1 do CPC. O que sucedeu, o autor não requereu a produção de prova pericial na ação nº 79/14 nem na ação nº 98…/11. Na 1ª ação, nº 79/14, a prova foi determinada pelo tribunal. Na presente ação a prova foi requerida pela chamada e recorrente e admitida pelo tribunal. E em ambas as ações o autor foi ouvido sobre o objeto da perícia médico legal para avaliação do respetivo dano corporal em virtude do acidente que sofreu em 15.10.2017. A recorrente não foi parte na ação nº 79/14 e foi quem requereu a produção de prova pericial nesta ação nº 984/11, sobre os temas de prova que o tribunal fixou serem o 6º a 9º. O motivo pelo qual o despacho recorrido sustou a perícia médico-legal ordenada nesta ação, por despacho de 5.6.2017, prende-se com o facto do IML, após lhe ter sido requerida a nova perícia, ter noticiado ter já submetido o autor a exame pericial para avaliação do dano corporal no âmbito da ação nº 79/14. O tribunal recorrido muniu-se então dos elementos documentais da ação nº 79/14, concedeu o contraditório sobre a comunicação do IML e sobre as peças do processo nº 79/14 e, porque existe identidade da parte contra a qual a prova pericial é invocada – o autor – e sobre o objeto pericial da primitiva perícia (com relatório de 4.2.2015) e da nova perícia, concluiu pela inutilidade de uma repetição de perícia médico-legal ao mesmo autor. Acionando assim a extensão de efeitos da perícia médico legal, de avaliação do dano corporal (presencial) do autor, de 4.2.2015, a esta ação. O mesmo é dizer que o despacho recorrido, por estar observado o princípio da audiência contraditória da parte contrária ao requerente da realização da perícia nesta ação e no processo nº 79/14, ou seja, do autor, lançou mão do mecanismo do art 421º, nº 1 do CPC. E, assim, atribuiu eficácia extraprocessual ao exame pericial na pessoa do autor com data de 15.10.2014 e ao consequente relatório pericial de 4.2.2015, uma vez que o autor é nesta ação e no processo nº 79/14 a mesma parte contra quem a prova pericial é invocada. A recorrente não foi e nos termos da lei não tinha de ser ouvida na ação nº 79/14, pois não era parte naquela ação. A recorrente foi a requerente da nova perícia médico-legal ao autor, na modalidade de avaliação corporal do dano, para apuramento e quantificação dos danos alegados pelo autor e recorrido, indicou o objeto da perícia. Como em causa está uma perícia médico legal ao autor, a mesma foi realizada obrigatoriamente pelo Instituto de Medicina Legal e por um perito médico, nos termos do art 467º, nº 3 do CPC e art 21º, nº 1 da Lei nº 45/2004, de 19.8. O contraditório que o tribunal recorrido carecia de conceder à recorrente, nos termos e para efeitos do disposto no art 3º, nº 3 do CPC, foi cumprido (sobre a comunicação do IML e sobre as peças do processo nº 79/14). Note-se que a recorrente não questiona a identidade de objeto entre a perícia realizada em 2015 e a por si requerida, nem coloca em causa a identidade da parte contra a qual invoca a prova pericial, nem ter sido preterida a audiência contraditória do autor requerido, ou seja, os requisitos verificados no processo para ser atribuída eficácia extraprocessual à prova pericial ou «prova emprestada» da ação nº 79/14 à ação nº 984/11 (cfr A. Abrantes Geraldes e outros, em «Código Processual Civil, anotado, vol. I, pág. 496). A recorrente aponta a falta de identidade de partes no processo em que a prova pericial foi produzida e nesta ação e, por não ter sido interveniente naquele não pode ser ouvida sobre a admissibilidade da perícia, sobre a nomeação do perito, sobre o objeto da prova, ou seja, considera ter sido preterido o seu direito de audiência contraditória. Mas, como deixamos explicado, não lhe assiste razão, a interpretação da recorrente sobre o sentido do disposto nos arts 415º, nº 1 e 2, 421º, nº 1, 467º do CPC ex vi art 1º do CPTA não se nos afigura correta. O tribunal recorrido não desconsiderou a alegação feita pela chamada na sua contestação, nem ignorou a pretensão expressamente manifestada pela chamada e recorrente no sentido da produção de prova, mormente da prova pericial pretendida. Nem mesmo a extensão dos efeitos da prova pericial produzida na ação nº 79/14 a este processo a transfiguram em prova documental, como advoga a recorrente. Trata-se, na verdade, de trazer para a presente ação nº 984/11 os efeitos da prova pericial produzida na ação nº 79/14. O relatório pericial de 4.2.2015 é o resultado da perícia de avaliação do dano corporal no autor em virtude do acidente que sofreu em 15.10.2007 e é tratado nesta ação como prova pericial, de acordo com o art 421º, nº 1 do CPC. Este preceito dispõe sobre a eficácia extraprocessual da prova e não sobre a eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados. Razão pela qual a recorrente pode pedir, nesta ação nº 984/11, esclarecimentos sobre o relatório pericial do IML e pode pedir ainda para o perito ser ouvido em audiência de discussão (por teleconferência a partir do seu local de trabalho), nos termos dos arts 485º, nº 2 e 486º, nº 1 e nº 2 do CPC. Sendo assim efetivamente assegurada, nesta ação, a garantia de contraditório da ora recorrente quanto ao resultado da perícia médico-legal realizada no âmbito da ação nº 79/14, mas que produz efeitos também nesta. Mantem-se, pois, com a presente fundamentação, o despacho recorrido. Decisão |