Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2931/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:LEGITIMIDADE PROCEDIMENTAL
GESTÃO DE NEGÓCIOS
SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I. A gestão de negócios é expressamente admitida no âmbito tributário (art.º 17.º da LGT).

II. A gestão de negócios contém três linhas caraterizadoras:

a. A pessoa assume a direção de negócio alheio;

b. No interesse e por conta do respetivo dono;

c. Sem para tal estar autorizada.

III. A gestão de negócios pode traduzir-se na prática de atos jurídicos, conquanto os mesmos não sejam de natureza pessoal.

IV. O legislador previu a situação de gestão de negócio alheio supondo-se tratar-se de negócio próprio, no art.º 472.º do Código Civil, caso que em valem as regras da gestão se houver aprovação do dono do negócio.

V. A gestão de negócios pode ser representativa ou não representativa.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

O Ministério das Finanças (doravante Recorrente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 26.04.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, no qual foi julgada procedente a ação administrativa especial apresentada por I..., SA (doravante 1.ª Recorrida ou 1.ª A.) e J... Imobiliária, SGPS, SA (doravante 2.ª Recorrida ou 2.ª A.), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico, apresentado na sequência de indeferimento da reclamação graciosa, ambas as decisões com fundamento em ilegitimidade da 1.ª A. para apresentar a reclamação em causa.

Nas alegações apresentadas, o Recorrente concluiu nos seguintes termos:

A. A Entidade Recorrente não pode concordar com a Sentença a quo visada no presente Recurso, por considerar que a mesma padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art.º 615º n.1 d) do CPC, face ao preceituado no art. 95º n.1 e 3 do CPTA, ao não ter apreciado a legalidade do acto administrativo em crise, e na sua conformidade com o disposto no artigo 132º CPPT.

B. E, caso assim não se entenda, também a douta Sentença recorrida incorreu em erro de direito, por errada interpretação e aplicação do artigo 132º CPPT nomeadamente por errada análise dos pressupostos de admissão da reclamação graciosa nos termos deste artigo.

C. A Sentença recorrida elegeu como questões a decidir na presente pronúncia:

«(…)a de saber se a actuação da primeira Autora na reclamação graciosa referida em 4. dos factos provados se deve considerar como gestão de negócios em favor da segunda Autora, e a sê-lo, se a mesma será válida e eficaz no procedimento tributário; e se a primeira Autora tem, nos termos legais aplicáveis, legitimidade procedimental para apresentar por si a reclamação graciosa com o conteúdo da referida em 4. dos factos provados.»

D. A Entidade ora recorrente, porém, não pode concordar com o entendimento vertido na douta sentença como seguidamente se demonstrará – e com o devido respeito, que é muito – a mesma padece nulidade por omissão de pronuncia e de erro de julgamento em matéria de direito, não podendo, por isso, ser mantida.

E. A decisão de indeferimento de Recurso Hierárquico visada na douta Sentença recorrida considera, conforme ponto 13 dos factos provados e fls 140 a 148 do PA, que: “a recorrente na qualidade de substituto tributário e na hipótese de ter retido ISDA indevidamente, não tinha legitimidade para deduzir reclamação graciosa.”

F. E tal conclusão surge depois de analisado o conteúdo do disposto no artigo 132º do CPPT, verificada a correspondência com a situação factual do procedimento e a concordância com a anotação ao mesmo artigo retirada do Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado, ano de 2000, por Jorge Lopes de Sousa.

G. Ora, entende a Recorrente que a Sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia, por não ter analisado uma questão que elegeu como questão a decidir: a de saber “se a primeira Autora tem, nos termos legais aplicáveis, legitimidade procedimental para apresentar por si a reclamação graciosa com o conteúdo da referida em 4. dos factos provados”

H. Como se retira da análise de toda a decisão recorrida, a sua principal fundamentação foi determinar a existência de actuação sob o regime da gestão de negócios da Autora I... na reclamação Graciosa em favor da sociedade J....

I. Em parte alguma a decisão recorrida aferiu da correção do indeferimento do Recurso Hierárquico com base na legitimidade da Reclamante, nos termos do artigo 132º do CPPT, Razão pela qual se considera que incorreu em omissão de pronúncia, devendo por isso ser declarada nula.

J. Mas caso assim não seja entendido, sempre se considera que a douta Sentença incorreu em erro de direito ao reduzir a questão a decidir apenas à verificação ou não, do instituto da Gestão de Negócios, esvazia por completo o conteúdo da legislação específica e especial da legislação tributária aplicável aos autos, nomeadamente o artigo 132º do CPPT.

K. Acresce que a legislação tributária é especial e, estabelece pressupostos específicos para a reclamação graciosa neste caso particular, fazendo a distinção de quando a reclamação pode ser apresentada pelo substituto, quer pelo substituído, no caso da retenção da fonte.

L. Na verdade, os pressupostos para apresentar Reclamação Graciosa em caso de retenção na fonte não se encontravam preenchidos na reclamação apresentada pela I..., pois em conformidade com o disposto no artigo 132º do CPPT, em conjugação com a primeira parte do nº1 do artigo 70º do mesmo diploma legal, não tinha legitimidade para apresentar a reclamação sub judice.

M. Na verdade, a douta Sentença recorrida, sem nunca se referir ou aplicar o artigo 132º do CPPT conclui “considerar violadora de lei a decisão do recurso hierárquico impugnada nos presentes autos – de indeferimento do recurso hierárquico com fundamento na ilegitimidade procedimental da primeira Autora para apresentar a reclamação de 4. dos factos provados – e consequentemente anular a decisão de indeferimento do recurso hierárquico por erro quanto aos pressupostos de direito, pois a primeira Autora tem legitimidade procedimental para intentar a reclamação de 4. dos factos provados nos termos em que o fez, ao abrigo da gestão de negócios regulada pelos artigos 464º e seguintes do Código Civil, expressamente admitida pelo artigo 17º da LGT. (sublinhado de nossa responsabilidade).

N. Ou seja, entende o Mmo Juiz a quo que a legitimidade lhe advém do instituto de gestão de negócios que considerou ser admitido naquela situação, e ao não verificar os pressupostos da reclamação constantes do artigo 132º permitiu que a sociedade substituída pudesse contornar o facto de não ter, em tempo, exercido o seu direito e ter deixado precludir a possibilidade de reclamar da retenção na fonte que foi efectuada;

O. E isso mesmo se comprova por a Autora I... ter apresentado a reclamação nos termos do n.º3 do referido artigo e não ter mencionado que o fazia como gestora de negócios da Sociedade J..., pois só em sede de audiência prévia, alertadas para tal, na decisão provisória, vieram com a declaração apresentada, tentar colmatar o facto de a Sociedade (substituída) J..., não ter reclamado em tempo.

P. Aliás, a ser assim, estaria a permitir-se que os sujeitos passivos que deixassem precludir o seu direito a reclamar graciosamente o pudessem com este “método” contornassem os prazos estipulados na legislação em vigor.

Q. Pelo supra exposto, a Sentença recorrida deve ser considerada nula por omissão de pronúncia quanto à não decisão de uma questão a decidir dos presentes autos, quer também por não se ter pronunciado quanto à verificação dos pressupostos do artigo 132º do CPPT à data da apresentação da Reclamação Graciosa pela I...,

R. Ou, caso não se entenda existir omissão de pronúncia, também a mesma deve ser revogada por ter feito uma errada interpretação e aplicação desse artigo 132º do CPPT ao considerar que a I... tinha legitimidade para apresentar a Reclamação Graciosa nos termos daquele artigo.

S. Refira-se ainda, que a douta Sentença na argumentação que desenvolve no sentido de julgar válida e eficaz a utilização do Instituto Jurídico da Gestão de Negócios do Direito Civil, a fim de legitimar a apresentação de Reclamação Graciosa pela I... na situação dos autos até nos parece que, salvo o devido respeito, segue raciocínios um pouco contraditórios, conforme se verá.

T. Por um lado a fls 17 da douta Sentença a propósito do preenchimento dos requisitos da gestão de negócios e da repercussão dos efeitos da possível decisão de deferimento da reclamação graciosa, diz:

«Assim sendo, é de concluir que a primeira Autora ao intentar a reclamação de 4. dos factos provados assumiu a direcção de um negócio alheio, a apresentação de uma reclamação graciosa onde o contribuinte efectivo era a segunda Autora, e no interesse do titular do negócio gerido, pois a reclamação procedendo, os respectivos efeitos se repercutiriam na esfera da segunda Autora.» (Sublinhado e destaques nossos)

U. Mas a fls 21 da Sentença Recorrida, parece admitir-se quanto aos efeitos da procedência da Reclamação Graciosa que não se pode concluir que a primeira actuou em nome da segunda Autora, e que os efeitos emergentes da procedência da mesma não se poderiam repercutir na esfera jurídica da segunda autora.

V. Por outro lado, apesar de se dizer que a I... apresentou a Reclamação em nome próprio, como se fosse titular da Relação jurídica, a fls 19 da Douta Sentença tinha concluído que a I... não chama a si a legitimidade da segunda Autora.

W. Ora, não podemos olvidar que a I... no momento em que apresenta a Reclamação Graciosa fá-lo em nome próprio nos termos do artigo 132º n.º3 do CPPT e defende essa apresentação em nome próprio, inclusivamente na peça em que exerce o direito de audição prévia conforme ponto 7 dos factos provados e Fls 110 114 do PA junto aos autos.

X. Assim, salvo o devido respeito, não se compreende como é que a douta Sentença Recorrida pode considerar que a apresentação de uma Reclamação Graciosa em nome próprio pela I..., sem legitimidade para tal e sem chamar para si e em nome próprio uma legitimidade que seria só pertencente à segunda Autora, passa a ter legitimidade procedimental por efeito de uma declaração de um Sujeito Passivo (que não exerceu os seus direitos de reacção em tempo).

Y. Ou seja, contornando o disposto no artigo 132º do CPPT, determina a Sentença recorrida a anulação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, passando a entender-se que a I... “afinal” estava a assumir a direcção de negócio alheio passando assim a I... a ter legitimidade e a entender-se como se a Sociedade J... tivesse apresentado reclamação em tempo.

Z. Ao não ter decidido conforme a fundamentação que se expôs, a Sentença Recorrida deve ser anulada por erro de direito na interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, nomeadamente do artigo 132º do CPPT porque a I... nunca teve legitimidade para apresentar Reclamação Graciosa nos termos deste artigo, conforme foi bem decidido pela AT.

AA. Por tudo o supra exposto, deve a douta Sentença Recorrida ser declarada nula por omissão de pronúncia nos termos do art.º 615º n.1 d) do CPC, face ao preceituado no art. 95º n.1 e 3 do CPTA, ao não ter apreciado a legalidade do acto administrativo em crise, e na sua conformidade com o disposto no artigo 132º CPPT, ou caso assim não se entenda seve ser revogada por erro de direito na interpretação e aplicação nomeadamente do artigo 132º do CPPT.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser declarada nula por verificação do vicio de omissão de pronúncia, ou caso assim não se entenda, seja revogada a sentença por incorrer em erro de direito, com as legais consequências”.

As Recorridas apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:

“A. A AT não se conforma com a sentença do Tribunal a quo, em primeiro lugar, por considerar ter existido omissão de pronúncia quanto à questão de saber se a I... tinha legitimidade procedimental ativa para, em nome próprio, apresentar reclamação graciosa.

B. Não se verifica, no entanto, qualquer omissão de pronúncia, pois a questão da legitimidade procedimental própria da I... ficou precludida com a decisão da questão da admissibilidade e validade da gestão de negócios.

C. Adicionalmente, parece a Recorrente afirmar que a Sentença padece de erro na interpretação e aplicação do artigo 132.º do CPPT o qual, como a própria Recorrente afirma, não foi apreciado nem referido pelo Tribunal a quo, por se tratar de questão subsidiária em relação à questão da validade da gestão de negócios.

D. Se o que a Recorrente pretendia questionar era a validade da gestão de negócios – o que parece ser o caso – do acima exposto resultou evidenciado que a sua pretensão não pode proceder porquanto é inquestionável a validade e eficácia da gestão de negócios, nos doutos termos referidos na sentença recorrida.

E. Pelo exposto, não restam dúvidas quanto à total improcedência deste recurso.

F. Em caso de procedência do recurso – designadamente com base no alegado erro de direito invocado pela Recorrente –, deverá o objeto do presente recurso ser ampliado, por forma a abranger a questão da legitimidade procedimental própria da I... para apresentação da reclamação graciosa em causa.

G. Em qualquer caso, sempre decorrerá da apreciação de qualquer das questões acima enunciadas a necessária anulação do ato de indeferimento do recurso hierárquico em causa.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso”.

Foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), que, por decisão sumária de 19.02.202o, se declarou incompetente em razão da hierarquia, ordenando a sua remessa a este TCAS.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público neste TCAS foi notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia?

b) Há erro de julgamento, em virtude o Tribunal a quo reduzir a questão a decidir apenas à verificação ou não verificação da gestão de negócios?

c) Há erro de julgamento, em virtude de não se tratar de efetiva gestão de negócios?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A sociedade I...(primeira Autora) é uma sociedade anónima que se dedica à actividade de gestão de fundos de investimento e que em 22/03/2002 e 26/03/2003 tinha como accionistas a sociedade J... Participações II, SGPS, S.A. (segunda Autora) e a sociedade F..., S.A. – cfr. fls. 9 do processo administrativo junto aos presentes autos.

2. Em consequência dos resultados da sua actividade nos exercícios de 2001 e 2002, a primeira Autora deliberou proceder à distribuição de dividendos à sua accionista J... – cfr. docs. juntos a 14 a 18, 21 a 25 e 27 e 28 do processo administrativo junto aos presentes autos.

3. A primeira Autora apresentou declarações de retenção na fonte de imposto devido pelas distribuições de dividendos, modelo 42 de IRC e guias modelo ISA – cfr. fls. 20, 26 e 31 do processo administrativo.

4. Em 13/07/2004 a primeira Autora apresentou reclamação graciosa junto dos serviços da Autoridade Tributária onde suscitava a ilegalidade das liquidações cujo imposto havia retido nos termos de 3. – cfr. fls. 2 a 6 do processo administrativo junto aos presentes autos.

5. A reclamação referida em 4. foi alvo de informação com o seguinte conteúdo: “… 1. Nos termos do artigo 132º n.º 1 «A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao devido». 2. A situação prevista na norma é de erro material por parte do autor da retenção, substituto na relação tributária, quando este entrega ao Estado, imposto superior ao efectivamente retido ao contribuinte e não os casos de erro no enquadramento legal, como é o caso em que a retenção não era devida. 3. No caso em apreço, verifica-se que a I...… não tem legitimidade para reclamar, uma vez que não ocorreu qualquer erro na entrega de imposto superior ao retido, cabendo ao contribuinte «J...…» reagir contra a retenção caso a considerasse indevida. 4. A ilegitimidade do pedido obsta ao conhecimento do mérito…” – cfr. fls. 106 e 107 dos presentes autos.

6. A primeira Autora foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projecto de decisão de indeferimento com fundamento no constante de 5. – cfr. fls. 105, 108 e 109 do processo administrativo junto aos presentes autos.

7. A primeira Autora exerceu o direito de audição prévia referido em 6. – cfr. fls. 110 a 114 do processo administrativo junto aos presentes autos.

8. Com a pronúncia referida em 7. a primeira Autora juntou documento com o seguinte conteúdo: “…Declaração… J... Imobiliária, SGPS, S.A.,… para todos os devidos efeitos, declara reconhecer, expressamente, que o pedido de restituição do Imposto sobre Sucessões e Doações por Avença retido na fonte, relativamente aos dividendos distribuídos com referência aos exercícios de 2001 e 2002, no montante de € 44.460,00, dirigido ao Exmo. Senhor Director de Finanças de Lisboa soba a forma de reclamação graciosa apresentada em 13 de Julho de 2004, foi formulado pela I..., SGPS, S.A., no interesse e por conta deste, através do instituto da gestão de negócios, previsto e regulado pelos artigos 464º e seguintes do Código Civil. Pelo que vem a J... Imobiliária, SGPS, S.A. proceder à expressa ratificação do sentido e de todo o conteúdo da reclamação em causa, reconhecendo, também, que tal petição foi apresentada no interesse e por conta da J... Imobiliária, SGPS, S.A.. Com este reconhecimento, fica ratificado tudo o que foi processado sem expressos poderes de representação, com todos os efeitos legais, designadamente, com eficácia retroactiva, nos termo do n.º 2 do artigo 268º do Código Civil. Por ser verdade e para os efeitos referidos, é emitida esta declaração…” – cfr. doc. junto a fls. 115 do processo administrativo junto aos presentes autos.

9. Na sequência do exercício do direito de audição pela primeira Autora referido em 7. foi elaborada informação pelos serviços da Autoridade Tributária com o seguinte conteúdo: “…Cabe então analisar as alegações apresentadas pela Reclamante em sede de audição:… Relativamente à gestão de negócios… 4. Na situação em apreço, a petição foi apresentada pela I..., por si e em seu nome, não referindo em nenhum momento que agia por conta e em nome da J... Imobiliária, SGPS, SA, pelo que estamos perante um caso de gestão não representativa que segue o regime dos artigos 1180º e seguintes do Código Civil (mandato sem representação, que ocorre quando o mandatário age em nome próprio) e não do artigo 268º, como pretende a Reclamante. 5. Importa também referir que o n.º 1 do artigo 5º do CPPT determina que os interessados ou seus representantes legais podem conferir mandato, sob a forma prevista na lei, para a prática de actos de natureza procedimental ou processual tributária que não tenham carácter pessoal. Caso seja constituído mandato, segundo o n.º 2 do mesmo artigo «só pode ser exercido, nos termos da lei, por advogados estagiários e solicitadores quando se suscitem ou discutam questões de direito perante a administração tributária em quaisquer petições, reclamações ou recursos.» 6. Ao declarar que se encontra a agir m gestão de negócios, o gestor não pode pretender chamar para si e em nome próprio, a legitimidade conferida aos interessados, designadamente a legitimidade no procedimento tributário atribuída segundo o artigo 9º do CPPT. Por outro lado, uma vez autorizada, cessa a gestão de negócios e o gestor passa a agir como mandatário. Relativamente ao artigo 132º do CPPT. 1. O artigo 132º é uma norma especial que determina as regras de impugnação em caso de retenção na fonte. 2. Nos termos deste artigo, o substituto só poderá impugnar ou apresentar reclamação (por remissão do art.º 70º), no caso de entrega ao Estado de imposto superior ao que reteve. De resto só nesta situação é que será afectado na sua esfera jurídica. 3. O sujeito passivo eventualmente lesado pela retenção efectuada é o substituído e não o substituto, pelo que a Reclamante nunca poderá pedir para si a devolução de imposto que reteve na fonte e posteriormente entregou nos cofres do Estado. 4. Assim, na situação em apreço e nos termos do art.º 132º do CPPT, o substituído não tem legitimidade para reclamar. Pelo que sou de parecer que a presente reclamação deverá ser Indeferida…” – cfr. fls. 121 a 125 do processo administrativo junto aos presentes autos.

10. A reclamação graciosa referida em 4. foi indeferida por despacho de 04/08/2006, o qual aderi à fundamentação referida em 9. – cfr. fls. 120 do processo administrativo junto aos presentes autos.

11. A primeira Autora foi notificada da decisão de indeferimento referida em 10. via postal registada com aviso de recepção, tendo o aviso de recepção sido assinado em 23/085/2006 – cfr. fls. 126 e 127 do processo administrativo junto aos presentes autos.

12. Em 22/09/2006 a primeira e segunda Autoras apresentaram recurso hierárquico da decisão referida em 10. – cfr. fls. 3 a 14 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

13. Sobre o conteúdo do recurso hierárquico referido em 12. foi elaborada informação com o seguinte conteúdo: “…Vejamos a questão da legitimidade:… A questão a solucionar, prende-se em saber se o substituto tributário, em caso de reter indevidamente imposto ao substituído, poderá reclamara da liquidação de ISDA… Considera o artº 9º do CPPT… Igualmente refere o artº 65º da Lei Geral Tributária que… A recorrente é parte na relação jurídica tributária referente ao imposto sucessório por avença, na qualidade de substituto tributário, já que tem como imposição a entrega daquele imposto à taxa de 5%. É o artº 20º da LGT que nos dá a noção de substituição tributária:… Face a este artigo, o substituto apenas tem legitimidade para reclamar e posteriormente impugnar quando se verifique, face as retenções efectuadas, que entregou imposto superior ao retido, o que não foi o caso. Nas outras situações… apenas o substituído tem legitimidade no procedimento, pois é ele, quem efectivamente ficou prejudicado com a retenção indevida ou retenção superior à devida. A este propósito transcreve-se algumas das anotações efectuadas a este artigo e retiradas do Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado, ano de 2000, de Jorge Lopes de Sousa… Fica, assim, demonstrado que a recorrente na qualidade de substituto tributário e na hipótese de ter retido ISDA indevidamente, não tinha legitimidade para deduzir reclamação graciosa. Coloca-se, porém, a dúvida se a recorrente agiu como gestora de negócios da sociedade J..., nos termos do artº 17º da LGT. Sobre este assunto, já foi a recorrente devidamente esclarecida através da informação e despacho final que incidiram sobre este tema na reclamação graciosa. Quanto a este assunto não foram alegados novos factos que mereçam uma nova análise, além daquilo que já foi informado, no entanto, sempre se dirá que: A gestão de negócios prevista no artº 17º da LGT e disciplinada no artº 464º e ss. do C. Civil traduz-se pela intervenção de determinada pessoa na direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada. Face à leitura da reclamação graciosa verifica-se que a intenção da reclamante/recorrente é solicitar a restituição do ISDA. Quem sofreu o prejuízo patrimonial com as retenções de imposto foi a J... e nunca a recorrente. Não decorre da reclamação graciosa que a intervenção da recorrente tinha como intenção agir no interesse e por conta da sua accionista J..., não referindo sequer quais os meios que utilizaria de modo a que, o imposto de se pede a restituição, fosse entregue à sociedade J.... Falta, então, um dos requisitos para que haja gestão de negócios, a actuação do gestor no interesse e por conta do negócio alheio. Quanto à apresentação da ratificação pelo dominus (J...) dos actos jurídicos praticados pela recorrente, não pode surtir qualquer efeito, já que a I... não agiu em representação daquele. Assim e por manifesta ilegitimidade da recorrente, proponho a improcedência do presente recurso e em consequência a manutenção do acto recorrido…” – cfr. fls. 140 a 148 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

14. A primeira Autora foi notificada para exercer o direito de audiência prévia relativamente ao projecto de decisão de indeferimento consubstanciado na informação referido em 13. – cfr. fls. 140 e 139 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

15. Em 28/07/2010 foi elaborada informação pelos serviços da Autoridade Tributária com o seguinte conteúdo: “…4. Até esta data não foi exercido o direito de audição, não participando o recorrente na formação da decisão, como lhe era permitido. Nestes termos, será de manter a proposta de indeferimento apresentada nos autos. À consideração superior…” – cfr. fls. 139 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

16. O recurso hierárquico referido em 12. foi indeferido por despacho de 02/08/2010 – cfr. fls. 138 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

17. A primeira Autora foi notificada do indeferimento referido em 16. via postal registada e com aviso de recepção, tendo o aviso de recepção siso assinado em 20/09/2010 – cfr. fls. 150 e 151 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

18. A presente acção deu entrada em 21/12/2010”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo administrativo apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Considera, em primeiro lugar, a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia, dado não ter apreciado a legalidade do ato administrativo em crise e a sua conformidade com o disposto no art.º 132.º do CPPT.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 2, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Vejamos então.

Compulsada a petição inicial apresentada, verifica-se que as AA. suscitaram as seguintes questões:

a) A legitimidade da 1.ª A. decorria da circunstância de se estar perante uma gestão de negócios;

b) Subsidiariamente, a 1.ª A. tem legitimidade própria para reclamar em situações como a dos autos;

c) De fundo, a retenção na fonte em causa é ilegal.

Quanto à legalidade das retenções, o Tribunal a quo considerou não ser de apreciar tal fundamento, por não ser objeto apto ao presente meio processual, o que não foi posto em causa por nenhuma das partes.

No tocante à legitimidade da 1.ª A., por ter atuado como gestora de negócios, a mesma foi conhecida.

Finalmente, quanto à legitimidade própria da 1.ª A., a mesma não foi conhecida, dado que foi questão alegada subsidiariamente, tendo, pois, o seu conhecimento resultado prejudicado pela decisão proferida atinente à atuação como gestora de negócios.

Tal resulta cristalino da sentença proferida, onde se refere:

“Conferindo-se o conteúdo da petição apresentada pelas Autoras constata-se que as mesmas apresentam as suas causas de pedir em relação de subsidiariedade. (…)

Assim sendo, conclui-se que é primeiro intuito das Autoras que se julgue procedente a validade e eficácia da gestão de negócios que sustentam ter existido na apresentação da reclamação graciosa e no respectivo procedimento, com as respectivas consequências, e somente em caso de se decidir pela invalidade e/ou ineficácia da gestão de negócios, que se anule a decisão de indeferimento do recurso hierárquico com fundamento em que a primeira Autora possui legitimidade própria para por si ser parte no procedimento tributário em causa.

(…) Assim, sendo válida e eficaz a gestão de negócios conformadora dos presentes autos, sendo a gestão de negócios admitida no procedimento tributário, (…) não resta ao presente Tribunal outra solução se não a de considerar violadora de lei a decisão do recurso hierárquico impugnada nos presentes autos – de indeferimento do recurso hierárquico com fundamento na ilegitimidade procedimental da primeira Autora para apresentar a reclamação de 4. dos factos provados – e consequentemente anular a decisão de indeferimento do recurso hierárquico por erro quanto aos pressupostos de direito, pois a primeira Autora tem legitimidade procedimental para intentar a reclamação de 4. dos factos provados nos termos em que o fez, ao abrigo da gestão de negócios regulada pelos artigos 464º e seguintes do Código Civil, expressamente admitida pelo artigo 17º da LGT.

Da outra causa de pedir apresentada pelas Autoras não se irá conhecer pela procedência da pretensão das Autoras com fundamento na causa de pedir que supra analisamos e decidimos, pelas razões que já supra tínhamos afirmado”.

Como tal, não se verifica a nulidade invocada pela Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento, em virtude de o Tribunal a quo ter reduzido a apreciação à gestão de negócios

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na medida em que em lado algum se aferiu da (in)correção da decisão proferida em sede de recurso hierárquico, no sentido de a 1.ª A. não ter legitimidade para deduzir reclamação graciosa na qualidade de substituto tributário, tendo reduzido a apreciação à gestão de negócios.

A este propósito, como já referimos em III.A., o Tribunal a quo não conheceu desta questão, por ter considerado que a mesma estava prejudicada pela decisão dada aos autos, nos termos que já mencionámos. Não há qualquer erro de julgamento a este respeito. As AA. peticionaram duas questões a apreciar, em relação de subsidiariedade, sendo que a procedência da primeira inexoravelmente prejudica a apreciação da segunda (pois que se se reconhece a atuação da 1.ª A. enquanto gestora de negócios, não tem qualquer pertinência apreciar a sua legitimidade própria para apresentar a reclamação graciosa).

Carece, por isso, de relevância, por ora, apreciar tudo o alegado pela Recorrente sobre a (i)legitimidade da 1.ª A para apresentar reclamação graciosa, questão que apenas será conhecida se se verificar a necessidade de este Tribunal conhecer em substituição a questão cujo conhecimento o Tribunal a quo considerou prejudicado pela decisão dada aos autos (o que apenas ocorrerá se foi julgado procedente o recurso apresentado).

III.C. Do erro de julgamento quanto à verificação da gestão de negócios

Considera, por outro lado, a Recorrente que a 1.ª A apresentou a reclamação graciosa em nome próprio e não a título de gestora de negócios, padecendo, pois, de erro de julgamento a decisão sob apreciação.

Vejamos.

Nos termos do art.º 17.º da Lei Geral Tributária (LGT), sob a epígrafe gestão de negócios:

“1 - Os atos em matéria tributária que não sejam de natureza puramente pessoal podem ser praticados pelo gestor de negócios, produzindo efeitos em relação ao dono do negócio nos termos da lei civil.

2 - Enquanto a gestão de negócios não for ratificada, o gestor de negócios assume os direitos e deveres do sujeito passivo da relação tributária”.

Ressalva idêntica à contida no n.º 1 do art.º 17.º, no tocante à natureza dos atos abrangidos, surge-nos no art.º 5.º do CPPT, relativo ao mandato tributário (“[o]s interessados ou seus representantes legais podem conferir mandato, sob a forma prevista na lei, para a prática de atos de natureza procedimental ou processual tributária que não tenham carácter pessoal”).

Assim, a figura da gestão de negócios é expressamente admitida no âmbito tributário, desde que relativa a atos que não sejam de natureza puramente pessoal, sendo de apelar ao regime constante do Código Civil, como resulta do n.º 1 do art.º 17.º da LGT [cfr. José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 140; Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – comentada e anotada, 4.ª Ed., Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 181].

Analisando, pois, a disciplina subsidiariamente aplicável, desde já se refira que a gestão de negócios está prevista nos art.ºs 464.º e ss. do Código Civil.

Nos termos do mencionado art.º 464.º:

“Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta do respetivo dono, sem para tal estar autorizada”.

Portanto, daqui decorre que a gestão de negócios abarca 3 linhas caraterizadoras:

a) A pessoa assume a direção de negócio alheio;

b) No interesse e por conta do respetivo dono;

c) Sem para tal estar autorizada.

Começando pela primeira linha caraterizadora, e para uma noção de negócio alheio, apelamos aos ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1979, p. 390):

“Negócio alheio é assim, praticamente, sinónimo de assunto ou interesse alheio. Este interesse tanto pode ser um interesse patrimonial (a conservação ou a frutificação de coisas), como um interesse de outra ordem (a saúde, o bom nome, a própria vida de outrem). Indispensável é que se trate de actos susceptíveis de serem realizados por outrem -- excluídos, portanto, os de natureza pessoal, que só o próprio titular do interesse tem legitimidade para efectuar (perfilhação, testamento, etc .)”.

Nas palavras de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, 1979, p. 313), “a intervenção em negócio alheio tanto pode traduzir-se na prática de actos jurídicos (…), como apenas na prática de actos materiais”.

O legislador consagrou, ainda, a situação em que o gestor gere negócio alheio supondo que é negócio próprio no art.º 472.º do Código Civil, nos termos de cujo n.º 1 “[s]e alguém gerir negócio alheio, convencido de que ele lhe pertence, só é aplicável o disposto nesta secção se houver aprovação da gestão; em quaisquer outras circunstâncias, são aplicáveis à gestão as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo de outras que ao caso couberem”. Ou seja, valem as regras da gestão se houver aprovação do dono do negócio.

Assim, o gestor de negócios pode atuar ab initio assumindo o negócio em causa como sendo alheio ou assumindo-o, apesar de alheio, como sendo próprio.

Quanto à atuação no interesse e por conta do respetivo dono a mesma respeita à intenção e consciência de gerir negócio alheio.

Finalmente, quanto à falta de autorização, a mesma implica a inexistência de qualquer relação jurídica convencional ou legal que autorize a atuação.

É ainda de referir, a este propósito, que a gestão de negócios pode ser representativa ou não representativa.

No primeiro caso, o gestor age em nome do respetivo dono, sendo de apelar ao disposto no art.º 268.º do Código Civil, ex vi art.º 471.º, 1.ª parte, do mesmo código.

No segundo caso, o gestor age em nome próprio, aplicando-se, nas relações entre o gestor e o dono do negócio, as regras do mandato sem representação (cfr. art.º 471.º, 2.ª parte, do Código Civil). Estas últimas constam dos art.º 1180.º e ss. do Código Civil. Neste caso ainda, é de considerar, na relação com terceiros, o disposto no art.º 268.º do Código Civil. “A gestão de negócios, neste caso (celebração ele negócios jurídicos), dá lugar a duas categorias de efeitos: entre o gestor e o dono do negócio, por um lado, e entre este e o outro contraente, por outro. Os primeiros são regulados nesta secção; os segundos são regulados no artigo 268.º” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, cit., p. 397).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Considerou o Tribunal a quo que, com a apresentação da reclamação graciosa, a 1.ª A. está a dirigir um negócio alheio (na medida em que o contribuinte efetivo era a 2.ª A.), está a atuar no interesse da 2.ª A, por ser na esfera jurídica desta que uma eventual procedência da reclamação graciosa se reflete, e atuou sem autorização (caso contrário, como bem se refere, os presentes autos não existiam).

Considerou ainda que, não obstante a 1.ª A ter atuado, ab initio, assumindo negócio alheio como próprio, trata-se de situação subsumível ao disposto no art.º 472.º do Código Civil, dada a ratificação mencionada em 8) do probatório.

Vejamos, então, se este entendimento do Tribunal a quo é ou não correto.

Adiantemos, desde já, que concordamos com o mesmo.

Explicitemos.

Da análise da reclamação graciosa retiramos que:

a) A 1.ª A surge na posição de substituta tributária reclamante;

b) Formula um pedido de anulação oficiosa das liquidações de imposto e de restituição do imposto pago – nunca peticionando que o imposto lhe seja restituído a si;

c) Não dispunha de instrumento legal ou negocial que lhe conferisse poderes de representação da 2.ª A.

Refira-se, antes de mais, que, ao contrário do que refere a Recorrente, a circunstância de a 1.ª A. não ter indicado, na petição da reclamação graciosa, que atuava como gestora de negócios da 2.ª A. nada permite extrair em termos de aferição da (não) subsunção da situação em causa à gestão de negócios, porquanto, como referimos supra, a gestão de negócios pode ser representativa ou não representativa e são ainda de considerar as situações em que há gestão de negócio alheio supondo-se próprio.

Assim, o facto de a 1.ª A. ter apresentado a reclamação graciosa em nome próprio não afasta a possibilidade de serem reconhecidos efeitos à ratificação operada (considerando, desde logo, o disposto no já citado art.º 472.º do Código Civil, como melhor se verá infra).

Retornando à factualidade pertinente, verifica-se que é em sede de exercício do direito de audição prévia, e porque a AT afirmara que a 1.ª A. não detinha a legitimidade que esta julgava deter, que é referido, então, que atuou enquanto gestora de negócios da 2.ª A.

Com efeito, resulta que a 1.ª A. apresentou a reclamação considerando [e, acrescentamos a latere, bem – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.09.2009 (Processo: 0362/09) e de 06.02.2013 (Processo: 0839/11) e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.01.2020 (Processo: 663/02.2BTLRS)] que detinha legitimidade para o efeito, o que assume no exercício do seu direito de audição.

Para suprir a alegada ilegitimidade suscitada (e mal) pela AT, a 1.ª A. assume, então, que estaria a gerir negócio alheio julgando-o próprio e apresenta ratificação do praticado, o que sanaria a alegada ilegitimidade, procedimento que se revela admissível em situações como a dos autos.

O facto de apenas em sede de audição prévia ter sido apresentada a declaração de ratificação não afasta a aplicação do instituto da gestão de negócios, dado que estamos perante um procedimento em curso.

Mais, como referido, a 1.ª A. julgava estar a gerir negócio próprio e, face ao projeto de decisão, concluiu que, afinal, atento o entendimento da AT, estaria a gerir negócio alheio que julgava próprio, motivo pelo qual, tendo a dona do negócio aceitado a sua intervenção, foi apresentada a ratificação já referida.

Assim, todo este contexto factual e legal permite-nos concluir que bem andou o Tribunal a quo, ao considerar que a 1.ª A. atuou enquanto gestora de negócios da 2.ª A., o que implica que a AT devesse ter conhecido de mérito a reclamação graciosa apresentada.

Acrescente-se ainda que, ao contrário do que menciona a Recorrente, o raciocínio do Tribunal a quo não encerra qualquer contradição em termos de conclusão extraída. O que o Tribunal a quo considerou foi que, a final, se reuniam os requisitos constantes do art.º 472.º do Código Civil, na medida em que a 1.ª A., atuando no interesse da 2.ª A., o fez julgando-se, num primeiro momento, detentora de legitimidade para o efeito.

Ora, a aplicação do art.º 472.º do Código Civil não afasta a consideração das normas constantes dos artigos que o antecede. Esta disposição legal refere, expressamente, que as regras da gestão de negócios são-lhe extensíveis quando houver aprovação da gestão.

Logo, a análise dos pressupostos do art.º 464.º e do art.º 472.º pode e deve ser feita conjuntamente. É certo que na sentença, a p. 21, refere-se que não se pode concluir que a 1.ª A reclamou pretendendo que os efeitos da procedência se repercutissem na esfera jurídica da 2.ª A, afirmação com a qual não concordamos, pois que o próprio pedido formulado foi no sentido da restituição do imposto, sendo que esta restituição tem de inexoravelmente ser feita a quem o suportou, ou seja, à 2.ª A. Como tal, ainda que reconhecendo que esta afirmação do Tribunal a quo contém alguma imprecisão, esta não é de molde a pôr em causa o decidido.

Em suma, estamos, in casu, perante uma situação de gestão de negócios, nos termos já evidenciados, que implica que a AT devesse ter apreciado de fundo a reclamação graciosa apresentada.

Uma palavra final se impõe, quanto às afirmações de cariz subjetivo referidas pela Recorrente, designadamente na conclusão O), no sentido de que as mesmas não nos oferecem quaisquer considerações se não que não se trata de qualquer método de contornar prazos procedimentais, mas sim lançar mão de um expediente legalmente previsto.

Como tal, carece de razão a Recorrente, o que, por consequência, implica que não haja que conhecer qualquer questão que o Tribunal a quo não tenha conhecido, por a ter julgado prejudicada.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 14 de outubro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)
(Patrícia Manuel Pires)