Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03982/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/01/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IRC
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:I) -Não pode admitir-se como custo fiscal um custo relativamente ao qual inexista na contabilidade do contribuinte documento externo de suporte ou que este documento se revele insuficiente, a menos que seja feita a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante, por qualquer meio de prova, competindo, em sede contenciosa, ao juiz a apreciação crítica dessa prova pois, em sede de IRC, o facto de uma dada transacção se não encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, nem sequer preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que admite a prova da existência e principais características da transacção através de qualquer meio.

II) -O dever de imparcialidade impõe que a Administração pondere, nas suas opções, todos os interesses juridicamente protegidos envolvidos no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares.

III) -E a imparcialidade é um limite essencial na fase e actividade instrutória, na recolha e valoração dos factos respeitantes às posições dos diversos interessados, exigindo-se que a Administração adopte uma postura isenta na busca e ponderação de todas elas.

IV) -É que o princípio da imparcialidade é um antecedente, um prius, em relação ao princípio da proporcionalidade: com este sancionam-se as condutas que sacrificam (ou beneficiam) desproporcionadamente certos dos interesses envolvidos face a outros; com aquele, as condutas tomadas sem (ou com) ponderação de interesses que (não) o deviam ser.

V) -A conduta do órgão administrativo não importou violação do princípio da imparcialidade na medida em que a AT agiu com respeito pela legalidade cumprindo o ónus de demonstrar que a contabilidade da recorrente não tinha fidúcia, passando, em tais circunstâncias o ónus da prova a caber à recorrente, nos termos do art° 74°, n°s 1 e 2 da LGT, sendo certo que o referido princípio se destina a garantir uma tutela efectiva da imparcialidade, transparência e isenção da Administração nos seus procedimentos, sendo a tutela destes princípios prosseguida fundamentalmente de uma forma preventiva.

VI) -Esta natureza implica que a violação desse princípio ocorra com uma conduta da Administração adequada, segundo critérios de razoabilidade lógica e de experiência comum, a permitir actuações parciais, independentemente destas terem existido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. -RELATÓRIO

A...– Construções Internacionais, Ldª., com sinais identificadores dos autos, recorre da sentença proferida pelo sr. Juiz do TAF de Almada no processo de impugnação que deduziu e em que foi julgado improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC referente aos anos de 2004 e 2005.
Alega e termina formulando as seguintes conclusões:
“I) Da douta decisão a quo resulta uma clara violação do Princípio da Imparcialidade e citando Sérvulo Correia "a imparcialidade administrativa impõe às autoridades administrativas, no exercício da sua actividade, uma ponderação objectiva da totalidade dos interesses públicos e privados que são chamadas a valorizar para efeitos das decisões concretas" (Sérvulo Correia, Os contratos económicos perante a constituição, nos dez anos de constituição, p. 101).
II) No mesmo sentido afirma Vieira de Andrade que o Princípio da Imparcialidade exige que " a totalidade - e não apenas uma parte - dos interesses protegidos presentes no caso (e só desses) tenha sido considerado, segundo o seu peso certo, no processo de decisão (...)" (in A imparcialidade como princípio constitucional, BFDUC, Vol. I 1974, p. 235).
III) No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu que: -"O princípio da imparcialidade exige que seja considerado interesse público específico fixado na lei e sopesados os diversos interesses juridicamente protegidos e presentes em cada caso." (Ac. STA Proc°. 39775 de 12.05.98).
IV) Será por isso ilegal a decisão tomada apenas com base em parte dos interesses - públicos ou privados - relevantes.
V) Verifica-se com a douta decisão a quo, não ter sido respeitado o princípio da imparcialidade consagrado no artigo 266° da Constituição da Republica Portuguesa.
VI) Verifica-se porém, e face ao exposto, que a ora Recorrente de tudo tentou, por forma a que, o Tribunal a quo, fazendo aqui um inversão do " Iter Volitivo" ficasse ciente de que o montante em causa, não poderia corresponder ao exercício de 2004 e 2005, tendo colaborado em tudo o que lhe foi solicitado pela Administração Tributária de forma livre e clara, quer fazendo prova documental "com documentos externos e internos" e constantes das nove pastas que a douta decisão a quo sempre refere.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente, ser revogada a sentença a quo, com a consequente absolvição do Recorrente assim se fazendo, a mais serena, sã e objectiva Justiça.”
A recorrida não contra -alegou.
O EPGA emitiu douto parecer em que se pronunciou pelo improvimento do recurso pelos fundamentos a que adiante se aludirá.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. - FUNDAMENTOS

2.1. - DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório com base na prova documental apresentada, com interesse para a decisão:
1. Em 09/12/2003, foi celebrada uma escritura pública de constituição da sociedade comercial italiana denominada B...SRL com sede em Vigevano, Pavia, cujo objecto social é a actividade hoteleira, serviço de refeições e bebidas, hospedagem para empregados, encarregados, colaboradores em geral de empresas e entidades públicas e privadas, organização e realização de serviços de catering, da qual são sócios C...e D...(cfr. doc. junto a fls. 38 a 49 dos autos);
2. Em 20/06/2007, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que originou correcções em sede de IRC aos exercícios de 2003 a 2005 (cfr. doe. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);
3. Do Relatório da Inspecção Tributária, e no que aos presentes autos respeita, consta o seguinte: " (...) A actividade da empresa insere-se no sector da construção civil, consistindo concretamente, na prestação de serviços efectuadas em regime de empreitada por conta de terceiros em obras localizadas fora do território nacional. Durante os exercícios em análise (2003, 2004 e 2005), a empresa prestou serviços em obras localizadas em Itália, sendo os seus únicos clientes, as empresas Italianas E...,SRL (IT ...), F..., G...(IT ...) e H..., G...(IT ...). (...) Com referência ao seu comportamento fiscal, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações declarativas, foram verificadas as seguintes irregularidades: Em sede de IRC, o contribuinte não enviou a declaração de rendimentos (mod. 22) nem a respectiva declaração anula, relativamente ao exercício de 2005 (...) II.2.3. Livros de Escrituração Obrigatória (art. 115° do CIRC) Com referencia aos Livros de escrituração obrigatória a que se refere o art. 115° do CIRC, foi verificada a sua inexistência, em virtude de os mesmos não terem sido apresentados na sequência da notificação efectuada no dia 14/02/2007. Ver anexo 2. Por esse facto, no dia 16/02/2007 notificou-se o sujeito passivo para proceder à organização da sua escrita, nos termos do n° 2 do art. 120° do RGIT. Ver anexo 3. O sujeito passivo não procedeu à organização da sua escrita dentro do prazo concedido para o efeito (ver anexo 4), tendo no entanto apresentado os livros selados devidamente legalizados mas sem qualquer tipo de registo (encontrando-se arquivados no processo em papéis de trabalho, cópias das folhas dos livros obrigatórios sem qualquer registo). Não obstante estas irregularidades refira-se que relativamente aos exercícios de 2003 e 2004 a contabilidade auxiliar da empresa encontra-se escriturada e organizada de forma a possibilitar o conhecimento dos elementos utilizados para o calculo e apuramento da sua situação tributária (nomeadamente em sede de IRC, IRS e IVA), bem como para o seu controlo, o que aliás é reconhecido pelo próprio técnico oficial de contas no auto de declarações que se encontra em anexo 4. Relativamente ao exercício de 2005, e apesar da inexistência de qualquer tipo de registo contabilístico, os documentos de custos e proveitos indispensáveis ao apuramento da sua situação fiscal encontram-se devidamente arquivados na sede da empresa, o que também é reconhecido pelo técnico oficial de contas da empresa (ver anexo 4). II.2.4 Facturas emitidas Contrariando o legalmente disposto, as facturas emitidas pela empresa foram processadas informaticamente através da utilização de programas de processamento de texto/folha de cálculo e não através de programas próprios de facturação, sendo que, durante exercício de 2003 o sujeito passivo emitiu com o mesmo número, facturas relativas a clientes e a serviços diferentes (facturas n° 6, 17, 20, 32, 33, 34 e 42). Por sua vez, não foram exibidos nem se encontravam arquivadas na sede da empresa, os duplicados das facturas n°30, 40, 48 e 58 de 2003, das facturas n°18, 19, 22, 23, 20, 38, 45, 46, 50, 51, 56, 57, 64, 69 e 77 de 2004 e ainda das facturas n°3, 4, 13, 24 e 27 de 2005, sendo ainda de referir que as mesmas não foram, igualmente, objecto de registo contabilístico por parte dos cliente (conforme informações prestadas pelos serviços fiscais italianos). Por fim, refira-se ainda que as facturas foram processadas numa língua estrangeira (Italiano) e não em Português. III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL 111.1. Em sede de IRC A) Diferença entre facturas emitidas/facturas contabilizadas Como referido anteriormente, a presente acção inspectiva foi iniciada na sequência de um pedido de cooperação administrativa solicitado pela Administração Fiscal Italiana. Esse pedido relacionava-se com os serviços prestados pela A...às empresas italianas E... e F... em obras localizadas em Itália, tendo as autoridades fiscais italianas, remetido para o efeito, cópias das facturas emitidas pela empresa portuguesa e recolhidas junto daquelas duas empresas. Analisada a contabilidade da Franco Progresso II, verificou-se que não obstante as facturas remetidas pelos serviços italianos se encontrarem devidamente arquivadas na sede da empresa, apenas parte das mesmas tinham sido objecto de registo contabilístico. Por outro lado, constatou-se que a empresa prestou serviços a um outro cliente, a empresa italiana H..., sendo que, da totalidade das facturas emitidas apenas parte tinham, igualmente, sido objecto de registo contabilístico. Em face das irregularidades verificadas e uma vez que a facturação emitidas à empresas E... e F... tinha já sido objecto de confirmação externa (em função dos elementos remetidos pelos serviços italianos), foi efectuado um pedido de cooperação à Administração Fiscal Italiana, no Âmbito da Assistência Administrativa Intracomunitária prevista no art. 5° e 19° do Regulamento (CE) N°1798/2003 de 7/10/2003, no sentido de ser verificado junto da empresa italiana H..., qual a totalidade das transacções entre esta e a Franco Progresso. Em resposta, os serviços fiscais italianos remeteram informação sobre a totalidade dos serviços prestados pela empresa portuguesa, juntando igualmente cópias dos meios de pagamentos e respectivas facturas recolhidas junto da H.... (...) foram verificadas as seguintes diferenças entre os valores efectivamente facturados e os respectivos registos contabilísticos, nas contas de proveitos:

Ano Valor Facturado Contabilidade (conta 72) Diferença
2003 € 6.074.366,42 €2.276.147,63 €3.798.218,79
2004 €4.970.963,26 €1.614.147,97 €3.356.815,29
2005 €1.263.630,58
€1.263.630,58
Nota: A contabilidade relativa ao exercício de 2005 não se encontra escriturada, pelo que a diferença corresponde à totalidade das facturas emitidas.
Ver em anexo 5, 6, e 7 a totalidade das facturas (e notas de crédito) emitidas bem como dos respectivos extractos da conta 72 - Serviços prestados relativamente a 2003, 2004 e 2005; B) Pagamento das operações Tendo em conta as elevadas diferenças verificadas entre a facturação emitida e os respectivos registos contabilísticos, procedeu-se também, à identificação dos pagamentos efectuados pelos clientes da empresa por forma a comprovar que todos os valores facturados foram efectivamente recebidos e que, como tal, correspondem a proveitos obtidos. Neste sentido e conforme informações prestadas pela gerência, foi apurado que a maioria das facturas foi paga através de transferência bancária para a conta n°0012 7711 0007, constituída junto do Banco Espírito Santo (BES) e cuja primeira titular é a sócia gerente da empresa, Sra. Ana Maria Figueiredo (todo o movimento bancário da empresa é efectuado através desta conta). Assim e tendo a titular da conta autorizado o acesso aos respectivos documentos bancários por parte da Administração Tributária (ver anexo 8), solicitou-se ao banco as 2as vias dos documentos de suporte relativos a todas as transferências provenientes do estrangeiros. (...) Por outro lado, os serviços fiscais italianos, na sequência do pedido formulado relativamente às transacções com a H..., remeteram também cópias dos meios de pagamento utilizados por esta empresa. Nestes termos e com base nos elementos descritos, concluiu-se que os valores facturados foram efectivamente recebidos pela empresa, como o comprova o facto de ter sido possível identificar pagamentos no valor de €12.114.166,91, os quais representam mais de 95% da totalidade do valor facturado durante os três anos objecto de analise, como se demonstra:
Ano
Valor Facturado
Pagamentos identificados (a)
%
2003
€ 6.074.366,42
€5.938.008,85
97,76%
2004
€4.970.963,26
€4.686.338,99
94,27%
2005
€1.263.630,58
€1.489.819,07
89,55%
TOTAL
€12.708.960,26
€12.114.166,91
95,32%
a) - Inclui os 10% retidos pelo cliente, a título de garantia, mencionado em algumas facturas emitidas.
b) - O valor facturado de 2005 está excluído das notas de crédito 1 e 2, no montante global de € 400.000,00, um vez que estas anulam facturas de 2004, estando incluídas no conjunto de "pagamentos identificados" desse ano.
Ver cópias dos meios de pagamento utilizados pelos cliente relativamente às facturas emitidas em anexo 9 (exercício de 2003, 10 (exercício de 2004) e 11 (exercício de 2005). (...) D) Custos do Exercício Relativamente aos exercícios de 2003 e 2004, verificou-se que se encontravam devidamente registados na contabilidade da empresa como custos do exercício, as despesas e encargos comprovadamente indispensáveis com a execução material dos serviços por si prestados, nomeadamente os custos com o pessoal afecto às obras e respectivas despesas suportadas com o seu transporte e alojamento em Itália, bem como outras despesas de carácter administrativo. No entanto e com base nos elementos remetidos pelas autoridades italianas, constatou-se que não foram registados como custos do exercício, os seguintes valores, facturados pelos seus "clientes", referentes, nomeadamente, a aluguer de equipamentos, despesas de alimentação e alojamento:
ANO Custos não contabilizados
2003 €54.123,80
2004 €291.980,00
Ver cópias destes documentos em anexo 12 (exercício de 2003) e 13 (exercício de 2004). Relativamente ao exercício de 2005 e não obstante a inexistência de qualquer tipo de registo contabilístico, foram apresentados pela empresa os documentos de suporte dos custos inerentes à actividade desenvolvida, no montante global de €538.106,39. Ver anexo 14. E)Conclusões Em face do exposto nos pontos anteriores conclui-se o seguinte: 1. O sujeito passivo prestou efectivamente os serviços descritos nas facturas emitidas, como o comprovam o facto de os valores facturados terem sido praticamente todos recebidos pela empresa, bem como o facto de as facturas emitidas se encontrarem suportadas quer pelos contratos de empreitada quer pelos respectivos autos de medição; 2. Ao não contabilizar a totalidade dessas mesmas facturas, o contribuinte omitiu na sua contabilidade elevados valores de proveitos, os quais constituem efectivos rendimentos obtidos e por essa razão não tributados; 3. Com referência aos encargos suportados com a actividade desenvolvida, e não obstante as pequenas omissões verificadas, constatou-se que a contabilidade da empresa evidencia de forma clara que os mesmos foram regularmente registados como custos do exercício (exercícios de 2003 e 2004); 4. Relativamente ao exercício de 2005 e apesar da inexistência de qualquer tipo de registo contabilístico, é possível quantificar, quer o valor total dos proveitos obtidos, quer o valor total dos custos suportados com a actividade desenvolvida. F) Correcções Com base no descrito nos pontos anteriores, vão efectuar-se as seguintes correcções: F.1.) Exercício de 2003 e 2004: • Relativamente aos proveitos do exercício, vão os mesmos ser corrigidos, acrescendo-lhe a diferença verificada entre as facturas emitidas e as facturas contabilizadas nos montante de € 3.798218,79 e de € 3.356.815,29 em 2004, conforme evidenciado em A); • Com referencia aos custos, vão os mesmos ser acrescidos (redução do resultados) nos montante de € 54.123,80 em 2003 e € 291.980,00 em 2004, resultante de encargos efectivamente suportados pela empresa e não registados na contabilidade, como evidenciado em D). Deste modo, o lucro tributável corrigido relativamente a estes exercícios analisados vai ser o seguinte:
20032004
1- Lucro Tributável Declarado€14.572,89€12.452,50
2- Proveitos Omitidos€3.798.218,79€3.356.815,29
3 - Custos não contabilizados€54.123,80€291.980,00
4 - Total das Correcções (2-3)€3.744.094,99€3.064.835,29
5- Lucro Tributável Corrigido (4+1) € 3.758.667,88 € 3.077.287,79
F.2.) Exercício de 2005:
• Relativamente ao exercício de 2005 e devido à inexistência de qualquer registo contabilístico, bem como ao facto de o contribuinte não ter entregue a respectiva declaração de rendimentos, o lucro tributável vai ser apurado considerando como total de proveitos, as facturas emitidas pela empresa, e como custos do exercício, a totalidade dos encargos suportados e apresentados pela empresa, como se demonstra:
2005
Proveitos do exercício €1.263.630,58
Custo do exercício €538.106,39
Lucro Tributável €725.524,19
Com referência a este exercício foi já efectuada uma liquidação nos termos da al. b) do n° 1 do art. 83° do CIRC, a qual teve por base uma matéria colectável (igual ao lucro tributável) de €12.452,50. Ver anexo 15. Assim, o documento de correcção a elaborar em resultado da presente acção inspectiva, vai ter em conta o lucro tributável que serviu de base àquela diferença entre o lucro tributável agora apurado e o lucro tributável constante na liquidação inicial, conforme determina o n° 10 do art. 83° e art. 91°, ambos do CIRC. (...)" (cfr. doe. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);
4. Aos trabalhadores que estavam deslocados em Itália eram efectuados adiantamentos de ordenados;
5. A impugnante fornecia o transporte e o alojamento aos trabalhadores deslocados;
*
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como pelo depoimento das testemunhas arroladas. De facto, estas testemunhas foram trabalhadores da empresa nos anos em discussão nos autos, mas dos seus depoimentos não resulta claro que a empresa, para além dos ordenados, lhes pagasse ainda ajudas de custo. A primeira testemunha era o TOC da empresa e afirmou que a empresa ora impugnante pagava o alojamento, os almoços e ainda dava ajudas de custo para os trabalhadores pagarem outras despesas. No entanto, os trabalhadores da empresa falaram sempre em adiantamentos dos ordenados, não sendo claro que se tratasse de ajudas de custo, tanto mais que, segundo estes depoimentos, era a empresa que suportava os almoços, o alojamento e os transportes de Portugal para Itália. As testemunhas Fonseca e Bartolomeu, deixaram claro que os montantes que iam sendo recebidos ao longo do mês eram depois descontados nos montantes que recebiam no final do mês. Apenas a testemunha Sabino afirmou que eram pagas ajudas de custo.
No que respeita às nove pastas de arquivo com documentos de despesas efectuadas pela sociedade ora impugnante, das mesmas não resulta que os documentos dali constantes não foram tidos em consideração pela Administração Tributária aquando das correcções efectuadas.
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DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos constantes da oposição, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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2.2. -DO DIREITO
Com base nesta factualidade a sentença recorrida julgou a impugnação procedente, e atentas as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se o modo como a AT procedeu às correcções violou o princípio da imparcialidade por não ocorreu uma ponderação objectiva da totalidade dos interesses em jogo.
Quanto ao mérito da impugnação, a sentença julgou-a improcedente, fundamentando-se, no fundamental, em que:
“Desde logo decorre do probatório supra que as grandes correcções que deram origem às liquidações de IRC ora impugnadas se prenderam com a omissão de proveitos por parte da impugnante que, em face dos elementos carreados para o processo, deram origem a uma correcção do lucro tributável da impugnante.
Essa omissão de proveitos não é posta em causa pela impugnante, sendo certo que o Relatório da Inspecção Tributária se encontra devidamente fundamentado.
Mais, também decorre do probatório supra e é admitido pela impugnante que a sua contabilidade não se encontrava devidamente organizada os livros selados obrigatórios encontravam-se em branco e embora à impugnante tenha sido concedido um prazo para organizar a sua contabilidade, esta nada fez.
Por outro lado, também decorre do probatório supra que a Administração Fiscal aceitou corrigir os custos suportados pela impugnante e não contabilizados por esta, sendo certo que em todos os exercícios objecto de análise por parte da Administração Fiscal no Relatório em apreço foram acrescidos custos aos montantes inicialmente declarados por esta, quer nos exercícios em que apresentou a sua declaração modelo 22, quer no que respeita ao exercício de 2005 - exercício onde a impugnante nunca apresentou qualquer declaração.
Para tanto, basta ver o Relatório da Inspecção onde no ponto D) Custos do Exercício onde se afirma que: "Relativamente aos exercícios de 2003 e 2004, verificou-se que se encontravam devidamente registados na contabilidade da empresa como custos do exercício, as despesas e encargos comprovadamente indispensáveis com a execução material dos serviços por si prestados, nomeadamente os custos com o pessoal afecto às obras e respectivas despesas suportadas com o seu transporte e alojamento em Itália, bem como outras despesas de carácter administrativo. No entanto e com base nos elementos remetidos pelas autoridades italianas, constatou-se que não foram registados como custos do exercício, os seguintes valores, facturados pelos seus "clientes", referentes, nomeadamente, a aluguer de equipamentos, despesas de alimentação e alojamento:
ANOCustos não
Contabilizados
2003€54.123,80
2004€291.980,00
Ver cópias destes documentos em anexo 12 (exercício de 2003) e 13 (exercício de 2004). Relativamente ao exercício de 2005 e não obstante a inexistência de qualquer tipo de registo contabilístico, foram apresentados pela empresa os documentos de suporte dos custos inerentes à actividade desenvolvida, no montante global de € 538.106,39. Ver anexo 14."
Ou seja, a Inspecção Tributária considerou como custos suportados pela impugnante os custos referentes ao alojamento, transporte e alimentação dos trabalhadores da empresa em questão, muito embora, repete-se, estes não se encontrassem devidamente contabilizados, porque, como é afirmado no Relatório da inspecção e admitido pela impugnante, esta não tinha a sua contabilidade devidamente organizada, os livros selados obrigatórios encontravam-se em branco e embora à impugnante tenha sido concedido um prazo para organizar a sua contabilidade, esta nada fez. Assim, em face dos elementos que lhe foram disponibilizados pela impugnante, aquando da fiscalização, a Administração Fiscal atendeu a todos os custos suportados e demonstrados pela impugnante.
Acresce ainda que a impugnante, embora afirme que não foram aceites como custos os por si suportados referentes a alojamento, transporte e alimentação dos seus trabalhadores deslocados nunca fornece elementos que permitam determinar quais os custos por si suportados que não foram aceites. De facto, a impugnante não determina quais foram os custos que suportou e que não foram aceites pela Administração Fiscal. Ou seja, a Administração Fiscal no seu Relatório e no que ao exercício de 2004 respeita, para além dos custos considerados na declaração modelo 22 apresentada pela impugnante considera que existiram mais € 291.980,00 que se relacionam com despesas suportadas com alojamento, alimentação e transporte dos seus trabalhadores.
A impugnante, por seu lado, afirma que existiram mais custos do que os considerados mas nunca adianta valores, alegando apenas que efectuou pagamentos a uma empresa Italiana sem que, no entanto, prove a existência dos mesmos nem o seu montante por forma a determinar se os montantes considerados como custos pela Administração Fiscal foram ou não os correctos.
No que respeita ao exercício de 2005, a impugnante não procedeu à entrega da sua declaração modelo 22 nem à declaração anual. Assim, a Administração Fiscal procedeu ao apuramento do lucro tributável da impugnante com base nos elementos por esta fornecidos através da sua contabilidade auxiliar. Deste modo, e uma vez que não é colocado em causa o valor respeitante aos proveitos, a questão ficaria pelos custos considerados pela Administração Fiscal. Também no que a estes respeita não juntou a impugnante quaisquer elementos que contrariassem os valores apurados pela Inspecção Tributária. Mais uma vez e no que respeita aos alegados pagamentos à empresa Italiana não existem quaisquer documentos que comprovem pagamentos a essa empresa ou que os mesmos respeitem aos alegados pagamentos de serviços de alojamento e alimentação. Mais, é a própria impugnante que afirma que pagou directamente esses custos, sem explicar a quem o fez, e sem que demonstre de algum modo em direito permitido, que pagou mais do que foi considerado pela Administração Fiscal.
Relativamente às várias pastas de arquivo juntas aos autos, como elementos contabilísticos dos quais constam as despesas suportadas pela impugnante, nelas não se encontram elementos que contradigam os custos considerados pela Administração Fiscal. As mesmas comprovam que a contabilidade não se encontrava devidamente organizada e não resultou dos autos nem da prova testemunhal apresentada qualquer outro elemento que possa fazer este Tribunal concluir que existiram outros custos para além dos considerados pela Administração Fiscal. Mais uma vez se realça o facto de que a impugnante em momento algum avança números relativamente aos custos por si suportados nos exercícios em causa, limitando-se a afirmar que teve mais custos do que os aceites pela Administração Tributária. Mais, não requer qualquer peritagem às suas contas e limita-se a juntar aos autos nove pastas de arquivo com documentos dos anos em questão.
Alega ainda a impugnante que os seus sócios criaram uma empresa em Itália, com um sócio italiano, sendo que tal empresa se deveria responsabilizar por todos os custos que seguidamente eram debitados à empresa portuguesa, mas pela desorganização contabilística da impugnante tais recibos referentes à alimentação e alojamento dos seus trabalhadores não foram contabilizados e por isso nunca foram redebitados pela empresa italiana.
Quer da prova junta aos autos - documentos e depoimento das testemunhas arroladas - não resultou que existisse qualquer acordo com a referida empresa italiana, nem que foram pagas quantias diferentes das consideradas pela Administração fiscal. Mais, da prova junta aos autos resulta que a erhpresa italiana foi apenas criada em Dezembro de 2003 a sociedade B...SRL, com sede em Vigevano, Pavia, e cujo objecto social é o exercício da actividade de hotelaria, sendo certo que não existe qualquer documento comprovativo de custos suportados pela impugnante e por si pagos a esta entidade. Aliás, é a própria impugnante que admite que não existe qualquer documento comprovativo desses custos e não foi produzida qualquer prova, nem mesmo testemunhal, de que eram pagas quaisquer quantias a esta sociedade para pagamento de quaisquer serviços por esta prestados. Aliás, uma das testemunhas arroladas inquirida sobre a questão de saber se existia alguma empresa italiana que fornecesse os serviços, disse desconhecer tal facto.
Mais, no que respeita aos exercícios em discussão nos autos - 2004 e 2005 - não foi produzida qualquer prova de que tenham existido pagamentos a esta empresa relacionados com o alojamento e alimentação dos trabalhadores da impugnante.
Essa prova impendia sobre a impugnante e a mesma não foi efectuada.
Por outro lado, defende a impugnante que também não foram consideradas as ajudas de custos suportadas pela impugnante para compensar os trabalhadores pelo facto de se encontrarem deslocados das suas famílias e residência habitual.
Mais uma vez não logrou a impugnante fazer prova cabal de que suportava ajudas de custo.
As testemunhas por si arroladas afirmaram que lhes eram adiantadas quantias por conta dos ordenados, sendo certo que as mesmas lhes eram descontadas no ordenado pago no final do mês. Afirmaram que recebiam um pouco mais do que receberiam se trabalhassem em Portugal, mas nunca afirmaram que essa diferença advinha de ajudas de custo ou do facto de lhe serem pagos o almoço e alojamento.
Assim sendo, entendemos que a Administração Fiscal agiu correctamente tendo efectuado correcções aos proveitos da impugnante e considerando como custos os que comprovadamente foram suportados pela impugnante, ainda que não declarados por si (nos casos dos exercícios de 2003 e 2004 em que foram entregues declarações) mas que os documentos apresentados à Inspecção Tributária provavam ter sido suportados pela impugnante.
Nestes termos e sem necessidade de mais considerações julgaremos improcedente a presente impugnação judicial por as liquidações não se encontrarem feridas de qualquer dos vícios que lhe são imputados.”
Do assim decidido discorda a recorrente, continuando a sustentar que não foi observado o princípio da imparcialidade pois não ocorreu uma ponderação objectiva da totalidade dos interesses em jogo, quando a ora Recorrente de tudo tentou, por forma a que, o Tribunal a quo, fazendo aqui um inversão do "Iter Volitivo" ficasse ciente de que o montante em causa, não poderia corresponder ao exercício de 2004 e 2005, tendo colaborado em tudo o que lhe foi solicitado pela Administração Tributária de forma livre e clara, quer fazendo prova documental "com documentos externos e internos" e constantes das nove pastas que a douta decisão a quo sempre refere.
Ora, a nosso ver, a recorrente carece de razão legal na senda, aliás, do parecer do EPGA segundo o qual, perante os factos provados e o direito aplicável, não era possível decidir de forma diferente do sentenciado.
Tendo a AT procedido a correcções para determinar o lucro tributável do contribuinte, competia-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que o permitiam e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro.
A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram às correcções que efectuou e que suportam a liquidação.
Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a considerar certas omissões de proveitos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito consagrado no artº 75° da LGT, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
Na situação sub judice, a liquidação impugnada provém de acção de fiscalização onde foram constatados erros e inexactidões na contabilização das operações, sendo perante esses elementos que se julgou cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte.
Assim, como bem adverte o EPGA no seu parecer, o ónus da prova passou a caber à recorrente, nos termos do art° 74°, n°s 1 e 2 da LGT, por se tratar de factos constitutivos dos direitos da administração tributária que foi quem os invocou, competindo-lhe a respectiva demonstração, o que efectivamente não fez oportunamente, aquando da acção inspectiva nem justificou a sua não apresentação, até porque muito particularmente nas pastas agora juntas e da prova testemunhal não se resultaram outros elementos que levassem o Tribunal a concluir terem existido outros custos além dos considerados pela Administração Fiscal, como bem se demonstra na sentença recorrida.
O nº1 do artigo 23° do CIRC, para definir "Custos ou perdas", estatui que se consideram “…custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, (...), fazendo depois a enumeração exemplificativa de certos custos fiscalmente relevantes exigindo a lei no artigo 41°, n° l, alínea h) do CIRC (actualmente, artigo 42°, n° l, alínea g)), para a sua atendibilidade, que os mesmos deverão ser comprovados por documentos válidos.
Ora, como ainda salienta o EPGA, “a limitação à dedutibilidade de determinados custos prende-se com razões de vária ordem, nomeadamente, com exigências formais e de segurança jurídica, maxime o combate à fraude e evasão fiscal e deriva do princípio fundamental de contabilidade de que todo o registo contabilístico deve ter apoio num documento adequado. Em princípio um documento externo.
Ao exigir o suporte documental e o registo contabilístico da operação, e ao limitar-se a dedutibilidade, o legislador está no fundo a controlar o cumprimento de obrigações fiscais, que decorrem, nomeadamente, dos artigos 17°, n° 3 e 98° do CIRC, do artigo 32° do Código Comercial, do POC e dos princípios constitucionais que impõem que a tributação das empresas incida sobre o rendimento real e efectivo, o qual será apurado de acordo com a declaração do contribuinte, observados que sejam, entre outras, as regras relativas à documentação dos custos e dos proveitos.”
Na esteira do ensinamento do Prof. Saldanha Sanches, in «A Quantificação da Obrigação Tributária - deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa, Lisboa 2000, 2a edição, págs. 242, ao referir-se ao princípio da documentação regulado no artigo 32° do Código Comercial e concretizado no artigo 98° do CIRC: "O princípio da documentação vai dar origem ao dever que impende sobre todos aqueles que têm uma actividade empresarial - pessoas colectivas ou comerciantes em nome individual - de registarem de forma tendencialmente indelével, todos os acontecimentos comerciais: os movimentos financeiros de concessão de crédito ou contracção de empréstimos, todas as saídas ou entradas de mercadorias, todos os pagamentos ou recebimentos realizados pela empresa, criando-se assim uma base clara e segura para a prestação de contas. E permitindo desta forma, registar todas as relações patrimoniais em que participa a empresa".
Nesse sentido se perfilou o Ac. do TCA, de 23/09/2003, tirado no processo 3893/00, referido no douto parecer do EPGA de acordo com o qual "não pode admitir-se como custo fiscal um custo relativamente ao qual inexista na contabilidade do contribuinte documento externo de suporte ou que este documento se revele insuficiente, a menos que seja feita a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante, por qualquer meio de prova, competindo, em sede contenciosa, ao juiz a apreciação crítica dessa prova. Ou seja, em sede de IRC, o facto de uma dada transacção se não encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, nem sequer preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que admite a prova da existência e principais características da transacção através de qualquer meio.
Neste sentido, vide Tomás de Castro Tavares, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, Ciência e Técnica Fiscal n° 396, págs. 125-126 ... "Com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal" Idem, pág. 167".
A prova necessária para essa demonstração deve assim explicitar "de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção", como refere o mesmo autor, na obra citada a pág. 123.
Ora, não logrando a recorrente demonstrar, como era sua obrigação pelo ónus da prova, que os juros dos fluxos financeiros em causa se compreendiam no custo indispensável à realização dos proveitos e ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nenhuma censura nos merece o agir da Administração Fiscal, aprovado pela sentença recorrida, de não aceitar como custos fiscais as importâncias em causa.
Como se expende no Acórdão do STA, 1ª SUBSECÇÃO DO CA, de 14-04-2005, Recurso nº 0429/03 o princípio da imparcialidade, consagrado no número 2 do artigo 266 da Constituição da República, é um princípio fundamental do direito administrativo, pelo qual se deve pautar a Administração Pública, no exercício da sua actividade.
Ora, o princípio da imparcialidade é indissociável do da legalidade e, Sob a epígrafe PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, dispõe o Artº 3º nº 1 do CPA – “Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos.”
Em matéria de procedimento administrativo e tributário, o sentido e alcance com que deve ser entendido o princípio da legalidade é o de que a Administração actua nos casos e de acordo com os trâmites e regras fixados por lei para prossecução dos fins estabelecidos na respectiva norma.
Isso na consideração de que não está prescrito na Constituição que o exercício de poderes de soberania em geral e o exercício de poderes jurídico-públicos de autoridade por órgãos da Administração, em particular, com ou sem a inerente carga ou compressão de direitos dos cidadãos, seja legítimo, onde quer que não esteja constitucional ou legalmente proibido, sempre que se considerasse ser tal actuação exigida pelo interesse público administrativo- cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco Amorim, CPA Comentado, 2º Ed. págs. 90 e 91. É que do artº 266º nº 4 da CRP decorre que o princípio do interesse público a prosseguir procura-se ou define-se em função de uma habilitação ou pressuposto legal, em que o respeito pelos direitos dos particulares se afira também por regras de pura não - oposição, não lesão.
Ora, a violação dos princípios e regras procedimentais (da legalidade procedimental), pela decisão do procedimento e por aquelas que ao longo dele se vão tomando, gera a ilegalidade administrativa «in casu» a invalidade da decisão ilegal ou da decisão final em que ela se repercutiu.
Em consonância com o artº 266º da CRP, determina o artº 6º do CPA que “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.”
Diga-se que a Justiça de que se fala neste normativo é a “constitucionalmente plasmada em critérios materiais ou de valor, como por exemplo, o da dignidade da pessoa humana, da efectividade dos direitos fundamentais, da igualdade”- vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, pág. 925.
Nessa acepção, o princípio da justiça não se apresenta com autonomia em relação a outros princípios que lhe são instrumentais como são os da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, da imparcialidade e da protecção de direitos e interesses legalmente protegidos.
Esse princípio é a última “ratio” da subordinação da Administração ao Direito, tornando inválidos os actos que, não estando abrangidos pelas condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa, se apresentam uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, mormente os plasmados em preceitos referentes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa – fé e confiança no Direito.
O princípio da justiça está também consagrado no artigo 55° da LGT o qual impõe que a Administração Tributaria deve exercer as suas atribuições na prossecução do interesse público e, ainda, pelo respeito, entre outros, do princípio da justiça.
E isso porque o princípio da justiça surge como um fim em si mesmo, assumindo-se como uma referência (i) quer na "interpretação/aplicação das normas quer (ii) "como comando dirigido a Administração e aos Tribunais " (cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA, Ob. Cit., págs. 53 e 54).
E parece-nos ser com base nessa acepção que a recorrente reclama que a Administração Fiscal não prosseguiu o princípio da imparcialidade nas circunstâncias do caso concreto.
Ora, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 18 de Junho de 2002, proferido no recurso com o nº4587/00,refere que a justiça material constitui a "teleologia própria da tributação" devendo, por esse motivo, ser encarada como um valor absoluto que a Administração Fiscal, como entidade vinculada a prossecução do interesse publico e, simultaneamente, ao dever de imparcialidade, deve prosseguir sempre e em todas as circunstâncias.
E, na verdade, face ao princípio da justiça, se o contribuinte suportou imposto em montante superior ao devido ou, como sucede no caso em apreço, omitiu proveitos, deve a Administração Fiscal proceder às correcções sob pena de permitir a manutenção de uma situação injusta, frontalmente violadora do disposto no artigo 55° da LGT, pois, para seguir as palavras do Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão datado de 05/02/2003 e proferido no processo nº 01648/02, manifestamente não é justo beneficiar a administração e prejudicar o administrado ou vice-versa já que, também o princípio da igualdade obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias ou carecidas de justificação ou fundamento material racional, a não fazer discriminações assentes em critérios subjectivos ou em critérios objectivos mas aplicados em termos subjectivos e a respeitar os direitos subjectivos de igualdade. (Cfr. CASALTA NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos, Almedina, Coimbra, 1998, pag. 436 e J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 2a edição, Coimbra, 1984, pags. 148 e ss.), o que significa que o princípio da igualdade fiscal exige que o que é essencialmente igual seja tributado igualmente, e o que é essencialmente desigual, seja tributado desigualmente e na medida dessa desigualdade -cfr. CASALTA NABAIS, Ob. e loc. cit.
Como o princípio da justiça engloba o princípio da justiça stricto sensu (art. 266°, n.° 2 da C.R.P.), o princípio da igualdade (art. 13.º) e o princípio da proporcionalidade (art° 272.°, n.° 2) e o princípio da justiça abrangendo o princípio da igualdade, constituirá um momento vinculativo do acto administrativo, gerando o seu não acatamento o vício de violação de lei. (Ac. do STA de 13/11/86 - AD. 307, 958).
Já o dever de imparcialidade impõe que a Administração pondere, nas suas opções, todos os interesses juridicamente protegidos envolvidos no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares.
E a imparcialidade é um limite essencial na fase e actividade instrutória, na recolha e valoração dos factos respeitantes às posições dos diversos interessados, exigindo-se que a Administração adopte uma postura isenta na busca e ponderação de todas elas.
Nesse sentido, como salientam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco Amorim, Ob. Cit,. pág. 107 o princípio da imparcialidade “...é um antecedente, um prius, em relação ao princípio da proporcionalidade: com este sancionam-se as condutas que sacrificam (ou beneficiam) desproporcionadamente certos dos interesses envolvidos face a outros; com aquele, as condutas tomadas sem (ou com) ponderação de interesses que (não) o deviam ser.
Ora, atendendo à materialidade provada, dúvidas não podem existir de que a conduta do órgão administrativo não importou violação do princípio da imparcialidade na medida em que a AT agiu com respeito pela legalidade cumprindo o ónus de demonstrar que a contabilidade da recorrente não tinha fidúcia, passando, em tais circunstâncias o ónus da prova passou a caber à recorrente, nos termos do art° 74°, n°s 1 e 2 da LGT, sendo certo que o referido princípio se destina a garantir uma tutela efectiva da imparcialidade, transparência e isenção da Administração nos seus procedimentos, sendo a tutela destes princípios prosseguida fundamentalmente de uma forma preventiva.
Esta natureza implica que a violação desses princípios ocorra com uma conduta da Administração adequada, segundo critérios de razoabilidade lógica e de experiência comum, a permitir actuações parciais, independentemente destas terem existido.
Improcedem, por isso, as conclusões de recurso.

*
3. DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 01 de Junho de 2010

(Gomes Correia)

(Pereira Gameiro)

(Aníbal Ferraz)