Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:274/11.1BECTB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/15/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:MEDIDAS AGRO-AMBIENTAIS
AJUDAS
TEMAS DA PROVA
INCUMPRIMENTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:i) A sentença não é nula por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente considera não ter sido alegado ou não constar dos “Temas da Prova”.

ii) É hoje admissível que a enunciação dos “Temas da Prova”, prevista no n.º 1 do artigo 596.º do CPC, assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo, contrariamente ao que sucedia com a “Base Instrutória” elaborada nos termos do artigo 511.º na anterior versão do CPC.

iii)A excepção de não cumprimento do contrato, consagrada no artigo 428.º do Código Civil, é uma excepção (de direito material) cujo ónus alegatório incumbe ao contraente que a invoca para dela beneficiar, tal como lhe incumbe a si a prova da factualidade conducente à demonstração da sua verificação.

iv)Não provando o R., ora Recorrente, como lhe competia, a matéria de excepção que invocou, isto é, que o A. e ora Recorrido não reunia as condições da ajuda que lhe havia sido concedida, motivo do alegado incumprimento e da rescisão do contrato, tem o pedido condenatório de pagamento das prestações pecuniárias tidas por devidas, acrescidas dos respectivos juros, que proceder.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

José ……………… intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., na qual peticionou que fosse “fixado que o R. incumpriu a sua obrigação contratual de pagamento” e, em conformidade, que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de EUR 34.997,41, a título de ajudas à produção em modo biológico devidas e não pagas, bem como juros de mora vencidos que computa em EUR 18.976,41, e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Na sequência do acórdão deste TCAS de 12.02.2015, foi proferida sentença naquele Tribunal que julgou a acção procedente e condenou o R. no pedido.

Inconformado, o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (Recorrente), interpôs recurso dessa decisão, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. Por acórdão proferido em 19/6/2017, o Tribunal julgou procedente a ação administrativa comum interposta por José …………………. e condenou o recorrente no pagamento ao recorrido da quantia global de € 34.997,41, acrescida dos respetivos juros moratórias à taxa legal aplicável e até efetivo e integral pagamento, no entendimento que através de n/ ofício ref" 67/DAD/UADR/2008, o IFAP, I.P. aceitou o pedido de correção solicitado pelo beneficiário dessa forma assumindo que este reunia as condições necessárias para o regime de apoio, razão pela qual concluiu ser-lhe devido o pagamento integral "... das ajudas respeitantes às campanhas de 2003 a 2007, acrescidos dos respectivos juros moratórias à taxa legal aplicável e até efectivo e integral pagamento" .

B. Salvo melhor entendimento, na situação em apreço, o Tribunal não parece fazer uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, desde logo, porque estamos no âmbito de uma ação administrativa comum.

C. E, no âmbito da ação administrativa comum, compete ao autor, fazer prova dos factos que fundamentam a sua pretensão, no entanto, na situação em apreço, como resulta do ponto 1.1. da sentença recorrida, o recorrido pede que seja fixado que o recorrente incumpriu a sua obrigação contratual de pagamento, e em consequência, seja condenado a pagar ao A. a quantia de € 34.997,41 a título de ajudas à produção em modo biológico devidas e não pagas, bem como no pagamento de juros moratórias.

D. Por outro lado, da análise da PI apresentada pelo ora recorrido extrai-se que ele se limita a afirmar que tem direito aos montantes peticionados e que ao não proceder ao pagamento das ajudas o ora recorrente incumpriu o contrato de atribuição de ajudas.

E. Todavia, estando-se no âmbito de ação administrativa comum competia ao recorrido demonstrar que tinha direito às ajudas fazendo prova do cumprimento das obrigações a que se encontrava contratualmente adstrito.

F. Tal não sucedeu, tendo inclusive o ora recorrido omitido na sua petição inicial a existência de um procedimento administrativo onde foram detetadas irregularidades no âmbito de uma ação de fiscalização, e que foi por diversas vezes notificado para se pronunciar sobre as mesma (ofícios DEV001/2005/0395766, 1321/DAS/SAA/2007 e 67/DAD/UADR/2008, de 1/9/2005, 13/11/2007 e 13/3/2008, respetivamente).

G. Razão pela qual, salvo melhor entendimento, deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita" , a sentença na qual o Tribunal a quo se pronunciou sobre factos que não foram invocados pelo autor na petição inicial.

H. Por outro lado, em sede de audiência prévia e como consta da ata, o Tribunal a quo identificou como objeto do litígio "O direito do Autor de exigir do Réu o pagamento da quantia de € 34.997,31 - acrescida dos respectivos juros moratórias vencidos à data da propositura da acção no montante de € 18.976,41, bem como dos respectivos juros moratórias vincendos -, a título de incumprimento contratual, por parte deste".

I. Nos termos do preceituado na parte final, do n.º 1, do art. 596.º do CPC, o Tribunal fixou os seguintes temas da prova: (1) Saber se o Autor, como alega, reunia as condições de acesso para o regime de apoio a que se candidatou (ajudas de produção em modo de agricultura biológica - Medida 14 - Programa RURIS); e, (2) Saber qual o teor do contrato celebrado entre o então INGA e o Autor.

J. Porém, na sentença recorrida, entendeu o Tribunal a quo que tinha relevância para a boa decisão da causa dar como não provado o facto que o recorrido tenha sido "... notificado através do Ofício 2098/0AOIUAOR/2009 que não haveria lugar ao pagamento da ajuda..." uma vez que este documento " ...[não consta do Processo Administrativo-Instrutor (PA) qualquer comprovativo respeitante à notificação de tal Ofício ao Autor]'.

K. No entanto, a questão da notificação ou não ao recorrido do Ofício 2098/DAD/UADR/2009, não consta dos temas de prova, nem sequer se consegue "encaixar" em nenhum deles.

L. Dessa forma, para poder levar em consideração factos que resultem da instrução da causa e sejam instrumentais, complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, o Tribunal tinha de ter dado previamente às partes a possibilidade de estas se pronunciarem sobre a atendibilidade desses factos. (Neste sentido vide acórdão proferido em 17/12/2014, pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do Proc. nº 2777/12.1TBBRG.G1)

M. Atendendo ao objeto do litígio e aos temas de prova fixados pelo Tribunal a quo, prescindiu da realização de diligências para produção de prova, o que não teria feito se, como tema de prova, tivesse sido suscitada a questão da notificação ou não ao recorrido do Ofício 2098/DAD/UADR/2009, que, como é salientado na sentença recorrida é um facto "…com relevância para a decisão da causa e, concomitantemente, para a apreciação da questão que supra se elegeu".

N. Pelo exposto, deverá ser anulada a sentença, na medida em que foi analisado em que foi analisado um facto sem que o mesmo constasse dos temas de prova fixados pelo Tribunal a quo, nem resulta da análise do objeto do litígio.

O. Dir-se-á por fim que, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo não fez uma correta análise da prova existente nos autos.

P. O Tribunal dá como provado que o recorrido foi notificado pelo IFAP, I.P. dos ofícios DEV001/2005/0395766, 1321/DAS/SAA/2007 e 67/DAD/UADR/2008, de 1/9/2005, 13/1112007 e 13/3/2008, respetivamente.

Q. Entendeu o Tribunal que através de ofício ref" 67/DADIUADR/2008, o ora recorrente aceitou o pedido de correção solicitado pelo recorrido dessa forma assumindo que este reunia as condições necessárias para o regime de apoio, razão pela qual concluiu ser-lhe devido o pagamento integral "... das ajudas respeitantes às campanhas de 2003 a 2007, acrescidos dos respectivos juros moratórias à taxa legal aplicável e até efectivo e integral pagamento" .

R. Todavia, o Tribunal não teve em consideração o parágrafo seguinte do referido oficio ref" 67/DAD/UADR/2008, apesar do mesmo constar da sentença (pág. 8 da sentença recorrida) onde consta que "Previsivelmente, e caso se verifique não existirem quaisquer erros impeditivos de pagamento, o pagamento em falta da campanha 2004 será efectuado em próximo apuramento a efectuar, tal como as campanhas seguintes". (Negrito e sublinhado nosso)

S. Ou seja, foi expressamente comunicado ao recorrido que pagamento em falta ao recorrido estava sujeito à validação dos erros nessas campanhas e não nessas datas, como foi entendimento do Tribunal a quo, tendo isso mesmo sido reiterado ao recorrido, através de oficio ref" 2098/DAD/UADR/2009.

T. Verifica-se assim, que por diversas vezes foi transmitido ao recorrido que foi detetado um incumprimento de uma das condições de acesso da ajuda, que tornou inelegível a candidatura apresentada em 2004, pelo que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não poderiam ser efetuados pagamentos entre 2005 e 2007, pois não existiam novos compromissos agro-ambientais para as campanhas seguintes.

U. Razão pela qual, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo, a entender que o IFAP, I.P. aceitou o pedido de correção solicitado pelo recorrido dessa forma assumindo que este reunia as condições necessárias para o regime de apoio, faz uma errada interpretação dos factos com consequente aplicação do direito.

V. Por outro lado, tendo ficado demonstrado que, ao contrário do peticionado pelo recorrido, o IFAP, I.P. cumpriu com todas as obrigações a que se encontrava adstrito enquanto organismo pagador, verifica-se que não é correta a decisão do Tribunal no sentido que "o Réu deve proceder ao pagamento integral ao Autor das ajudas respeitantes às campanhas de 2003 a 2007, acrescidos dos respectivos juros moratórias à taxa legal aplicável e até efectivo e integral pagamento" .

W. Atento ao exposto, o entendimento do Tribunal em julgar procedente a presente ação administrativa comum não é correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença ora impugnada.

O Recorrido não apresentou contra-alegações



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença do Tribunal a quo é nula por excesso de pronúncia;

- Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual ao não ter notificado as partes para se pronunciarem sobre factos não incluídos nos temas da prova definidos; e

- Se o Tribunal a quo errou no julgamento de facto e de direito, por errada valoração dos elementos de prova constantes dos autos, com o que veio a julgar a acção procedente.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, a qual se reproduz ipsis verbis:

1. José ………….., ora Autor, é produtor agrícola/frutícola, exercendo a sua actividade no concelho de Vila Nova de Foz Côa, designadamente de azeitona, uva e amêndoa [cf. factualidade admitida por acordo].

2. No âmbito da sua actividade, o Autor cultiva e mantém, em modo de produção biológica, uma área total de 5,94 ha de vinha, uma área total de 15,71 ha de Olival e uma área total de 8,90 ha de amendoal, a que correspondem as parcelas de referência, no parcelário ortofotométrico, como parcelas 2814556228402, 2904500534001, 2904501417005 e 2904501417400 [cf. factualidade admitida por acordo; cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

3. Em 27 de Maio de 2002, entre o Autor e o actualmente denominado “IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.”, ora Réu, foi celebrado, o “Contrato de Atribuição de Ajuda ao Abrigo do regulamento de Aplicação da Intervenção – Medidas Agro-Ambientais / Regulamento (CE) n.º 1257/1999, do Conselho de 17 de Maio / (Cofinanciado pelo FEOGA – Garantia)” [cf. contrato junto com a petição inicial e constante do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

4. O contrato identificado em 3) previa o início da execução do projecto em 28 de Agosto de 2001 e o seu fim em 15 de Outubro de 2005 - projecto, esse, apresentado pelo Autor, no âmbito do Regulamento de Aplicação da Intervenção Medidas Agro- Ambientais (Programa Ruris), que recebeu no Serviço de Regional Vila Real do IFADAP o n.º …………………, recebendo para o efeito os prémios anuais que se indicam, a saber: “…

«Texto no original

[cf. documento (doc.) junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

5. Em 29 de Junho de 2005, foi efectuada uma acção de controlo de campo relativamente à campanha de 2004, cujo Relatório aqui se tem presente e que foi elaborado nessa data (com o acompanhamento do Autor) [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

6. Mediante o Ofício n.º DEV001/2005/0395766 datado de 01-09-2005, o Réu notificou o Autor, nos seguintes termos, a saber:

«Texto no original»

…” [cf. documentos (docs.) juntos com a contestação e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

7. Mediante o Ofício n.º 1321/DAS/SAA/2007 datado de 13-11-2007, o Réu notificou o Autor, nos seguintes termos, a saber: “…

«Texto no original

…” [cf. documentos (docs.) juntos pelo Autor em sede de alegações de recurso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

8. Mediante o Ofício n.º 67/DAD/UADR/2008 datado de 13-03-2008, o Réu notificou o Autor, nos seguintes termos, a saber: “…Em resposta à exposição enviada em 25.02.2008, relativamente ao assunto em epígrafe [Medidas Agro-Ambientais NINGA 468713 - José Augusto Ribeiro], somos a informar: (…) A correcção solicitada foi aceite, no entanto não tendo sido efectuados quaisquer pagamentos referentes a esta campanha desde esta data, o pagamento em atraso não foi ainda processado. Previsivelmente, e caso se verifique não existirem quaisquer erros impeditivos de pagamento, o pagamento em falta da campanha 2004 será efectuado em próximo apuramento a efectuar, tal como as campanhas seguintes…” [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

9. O pagamento da ajuda referente à campanha de 2003 foi parcialmente efectuado pelo Réu [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo].

10. Até à presente data, o pagamento da ajuda referente às campanhas de 2004 a 2007 não foi efectuado pelo Réu [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

11. Até à presente data, o Réu não efectuou o pagamento da quantia global de € 34.997,41 respeitante às campanhas identificadas em 9) e 10) [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

12. Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos juntos aos autos e constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cf. documentos (docs.) constantes dos autos e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

III.II. Com relevância para a decisão da causa e, concomitantemente, para a apreciação da questão que supra se elegeu, o Tribunal julga não provada a seguinte factualidade:

§ O Autor foi notificado através do Ofício 2098/DAD/UADR/2009 que não haveria lugar ao pagamento da ajuda [não consta do Processo Administrativo-Instrutor (PA) qualquer comprovativo respeitante à notificação de tal Ofício ao Autor].



II.2. De direito

Vem questionada no recurso a decisão da Mma. Juiz do TAC de Castelo Branco que julgou a presente acção procedente, com os seguintes fundamento:

Por conseguinte, o Réu assume, assim, em 2008 (e já após conhecidos os resultados da acção de controlo realizada em Junho de 2005) que o Autor reunia as condições necessárias para o regime de apoio a que se havia candidatado.

Assim, o incumprimento do contrato verifica-se sempre que as obrigações contratuais não são cumpridas ou executadas ou não são cumpridas ou executadas nos termos estipulados. Ao não ter procedido ao pagamento das ajudas a que respeitam os presentes autos, o Réu incumpriu o contrato em causa; e, como não ilidiu a respectiva presunção legal, o incumprimento é-lhe imputável a título de culpa, tornando-se responsável pelo prejuízo que para o Autor resultou dessa situação de incumprimento pontual [cf. arts. 350º, 798º, 799º, n.º 1, todos do CC]. Mais, atendendo ao contratualizado, de onde deriva obrigação de cumprimento - pacta sunt servanda [cf. art. 762.º, n.º 1, do Código Civil (CC))] -, sendo que o imputável atraso ou retardamento no cumprimento da obrigação, como é de ónus [cf. art. 342.º, n.º 2, do CC] e presunção [cf. art. 799.º do CC], constitui o devedor em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação não foi efectuada no tempo devido, tendo de satisfazer juros moratórios ao credor [cf. arts. 804.° e 805.° do CC].

Ante o exposto, o Réu deve proceder ao pagamento integral ao Autor das ajudas respeitantes às campanhas de 2003 a 2007, acrescidos dos respectivos juros moratórios à taxa legal aplicável e até efectivo e integral pagamento”.

Começa o ora Recorrente por alegar que o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, decidindo para além do pedido (conclusão G.).

Salvo o devido respeito não se alcança tal arguição. Com efeito, a decisão condenatória recorrida contém-se manifestamente no âmbito do pedido formulado: que fosse “fixado que o R. incumpriu a sua obrigação contratual de pagamento” e, em conformidade, que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de EUR 34.997,41, a título de ajudas à produção em modo biológico devidas e não pagas, bem como juros de mora vencidos que computa em EUR 18.976,41, e vincendos (…).”

Não ocorre, portanto, a nulidade assinalada. E a sentença não é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente considera não ter sido alegado ou não constar dos Temas da Prova.

Coisa distinta – e parece ser essa a verdadeira intenção do Recorrente na arguição da invalidade que vem feita à sentença recorrida – é a existência de nulidade processual, por entender que foi analisado um facto sem que o mesmo constasse dos temas de prova fixados pelo Tribunal a quo e não reclamados pelas partes, nem resulta da análise do objecto do litígio (conclusões H. a N.).

Mas também aqui não lhe assiste razão.

Como referido pelo Ministério Público nesta instância, o conteúdo do ponto 8 da matéria de facto assente foi considerado provado por resultar da documentação constante do processo administrativo, assim como o constante do ponto 7. Aliás, este foi aditado por acórdão deste TCA que, ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, por se encontrar documentalmente comprovado e assumir relevância para a apreciação da causa e do mérito do recurso, já tendo a factualidade em causa sido sujeita a contraditório, acordou em aditar ao probatório o seguinte facto:

“4.º) Pelo ofício com a referência 1321/DAS/SAA/2007, de 13.11.2007, subscrito por 2 Vogais do Conselho de Administração do Réu, cujo assunto é “Medidas Agro-Ambientais-Campanha 2003//Processo ………………//Arquivamento de processo”, foi comunicado ao Autor que: “No seguimento da carta enviada por V. Exa., cumpre informar que, após reapreciação do presente processo [a que se refere o facto 2.º supra], decidiu este Instituto pelo arquivamento do mesmo, porquanto não subsistem os fundamentos que estiveram na origem do processo de recuperação.” (cfr. doc. de fls. 241)”.

Donde, ter o tribunal a quo atendido à prova efectuada - dada como provada e não provada –, a qual se encontra no âmbito dos temas da prova, mais concretamente constam do teor do ponto 1 (fls. 252 e v.): saber se o Autor, como alega, reunia as condições de acesso para o regime de apoio a que se candidatou (ajudas de produção em modo de agricultura biológica – Medida 14 – Programa RURIS). Esta apreciação, contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, cabe no facto de se apurar se o Autor reunia, ou não, as condições de acesso às ajudas a que se candidatou e se encontravam ainda em falta.

Necessário é ter presente que é hoje admissível que a enunciação dos Temas da Prova prevista no n.º 1 do artigo 596.º do CPC assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo, contrariamente ao que sucedia com a Base Instrutória elaborada nos termos do artigo 511.º do anterior CPC (cfr., i.a., os ac.s da Relação de Lisboa de 23.04.2015, proc. nº 185/14.9TBRGR.L1-2, e de 29.05.2014, proc. nº 444/12.5TVLSB.L1-6). Como se disse no recente acórdão deste TCA de 19.10.2017, proc. nº 1087/16.0BELRA -A, atenta a eliminação da listagem de factos “quesitados”, o conceito de “tema da prova” deixou de se coadunar com uma visão atomística e espartilhada de pontos de facto.

Pelo que não incorreu o Tribunal a quo na nulidade processual que lhe vem imputada.

Vejamos agora do erro do julgamento, situação diversa do errore in procedendo.

Alega o Recorrente que o tribunal a quo apenas atendeu a que no ofício 67/DAD/UADR/2008, o ora recorrente aceitou o pedido de correcção solicitado pelo recorrido, dessa forma assumindo que este reunia as condições necessárias para o regime de apoio, porém, o Tribunal não teve em consideração o parágrafo seguinte do mesmo ofício, apesar do mesmo constar da sentença, onde se pode ler: "Previsivelmente, e caso se verifique não existirem quaisquer erros impeditivos de pagamento, o pagamento em falta da campanha 2004 será efectuado em próximo apuramento a efectuar, tal como as campanhas seguintes". Ou seja, entende o Recorrente que tendo sido comunicado ao Recorrido que o pagamento em falta estava sujeito à validação dos erros nessas campanhas e não nessas datas (como foi entendimento do tribunal a quo) e tendo-lhe sido transmitido que havia sido detectado um incumprimento de uma das condições de acesso da ajuda, dessa forma essa tornou-se inelegível. Donde, ao contrário do decidido, não poderiam ser efectuados pagamentos entre 2005 e 2007, pois não existiam novos compromissos agro-ambientais para as campanhas seguintes.

Vejamos então.

A tese do Recorrente reside na alegada circunstância de ter sido detectado o incumprimento do programa, com a inerente quebra de compromisso, pelo que o pagamento referente à campanha de 2004 e aos anos seguintes – a ajuda foi iniciada em 2003 e estaria activa até 2007 – não pode ocorrer.

Neste capítulo terá que se deixar estabelecido que o ónus da prova acerca do incumprimento contratual recai sobre o R. e ora Recorrente, uma vez que na contestação – e agora no recurso - invocou verdadeiramente a excepção de não cumprimento do contrato.

A excepção de não cumprimento do contrato é entendida como uma excepção (de direito material) cujo ónus alegatório incumbe ao contraente que a invoca, tal como lhe incumbe a prova da factualidade conducente à demonstração da sua verificação. Esta excepção encontra-se consagrada no artigo 428.º do Código Civil, estatuindo-se, no seu n.º 1, que: “[s]e nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. E nos contratos em que a prestação se protela no tempo, denominados de duração ou de prestação duradoura, mesmo o contraente que deva efectuar a sua prestação antes do outro pode lançar mão da excepção de não cumprimento do contrato, baseando-se na inexecução de prestações anteriores, isto é, de prestações correspondentes a outras que ele próprio anteriormente tenha efectuado.

No caso, o ora Recorrente faz prevalecer a sua posição de não pagamento (e de rescisão do contrato) na inexecução de prestações anteriores (relativas ao ano de 2004) por parte do ora Recorrido.

Sucede que a factualidade levada ao probatório – e não impugnada – não permite fazer prova cabal desse incumprimento contratual.

Na verdade, provou-se que em 13.11.2007, por ofício subscrito por 2 Vogais do Conselho de Administração do Réu, cujo assunto é “Medidas Agro-Ambientais-Campanha 2003//Processo 14216/2005-INGA 468713//Arquivamento de processo”, foi comunicado ao Autor e ora Recorrido que: “No seguimento da carta enviada por V. Exa., cumpre informar que, após reapreciação do presente processo, decidiu este Instituto pelo arquivamento do mesmo, porquanto não subsistem os fundamentos que estiveram na origem do processo de recuperação.”; bem como que mediante o Ofício n.º 67/DAD/UADR/2008 datado de 13-03-2008, o Réu notificou o Autor, de que “…Em resposta à exposição enviada em 25.02.2008, relativamente ao assunto em epígrafe [Medidas Agro-Ambientais NINGA ……… - José …………….], somos a informar: (…) A correcção solicitada foi aceite”.

E quanto à parte do ofício levado ao probatório em 8. onde se pode ler que "[p]revisivelmente, e caso se verifique não existirem quaisquer erros impeditivos de pagamento, o pagamento em falta da campanha 2004 será efectuado em próximo apuramento a efectuar, tal como as campanhas seguintes", tal não tem o alcance pretendido pelo RECORRENTE. O que se prova aí e o que daí se pode apenas extrair, é que “previsivelmente” o pagamento da campanha será efectuado caso não se verificam ulteriores “erros impeditivos de pagamento”; tão-somente. Nada se retira daí, nem muito menos se pode provar acerca de eventuais os erros nessa campanha que tivessem sido detectados posteriormente e impeditivos daquele pagamento. Quais foram esses “erros”? Qual o incumprimento do plano de exploração verificado? E o eventual incumprimento contratual verificou-se efectivamente? Perguntas às quais não é possível dar resposta.

Em síntese, cabia ao ora Recorrente provar a procedência da invocada excepção de incumprimento, o que manifestamente não fez. Donde, subscrever-se o entendimento avançado pelo Ministério Público de que: “a Entidade Demandada não provou, como lhe competia, a matéria de excepção que invocou [aliás, genericamente acrescentamos nós], isto é, que o Autor não reunia as condições da ajuda que lhe havia sido concedida, motivo da rescisão do contrato”.

Razões pelas quais improcedem as conclusões de recurso, tendo que manter-se a sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A sentença não é nula por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente considera não ter sido alegado ou não constar dos “Temas da Prova”.

ii) É hoje admissível que a enunciação dos “Temas da Prova”, prevista no n.º 1 do artigo 596.º do CPC, assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo, contrariamente ao que sucedia com a “Base Instrutória” elaborada nos termos do artigo 511.º na anterior versão do CPC.

iii) A excepção de não cumprimento do contrato, consagrada no artigo 428.º do Código Civil, é uma excepção (de direito material) cujo ónus alegatório incumbe ao contraente que a invoca para dela beneficiar, tal como lhe incumbe a si a prova da factualidade conducente à demonstração da sua verificação.

iv) Não provando o R., ora Recorrente, como lhe competia, a matéria de excepção que invocou, isto é, que o A. e ora Recorrido não reunia as condições da ajuda que lhe havia sido concedida, motivo do incumprimento e da rescisão do contrato, tem o pedido condenatório de pagamento das prestações pecuniárias tidas por devidas, acrescidas dos respectivos juros, que proceder.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018


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Pedro Marchão Marques


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Helena Canelas


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Cristina Santos