Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:33/20.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL;
CONTRADIÇÃO REAL ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO.
Sumário:A errada subsunção dos factos nas normas jurídicas seleccionadas ou a errada apreciação das provas produzidas, não configura a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC (que se reconduz ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 alínea b) do RJAT) apenas, existe, quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão em sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

A C......., S.A., veio ao abrigo do preceituado do artigo 27.º, n.º 1, e 28.º, n.º1, alínea b) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT) impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº 392/2019-T, que, julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral determinando a anulação da liquidação adicional de IRC n.º ....... na parte em que deduziu à variação patrimonial negativa registada com referência a 31 de Dezembro de 2010, no montante de € 102.246.356,23 o saldo positivo imputável ao Fundo Pensões F......, no montante de € 12.306.145.73, e na parte em que deduziu à variação patrimonial negativa obtida no decurso de 2011, no montante de € 50.304.796,78, o valor positivo imputável ao Fundo Pensões F......, no montante de € 20.797.550,56 e improcedente o pedido arbitral e manteve a dita liquidação adicional em IRC na parte em que teve por base o saldo negativo de € 50.304.796,78, resultante da diferença entre a variação patrimonial negativa registada em 1 de Janeiro de 2011 e o crédito de ganhos e perdas atuariais ocorridos no decurso do ano de 2011. Condenando a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, na proporção do decaimento.

No articulado inicial, as Impugnantes formularam as seguintes conclusões:

«(A) Na apreciação do pedido na parte referente ao englobamento das variações patrimoniais dos dois Fundos de Pensões (M...... e F......) em causa no Processo 392/2019-T, e após a conclusão de que dever-se-ia analisar cada Fundo de Pensões por si só, o Tribunal Arbitral sustentou, na opinião do Impugnante, correctamente, que estando em causa variações patrimoniais positivas (de anos anteriores e do próprio ano) então as mesmas não deveriam concorrer para efeitos do apuramento do lucro tributável, por não se tratarem de um resgate / reembolso a favor da entidade patronal, consubstanciando apenas ganhos potenciais, em linha aliás, diga-se, com o entendimento sancionado pela AT na ficha doutrinária disponível em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacaofiscal/informacoesvinculativas/re ndimento/circ/Documents/FD art 43 CIRC Criterio determinacao gasto fiscal.pdf

(ver ponto 71 da presente impugnação).

(B) Pelo motivo acima apresentado, o Tribunal julgou procedente, e bem, o pedido inicial do Impugnante naquela componente.

(C) Por outro lado, já na apreciação do pedido na parte objecto da presente impugnação, o Tribunal, ao querer relevar fiscalmente para efeitos do regime transitório previsto no artigo 183.° da Lei n.° 64-B/2011, o montante registado a título de desvios actuariais do Fundo de Pensões do Banco M...... nas demonstrações financeiras do Impugnante a 31 de Dezembro de 2011, está igualmente a dar relevância à variação patrimonial positiva do ano.

(D) Não pode pois deixar de se concluir que o Tribunal Arbitral, na mesma decisão, foi inconsistente e incoerente nas conclusões apresentadas, tendo na parte em que julgou improcedente o pedido inicial do Impugnante, proferido um entendimento exactamente oposto ao que o próprio Tribunal sustenta na apreciação da outra parte do pedido que julgou procedente.

(E) Por outras palavras, a decisão arbitral proferida no Processo 392/2019-T contém uma “oposição dos fundamentos com a decisão”, o que justifica a sua impugnação nos termos que ora se apresentam.


Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis e com o douto suprimento deste Tribunal que desde já se invoca, deve, a presente impugnação de decisão arbitral ser julgada procedente, por provada, e consequentemente:

(b) ser anulada a decisão arbitral do CAAD na parte em que teve por base o saldo negativo de € 50.304.796,78, resultante da diferença entre a variação patrimonial negativa registada em 1 de Janeiro de 2011 e o crédito de ganhos e perdas actuariais ocorridos no ano de decurso de 2011; e
(c) ser julgado procedente nessa mesma parte e o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela ora Impugnante, com as consequências legais e com o que se fará Justiça!»

**


Admitida a Impugnação e notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira , veio apresentar resposta, aí concluindo da seguinte forma:

«1.ª A presente impugnação arbitral foi interposta, ao abrigo do disposto nos artigos 27° e 28° n.° 1, alínea b) do RJAT, contra o acórdão arbitral proferido no processo n.° 392/2019-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa.

2.ª A Impugnante não se conforma com a apreciação pelo Tribunal a quo da matéria que identifica na alínea i) do ponto 22 das alegações, isto é, quanto a saber qual o momento em que se devem aferir as variações patrimoniais relevantes, isto é, se em 2010 ou 2011, invocado para tanto que «parte da argumentação aduzida ao longo da decisão é contraditória» (cf. ponto 26 das alegações, destaque nosso) e que «o Tribunal Arbitral, na mesma decisão, foi inconsistente e incoerente nas conclusões apresentadas, tendo na parte em que julgou improcedente o pedido inicial do Impugnante, proferido um entendimento exactamente oposto ao que o próprio Tribunal sustenta na apreciação da outra parte do pedido que julgou procedente.»» [cf. conclusão D), destaque nosso].

3.ª Porém não assiste razão à Impugnante, pois como se antevê do citado, o que verdadeiramente está em causa na impugnação arbitral interposta não é uma qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, mas ao invés uma discordância da decisão do Tribunal a quo, o que não consubstancia a nulidade convocada de oposição dos fundamentos com a decisão.

4.ª Compulsadas as conclusões e alegações relevantes para aferição da nulidade suscitada [conclusões A) a C) e pontos 72 a 87 das alegações], não se retira que possa ser imputável, nos termos sindicados, a contradição entre os fundamentos e a decisão, pois a conclusão (decisão) extraída pelo julgador, quanto à questão sindicada e objeto na presente impugnação, circunscrita no ponto 26 das alegações da Impugnante, é coerente com o raciocínio, de facto e de direito, que a antecedeu, isto é, por referência à fundamentação que respeita à questão aqui em causa e não a outra.

5.ª Sendo duas questões jurídicas distintas e autónomas, como de resto decorre da anulação parcial do ato tributário fixada pelo Tribunal a quo, à luz da jurisprudência e doutrina assentes (cf. acórdão do TCA Sul de 05/22/2019, no processo 7/18.1BCLSB, o acórdão do STA de 05.11.2014, no processo: 0308/14 e ainda o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.a edição, II volume, pp. 361), não se antevê, em que medida haja a referida contradição, pois é necessário à Impugnante, para imputar esta nulidade à parte da decisão recorrida que mantém o ato tributário de liquidação, invocar a fundamentação subjacente a outra questão jurídica.

6.ª Por outro lado, subjacente à fundamentação da primeira questão identificada pela Impugnante e que aqui não vem sindicada, está o facto de existirem dois Fundos de Pensões distintos, o que já não sucede na segunda questão, aqui posta em crise, o que, salvo melhor opinião, sempre suportaria a que a fundamentação não seja coincidente na sua íntegra entre as duas questões assinaladas pela Impugnante.

7.ª Não se deteta, pois, qualquer inconsistência na posição do Tribunal Arbitral, relativamente ao Fundo de Pensões da C...... e ao Fundo de Pensões do F......, pois, em ambos os casos, é devidamente realçado que as variações patrimoniais negativas ou positivas, para efeitos do regime transitório devem ser apuradas autonomamente, isto é, “dentro do mesmo fundo de pensões", conforme o determinado na legislação aplicável.

8.ª Em suma, o que se verifica é que a Impugnante imputa erro de julgamento à decisão impugnada, vício que não cabe no objeto da impugnação da decisão arbitral prevista nos artigos 27.° e 28.° do RJAT, como resulta, dúvidas houvesse nos pontos 88.° a 95.° das alegações em que se menciona a decisão arbitral proferida no processo n.° 391/2019-T, mas que apenas poderá eventualmente fundamentar recurso por oposição de julgados e não a presente impugnação.

9.ª Razão pela qual deve a impugnação ser julgada improcedente.

Termos em que, e nos doutamente supridos, deverá ser negado provimento à impugnação, por manifestamente infundada, e em consequência manter-se a decisão arbitral sindicada na parte objeto da presente impugnação, com o que V. Exas. farão a costumada Justiça!»


**


O Exmº. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, ofereceu aos autos o seu douto parecer,

**


Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


**


II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO
Atentas as alegações vertidas na petição da presente Impugnação de Acórdão Arbitral e, em especial, as conclusões aí formuladas, conclui-se que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se o Acórdão impugnado padece de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c) (1.ª parte), do CPC que se reconduz ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 al. b) do RJAT.
**


III. FUNDAMENTAÇÃO
A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
No Acórdão impugnado fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A. A C......., S.A., é uma instituição de crédito controlada pelo M...... Associação Mutualista.
B. O objeto social da Requerente é o exercício da atividade própria das instituições de crédito, praticando operações de captação de recursos de terceiros, sob a forma de depósito, que aplica, conjuntamente com recursos próprios, na concessão de créditos, títulos e ativos.
C. A Requerente é supervisionada pelo Banco de Portugal.
D. A Requerente dispõe de contabilidade, tendo como referencial as Normas de Contabilidade Ajustadas (NCA). tal como definidas pelo Banco de Portugal, que assentam nas Normas Internacionais de Contabilidade da International Accounting Standards (IAS).
E. No decurso da sua atividade, a Requerente assumiu diversas responsabilidades pós- emprego com os seus colaboradores, tendo ficado essencialmente a seu cargo dois fundos de pensões: o Fundo de Pensões do M...... e o Fundo de Pensões do F......, este a partir de 4 de Abril de 2011.
F. No tratamento contabilístico do Fundo de Pensões do M......, a Requerente seguia a Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 19 - Benefícios dos Empregados.
G. Na redação inicial dessa Norma, os desvios atuariais relativos a Fundos de Pensões eram refletidos nas demonstrações financeiras das entidades de uma forma faseada, de harmonia com o chamado “método do corredor”.
H. Foi esse o método adotado pela Requerente desde o início da aplicação das Normas de Contabilidade Ajustadas.
I. A Requerente optou por abandonar o método do corredor em 2011. na sequência da alteração da IAS 19 introduzida pelo Regulamento (UE) n.° 475/2012 da Comissão, de 5 de junho de 2012, que passou a prever o abandono do método do corredor o mais tardar a partir da data do início do primeiro exercício que comece em ou após 1 de janeiro de 2012.
J. Com esse propósito, contabilizou em "Resultados transitados”, com referência a 1 de janeiro de 2011, os desvios atuariais que nessa data estavam suspensos, e que figuravam no balanço em 31 de dezembro de 2010. no montante de € 102 246 356,23.
K. Face à iminência do fim do método do corredor, prevista na nova redação da IAS 19, com o inerente reflexo negativo nas contas das entidades com responsabilidades associadas a fundos de pensões, a Requerente considerou que o ajustamento de transição a considerar para efeitos fiscais deveria corresponder ao lançamento contabilístico reportado a 1 de janeiro de 2011. no montante dos desvios atuariais pendentes de inclusão até essa data,
L. Assim, considerou que, em relação ao ano de 2012, não concorreria para o respetivo lucro tributável a quantia correspondente a um décimo do ajustamento de transição, ou seja, a € 10 224 635,62.
M. Ao abrigo da ordem de serviço n.° 01201600041, a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito geral abrangendo o período de tributação de 2014.
N. Da referida ação inspetiva resultou uma correção à matéria coletável em IRC no montante total de € 6.043.296,43. resultante de ter deduzido o montante anual imputável à alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de € 8.994.021,05. quando apenas poderia ter deduzido € 2.950.724,62.
O. No âmbito da ação inspetiva. entenderam os serviços inspetivos que a alteração a considerar deveria reportar-se ao fim de 2011 e no cômputo do ajustamento de transição deveriam ter sido incluídas as variações patrimoniais negativas contabilizadas durante o ano de 2011.
P. Em 4 de abril de 2011, a Requerente, para além do Fundo de Pensões M...... que abrangia os seus trabalhadores, assumiu as responsabilidades inerentes ao Fundo de Pensões F......, na sequência da aquisição da totalidade do capital do F...... Holding, S.A.
Q. Dado que em 1 de janeiro de 2011 abandonou o método do corredor, já não o aplicou na sua contabilidade ao Fundo de Pensões F......, pelo que não houve lugar a qualquer ajustamento de transição.
R. Diferente foi o entendimento dos serviços inspetivos, que entenderam que às variações patrimoniais registadas em 2011 decorrentes da alteração de política contabilísticas de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativas ao Fundos de Pensões da C....... e que seriam também as respeitantes a correções efetuadas ao longo do exercício de 2011, se deveriam adicionar os quantitativos referentes ao Fundo de Pensões do F.......
S. O Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária fundamenta as correções, na parte mais relevante, nos seguintes termos:


«imagens no original»



T. As correções originaram a nota de liquidação adicional n.° ......, demonstração da liquidação de juros e demonstração de acerto de contas, relativa ao exercício de 2014, que constitui o documento n.° 2 junto com o pedido arbitrai e que aqui se dá como reproduzida.
U. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional que veio a ser indeferida por despacho do Director do Serviço Central, de 29 de Maio de 2017.
V. Em 1 de Junho de 2017, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que foi indeferido por despacho do Sub-director Geral, de 4 de Março de 2019, notificado por ofício datado de 6 de Março seguinte.
W. O pedido arbitral foi apresentado em 4 de Junho de 2019.

Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido provados.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e factos não questionados.
**

B. DO DIREITO

Como é consabido, o regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n°10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - (RJAT), sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artigo 2.º, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr. artigo 2.º, nº. 2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artigo 16.º, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artigo 25º, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artigo 23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artigo 6.º, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artigo 28.º, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, do diploma. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artigo 28.º, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artigo 125.º, nº.1, do CPPT com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artigo 615.º, nº.1, do CPC.

No caso vertente, verifica-se que a Impugnante vem invocar a nulidade do Acórdão prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC (que se reconduz ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 al. b) do RJAT) suportado no entendimento de que « (…) estando em causa variações patrimoniais positivas (de anos anteriores e do próprio ano) então as mesmas não deveriam concorrer para efeitos do apuramento do lucro tributável, por não se tratarem de um resgate / reembolso a favor da entidade patronal, consubstanciando apenas ganhos potenciais» porém «já na apreciação do pedido na parte objecto da presente impugnação, o Tribunal, ao querer relevar fiscalmente para efeitos do regime transitório previsto no artigo 183.° da Lei n.° 64-B/2011, o montante registado a título de desvios actuariais do Fundo de Pensões do Banco M...... nas demonstrações financeiras do Impugnante a 31 de Dezembro de 2011, está igualmente a dar relevância à variação patrimonial positiva do ano[Conclusões (A) e (C)].

E, nessa linha de raciocínio, conclui-se nas conclusões de impugnação: «(…) o Tribunal Arbitral, na mesma decisão, foi inconsistente e incoerente nas conclusões apresentadas, tendo na parte em que julgou improcedente o pedido inicial do Impugnante, proferido um entendimento exactamente oposto ao que o próprio Tribunal sustenta na apreciação da outra parte do pedido que julgou procedente» [Conclusões (D)].

De acordo com o artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC «[é] nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão».

Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.

Como escreve Amâncio Ferreira «[a] oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56).

A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «[a] construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».

Mas não é o caso do Acórdão impugnado, que não padece deste vício, nem de qualquer contradição lógica nos seus fundamentos e a decisão.

Senão vejamos.

Lembramos aqui, alguns excertos da fundamentação do acórdão impugnado: « [o] regime transitório previsto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, é aplicável às variações patrimoniais negativas decorrentes da alteração na política contabilística de reconhecimento dos desvios atuariais ocorrida em 2011 e refletida nas demonstrações financeiras desse período, não sendo atribuída relevância fiscal aos ajustamentos que, em observância da IAS 8, se traduziram no cálculo dos ganhos e perdas atuariais acumulados que poderiam ser diferidos em balanço de acordo com o método do «corredor», ajustando o balanço de abertura de 2011 e os valores comparativos das demonstrações financeiras de 2010. (…) Nesse enquadramento, o facto de o saldo credor dos fundos, como menos-valia latente, não ser tributado não tem como necessária consequência que, na determinação dos desvios actuais, não deva relevar até à concorrência das diminuições de valor que constituem decorrência do ajustamento realizado no quadro da nova política contabilística

Na verdade, não ocorre qualquer inconsistência na posição do Tribunal Arbitral, relativamente ao Fundo de Pensões da C...... e ao Fundo de Pensões do F......, pois, em ambos os casos, é devidamente realçado que as variações patrimoniais negativas ou positivas, para efeitos do regime transitório devem ser apuradas autonomamente, isto é, “dentro do mesmo fundo de pensões”, de acordo com o determinado na legislação referida.

Se o Tribunal Arbitral errou no juízo formulado, tal poderá inquinar a decisão de erro de julgamento, mas não de nulidade, único vício de que este tribunal pode conhecer.

Pelo que vem dito, resulta que não se verifica, nos termos exigidos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão

Da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente

Considerando do valor dos presentes autos (6.211.919,98€), importa ponderar a aplicação do artigo 6.º, nº7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Dispõe o citado normativo legal: «Nas causas de valor superior a €275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e á conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser determinada oficiosamente pelo juiz ou a requerimento de qualquer das partes.

No caso dos autos, temos de reconhecer que, quanto ao comportamento das partes, nada há a censurar à actuação processual das partes, que se limitaram a ditar argumentos com vista à defesa dos seus interesses e no que respeita à matéria em discussão ( nulidade da sentença -oposição entre os fundamentos e a decisão-) não se vê que a mesma se tenha revestido de grande complexidade substancial.

Daí que, ponderando todos estes factores e a utilidade económica dos interesses das partes envolvidos, se entenda, à luz da interpretação dada à norma do nº 7 do artigo 6.º do RCP, nada obsta a que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

IV. CONCLUSÕES

A errada subsunção dos factos nas normas jurídicas seleccionadas ou a errada apreciação das provas produzidas, não configura a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC (que se reconduz ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 alínea b) do RJAT) apenas, existe, quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão em sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

V.DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente Impugnação de Decisão Arbitral.

Custas pela Impugnante, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


Lisboa, 11 de Março de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


(Ana Pinhol)