Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02964/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:09/20/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRS.
RENDIMENTOS COMERCIAIS.
Sumário:1.A administração tributária/AT, confrontada com a, objectiva e singela, ocorrência da celebração de um contrato-promessa de compra e venda de imóveis, cujo incumprimento, por parte dos promitentes vendedores, determinou o recebimento, pelo promitente comprador, das quantias pecuniárias contratualizadas para essa eventualidade, ficcionou uma realidade diversa e muito mais complexa, susceptível de ser enquadrada na previsão do art. 4.º n.º 1 al. e) CIRS que, à data, permitia considerar rendimentos comerciais e industriais os lucros imputáveis às actividades urbanísticas, de exploração de loteamentos e prestação de serviços conexos.

2. Não estando, em princípio, sujeito a tributação, em IRS, o recebimento, pelo impugnante, das quantias devidas a título de cláusula penal, por virtude do havido incumprimento do contrato-promessa e sendo esta a única realidade possível de se julgar ocorrida, em função da factualidade provada, nenhuma base de sustentação tem a proposta da AT de sujeitá-lo ao versado imposto, sob o argumento de um suposto exercício de actividades urbanísticas e/ou exploração de loteamentos.

3. Sendo possível assentar em que, ao impugnante, foi paga certa quantia, por parte de uma sociedade, não outorgante, estranha ao contrato-promessa, havendo apontamento, do legal representante de uma das promitentes vendedoras, da existência de interpelação destas, por parte daquele, no sentido do interesse da compradora (…) na efectivação de aquisição da propriedade total dos terrenos, objecto desse convénio, o que veio a concretizar-se, temos por consubstanciada a prática, ainda que isolada, ocasional, de uma actividade do tipo comercial, face à presença, entre o mais, de actos de comércio, para que o impugnante contribuiu e pelo que foi remunerado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I
JOSÉ ………………, contribuinte n.º ……….. e com os demais sinais dos autos, impugnou judicialmente liquidação de IRS e juros compensatórios, do ano de 1998.
Proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, sentença que julgou a impugnação improcedente, interpôs, o impugnante, recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra sumulada nas seguintes conclusões: «
I. A douta sentença recorrida não tomou posição sobre questões de que devia conhecer, estando afectada a sua validade formal, por omissão de pronúncia; sendo assim nula (alínea d), do nº 1, do artigo 668º do CPC.
II. De facto, a mesma não tomou posição sobre a questão do requerente ser um não residente e como tal ter de ser tributado, nem sobre a existência de fundada dúvida sobre o acto tributário, conducente à anulação do mesmo, nem tão pouco sobre a nulidade suscitada relativamente à delegação ou subdelegação de competências do Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças ………. - 2.
III. Por outro lado, a sentença fez, uma errada apreciação da prova, ao considerar como não provados os pagamentos das despesas suportadas pelo recorrente.
IV. O depoimento da testemunha inquirida em audiência, em conjunto com a prova documental, designadamente o recibo, deveriam ter determinado a inclusão no probatório dos factos elencados nas alíneas a) a e) do ponto 11° das alegações, pelo que a Sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova.
V. Por outro lado, os factos dados como provados nos pontos 1, 2, 4, 9, 10, 15, 22 e 26 do probatório da Sentença recorrida, deveriam só por si, ter conduzido à procedência da impugnação judicial.
VI. Contraria o direito aplicável a posição defendida na sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que considera as importâncias recebidas como resultantes “de uma actividade que consistiu na realização de operações económicas de carácter empresarial enquadradas na alínea e) do nº 1 do art 4° do Código do IRS (na redacção à data)” considerando-as por isso sujeitas a tributação.
VII. Desde logo, porque o recorrente nem realizou quaisquer actividades urbanísticas, nomeadamente requerendo licenças camarárias ou obtendo alvarás de loteamento ou de construção.
VIII. Nem explorou quaisquer loteamentos, mormente a venda de terrenos inserida em operações de loteamento, não tendo sequer o prédio sido dividido em lotes destinados a construção urbana, o que afasta o conceito de loteamentos urbanos (Acórdãos n° 48250, de 14/03/2002, n° 33160 de 16/02/1994, e n° 43953, de 20/12/1996, todos do STA, e nos recentes Acórdãos do TCA Sul n°s 1681/07 e 2228/08 de 18/11/2008 e 11/11/2008 e ainda n° 2290/08 de 17/06/2008).
IX. Sem a formação de unidades autónomas e de promoção e exploração de loteamentos, não se encontram preenchidos os requisitos normativos da 2ª parte da alínea e), do n° 1. do artigo 4°, do CIRS, em vigor à data dos factos.
X. O recorrente apenas realizou as benfeitorias necessárias que dotaram o prédio de condições de salubridade e contribuíram para a sua conservação, não retirando ao terreno as suas características agrícolas e a sua classificação rústica a que se referia o artigo 3° do Código da Contribuição Autárquica.
XI. Acresce que do probatório da Sentença recorrida, não se pode retirar a existência de “prestação de serviços conexos” referidos na norma supra citada, entendidos aqueles como actividades de intermediação.
XII. A realização de benfeitorias não se integra no conceito de “acto de comércio”, tal como se encontra definido no artigo 2°; por referência ao artigo 463º, ambos do Código Comercial, no desenvolvimento de uma actividade objectivamente comercial ou industrial, com o fito de obter lucros.
XIII. Interceder junto de partes desavindas, agindo de forma conciliatória a nível de relações meramente humanas, como ficou demonstrado em sede de audiência de julgamento, é indubitavelmente um acto de simples intercessão, não podendo ser classificado como de “mediação” entre a oferta e a procura para efeitos de enquadramento na categoria de rendimentos comerciais.
XIV. Os lucros cessantes pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão (ou incumprimento contratual) um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor a titularidade de uma situação jurídica que mantendo-se lhe daria direito a esse ganho (Acórdão do STJ, de 23/05/78, BMJ 277-258):
XV. A cláusula penal tem já agregada a quantia indemnizatória, por acordo das partes, realizando a sua finalidade essencialmente reparadora ou reintegrativa apenas em função do dano (artigos 405°, n° 1, e artigo 810° do CC).
XVI. O ressarcimento de prejuízo não pode ser considerado lucro, pois está subjacente ao conceito de dano.
XVII. O dano emergente compreende a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado, ao passo que o lucro cessante se reporta aos benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, ao acréscimo patrimonial frustrado.
XVIII. A “indemnização” em si, visando a reparação de um dano, “não é um acréscimo patrimonial”, e, por isso, não há-de ser tributada.
XIX. Na redacção anterior do artigo 13°, n° 1, do CIRS, aplicável à data dos factos, só as indemnizações por lucros cessantes, eram referidas para as sujeitar a imposto, ficando as indemnizações por “danos emergentes” afastadas da incidência.
XX. A “teoria dos incrementos patrimoniais” surgiu com a entrada em vigor da Lei 30 -G/2000, de 29/12 (reforma da tributação do rendimento), pelo só se aplica a factos posteriores à sua entrada em vigor (artigo 12° da LGT).
XXI. Não sendo aplicável ao caso “sub judice” a nova redacção do artigo 13° do CIRS, não pode a verba recebida a título de cláusula penal, ser qualificada como proveitos, para efeitos de determinação do rendimento de actividade comercial, pelo que ao ter decidido em sentido contrário a douta sentença ora em crise, padece de erro de julgamento.
XXII. Ainda que se admitisse que a cláusula penal concretizava um rendimento comercial, o que se refuta com veemência, sempre implicaria a sua tributação à taxa de 15%, e não a 40%, porque o recorrente não é considerado residente em território português (artigo 74°, nº 4, alínea b), do CIRS na redacção introduzida peio artigo 1° do DL 25/98, de 10/02).
XXIII. Mas ainda assim, a base tributável nunca poderia ser composta pelo valor da cláusula penal e da reposição das benfeitorias, devendo ser diminuídos os valores dos sinais entregues no âmbito do contrato-promessa.
XXIV. Valores que constam do probatório, nos montantes de 100.000.000$00 e 75.000.000$00, reforçados em mais 50.000.000$00 para cada uma das 1ª e 2ª Outorgantes, pelo que a douta Sentença de 1ª Instância padece de erro de julgamento.
XXV. O recorrente não percebe qual o elemento de conexão temporal perfilhado que conduziu ao estabelecimento de um marco cronológico sobre o qual se criou a liquidação do tributo em 1998.
XXVI. Nem compreende ao nível das razões de facto e de direito e do trajecto cognitivo como pode uma indemnização ser considerada rendimento comerciai, nem alcança como foram aplicadas taxas gerais a um não residente. E,
XXVII. Ainda menos conseguiu perceber, o que entendia a recorrida por “consumação de intenção”, qual a sua relevância para determinar a incidência real do imposto e como apurou a incidência temporal.
XXVIII. O acto tributário não se pode ter por fundamentado, porquanto não se deixa perceber o iter cognoscitivo e as razões que levaram à tributação nos termos em que esta se processou, peio que a douta sentença recorrida ao considerar como devidamente fundamentado o acto tributário padece de erro de julgamento não podendo permanecer na ordem jurídica.
XXIX. O acto de notificação em que falte a indicação da delegação ou subdelegação de competências é nulo, (artigo 39°, n° 8 do CPPT).
XXX. No ofício de notificação não foi feita qualquer indicação relativa à delegação ou à subdelegação de competências para a prática do acto, pelo que é nulo.
XXXI. Foi essa a realidade colocada à apreciação do Tribunal recorrido, pelo que a sentença a decidir em sentido contrário, padece ainda pelo exposto de erro de direito, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

Termos em que, atentos os factos e fundamentos expedidos, nos melhores de direito e com o douto suprimento V. Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo” e, em consequência, anulada a liquidação efectuada pelos serviços em sede de IRS do ano de 1998 e respectivos juros compensatórios, com todas as consequências legais daí advindas. »
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Não houve lugar à apresentação de contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado, na sentença: «
FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Compulsados os autos e vista a prova produzida, com interesse para a decisão, apuraram-se os seguintes factos:
1 - Em 07/10/1987 foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda entre F. ………. e …………, Lda., na qualidade de 1° outorgante, F. ………. - Gestão ……………, Lda., na qualidade de 2° outorgante e José ………………… na qualidade de 3° outorgante e tendo por objecto as quotas partes indivisas dos prédios inscritos na matriz cadastral da freguesia de S. ………….. sob os artigos 23° da Secção R, artigo 24° da secção R e artigo 31° da Secção R, sendo o preço de 495.000.000$00 para a F. ……… e ………….. e de 365.835.000$00 para a F. Branco, Lda., tendo sido estabelecido o pagamento a título de sinal de 100.000.000$00 para a 1a outorgante, de 75.000.000$00 para a 2ª outorgante, sendo os sinais pagos reforçados com mais 50.000.000$00 para cada uma das 1ª e 2ª outorgantes com a informação da Câmara Municipal de Sintra que os terrenos se destinam à construção de habitações, sendo a restante parte do preço paga no acto de outorga da escritura (cfr. contrato de fls. 76/80 cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2 - Foi ainda estabelecido que em caso de incumprimento, por parte dos 1° e 2° outorgantes do contrato-promessa referido no ponto anterior, aqueles pagariam ao 3° outorgante a título de cláusula penal as quantias de 600.000.000$00 e 550.000.000$00, e em caso de incumprimento do contrato por parte do 3° outorgante, os 1° e 2° outorgantes tinham o direito de fazer seus os sinais entretanto recebidos do 3° outorgante (cfr. cláusula 7a do contrato a fls. 79).
3 - Em 23/07/1996 foi apresentada alteração ao número de contribuinte de José …………………. para a situação de não residente e identificando o representante legal (cfr. fls. 23/24).
4 - Com data de 21 /04/1998 foi emitido pelo ora impugnante a declaração sob o título “recibo” no qual consta ter recebido da ………….. (Portugal) - Sociedade de …………….., SA, a quantia de 71.789.980$00 referente “à indemnização acordada por danos emergentes provocados pela aquisição dos terrenos situados em Abrunheira (...) da freguesia de S. Penaferrim e inscritos na matriz predial rústica sob os artigos 23, 24 e 31 da Secção R (...) por parte da Carrefour e para não proposição da acção para prossecução contratual acordada com os proprietários dos referidos imóveis”, constando ainda referida declaração “Não sujeita a IRS nos termos do art. 13° do Código” (cfr. teor de fls. 72).
5 - Com a mesma data de 21/04/1998 foi emitido pelo ora impugnante a declaração sob o título “recibo” no qual consta ter recebido da ………. (Portugal) -Sociedade de ………………, SA, a quantia de 71.789.980$00 referente “à indemnização acordada por danos emergentes provocados pela aquisição dos terrenos situados em Abrunheira (...) da freguesia de S. Penaferrim e inscritos na matriz predial rústica sob os artigos 23, 24 e 31 da Secção R (...) por parte da Carrefour e para não proposição da acção para prossecução contratual acordada com os proprietários dos referidos imóveis”, constando ainda referida declaração “Não sujeita a IRS nos termos do art. 13° do Código” (cfr. teor de fls. 73).
6 - As declarações mencionadas nos pontos 4 e 5 apenas diferem na morada do ora impugnante, tendo o impugnante em termo de declarações referido que apenas recebeu a importância uma vez, e que a existência de dois recibos se deve ao facto da residência constante do primeiro ser apenas domicílio profissional sendo o domicílio habitual em Gibraltar (cfr. teor de fls. 72 e 73 e fls. 59).
7 - Com data de 21/04/1998 foi emitido um cheque pelo …………. (Portugal) - Sociedade de …………, SA., à ordem de José ……… e no montante de 71.789.980$00 (cfr. fls. 74).
8 - A sociedade F. ……………..………, Lda, emitiu cinco cheques à ordem do ora impugnante no montante total de 550.000.000$00 (cfr. fls. 83/86).
9 - Em 24/04/1998 foi emitido por José ………… ………….. o recibo de quitação no qual declara ter recebido de F. …….- Gestão …………., Lda., a quantia de 550.000.000$00 referente à cláusula 7ª do contrato-promessa de compra e venda (cfr. fls. 82).
10 - Em 24/04/1998 foi emitido por José ………………. o recibo de quitação no qual declara ter recebido de F. ……… e …………, Lda., a quantia de 600.000.000$00 referente à cláusula 7ª do contrato-promessa de compra e venda (cfr. fls. 88).
11 - O ora impugnante no termo de declarações de fls. 68/70 declarou que “(...) o objectivo que esteve na origem da compra dos terrenos se prendia com a constituição de uma empresa com vista a lotear, construir e posterior comercialização (...)”.
12 - Em 25/03/2001 foi elaborada a informação dos serviços de inspecção tributária da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa na qual consta que em relação ao recibo com a menção “indemnização acordada por danos emergente”, “(...) solicitado esclarecimento à sociedade EPCJ, esta viria a referir que esses danos resultavam da quebra de um contrato promessa de compra e venda celebrado entre os vendedores e o SP, opondo-se este à venda à EPCJ e ameaçando com um processo judicial. Assim, este valor seria para diminuir custos à EPCJ, na resolução do contencioso entre o SP e os vendedores. Das diligências efectuadas (...) conclui-se que ao pagamento em causa está subjacente o pagamento de comissão na intermediação da operação, pois: a) Os pagamentos inerentes à quebra do contrato promessa com os vendedores, foram por estes efectuados, conforme previsto no respectivo contrato promessa e de acordo com os respectivos recibos de quitação assinados pelo SP. b) Junto de um dos vendedores foram obtidos documentos onde é feita referência à mediação do SP, na realização da operação, c) Em termo de declarações prestadas por um dos vendedores, é igualmente referido que a venda dos terrenos à EPCJ/Carrefour, foi feita por proposta do SP (...) conclui-se que efectivamente se trata de comissões pela intermediação na operação, pelo que este valor terá de ser sujeito a tributação em sede de /RS” (cfr. fls. 62/63).
13 - Com base na informação referida no ponto anterior, foi efectuada uma acção de inspecção ao ora impugnante e ao exercício de 1998 em sede de IRS e IVA (cfr. teor do relatório de inspecção de fls. 29/119 cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
14 -Os serviços de inspecção procederam a correcções aritméticas dos rendimentos auferidos pelo ora impugnante tendo sido considerados rendimentos da categoria C do ano de 1998 no montante de 1.221.789.980$00 (€ 6.094.262,73) (como consta de fls. 33).
15 - Em auto de declarações Fernando …….., gerente da sociedade F. …… - Gestão e ……….., Lda., declarou que “(...) passado algum tempo, o sr. R........... contactou-nos para saber se queríamos vender à empresa Carrefour a totalidade da propriedade. Como vimos dificuldade em falar com o sr. Costa, pediu-se ao sr. R..........., para falar com ele, sem falar no nosso nome (Sr.s Fernando ………… e ……..). Entretanto fez-se o negócio com a …….. e acertámos as contas com ele, sr. R............ O acerto de contas foi a devolução do sinal que já tinha sido recebido, mais uma compensação pela diferença de preços de venda inicialmente acordado com ele e o que veio a ser realizado com a …….. (…)” como consta de fls. 66.
16 - Os serviços de inspecção em relação ao direito de audição mencionaram no relatório que o contribuinte não usufruiu do direito tendo sido devolvidos com a menção “não reclamado” e “não atendeu” os três exemplares do projecto de relatório enviados por carta registada para a residência profissional, para a residência do representante legal e para a residência constante dos ficheiros do contribuinte, tendo concluído que não haveria lugar a qualquer alteração do projecto de relatório (cfr. fls. 47 e 113/118).
17 - O relatório de inspecção foi objecto de despacho, concordante com o seu teor, proferido em 15/11 /2002 pelo Director de Finanças (cfr. fls. 29).
18 - Na sequência das correcções efectuadas pelos serviços de inspecção foi efectuada em 21/11/2002 a liquidação nº …………de que resultou imposto a pagar no montante de € 3.024.632,12 cuja data limite de pagamento ocorreu em 2003/01/17 (cfr. fls. 263/264).
19 - Em 15/04/2003 foi apresentada a petição de fls. 2/21.
20 - A E…….. é uma empresa que se destinava à compra de terrenos para construção de grandes superfícies para evitar inflação dos terrenos se os vendedores soubessem que a aquisição seria efectuada pelo … (cfr. depoimento da testemunha).
21 - O Carrefour tinha interesse na aquisição do imóvel sito na freguesia de Penaferrim (cfr. depoimento da testemunha).
22 - O terreno não tinha nada (cfr. depoimento da testemunha).
23 - O Carrefour acordou com o impugnante para que este desistisse da aquisição de forma a que o ………… pudesse comprar o terreno (cfr. depoimento da testemunha e documento de fls. 96).
24 - Existia um diferendo entre o Sr. Costa e os outros sócios que foi resolvido pelo Sr. R........... (cfr. depoimento da testemunha).
25 - O Sr. R........... conseguiu que fosse assinado o acordo entre os sócios e Carrefour para a aquisição do terreno (cfr. depoimento da testemunha).
26 - O terreno em 2001 estava na mesma (cfr. depoimento da testemunha).
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A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como do depoimento da testemunha ouvida em audiência de inquirição, como consta da acta de inquirição de fls. 241/242 e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.
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Não se mostra provado o pagamento das despesas que o impugnante alega ter realizado com terraplanagens, deslocação de terras, construção de muros de suporte e vedações para evitar aluimento de terras, desmatação e aterro de uma lagoa, bem como construção de uma servidão de passagem, e com o pagamento a arquitectos e advogados. »
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Antes de mais, em jeito de sumário, descortinamos como questões a versar e solucionar, neste recurso, as seguintes:
1. se a sentença recorrida deve ser declarada nula, por omissão de pronúncia;
2. avaliar o julgamento da matéria de facto e considerar a necessidade de ser aditada outra factualidade à que foi tida por assente;
3. aferir do eventual cometimento de errado julgamento no tratamento dos aspectos relacionados com a aplicação do disposto nos arts. 4.º n.º 1 al. e) e 13.º CIRS, bem como, com a fundamentação e a delegação ou subdelegação de competências do acto tributário e do seu autor.
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Quanto à nulidade da sentença, presentes as três questões que o Recorrente/Rte aponta, na conclusão II., ter sido omitida pronúncia, conclui-se que assim não acontece quanto à nulidade relativa à delegação ou subdelegação de competências, dado constar da fundamentação daquela o apontamento de “que o relatório de inspecção foi objecto de despacho proferido em 15/11/2002 pelo Director de Finanças no âmbito de competência própria razão pela qual não consta qualquer menção à delegação ou subdelegação de competências”. Por outro lado, quanto à existência de fundada dúvida sobre o acto tributário, enquanto motivo suficiente e determinante da sua anulação, à sentença não era exigível um pronunciamento concreto, pela circunstância de a impugnante, na petição deste processo, não haver colocado, alegado, essa específica causa de anulação dos actos tributários (cfr. arts. 121.º CPT e 100.º CPPT).
No que tange ao aspecto de o contribuinte (Rte) ser um não residente e nessa qualidade ter de ser tributado, compulsada a sentença, verificamos que foi versado a nível do julgamento factual, ao ponto de ter sido julgado provado o facto inscrito no item 3, sem que, em sede de formulação dos motivos referentes ao julgamento dos contornos jurídicos da causa, tenham sido retiradas eventuais consequências do apuramento desse facto. Ora, neste circunstancialismo, propendemos para entender que estamos em presença não de um vício que contenda com os aspectos formais, mas, sim, com a substância da sentença, potencialmente, determinante da respectiva revogação, por erro de julgamento.
Em suma, não é nula a sentença sob crítica.
Versando, de imediato, o julgamento da matéria de facto provada e não provada, liminarmente, é de concluir que o Rte não cumpriu o ónus da indicação, em conformidade com o exigido pelo art. 690.º -A n.º 2 CPC, do depoimento em que se apoia para imputar errado julgamento à sentença recorrida, quando não fixou como provada determinada factualidade. Efectivamente, limitou-se a fazer apelo genérico ao declarado por testemunha inquirida no processo, cujo depoimento mereceu registo áudio, sem que tenha acompanhado essa indicação de qualquer referência ao assinalado na acta quanto à posição, na/s cassete/s utilizada/s, da/s parte/s, do depoimento, pretendida/s sujeitar à reapreciação deste tribunal.
Deste modo, inevitável é a rejeição do recurso, com relação à impugnação do julgamento factual produzido na sentença, que, por isso, tem de manter-se, sem prejuízo do, a seguir, expendido.
Efectivamente, ao abrigo do disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, acorda-se, à matéria de facto provada, por documentado nos autos e com interesse para a decisão a proferir infra (1), aditar o seguinte ponto:
27 - Do relatório de inspecção, dado por reproduzido no ponto 13, entre o mais, consta: «
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
III. 1. Procedimento inicial
Com base nos elementos enviados pela 2ª Direcção de Finanças ………….. através do ofício n° 6019, de 22 de Abril de 2002, foi desencadeado um procedimento interno de inspecção, em que se analisou o recebimento por parte do sujeito passivo de 71.789.980$ (ou 358.086,91 €) da ……. (Portugal) - Sociedade …………., S.A., NIPC ………….
Esta importância, e segundo a mesma informação (Anexo IV), estaria subjacente ao pagamento de uma comissão pela intermediação na venda de terrenos, envolvendo como entidades:
> Compradora: E………. - Sociedade ………, S.A., NIPC ………...
> Vendedores: F. B………- Gestão de ……….s, Lda, NIPC ………, e F. Silva …………, Lda, NIPC ……………..
Anexo ao ofício supracitado foi-nos enviado igualmente um termo de declarações do sr. Fernando ………….. (Anexo V), em que é afirmado que “o senhor R..........., contactou-nos para saber se queríamos vender á empresa ……….. a totalidade da propriedade”, pelo que à data da realização do relatório de análise interna tudo levaria a crer que ao recebimento do montante de 71.789.980$ (ou 358.086,91 €) estaria subjacente o pagamento de uma comissão pela intermediação na venda de terrenos.
Dado que os elementos disponíveis à data não se revelaram conclusivos e uma vez que não tinha sido possível entrar em contacto com o contribuinte apesar de ter sido enviada notificação do projecto de relatório do procedimento interno, (o qual nos foi devolvido pelos CTT, com a indicação de “não reclamado”) nos termos do art° 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e art° 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), foi decidido desenvolver um procedimento externo de inspecção.
III. 2. Procedimento externo de inspecção
Ao sujeito passivo foram efectuadas as seguintes notificações:
-Notificação para proceder à apresentação das declarações de rendimentos do exercícios de 1998 (Anexo XVI).
-Notificação para proceder à apresentação de escrita, nos termos do n° 3 do artigo 42° do RCPIT (Anexo XI).
-Notificação para proceder à organização de escrita, nos termos do n° 2 do artigo 120° do RGIT (Anexo XII).
Estas notificações foram entregues pessoalmente na data do início da inspecção externa, tendo sido efectuada recolha de cópia assinada pelo sujeito passivo, comprovativo do recebimento.
Neste procedimento apurou-se o seguinte:
III. 2.1. Montante recebido do …………Portugal - Sociedade de ……………………., S.A.
Relativamente à importância mencionada acima de 71.789.980$ (ou 358.086,91 €), e segundo o sujeito passivo, conforme termo de declarações de 24/09/2002, (Anexo VI), “destinou a compensar as benfeitorias que realizou nos terrenos ..... que são os artigos 23°, 24° e 31° da secção R da freguesia de S. Pedro de Penaferrim, concelho de Sintra. Mais declarou que as benfeitorias realizadas, consistiram ao que se recorda.....construir muros de suporte para evitar o aluimento de terrenos, vedações, pavimentação de estrada de acesso à escola, bem como de uma outra estrada de acesso ao interior dos terrenos. Construiu também um muro circundante aos terrenos, procedeu à desmatação dos terrenos, aterro de uma lagoa existente ...
Ainda no mesmo termo de declarações “Declarou igualmente que o objectivo que esteve na origem da compra dos terrenos se prendia com a constituição de uma firma com vista a lotear, construir e posterior comercialização”.
Para efeitos de esclarecimento da situação verificada foi solicitado ao ………., o fornecimento de toda a informação e documentação sobre a natureza do pagamento da referida importância.
De acordo com a resposta que nos foi enviada (Anexo XIV), o valor pago pode ser dividido em duas parcelas:
Por um lado, 65 mil contos correspondem às despesas com terraplanagens, deslocações de terras, vedações, arquitectos e outros, sendo o restante destinado à compensação do pagamento de despesas incorridas com advogados e outras que o sr. R........... exigiu para não interpor a acção em tribunal.
Face à contradição verificada entre as diversas informações prestadas pelos intervenientes e à falta de documentação facultada quer pelo ……….., quer pelo sujeito passivo leva-nos à necessidade de recolha de elementos para suportar os factos conhecidos.
Desta operação existem como meios de prova (Anexo VII): dois recibos de quitação com data de 21/04/1998 assinados pelo contribuinte, mas com moradas diferentes, e ainda um cheque emitido pelo Carrefour.
De salientar ainda que as moradas do contribuinte constantes dos referidos recibos, são:
> 1002 Eurotowers-Gibraltar
> Rua …………………, 5 - l Esq, 2800 Almada
III. 2.2. Montantes recebidos de F. ……… - Gestão e ……., Lda e F. …………….., Lda
Em 07/10/1987 foi celebrado um contrato promessa de compra e venda entre F. …………., Lda, NIPC …………… e F. B………. - Gestão de …………, Lda, NIPC ……….., -promitentes vendedores, e José ……………., NIF …………. - promitente comprador. (Anexo VIII), tendo por objecto os terrenos sitos na freguesia de S. Pedro de Penaferrim que correspondem à secção R dos artigos matriciais n°s 23, 24 e 31.
Uma vez que, segundo o sr. José ……….., os promitentes vendedores acabaram por não lhe alienar os referidos terrenos, estes procederam aos seguintes pagamentos de acordo com o estipulado na clausula 7ª do contrato promessa de compra e venda, facto este que foi confirmado pelo próprio cf. termo de declarações de 19/09/2002. (Anexo III)
> 550.000.000$ (ou 2.743.388,43 €) de F. ……… - Gestão …………….., Lda, a título de cláusula penal pelo não cumprimento do estabelecido no contrato promessa de compra e venda de terrenos efectuado em 07/10/1987, conforme cláusula 7ª do mesmo contrato. Desta operação existem como meios de prova (Anexo IX): um recibo de quitação com data de 24/04/1998 assinado pelo contribuinte, e ainda cinco (5) cheques que perfazem a quantia acima indicada, sendo que um deles foi emitido por Fernando …….. (individual) e os outros quatro pela firma atrás referenciada, cujos n.°s, entidades sacadas, datas de emissão e importâncias abaixo se descriminam:
Data N° cheque Entidade sacada Montante
23/01/98 ……….. Crédito ……….. 20.000.000$
26/10/98 ……………Banco ………….. 20.000.000$
24/04/98 ………………Crédito ……… 100.000.000$
24/04/98 ……………Banco ………. 200.000.000$
24/04/98 …………B…………….. 210.000.000$
Total 550.000.000$
(ou 2.743.388,43 €)

> 600.000.000$ (ou 2.992.787,38 €) de F. ………………., Lda, a título de cláusula penal pelo não cumprimento do estabelecido no mesmo contrato promessa de compra e venda de terrenos efectuado em 07/10/1987, conforme cláusula 7ª do mesmo contrato. Desta operação existe também como meio de prova (Anexo X): um recibo de quitação com data de 24/04/1998 assinado pelo contribuinte.
III. 2.3. Compra e venda de prédios urbanos
Verificou-se também, que o sujeito passivo adquiriu:
-Em 1993, o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …………… sob o artigo n° ……….(vide anexo XV), do qual fez doação ás suas filhas.
-Em 1996, adquiriu o prédio inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo n° ………., o qual vendeu em 1999 (anexo XV).
III. 2.4. Aquisição Intracomunitária de Bens
Conforme iremos ver mais à frente, o contribuinte efectuou uma AICB, no 2° trimestre de 1998, no montante de 22.660.209$00 (113.028,64 €), com origem em Espanha.
III. 3. Fundamentos das Correcções
III. 3.1. Imposto sobre o Rendimento
Pelo que foi atrás referenciado relativamente aos terrenos sitos na freguesia de S. Pedro de Penaferrim, pode-se concluir que foram gerados rendimentos sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
III. 3.1.1. Comissão de Intermediação
Ao recebimento da importância de 71.789.980$ (ou 358.086,91 €) está associada uma actividade desenvolvida por parte do sujeito passivo de intermediação entre os proprietários dos terrenos e a entidade que veio a comprar os mesmos, com base nos fundamentos já referidos, no ponto III. 1, nomeadamente o termo de declarações do senhor Fernando ……….. (Anexo V), onde se torna claro que o senhor R........... actuou no âmbito de uma actividade de intermediação, auferindo uma comissão por essa intermediação na venda dos terrenos, paga pelo comprador.
Considera-se que esta importância está sujeita a IRS, não se aplicando a delimitação negativa da incidência do imposto a que se refere a parte inicial do art 13° do CIRS*. Assim, embora conste do recibo, entre parêntesis, uma referência a uma não sujeição a IRS, nos termos do então artigo 13° do Código, afigura-se que o mesmo não seja aplicável a esta situação, na medida em que, na redacção do referido artigo na data de assinatura do recibo, o seu n° 1 indicava que:
1. O IRS não incide sobre as indemnizações recebidas ao abrigo de contrato de seguro ou devidas a outro título, salvo quando devam ser consideradas como proveitos para efeitos de determinação do rendimento das actividades comerciais, industriais ou agrícolas...
Assim ao desenvolvimento desta actividade está associado um rendimento de categoria C, de harmonia com o exposto no art° 4° do CIRS*, uma vez que estamos perante o exercício de uma actividade comercial ou industrial.
III. 3.1.2. Outras Actividades
No que diz respeito ao recebimento das importâncias de 550.000.000$ (ou 2.743.388,43 €) e 600.000.000$ (ou 2.992.787,38 €), considera-se que estas se encontram sujeitas a IRS pois que :
> Resultam de pagamentos efectuados pelas referidas sociedades, motivados pelo incumprimento do contrato promessa de compra e venda, a título de cláusula penal, tal como prevê expressamente a cláusula 7ª do citado contrato.
> Face ao disposto no art° 810° (cláusula penal) do Código Civil, refere-se esta à indemnização exigível pelo senhor José R........... por via do não cumprimento do contrato promessa de compra e venda firmado em 07/10/1987 com as duas sociedades.
> De acordo com os ensinamentos do Prof. Mota Pinto, no seu “Direito Civil”, edição de 1980, pág 197, a cláusula penal destina-se a reforçar o direito do credor ao cumprimento da obrigação e portanto tornar a indemnização mais gravosa do que normalmente seria a obrigação acordada.
> Também o prof. Galvão Telles, ensina no seu livro “Obrigações”; 3ª edição a páginas 402 que a cláusula penal supõe, nos termos gerais, inexecução de obrigação e culpa da parte do devedor, isto é, só pode ser efectivada se este culposamente não tiver cumprido o contrato.
> Desse incumprimento resultaram danos patrimoniais para o senhor José R..........., que a indemnização auferida visou ressarcir.
> Esses danos patrimoniais correspondem aos ganhos que aquele senhor deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património. Na verdade, ao firmar aquele contrato, era natural expectativa, vir a auferir lucros resultantes da urbanização a efectuar. Esses lucros tanto poderiam advir do exercício da actividade em nome individual, como mediante uma sociedade já existente ou que viesse a ser criada.
> Como o senhor R..........., referiu no termo de declarações de dezanove de Setembro último (Anexo III), “...a intenção inicial era criar uma empresa que após aprovação para construção de andares e moradias por parte da Câmara Municipal de Sintra, iria urbanizar os referidos terrenos e posterior comercialização”.
> Verifica-se assim, que era intenção do sr. R..........., criar uma empresa (sociedade legalmente constituída ou entidade em nome individual) que iria exercer actividades urbanísticas e exploração de loteamentos e ainda a prestação de serviços conexos como se definia no então artigo 4°, n° 1 al. e) do Código do IRS.
> Nessa empresa de que obviamente o sr. R........... seria o único ou pelo menos um dos intervenientes, o referido terreno seria o primeiro encargo relativo à aquisição do bem essencial ao exercício da actividade, constituindo um custo indispensável para a realização dos futuros proveitos ou ganhos sujeitos a imposto (IRC/art° 31° do CIRS), resultantes da venda dos referidos terrenos já urbanizados.
> Sucedeu no entanto, que o incumprimento, por parte das sociedades 1ª e 2ª outorgantes do contrato promessa de compra e venda firmado em Lisboa em 07/10/1987, frustrou as expectativas de ganho a obter futuramente pelo referido 3° outorgante (Sr. R...........), ganho este que se traduzia na expectativa de valorização do terreno para o fim que se pretendia adquirir. É este ganho que constitui o lucro cessante auferido pelo senhor R........... com os montantes de 600 mil e 550 mil contos, no exercício de 1998.
> Em resumo, os valores indicados nos recibos de quitação, reportados à cláusula 7ª do já citado contrato promessa correspondem a uma cláusula penal remuneratória, inerente a expectáveis benefícios que deixaram de ser obtidos, consubstanciados em lucros cessantes auferidos.
> Efectivamente e na esteira do que vem referido a fls 142 do Código do IRC, comentado e anotado de 1990, edição DGCI, verifica-se que “o conceito de lucro tributável que se acolhe em IRC tem em conta a evolução que se tem registado em grande parte das legislações de outros países, no sentido da adopção, para efeitos fiscais, de uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial”.
> Assim e com base no disposto no n° 2 do art° 3° do CIRC antevê-se a nova figura que o conceito de rendimento assume ao prescrever-se que “o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no início e no fim do período de tributação” estendendo-se o mesmo conceito às pessoas singulares pelo então art° 31° do Código do IRS.
> Perante os recibos de quitação que vêm sendo referidos, constantes deste processo e de que o senhor José R........... declara a sua autenticidade, é manifesto o incremento patrimonial por si obtido no exercício de 1998.
> E esse incremento patrimonial resultou, como prevê o n° 4 do art° 3° do CIRC, (por remissão do art° 31° do CIRS) do exercício de uma actividade que consistiu na realização de operações económicas de carácter empresarial.
> No caso presente o sr. José R........... assumiu a posição do empresário que nessa situação em 07/10/1987 firmou um contrato em que promete comprar ou identificar um comprador, de quotas partes indivisas de um prédio, cujas escrituras serão lavradas no prazo de cinco anos ou logo que seja autorizada a construção.
> É ainda nessa posição de empresário que efectua gastos com benfeitorias no referido terreno as quais consistiram na construção de muros de suporte, vedações, pavimentação de estradas, aterro de uma lagoa, etc.
> É já nesta posição, que em 24 de Abril de 1998 após quitação dos 1.150 contos, dá assentimento tácito à venda da parte respectiva do terreno.
> Assegurou desta forma os lucros ou vantagens que lhe adviriam de ulteriores negócios que se realizariam se o acordo tivesse sido cumprido, os quais certamente estariam no seu espírito aquando da assinatura do mesmo.
> Face ao que se acaba de referir, afigura-se que o sr. José R..........., agindo como empresário obteve a título de “lucros cessantes” (cláusula penal) imputáveis ao exercício de uma actividade urbanística e de exploração de loteamentos, em função dos quais deveria ter sido declarado o início de actividade, (artigos 28°, n° l al. a) do Código do IVA, e 105° do CIRS), organizado a respectiva contabilidade (art° 109° do CIRS) e apresentado a necessária declaração de rendimentos (art° 57° do CIRS).
Para além dos terrenos em causa no presente processo, o contribuinte adquiriu outros bens imobiliários. Dos referidos, alguns continuam averbados em seu nome, conforme consulta aos ficheiros patrimoniais da DGCI, outros foram alienados. Assim, o artigo matricial n° ……. da matriz predial urbana da freguesia de Corroios adquirido em 1993 foi doado em 1996 às suas filhas, Rita ………............ e Ana …….............; e o artigo matricial n° ……. da matriz predial urbana da freguesia de Corroios (terreno para construção) foi adquirido em 1996, pelo valor de 12.000.000$00 e vendido em 1999 pelo mesmo montante (vide anexo XVII).
Considera-se assim que o sujeito passivo desenvolve uma actividade no âmbito do ramo imobiliário, quer por intermediação, quer por compra e venda ou outra relacionada, não revestindo os rendimentos rendimentos descritos natureza fortuita ou ocasional.
Dado que o recebimento dos montantes supracitados visou a reparação de lucros cessantes da actividade comercial/industrial desempenhada pelo sujeito passivo pode-se concluir que tal constitui um proveito do exercício dessa actividade assim como foi considerado como custo para as entidades pagadoras. .
Desta forma e por se entender que o sujeito passivo auferiu rendimentos no âmbito da então categoria C do IRS (art° 4° do CIRS à data), foi este notificado, em 19/09/2002 (Anexo XI), para proceder à apresentação da sua escrita no dia (…). Nesta data e uma vez que não possuía esses elementos, foi notificado para organizar a escrita no prazo de cinco dias (Anexo XII). Decorrido este prazo veio o sujeito passivo afirmar em 01/10/2002 que não havia procedido á organização de escrita uma vez que, segundo ele, “não terá exercido qualquer actividade comercial ou industrial”.
(…). »
***
O Rte aponta, ainda, à sentença recorrida, errado julgamento, quando patenteia a conclusão: « (…) consideramos que o enquadramento efectuado pela administração tributária em sede de categoria C de IRS das importâncias auferidas pelo impugnante mostra-se correcto na medida em que tais montantes resultam do exercício de uma actividade que consistiu na realização de operações económicas de carácter empresarial enquadradas na alínea e) do nº 1 do art. 4º do Código do IRS (na redacção à data), pelo que tais importâncias estão sujeitas a tributação. »
Avaliando, como decorre da factualidade aditada neste aresto (ponto 27 dos factos provados), os intervenientes serviços da administração tributária/AT, a título de correcções, em cédula de IRS, reputaram ser de sujeitar a este tributo a importância de 71.789.980$00 (€ 358.086,91), percebida, pelo impugnante, por virtude de ter desenvolvido, no ano de 1998, uma actividade de intermediação entre vendedores e compradora de terrenos. Outrossim, consideraram passíveis de incidência, nos termos do art. 4.º n.º 1 al. e) CIRS, os montantes de 550.000.000$00 (€ 2.743.388,43) e 600.000.000$00 (€ 2.992.787,38), recebidos, no mesmo ano, pelo impugnante, a título de cláusula penal, inscrita, como tal, para o, ocorrido, caso de incumprimento de contrato-promessa de compra e venda, em que assumiu a posição de promitente comprador.
Identificadas as correcções em litígio, ponderados os estritos fundamentos que as justificaram e, unicamente, podem legitimar, sustentar, apresenta-se-nos, num primeiro momento, claramente, ilegal a decisão de sujeitar a IRS, com apoio no disposto pelo art. 4.º n.º 1 al. e) CIRS, o recebimento, pelo impugnante, das quantias de 550.000.000$00 (€ 2.743.388,43) e 600.000.000$00 (€ 2.992.787,38).
Efectivamente, para a AT, tal tributação decorre de estas se terem destinado a ressarcir “danos patrimoniais (que) correspondem aos ganhos que aquele senhor deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património. Na verdade, ao firmar aquele contrato, era natural expectativa, vir a auferir lucros resultantes da urbanização a efectuar. Esses lucros tanto poderiam advir do exercício da actividade em nome individual, como mediante uma sociedade já existente ou que viesse a ser criada.
(…).
Verifica-se assim, que era intenção do sr. R..........., criar uma empresa (sociedade legalmente constituída ou entidade em nome individual) que iria exercer actividades urbanísticas e exploração de loteamentos e ainda a prestação de serviços conexos como se definia no então artigo 4°, n° 1 al. e) do Código do IRS.
Nessa empresa de que obviamente o sr. R........... seria o único ou pelo menos um dos intervenientes, o referido terreno seria o primeiro encargo relativo à aquisição do bem essencial ao exercício da actividade, constituindo um custo indispensável para a realização dos futuros proveitos ou ganhos sujeitos a imposto (IRC/art° 31° do CIRS), resultantes da venda dos referidos terrenos já urbanizados.
Sucedeu no entanto, que o incumprimento, por parte das sociedades 1ª e 2ª outorgantes do contrato promessa de compra e venda firmado em Lisboa em 07/10/1987, frustrou as expectativas de ganho a obter futuramente pelo referido 3° outorgante (Sr. R...........), ganho este que se traduzia na expectativa de valorização do terreno para o fim que se pretendia adquirir. É este ganho que constitui o lucro cessante auferido pelo senhor R........... com os montantes de 600 mil e 550 mil contos, no exercício de 1998.
(…).
E esse incremento patrimonial resultou, como prevê o n° 4 do art° 3° do CIRC, (por remissão do art° 31° do CIRS) do exercício de uma actividade que consistiu na realização de operações económicas de carácter empresarial.
(…).
Assegurou desta forma os lucros ou vantagens que lhe adviriam de ulteriores negócios que se realizariam se o acordo tivesse sido cumprido, os quais certamente estariam no seu espírito aquando da assinatura do mesmo.
Face ao que se acaba de referir, afigura-se que o sr. José R..........., agindo como empresário obteve a título de “lucros cessantes” (cláusula penal) imputáveis ao exercício de uma actividade urbanística e de exploração de loteamentos, (…).
Considera-se assim que o sujeito passivo desenvolve uma actividade no âmbito do ramo imobiliário, quer por intermediação, quer por compra e venda ou outra relacionada, não revestindo os rendimentos rendimentos descritos natureza fortuita ou ocasional.
Dado que o recebimento dos montantes supracitados visou a reparação de lucros cessantes da actividade comercial/industrial desempenhada pelo sujeito passivo pode-se concluir que tal constitui um proveito do exercício dessa actividade assim como foi considerado como custo para as entidades pagadoras. .”.
Ora, emerge, como nota distintiva deste conjunto de motivos apoiantes da disputada incidência de IRS, a convocatória e apresentação de razões hipotéticas, conjecturais, com destaque para o apontamento de que “era intenção do sr. R..........., criar uma empresa (sociedade legalmente constituída ou entidade em nome individual) que iria exercer actividades urbanísticas e exploração de loteamentos e ainda a prestação de serviços conexos como se definia no então artigo 4°, n° 1 al. e) do Código do IRS.”.
Doutro modo, a AT, confrontada com a, objectiva e singela, ocorrência da celebração de um contrato-promessa de compra e venda de imóveis, cujo incumprimento, por parte dos promitentes vendedores, determinou o recebimento, pelo promitente comprador, das quantias pecuniárias contratualizadas para essa eventualidade, ficcionou uma realidade diversa e muito mais complexa, susceptível de ser enquadrada na previsão do art. 4.º n.º 1 al. e) CIRS que, à data, permitia considerar rendimentos comerciais e industriais os lucros imputáveis às actividades urbanísticas, de exploração de loteamentos e prestação de serviços conexos.
Concluindo, não estando, em princípio, sujeito a tributação, em IRS, o recebimento, pelo impugnante, das quantias devidas a título de cláusula penal, por virtude do havido incumprimento do contrato-promessa e sendo esta a única realidade possível de se julgar ocorrida, em função da factualidade assente, nenhuma base de sustentação tem a proposta da AT de sujeitá-lo ao versado imposto, sob o argumento de um suposto exercício de actividades urbanísticas e/ou exploração de loteamentos; para lograr este enquadramento e incidência, impunha-se-lhe a comprovação factual de que a intervenção do impugnante, no visado contrato-promessa, se inseria no âmbito da prática de actos de cariz comercial ou industrial, conectados com o urbanismo e o loteamento de terrenos (2).
Quanto ao percebimento da importância de 71.789.980$00 (€ 358.086,91), os elementos integrantes da fundamentação, utilizada pela AT, são suficientes para se poder, no respeito pela lei, afirmar ter o impugnante auferido um rendimento relativo ao exercício de uma actividade de matriz comercial e, por isso, enquadrável, à data, nos réditos da categoria C do IRS, prevista e caracterizada no art. 4.º n.º 1 CIRS.
Sem prejuízo da constatação de versões não totalmente coincidentes dos diversos intervenientes, é possível assentar em que, ao impugnante, foi paga a aludida quantia por parte de uma sociedade, não outorgante, estranha ao contrato-promessa, havendo apontamento, do legal representante de uma das promitentes vendedoras, da existência de interpelação destas, por parte daquele, no sentido do interesse da compradora (Carrefour) na efectivação de aquisição da propriedade total dos terrenos, objecto desse convénio, o que veio a concretizar-se. Ou seja, o impugnante, sabendo do propósito das sociedades, com quem havia outorgado o contrato-promessa, em lhe venderem os terrenos, tendo tido conhecimento do interesse de terceiro nessa mesma prometida venda, desenvolveu os actos necessários e adequados à concretização da transacção comercial inerente, recebendo, em contrapartida, como prestação pela actividade executada junto das sociedades vendedoras, enquanto elemento capaz de permitir a realização do negócio, a verba supra identificada. Tudo isto, respeitando diverso entendimento, consubstancia a prática, ainda que isolada, ocasional, de uma actividade do tipo comercial (3), face à presença, entre o mais, de actos de comércio (4), para que o impugnante contribuiu e pelo que foi remunerado.
O assumir desta conclusão, diga-se, é reforçado pela circunstância de o impugnante, em nenhuma medida, ter logrado comprovar, como invocou, que a questionada verba, paga pelo Carrefour, respeitava a benfeitorias realizadas, por si, nos terrenos, bem como, ao ressarcimento de despesas com arquitectos e advogados – cfr. art. 39º segs. da p.i.
Neste ponto, tendo o acto tributário de liquidação impugnado de se manter na parte relacionada com a correcção acabada de escalpar, coloca-se à nossa consideração a eventualidade de essa subsistência parcial poder ser inviabilizada por falta de fundamentação e/ou ocorrência de vício de falta da indicação, no acto de notificação, da delegação ou subdelegação de competências conclusões XXVIII. a XXX.; questões que o Rte diz terem sido mal julgadas pela sentença recorrida.
Sem delongas, a valoração do conteúdo integral do item 27 dos factos julgados provados permite-nos afirmar a existência e apontamento, por parte dos intervenientes serviços da AT, de motivos, razões, claras e objectivas, justificantes da efectivação do movimento correctivo em apreço e susceptíveis de serem compreendidas, percebidas, ainda que não aceites, por uma pessoa normal, particularmente, pelo impugnante. Da leitura e interpretação dessa exposição de motivos é possível identificar e isolar um número suficiente de fundamentos, de facto e de direito, relevantes, na perspectiva de análise e decisão do autor do acto de correcção tributária, para se saber por que decidiu da forma, a final, divulgada. Destarte, como na 1.ª instância, julgamos não ocorrer situação de falta de fundamentação do acto tributário de liquidação objectado.
Quanto à delegação ou subdelegação de competências, como já se apontou na sentença, é assunto sem interesse e relevo, pelo simples motivo de que “o relatório de inspecção foi objecto de despacho proferido em 15/11/2002 pelo Director de Finanças no âmbito de competência própria (sublinhamos).
Finalmente, remanesce a matéria relativa à situação de não residente, do impugnante, no ano de 1998 e eventuais repercussões na tributação a que estará sujeito.
Na certeza (5) de que este, em 23.7.1996, apresentou alteração ao número de contribuinte para a situação de não residente, com indicação de representante legal, importa, desde logo, quanto à incidência pessoal, do IRS, atentar no disposto pelos arts. 14.º n.º 1 e 15.º n.º 2 CIRS (texto vigente para o ano de 1998), normativos que, objectivamente, justificam a sujeição do impugnante, aliás, não questionada, apenas defendendo (6) que, a ser tributado, deve utilizar-se a taxa liberatória de 15%, estabelecida pelo art. 74.º n.º 4 al. b) CIRS, na redacção conferida pelo DL. 25/98 de 10.2.
Mostrando-se a previsão deste dispositivo legal em sintonia e correspondência com o estatuído pelo art. 4.º n.º 1 al. l) CIRS, primeiramente, não sendo a esta alínea, como acima concluímos, subsumíveis os rendimentos, da categoria C, auferidos, pelo impugnante, no valor de 71.789.980$00 (€ 358.086,91), sem mais, fica inviabilizada a possibilidade de poder vir a usufruir da pretendida taxa de 15%. Ademais, em segundo lugar, para tanto, sempre se exigiria que a entidade pagadora da dita importância a tivesse considerado e tratado como “comissão”(7) e, concomitantemente, promovesse a retenção na fonte, a título definitivo, da quantia de imposto, devido pelo contribuinte, isto é, fosse verificável a substituição tributária (8), prevista no art. 74.º n.º 1 CIRS.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- prover parcialmente o presente recurso e revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial, quanto às correcções que consideraram rendimentos, do impugnante, sujeitos a IRS, no ano de 1998, as quantias de 550.000.000$00 (€ 2.743.388,43) e 600.000.000$00 (€ 2.992.787,38), anulando-se, em conformidade e na medida correspondente, o acto tributário de liquidação impugnado.
*
Custas pelo recorrente, por efeito do respectivo decaimento, em ambas as instâncias, fixando-se a taxa de justiça total em 4 UC.
*
(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 20 de Setembro de 2011
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro
Eugénio Sequeira