Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:98/19.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO,
COIMA,
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Sumário:Se o pedido é adequado à forma processual de oposição à execução fiscal, mas as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas a essa forma escolhida pelo Oponente, então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido que conduz à improcedência da ação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

C...... & C......., LDA veio deduzir OPOSIÇÃO à execução fiscal n.º 310720……, por dívida relativa a coima e custos administrativos decorrentes do respectivo processo de contra-ordenação, no valor de 6.132,83€. O Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a oposição.

A C...... & C......., LDA veio recorrer contra a referida sentença, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«1) Vem o presente recurso interposto da Douta sentença proferida em 27/05/2019 de fls que determinou a improcedência da oposição apresentada.

2) Não podendo o recorrente concordar com tal sentença, nomeadamente com a declaração de improcedência da oposição apresentada e com a matéria de facto dado como provada e não provada, já que, a seu ver, ela enferma de vários vícios, no que toca à aplicação de facto e de direito.

3) Vem o recorrente impugnar a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, no que respeita à matéria de facto e de direito e à aplicação da lei processual, designadamente, quando faz errada aplicação do direito violando a lei substantiva e processual.

4) Quanto à matéria de facto: Ora conforme facilmente se poderá verificar face à matéria invocada na oposição à execução e provada pelos documentos juntos aos autos, a matéria de facto dada como provada é absolutamente insuficiente e não versa de todo sobre a questão invocada pela ora recorrente, pois todos os factos invocados na Petição inicial não foram em momento algum impugnados pela AT conforme resulta à saciedade da contestação apresentada por esta, dado que quanto a esses factos, a AT mais uma vez não se prenunciou.

5) Ademais não se pronunciou a Meritíssima juiz do Tribunal “a quo” sobre a matéria da oposição à execução referindo que tal matéria deveria ter sido discutida em sede de recurso de impugnação estando vedada a sua discussão em sede de oposição à execução.

6) Ora tal matéria não foi discutida em sede de recurso de impugnação pois que a coima em causa foi fixada em data anterior ao recebimento da acusação em matéria criminal pela Recorrente sendo falso que a coima foi fixada em Abril de 2018 não existindo qualquer documento, ou facto provado, que suporte tal afirmação. Até porque se a AT vier juntar aos autos o histórico do processo de contra-ordenação em causa verificar-se-á que a coima foi fixada em 18/06/2014 e não em Abril de 2018, portanto em data bastante anterior à notificação da Recorrente do recebimento da acusação em matéria criminal.

7) Assim, porque provado documental, nomeadamente pelos documentos juntos pela Recorrente com a oposição à execução, deveria resultar como matéria de facto provada, além das alíneas A), B) e C) da Douta sentença, também, como matéria de facto provada, as alíneas infra referidos:
D) O presente processo de execução tem origem, conforme resulta da própria citação (n.º Doc. de origem), no processo contra-ordenacional n.º 310720…….. (Cfr. Doc. n.º 1 junto com a oposição)
E) Tal processo de contraordenação (n.º 310720…….), por sua vez, foi instaurado em 2014, por efeitos da Recorrente não ter procedido ao pagamento do IVA respeitante ao período de Fevereiro de 2014. (Cfr. Doc. n.º 2 junto com a oposição)
F) Em 2015 foi instaurado contra a sociedade ora em causa, aqui Recorrente, e seus gerentes, o processo-crime n.º 231/15.9 IDLSB que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 2, por crime de abuso de confiança fiscal por falta de pagamento do IVA referente ao citado período de Fevereiro de 2014 (Cfr. Doc. n.º 3 junto com a oposição)
G) Em 22/12/2016 foi a aqui Recorrente e seus gerentes notificados da acusação (Cfr. Doc. n.º 3 junto com a oposição)
H) Em 23/02/2017 a Oponente e seus gerentes foram notificados do recebimento da acusação e da data para julgamento. (Cfr. Doc. n.º 4 junto com a oposição)
I) Actualmente, como igualmente a AT bem sabe, já foi proferida SENTENÇA NOS REFERIDOS AUTOS DE PROCESSO-CRIME e inclusivamente a mesma já transitou em julgado. (Cfr. Doc. n.º 5 e 6 junto com a oposição)

8) Pelo exposto, deverá, porque a sentença é completamente omissa quanta esta factualidade, apesar de esta ter sido devidamente invocada, ser aditado à matéria de facto provada as alíneas D) a I) supra referidas, já que as mesmas se encontram provadas quer por toda a prova documental junta aos autos quer por acordo das partes.

9) QUANTO À MATERIA DE DIREITO: Invoca em suma a Meritíssima juiz do Tribunal “ quo” que a matéria invocada na oposição à execução apresentada pela recorrente não se subsume a nenhuma das alíneas do artigo 204.º do C.P.T.T razão pela qual não pode ser apreciada e em consequência considera improcedente a oposição.

10) Ora tal entendimento é absolutamente contrário à lei conforme infra se demonstrará, pois conforme resulta da oposição à execução apresentada pela Recorrente esta invocou como fundamentos da oposição à execução (artigo 18.º da P.I.) as alíneas a), c) f), h) e i) do artigo 204.º do C.P.T.T.

11) Ora entende a recorrente que todos os fundamentos invocados pela recorrente se encontram preenchidos dado que, a Recorrente foi punida criminalmente pelo mesmo facto que pune a contra-ordenação, e assim sendo não está a AT autorizada à cobrança dessa coima sendo consequentemente falso o título executivo que subjaz a execução na medida que com a dedução da acusação em processo criminal a contra-ordenação devia de ter sido automaticamente extinta e se não o tivesse sido atempadamente por já ter sido fixada, ilegalmente é claro, levaria sempre à anulação da citada divida.

12) Ademais ainda que assim não se entendesse sempre se dirá, que os fundamentos invocados na oposição na execução, na medida em que está provado que o presente processo de execução viola princípios constitucionalmente consagrados, nomeadamente a proibição de dupla condenação criminal (e o processo contra-ordenacional é direito penal menor) pela prática dos mesmos factos, que os fundamentos invocados se enquadram plenamente na alínea i) do artigo 204.º, na medida em que esses fundamentos, estão provados apenas por documento, e não envolvem a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, até porque tal coima não é devida pela recorrente tão só porque foi proferida a acusação em processo criminal e esta foi recebida.

13) De facto refere o artigo 74.º do RGIT que: “1 - Se até à decisão se revelarem indícios de crime tributário, é de imediato instaurado o respectivo processo criminal. 2 - Se os indícios de crime tributário respeitarem ao facto objecto do processo de contra-ordenação, suspende-se o procedimento e o respectivo prazo de prescrição até decisão do processo-crime.” Acrescentando o artigo 61.º al. d) do RGIT que: “O procedimento por contra-ordenação extingue-se nos seguintes casos: d) Acusação recebida em procedimento criminal.

14) Ora estava a AT obrigada a seguir os procedimentos referidos nos citados artigos 74.º n.º 2 e 61.º alínea a) ambos do RGIT, pois é esta que faz a participação criminal ao MP. razão pela qual o que foi feito pela AT no âmbito do processo de contra-ordenação e agora com a instauração do processo de execução que lhe subjaz é feito pela a AT de plena consciência e sabedora que tal conduta é ilegal e consequentemente é feito de má-fé

15) É inadmissível que tenha de ser o Recorrente a gastar quantias avultadas em custas judiciais para a AT dar cumprimento ao que legalmente está estipulado e que venha em sede de oposição tentar forçar aquilo que bem sabe ser abusivo, ilegal, contrário a princípios constitucionais, à boa-fé e bons costumes, e um abuso de direito o que desde já se invoca. Foi a AT que participou criminalmente da Recorrente pelo que bem sabe a AT que esse processo deveria ter sido suspenso automaticamente até decisão do processo-crime o que não FEZ e que a sua prossecução foi/é ilegal. E que este deveria ter sido extinto com o recebimento da acusação sendo que a AT desde facto também é conhecedora.

16) A CONDUTA DA AT É MERCEDORA DE CENSURA E É VIOLADORA DOS PRINCÍPIOS ELEMENTARES DA BOA–FÉ E DOS BONS COSTUMES, DE PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS QUE SE IMPÕE A UM ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO E DEVERÁ SER SERIAMENTE PENALIZADA POR ISSO.

17) Sem prejuízo do supra referido sempre se dirá que mostra-se claramente provado que contra a ora Recorrente foi instaurado o processo de inquérito.º 231/15.9 IDLSB que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 2, por crime de abuso de confiança fiscal, tendo inclusivamente sido proferida SENTENÇA no âmbito do referido processo-crime. Tal inquérito teve como base informação e extracto do sistema informático do IVA da DGCI e destinou-se a investigar um crime de abuso de confiança fiscal que teve como objecto o IVA referente ao mês (entre outros) de Fevereiro de 2014 não entregue nos cofres do Estado.

18) Dispõe, por seu turno, o artigo 45.º do RGIT que: “Sendo arquivado o inquérito ou não deduzida a acusação, a decisão é comunicada à administração tributária ou da segurança social para efeitos de procedimento por contra-ordenação, se for caso disso.” o que significa, quando em sede de processo crime não for aplicada expressamente uma coima, o mesmo deve ser devolvido aos respectivos serviços para que seja apreciada a eventual aplicação de coima, o que não foi o caso dado que foi deduzida acusação, razão pela qual, deduzida que foi a acusação, parece resultar claro, por aplicação do supra referido dispositivo, que com a dedução da acusação criminal ficou a AT impedida de aplicar qualquer coima em processo de contra-ordenação. Entendimento este que é confirmado por uma simples análise ao artigo 61.º al. d) do RGIT que refere expressamente que “O procedimento por contra-ordenação extingue-se nos seguintes casos: d) Acusação recebida em procedimento criminal.

19) Com efeito, o que deles (Do acima citado artigo 45º e 61.º ambos do RGIT) se depreende é que deduzida a acusação, por se concluir que os factos em causa consubstanciam a prática de um crime, a AT não pode passar à aplicação de uma coima, através dum procedimento contra-ordenacional, dado já se ter verificado a prática de um crime, com base na mesma factualidade, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem” com assento no artigo 29.º, n.º 5 da CRP.

20) De facto o princípio “ne bis in idem”, com assento no artigo 29.º, n.º 5 da CRP, dispõe que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Ora este princípio é aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória. Trata-se de uma disposição que preenche o núcleo fundamental de um direito: o de que ninguém pode ser duplamente incriminado e punido pelos mesmos factos sob o império do mesmo ordenamento jurídico.

21) O princípio non bis in idem surge enquanto garantia dos cidadãos num processo penal garantístico, estando assegurada, desde logo, por instrumentos de direito internacional e pela Constituição.

22) Como é consabido, é o direito penal que define as condutas delituosas de acordo com o princípio da legalidade (artigo 1º do Código Penal). Nos estados de direito democrático, o direito penal caracteriza-se, designadamente, pelo princípio da intervenção mínima, enquanto as respetivas normas adjetivas primam pela garantia máxima dos direitos individuais fundamentais, defendendo, deste modo, os direitos humanos positivados nas Constituições e no direito internacional. Uma dessas garantias é consubstanciada pelo princípio non bis in idem.

23) Tais dicotomias, garantias e princípios têm expressão positivada na nossa Constituição no artigo 29.º da CRP. Este artigo proíbe, expressamente, que alguém possa ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime", o legislador constitucional consagrou, materialmente, uma verdadeira exceção dilatória – o caso julgado – conhecida sempre que tenha havido o impulso processual inicial para a abertura de um novo processo penal que tenha por objeto um crime que já tenha sido julgado por sentença transitada em julgado.

24) A verificação da existência de caso julgado implica a extinção do processo penal novo iniciado após a formação daquele, constituindo, assim, uma causa de extinção da ação penal indevida. No caso do primeiro processo ainda não ter sido concluído, com sentença transitada em julgado, verifica-se, no segundo processo, a exceção dilatória de litispendência [arts. 576º, 1 e 577º, i) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal], a qual tem a mesma consequência jurídica do caso julgado: a extinção da ação penal indevida (a última). As duas exceções encontram no plano processual penal a sua ratio legis e ainda, mais do que amparo, base constitucional, no princípio non bis in idem, expresso no preceito constitucional acima reproduzido.

25) Na vertente de direito substantivo, como o artigo 1º, al. a), do Código de Processo Penal define enquanto "crime" o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais, a solução do caso concreto exige um excurso pelo direito substantivo, de modo a densificar a noção de "mesmo crime" relevante para a interpretação da proibição do "non bis in idem" estatuída no artigo 29º n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

26) Ora no caso em concreto pelas razões por demasiadas obvias não há um novo (f)acto praticado pelo agente do crime, pois o facto em causa é a falta do pagamento do IVA referente ao mês de fevereiro de 2014, por conseguinte, o crime – na definição do artigo 1º, al. a) do Código de Processo Penal – é o mesmo nos dois processos.

27) Sendo o mesmo “crime” a condenação da Recorrente pelo mesmo facto, violou a garantia constitucional prevista no artigo 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, além de normas de direito internacional diretamente aplicáveis no nosso país que, em caso de violação, é susceptível de originar uma ação de incumprimento e de indemnização contra o Estado português, o que se fará mantendo-se esta decisão.

28) Tendo com conta o exposto, conclui-se que o respeito pelo princípio non bis in idem é assegurado, em Portugal, pelos artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, que impede uma segunda condenação pelo mesmo crime, isto é a condenação do pagamento da coima subjacente ao presente processo de execução fiscal.

29) Ora o presente processo de execução, que não existe por si só (tem algo subjacente) onde foi deduzida a oposição à execução, porque tem como título executivo a decisão de aplicação de uma coima por factos que já haviam sido julgados no âmbito do processo-crime supra identificado, nada mais é que a cobrança coerciva dessa coima que foi ilicitamente aplicada por violação das disposições supra citadas, nomeadamente, e em especial, artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 29.º n.º 5 da CRP.

30) Ao decidir como decidiu violou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” a disposição prevista no artigo 29.º n.º 5 da CRP e o artigo 1.º do C.P. que proíbe o duplo julgamento/condenação pela prática dos mesmos factos e os artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

31) Ora nas decisões dos tribunais deve ser tida em conta, não só a alegação factual explícita, como também a implícita. Com ressalva das de conhecimento oficioso, os recursos não visam o conhecimento de questões novas, no entanto, fácil é de entender a violação do princípio “ne bis in idem”, foi invocada ainda que de forma não directa e constitui, como é do conhecimento geral, porque viola princípios constitucionalmente consagrados, uma questão de conhecimento oficioso, pelo que se impunha o seu conhecimento pelo Tribunal “ a quo”, pelo que ao não o ter feito violou o tribunal “ a quo” o disposto no artigo 29.º n.º 5 da CRP.

32) Ademais, e sem prejuízo de se entender que esta questão pela violação de princípios constitucionais que acarreta é de conhecimento oficioso, ainda assim face aos factos invocados poderia e deveria ter sido analisada pelo tribunal “a quo” ao abrigo da alínea i) dos citados artigo 204.º do C.P.P.T. pois que o que aqui está em causa, salvo melhor entendimento, está muito para além da apreciação da legalidade da liquidação e com ela nem interfere, pois bule, isto sim, com princípios constitucionais, com boa-fé, honestidade e acima de tudo JUSTIÇA, que o caso em concreto com a sentença proferida certamente não foi feita.

33) Razão pela qual, ao decidir como decidiu violou a Meritíssima juiz “a quo” os artigos 204.º, alíneas a), c) f), h) e i) do C.P.T.T., 45.º, 61.º, e 74.º todos do RGIT e em especial o artigo 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, artigo 1.º do código Penal e artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

34) Mais é igualmente nula a sentença uma vez que a juiz do Tribunal “ a quo” ao decidir como decidiu violou o disposto nos arts. 615.º, nº 1, al. b), c) e d) todos do C. P. Civil., nulidade esta que desse já se invoca e se espera que venha a ser declarada.

35) Razão pela qual, e por todos os fundamentos supra referidos, deverá a sentença ora recorrida ser substituída por outra que considere totalmente procedente por provada a oposição apresentada e consequentemente extinga a execução onde foi deduzida a referida oposição.

Termos em que deverá, com o douto suprimento de V. Ex.ª ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente a sentença ora recorrida substituindo-a por outra que considere totalmente procedente por provada a oposição à execução apresentada pelo Recorrente e consequentemente extinga a execução. Assim farão V. Ex.ª como sempre e mais uma vez JUSTIÇA!»
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A recorrida, devidamente notificada para o efeito não contra-alegou.
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Aferir da violação do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea b), c) e d) do CPC;

_ Aferiri do erro de julgamento de facto, por a matéria de facto dada como provada ser insuficiente, considerando que se requer o aditamento à matéria de facto os pontos enunciados no n.º 7 das conclusões de recurso (cf. conclusões 1. a 8.);

_ Aferir do erro de julgamento de direito, porquanto entende a Recorrente que invocou enquanto fundamentos de oposição as alíneas a), c), f), h) e i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, e como tal, entende que se encontram preenchidos esses fundamentos (cf. conclusões 10. a 35.), e ainda que assim não se entendesse, invoca ainda que o processo de execução fiscal viola o princípio constitucional da proibição da dupla condenação criminal (art. 29.º, n.º 5, da CRP), de conhecimento oficioso, considerando o que dispõe o art. 74.º, n.º 2, e art. 61.º, alínea a), e d), art. 45.º, todos do RGIT, violando-se os princípios da boa-fé e dos bons constumes, e o princípio do Estado de Direito Democrático, bem como o art. 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e os artigos 14.7 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, bem como o art. 4.º do protocolo n.º 7 da Convenção para a protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) Em 11.05.2018, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, contra a ora Oponente, o processo de execução fiscal n.º 310720….., para cobrança de dívida relativa coima e custos administrativos decorrentes do respectivo processo de contra-ordenação, no valor de 6.132,83 EUR, com data limite de pagamento voluntário fixada em 26.04.2018 (cfr. documentos de fls. 1 a 4 do processo de execução apenso);

B) Em 20.05.2018, foi a ora Oponente citada para a execução identificada em A) supra (cfr. documentos de fls. 4 e 5 do processo de execução apenso);

C) Em 12.06.2014, foi apresentada a presente oposição (cfr. fls. 60 dos autos).
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FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
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Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo de execução apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

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Conforme resulta dos autos, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou a oposição improcedente por entender, em síntese, que pese embora o pedido formulado na p.i. seja o adequado à oposição à execução fiscal, já as causas de pedir, não consubstanciam qualquer um dos fundamentos previstos nas diversas alíneas do n.º 1, do art.º 204.º do CPPT.

Com efeito, é a seguinte a fundamentação da sentença recorrida:

Analisada a petição inicial, verifica-se que a Oponente vem reagir contra a execução fiscal n.º 310720……, que lhe foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, por dívida relativa a coima e custos administrativos decorrentes do respectivo processo de contra-ordenação.
Peticiona, a final, a extinção do processo de execução, alegando, em síntese, a ilegalidade da dívida em execução porquanto, por efeito da instauração de procedimento criminal contra a ora Oponente, pelos factos que deram origem à instauração do processo de contra-ordenação em causa, o processo de contra- ordenação deveria ter sido suspenso, nos termos do artigo 74.º, n.º 2, do RGIT. Sendo que o processo de contra-ordenação deveria, posteriormente, ter sido extinto face ao recebimento de acusação no processo criminal.
Coloca-se, então, desde já, a questão de saber se o alegado pela Oponente pode constituir fundamento de oposição à execução.
O artigo 204.º, n.º 1, do CPPT, sob a epígrafe “Fundamentos da oposição à execução”, estabelece que:
“1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prescrição da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de colecta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
(…)”.
Ora, atentando nos diversos fundamentos taxativamente enumerados nas várias alíneas do supra reproduzido artigo 204.º, n.º 1, do CPPT, logo verificamos que a alegação da Oponente não tem ali correspondência.
Com efeito, analisada a petição inicial, constata-se que toda a matéria invocada como fundamento da presente oposição reconduz-se à discussão da legalidade concreta da dívida em cobrança na execução fiscal por referência à qual a oposição foi deduzida (e não da sua inexigibilidade).
Efectivamente, o invocado pela Oponente, alegando a ilegalidade/ irregularidade do procedimento contra-ordenacional – por o mesmo dever ter sido suspenso e, posteriormente, extinto −, colocando, assim, em causa a própria legalidade da decisão de aplicação da coima proferida no referido procedimento contra- ordenacional, envolve a apreciação da ilegalidade em concreto da coima em execução, alegação que não consubstancia qualquer um dos fundamentos taxativamente enumerados no artigo 204.º, n.º 1, do CPPT, como fundamentos de oposição.
É certo que a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, permite que a oposição tenha por fundamento a ilegalidade concreta da liquidação da dívida exequenda sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra a liquidação que consubstancia dívida exequenda.
Contudo, tal não é o que se verifica no caso dos autos. As decisões de aplicação de coimas em processo de contra-ordenação são judicialmente impugnáveis, no prazo de 20 dias, nos termos do disposto no artigo 80.º do RGIT. É, assim, através do recurso de contra-ordenação ai previsto que a ora Oponente deve discutir a legalidade concreta das decisões de aplicação de coima sindicadas nos autos, e não no âmbito da presente oposição.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2013, proferido no processo n.º 01276/12, “a dívida exequenda reporta-se (…) às (…) coimas em que a oponente veio a ser condenada nos respectivos processos de contra-ordenação. Ora, como salienta o MP, a exigibilidade destas quantias, rectius, os fundamentos da condenação no processo de contra-ordenação fiscal, só poderiam ser discutidos no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação, podendo a recorrente interpor recurso judicial da decisão de aplicação de coima (arts. 80º do RGIT e 59º do RGCO), e nunca em sede de oposição à execução fiscal (cfr., entre outros, os acs. desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 1/10/2008, rec. nº 408/08 e de 25/11/2009, rec. nº 0812/09)”.
Em sede de oposição ao processo executivo (e fora da situação prevista na aludida alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT), apenas se pode discutir a ilegalidade em abstracto da dívida exequenda, nos termos da alínea a) do n.º l do artigo 204.° do CPPT. Contudo, o alegado pela Oponente não consubstancia a invocação de tal ilegalidade, dado que não coloca em causa a existência de um tributo, a sua não previsão nas leis em vigor à data dos factos, antes sustenta a ilegalidade concreta da decisão de aplicação da coima.
Por outro lado, contrariamente ao que é afirmado pela Oponente, a alegação da mesma não se reconduz aos fundamentos previstos nas alíneas f), G) e i), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Com efeito, em nenhum momento foi alegado o pagamento ou anulação da dívida exequenda, nem mesmo a duplicação de colecta (que, de resto, está prevista para a liquidação de tributos).
Sendo que também não foi invocado fundamento previsto na invocada alínea i), dado que, como consta da sua previsão, estes fundamentos não podem envolver a “apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda”. Ora, como supra foi referido, o alegado pela Oponente consubstancia precisamente a invocação de tal ilegalidade.
Atento todo o exposto, dado que o alegado pela Oponente não consubstancia qualquer um dos fundamentos taxativamente enumerados nas várias alíneas do artigo 204.º, n.º 1, do CPPT, impõe-se concluir pela improcedência da presente oposição.
Refira-se que, in casu, não é possível a convolação dos presentes autos em processo de contra-ordenação.
Desde logo, porque, como já foi afirmado em sede de saneamento, o pedido formulado pela Oponente na petição inicial é um pedido próprio do processo de oposição, pretendendo-se efectivamente a extinção do processo de execução, inexistindo, nesta perspectiva, erro na forma do processo.
Acresce que, estando em causa decisão de aplicação de coima já consolidada, como caso decidido, em Abril de 2018 − cfr. A) do probatório [o prazo de recurso coincide com o prazo de pagamento voluntário (cfr. artigo 79.º, n.º 2, do RGIT)]−, tendo a presente oposição sido apresentada em 12.06.2014, sempre seria intempestiva a petição de oposição como petição de recurso de contra-ordenação, perante o prazo de 20 dias previsto no artigo 80.º do RGIT, o que, só por si, inviabiliza a convolação, face à proibição da prática de actos inúteis (cfr. artigo 130.º do CPC), porquanto, na hipótese de se ordenar o prosseguimento dos autos como processo de recurso de contra-ordenação, impor-se-ia, desde logo, a sua rejeição por intempestividade do recurso (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 26.06.2013, processo n.º 0670/13).”

A Recorrente não se conforma com o decidido “uma vez que a juiz do Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu” violou o disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea b), c) e d) do CPC, sendo por essa razão, nula a sentença.

Ou seja, a Recorrente, pese embora não concretize as suas alegações, invoca, a nulidade da sentença com fundamento no art. 615.º do CPC, quer por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b.), quer por os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (alínea c.), quer ainda por o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d.).

Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que em matéria de nulidades, o preceito legal aplicável no âmbito do processo judicial de oposição à execução é o art. 125.º do CPPT, e não o 615.º do CPC, pese embora ambos os normativos consagrem regime jurídico semelhante.

Deste modo, estabelece o art. 125.º do CPPT o seguinte:

“1- Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
2 - A falta da assinatura do juiz pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento dos interessados, enquanto for possível obtê-la, devendo o juiz declarar a data em que assina.”

Em segundo lugar, e como já referimos, a Recorrente não concretiza as nulidades da sentença invocadas, limitando-se a arguir que não se conforma com o decidido “uma vez que a juiz do Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu” violou o disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea b), c) e d) do CPC, sendo por essa razão, nula a sentença.

De todo o modo, apreciando genericamente a sentença, sempre se dirá que, da decisão do Meritíssimo Juiz não se vislumbra a mínima violação das regras processuais que foram invocadas pela Recorrente que pudessem conduzir à nulidade da sentença.

Efetivamente, não se verifica o vício de forma de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, porquanto o Meritíssimo Juiz motivou e fundamentou de facto e de direito a sua decisão, deu como provado e não provado os factos relevantes para a tomada de decisão, com a respetiva indicação dos documentos que os suportam, bem como indicou as normas aplicáveis e que sustentam a decisão v. acórdão do STA de 24/01/2018, proc. n.º 01411/16: “A nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão só se verifica quando ocorre falta absoluta de fundamentação, a qual se distingue da motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que só aquela é considerada pela lei como nulidade, enquanto esta apenas pode afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso.”

Por outro lado, também não se verifica a invocada oposição dos fundamentos com a decisão, pois resulta claro e cristalino que se entendeu que não se verificam os fundamentos previstos no art. 204.º, n.º 1 do CPPT, preceito legal taxativo, e por essa razão julgou-se improcedente a Oposição, e portanto, não se vislumbra qualquer oposição de fundamentos com a decisão que estão em plena consonância lógica – v. acórdão do STA de 29/04/2015, proc. n.º 0248/15: “A nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão apenas se verifica quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adoptada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente.

Finalmente, não se verifica omissão de pronúncia, na medida em que, também resulta evidente que o Meritíssimo Juiz emitiu pronúncia a respeito de dos concretos fundamentos invocados pela Recorrente, essa pronúncia foi no sentido de que todos os fundamentos invocados não constituem fundamentos de oposição à execução fiscal, e nessa medida, o mérito dos mesmos não poderia ser conhecido. Não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando por aplicação de normas processuais não se conhece do mérito das questões suscitadas – v. Acórdão do STA de 19/09/2012, processo n.º 0862/12 “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio”
Pelo exposto, não se verificam as nulidades da sentença arguidas.

Prosseguindo.

Invoca ainda a Recorrente erro de julgamento de facto, por a matéria de facto dada como provada ser insuficiente, e deste modo pretende que se adite à matéria de facto os pontos enunciados no n.º 7 das conclusões de recurso (cf. conclusões 1. a 8.).

Porém, sem razão, porquanto os factos que pretende ver dados como provados contendem com o mérito das questões que suscitou na sua petição de Oposição, que não foi conhecido pelo Juiz a quo com base no seu entendimento jurídico alicerçado no art. 204.º, n.º 1 do CPPT, que aliás, constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, pelo que nem se poderia argumentar constitui matéria de facto que deva ser selecionada segundo as várias soluções plausíveis em direito. Ou seja, não relevavam para a tomada de decisão, como veremos mais adiante, também não relevam para a decisão que se tomará nesta sede de recurso, seguindo-se jurisprudência nesta matéria. Por conseguinte, não se vislumbra relevância na alteração da matéria de facto, que redundaria na prática de acto inútil, proibido por lei (art. 130.º CPC), pelo que se indefere a sua alteração.

Sem prejuízo do supra exposto, adita-se oficiosamente à matéria de facto a alínea D), por se entender que releva para a decisão do presente recurso o facto de a Recorrente se encontrar regularmente notificada da decisão de aplicação da coima em momento anterior à instauração do processo de execução fiscal:

D) Em 19/03/2018, por carta registada n.º RH 051499….PT, foi remetido à Recorrente o ofício de 15/03/2018 que a notifica, para além do mais, nos termos do n.º 2, do art. 79.º do RGIT, para efetuar o pagamento voluntário da coima fixada em 6.056,33€, e custas no valor de 76,50€, no prazo de 20 dias, bem como para querendo, recorrer dessa decisão nos termos do art. 80.º do RGIT (cf. ofício de notificação junto aos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, bem como o talão de correio registado).

A convicção deste Tribunal para fixar este facto como provado fundou-se nos documentos juntos aos autos que não são contrariados por quaisquer outros, nomeadamente a cópia do ofício remetido para a Recorrente por carta registada, bem como da respetiva cópia do talão de correio registado.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, o invocado erro de julgamento de direito.

Invoca a Recorrente, em sede de erro de julgamento de direito, porquanto entende que invocou enquanto fundamentos de oposição as alíneas a), c), f), h) e i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, encontrando-se todos preenchidos (cf. conclusões 10. a 35). Com efeito, em síntese, invoca que foi punida criminalmente pelo mesmo facto que pune a contraordenação, e ainda que assim não se entendesse o processo de execução fiscal viola o princípio constitucional da proibição da dupla condenação criminal (art. 29.º, n.º 5, da CRP), de conhecimento oficioso, considerando o que dispõe o art. 74.º, n.º 2, e art. 61.º, alínea a), e d), art. 45.º, todos do RGIT, violando-se os princípios da boa-fé e dos bons costumes, e o princípio do Estado de Direito Democrático, bem como o art. 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e os artigos 14.7 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, bem como o art. 4.º do protocolo n.º 7 da Convenção para a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais.

Apreciando.

A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a ação. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc. n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011, de 28/05/2014, proc. 01086/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, de 05/11/2014, proc. n.º 01015/14).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem admitido de forma reiterada que o pedido formulado na petição possa ser interpretado (vide, entre muitos outros, Ac. do STA de 16/04/2008, proc. n.º 051/08, de 4/02/2009, proc. n.º 0925/08, de 11/02/2009, proc. n.º 924/08, de 7/07/2010, proc. n.º 0366/10, e de 26/09/2012).

Diversamente, se as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pelo A., então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido, e não da propriedade do meio processual, pelo que não há erro na forma do processo, mas improcedência da ação (nesse sentido, Ac. 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, Ac. do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13).

In casu, como muito bem se decidiu em 1.º instância, não se verifica erro na forma do processo, porque o pedido formulado na p.i. é o adequado à forma processual oposição à execução fiscal. Assim sendo, nem sequer há que equacionar a hipótese de convolação (e a tempestividade da ação) porque a oposição é a forma adequada face ao pedido.

Contudo, o mesmo já não se verifica com as causas de pedir formuladas na p.i., pois nenhuma delas poderão ser conhecidas em sede de oposição, o que conduz à improcedência da ação.

Efetivamente, perscrutada a p.i. de oposição à execução fiscal verifica-se que a Oponente, ora Recorrente invocou enquanto fundamentos de oposição o disposto nas alíneas a), c), f), h) e i), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.

Contudo, a única causa de pedir que consta do articulado consiste na invocação da ilegalidade da aplicação da coima. Mais detalhadamente, entende que, tendo sido em 2015 instaurado um procedimento criminal, o procedimento contraordenacional deveria ter ficado suspenso (o que admite que sucedeu), e posteriormente arquivado nos termos do art. 61.º, alínea d) do RGIT (o que não foi respeitado), porque a acusação foi recebida em procedimento criminal. É neste “não arquivamento do procedimento contraordenacional” nos termos daquele normativo que assenta o seu entendimento de que se verifica a ilegalidade da aplicação da coima, e consequentemente, entende que o processo execução fiscal, não deveria ter sido instaurado.

Portanto, não obstante a invocação de várias alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, a verdade é que, tal como detalhadamente analisou a sentença de 1.ª instância, a concreta causa de pedir evidenciada na p.i. não é subsumível a qualquer delas.

Com efeito, o que se pretende realmente é discutir a legalidade concreta da decisão que aplicou a coima, invocando-se fundamentos que colocam em causa a sua validade. Contudo, considerando que a lei prevê no art. 80.º do RGIT o meio processual próprio para que essa pretensão fosse sindicada junto dos tribunais, e efetivamente a Recorrente foi devidamente notificada para esse efeito, não poderá fazê-lo em sede de oposição à execução fiscal ao abrigo da alínea h), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT (v. acórdão do STA, de 18.06.2013, proferido no processo n.º 01276/12, citado na sentença recorrida, e jurisprudência nele referida).

Vem agora em sede de recurso a Recorrente invocar várias inconstitucionalidades, bem como a violação de diversos instrumentos de direitos fundamentais internacionais, porque de conhecimento oficioso. Contudo, sem razão, pois não se verifica qualquer violação dos normativos de direito fundamental invocados.

Efetivamente, e ao contrário do que entende a Recorrente a causa de pedir que articulou na petição inicial podem ser sindicadas junto dos tribunais fiscais. A lei processual tributária garante o direito à tutela jurisdicional efetiva, nomeadamente através do recurso das decisões de aplicação das coimas previsto no art. 80.º do RGIT. Ou seja, o direito de ação, o direito à tutela jurisdicional efetiva, garantido pela nossa Constituição, quer pelos instrumentos fundamentais de direito internacional e europeu, encontra-se plenamente garantido na nossa lei ordinária através do meio processual estabelecido no art. 80.º do RGIT.

Ora, como resulta dos documentos junto aos autos, a Recorrente foi notificada para o pagamento voluntário, no prazo de 20 dias, da coima aplicada no processo de contraordenação pelo ofício datado de 15/03/2018, remetido por carta registada de 19/03/2018. Desse mesmo ofício consta que lhe assiste o direito de recorrer judicialmente da decisão nos termos do art. 80.º do RGIT. Portanto, não existia qualquer obstáculo para que a Recorrente pudesse exercer os seus direitos de defesa, invocando todos os vícios que enfermava a decisão de aplicação de coima em sede própria, através do meio processual estabelecido pela lei.

A Recorrente dispôs sempre das formas processuais e prazos estabelecidas pelo legislador tributário, para invocar a violação da lei e da Constituição, não ofendendo o princípio do Estado do Direito Democrático, nem o princípio geral de direito fundamental da tutela jurisdicional efetiva, nem qualquer preceito de direito internacional vinculativos do Estado Português nos termos do art. 8.º da CRP, que o legislador ordinário nacional estabeleça regras processais ordenadoras do exercício dos direitos e interesses legítimos, nomeadamente, delimitando as causas de pedir e pedidos de cada um dos meios processuais, sendo certo que as normas em causa nos autos, respeitam os princípios da proporcionalidade e da efetividade, e portanto, não obstaculizam o exercício efetivo do direito da Recorrente.

Ora, o que sucede é que, atenta à causa de pedir que pretendia ver discutida em tribunal, a Recorrente não deveria ter lançado mão da oposição à execução fiscal (como erroneamente continua a insistir), mas do recurso previsto no art. 80.º do RGIT, e deste modo, não foram violados quaisquer dos princípios os preceitos fundamentais invocados pela Recorrente nas suas conclusões de Recurso, na medida em que todas as causas de pedir invocadas apenas não são conhecidas pelo Tribunal porque a Recorrente não usou dos meios próprios estabelecidos nas leis processuais tributárias.

Quanto à questão da violação do art. 29.º, n.º 5, da CRP, apesar de não tendo sido invocada em 1.ª instância enquanto fundamento de oposição, e, portanto, estamos perante uma causa de pedir nova, ainda assim poderá ser emitida pronúncia sobre a mesma nesta sede, por se tratar de questão de conhecimento oficioso (cfr. art. 204.º da CRP; acórdão do STA de 14/05/2014, proc. n.º 0195/13).

Conforme a jurisprudência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, reiterada e uniformemente, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, e por essa razão, regra geral, em sede de recurso, não se pode tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado (cf. Ac. do STA de 05/11/2014, proc. n.º 01508/12, de 01/10/2014, proc. n.º 0666/14, de 13/11/2013, proc. 1460/13, de 28/11/2012, proc. 598/12, de 27/06/2012, proc. 218/12, de 25/01/2012, proc. 12/12, de 23/02/2012, recurso 1153/11, de 11/05/2011, proc. 4/11, de 1/07/2009, proc. 590/09, 04/12/2008, proc. 840/08, de 2/06/2004, proc. 47978 (Pleno da Secção do Contencioso Tributário).

Vejamos, então.

Entende a Recorrente que foi punida criminalmente pelo mesmo facto que pune a contraordenação, e ainda que assim não se entendesse o processo de execução fiscal viola o princípio constitucional da proibição da dupla condenação criminal (art. 29.º, n.º 5, da CRP).

Prima facie, o invocado poderia constituir fundamento enquadrável na alínea a), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT, cujo conhecimento é oficioso (v. acórdão do STA de 23/02/2012, proc. n.º 0956/11), porém, considerando o invocado pela Oponente, tal não se verifica.

Conforme escreve Jorge Lopes de Sousa, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. III, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 443, a respeito do fundamento previsto na alínea a) do n.º 1, do art. 204.º do CPPT “Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.”

Na verdade, o alegado pela Oponente relaciona-se com a ilegalidade concreta (e não a abstrata) da decisão de aplicação da coima, que no seu entender, constitui uma punição criminal pelo mesmo facto, o que viola aquele princípio constitucional, e assim sendo, não poderia ter sido instaurado o processo de execução. Ou seja, não está em causa no invocado pela Recorrente a ilegalidade da própria lei (situação subsumível àquela alínea a)), mas antes a não correta aplicação da lei pela AT quando aplicou a coima. Assim sendo, também com esta questão nova suscitada, conclui-se que não se verifica o fundamento de oposição previsto na alínea a), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.

Em suma, in casu, apesar do pedido formulado ser adequado à finalidade abstratamente figurada pela lei para a oposição à execução fiscal, e assim sendo, não ocorre erro na forma de processo (e portanto, não há sequer que equacionar a tempestividade da ação para efeitos de convolação na forma processual adequada), a verdade é que os fundamentos invocados não consubstanciam qualquer um dos fundamentos de oposição à execução fiscal previstos nas diversas alíneas do n.º 1, do art. 204.º do CPPT, e portanto, estamos perante uma situação de improcedência da ação, como muito bem foi decidido em 1.ª instância. Improcedem, in totum, todos os fundamentos do recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Se o pedido é adequado à forma processual de oposição à execução fiscal, mas as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas a essa forma escolhida pelo Oponente, então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido que conduz à improcedência da ação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

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Custas pela Recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário.
D.n.
Lisboa, 17 de setembro de 2020.


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Cristina Flora

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Tânia Meireles da Cunha

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Susana Barreto