Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:560/13.6BEALM
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
CRIME GRAVE
Sumário:I - As 3 alíneas do artigo 135º da Lei nº 23/2007 não relevam, inter alia, nos casos de o estrangeiro (i) ter cometido atentado contra a ordem pública ou (ii) poder cometer - e, por maioria de razão, ter cometido - atos criminosos graves.

II - É o que aqui se verifica: o autor, ao cometer aqueles 4 crimes, por que foi condenado a 13 anos de prisão, (i) atentou contra a ordem pública e (ii) cometeu crimes que, pelas molduras penais respetivas (cfr. o artigo 210º do C. Penal, com penas de prisão de 1 a 8 anos e de 3 a 15 anos, e os artigos 21º e 25º da Lei nº 15/93, com penas de prisão entre 1 a 5 anos, 4 a 12 anos e 5 a 15 anos), são graves: o roubo e o tráfico de estupefacientes.

III - O proémio do artigo 135º não deixa margem de liberdade decisória à A.P., nem, salvo inconstitucionalidade que não descortinamos, ao tribunal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

LISANDRO ……………….. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de ALMADA ação administrativa especial contra

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.

Pediu o seguinte:

- Anulação do ato que determinou a sua expulsão do território nacional e a interdição de entrada pelo período de 10 (dez) anos.

Por sentença de 28-4-2016, o referido tribunal decidiu anular o ato administrativo impugnado.

*

Inconformado com tal decisão, o réu interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

« ( Texto no original)»

*

O M.P. foi notificado para se pronunciar nos termos previstos no artigo 146º/1 do PTA.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

Para decidir, este tribunal tem omnipresente a nossa Constituição, como síntese da ideia-valor de Direito vigente, cujo modelo político é de natureza ético-humanista e cujo modelo económico é o da economia social de mercado, amparado no Direito.

Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático - por referência à ação humana e ao dever-ser inspirador das leis -, quais sejam, (i) a dimensão factual social - que influencia muito e continuamente o direito legislado através das janelas de um sistema jurídico uno e real, (ii) a dimensão ética e seus princípios práticos - que influenciam o direito objetivo também através das janelas do sistema jurídico - e, a jusante, (iii) a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos.

*

Cabe, ainda introdutoriamente, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

*

As questões a resolver neste recurso são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual:

A – O Autor é filho de Austelino ……… e de Maria ……………, nasceu em 1983-12-10 e é natural de Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Portugal, cfr. fls. 19 e 60 do PA.

B – O Autor foi condenado na pena de 13 anos e 2 meses de prisão, processo nº …../01.3TASTB, do Tribunal Judicial de Setúbal, por crime de falsidade de declarações, roubo, consumo de estupefacientes, furto, com início de cumprimento da pena a 2002-01-15, não lhe tendo sido aplicada a pena acessória de expulsão, cfr. fls. 3 do PA.

C – O Autor foi portador da autorização de residência temporária nº 270766 válida entre 1999-11-24 e 2001-11-14, cfr. fls. 74 do PA.

D – O Autor tem um filho, Leandro …………….. de doze anos e uma filha, Tatiana …………., da mesma idade, de mães diferentes, cfr. fls. 42 e 97 do PA.

E – Em 2010-08-02 foi proferido despacho que determinou a instauração de processo de expulsão administrativa do ora Autor, cfr. fls. 1 do PA.

F – Em 2010-09-02, o Autor assinou a seguinte notificação:

“…

Por despacho de 02/08/2010 (…) foi instaurado Processo de Expulsão, por permanência

ilegal em Portugal, conforme artº. 134º nº1, al. a) do mesmo diploma legal.

No referido Processo o cidadão incorre numa pena de expulsão de Portugal não inferior a (cinco) anos, conforme artº 144º da Lei 23/2007 de 4 de julho.

No âmbito do referido Processo, nos termos do artº. 148º da Lei 23/2007 de 4 de julho, deverá ser ouvido em Auto de Declarações no dia 28/09/2010, pelas 10h30, neste Estabelecimento Prisional.

Na audiência poderá pronunciar-se sobre as questões que determinaram a instauração do Processo de Expulsão, bem como requerer as diligências complementares ou juntar documentos.

(…)”, cfr. fls. 9 do PA.

G – Em 2010-09-29, o Autor foi ouvido pelo SEF tendo ficado exarado em auto de declarações que:

“P: Quando é que chegou a Portugal e como veio?

R: Nasceu em Portugal.

(…)

P: Tem familiares seus em Portugal?

R: Tenho a minha mãe, os meus irmãos, tenho um filho com 10 anos e uma filha com 09 anos.

P: À data da detenção qual era a sua situação profissional em Portugal?

R: Fazia biscates, na construção civil.

P: Porque motivo se encontra preso?

R: Por assaltos a estabelecimentos comerciais.

P: Alguma vez esteve em situação regular, ou tentou regularizar a sua situação em Portugal?

R: Já tive cartão de residência em 2000.

P: No seu país de origem tem algum problema político ou religioso, ou é de qualquer forma perseguido?

R: Nunca fui a Cabo Verde.

P: Na eventualidade de ter de regressar ao seu país de origem, tem alguma objeção?

R: Tenho. Nasci em Portugal e não conheço ninguém em Cabo Verde, nem sei se tenho lá família.

P: Tem meios que lhe permitam custear a viagem para Cabo Verde?

R: Não.

P: Onde se encontram os seus documentos de identificação?

R: Tenho o meu cartão de residente que está caducado e está com a minha mãe.

P: Deseja fazer mais alguma declaração em seu abono?

R: Eu não tenho ninguém em Cabo Verde, quero ficar em Portugal e estar com os meus filhos. “, cfr. fls. 12 e 13 do PA.

H - Em requerimento de 2012-10-30, subscrito pela defensora oficiosa do Autor e dirigido à Meritíssima Juíza do Tribunal de Execução de Penas do Tribunal de Comarca de Évora, pode ler-se, por extrato:

“Lisandro ………….., recluso nº 305, no EP de ……………., vem pelo presente, muito respeitosamente pronunciar-se em referência à Informação nº 174/SE/20/09/2012 elaborada pelo Estabelecimento Prisional de …………, nos termos e pelos fundamentos seguintes:

(…)

Porque, para a existência de uma decisão de expulsão de um estrangeiro com residente permanente no território nacional, prevê exceções conforme aquelas que estão consagradas no art. 135º da lei nº 29/2012 de 9 de agosto com alterações realizadas à Lei nº 23/2007 de 4 de julho.

E na Informação no 174/SE/20/09/2012, elaborada pelas Técnicas responsáveis no Estabelecimento Prisional de ………….., a mesma é omissa, quando na mesma não se referência a factos importantes de que V. Exa., deverá tomar conhecimento, conforme de seguida se mencionam e nos termos seguintes:

O ora recluso Lisandro ………………., nasceu no dia 19 de dezembro de 1983, na freguesia de Angra (Nossa Senhora da Conceição) em Angra do Heroísmo, numa das lhas dos Açores, (…)

O ora recluso desde o dia em que nasceu no território Português, nunca saiu do território nacional, nem para viajar em férias.

A sua única ligação afetiva, circunscreve-se unicamente à comunidade portuguesa, a onde o ora recluso frequentou a Escola portuguesa, fala e escreve corretamente a língua Portuguesa. Tendo concluído o 5° Ano de Escolaridade e frequentado o 6° Ano de Escolaridade sem aproveitamento.

o mesmo recluso, sempre viveu em Portugal. E tem em exclusivo, como sendo seus amigos, os cidadãos portugueses. E os seus familiares, nomeadamente a sua mãe e irmãos, são possuidores de vistos de autorização de permanência validos, e sempre viveram e trabalharam no distrito de Setúbal.

Aos factos anteriores, acresce o facto do ora recluso ter dois filhos menores, de nacionalidade portuguesa. Sendo um deles uma menina nascida no dia 15/10/2000, com 12 anos de idade. E um outro filho, um menino nascido no dia 29/08/2000, com o nome Leandro ……………….., também com 12 anos de idade. (…)

(…)

f) Porque o ora recluso sempre viveu em Portugal, o mesmo nunca se identificou, nem nunca recebeu nenhum tipo de influências do país de origem dos seus pais. Nem nunca o mesmo, se relacionou com outros familiares seus e nativos de Cabo Verde.

Pelo exposto:

1 – Requer-se (…) se digne a oficiar ao Estabelecimento do …………….., para que se possa concretizar nos presentes autos e ser junto aos presentes autos, a notificação que terá sido proferida do SEF de Setúbal. Que pela qual, se possa afirmar na Informação nº 174/SE/20/09/2012, de que terá sido instruído um processo administrativo de Expulsão Administrativo pelo SEF de Setúbal ao ora recluso, e que está pendente a aguardar decisão.

2 - E mais se requer a V. Exa., se digne a oficiar ao SEF de Setúbal, quanto ao pedido que ora recluso Lisandro …………….., realizou junto dos seus Serviços no mês de outubro de 2010, salvo erro. No sentido de se poder tomar conhecimento de que, terá sido ou não, deferida a renovação de Autorização de Permanência no território Nacional, a favor do ora recluso Lisandro ……………...

Ou se, se terá verificado o deferimento tácito do pedido de renovação de Autorização de Permanência, nos termos Lei nº 29/2012 de 9 de agosto (…).

3. A situação de decisão de expulsão administrativa a ser decido contra o ora recluso, na presente data, afigura-se-nos com o devido respeito, por opinião em contrário, é surpreendente no nosso singelo entendimento.

Quando o ora recluso nunca foi sentenciado numa pena acessória de expulsão do território nacional. Porque, o ora recluso continua abrangido pelo regime excecional previsto no art.135º Lei nº 29/2012 de 9 de agosto com alterações realizadas à Lei nº 23/2007 de 4 de julho. Em face aos factos anteriormente referidos no anterior art. 6º.

4 – Mais se requer a V. Exa. se digne a ordenar ao SEF de Setúbal, para que, o Sr. Diretor se digne a pronunciar-se nos presentes autos, sobre o pedido de renovação de Autorização de Permanência em território Português, deduzido pelo o ora recluso nos mesmos serviços. Salvo erro no mês de outubro de 2010. Em face à situação de impasse e de dúvidas que se instaurou. A qual, é desfavorável e demasiado penalizadora para o ora recluso. Quando ao mesmo, lhe estão vedadas as condições necessárias para a sua integração social e profissional e de progresso escolar.

(…)”, cfr. fls. 53 a 60 e 94 a 100 do PA.

I - Em resposta de 2012-11-02, os serviços do SEF informaram:

“…não existir qualquer pedido de regularização apresentado no SEF, pelo cidadão nacional de Cabo Verde, LISANDRO …………………, nascido aos 10DEZ1983.

Aos 02AGO2010 foi-lhe instaurado um Processo de Afastamento Coercivo por permanecer ilegalmente em Portugal, que ainda está em fase de instrução. (…)”, cfr. fls. 107 do PA.

J - Em 2012-11-02, em Relatório Intercalar relativo ao PAC 222/2010, o Instrutor do processo, propôs superiormente que:

“Face ao exposto, tendo em conta o disposto na alínea c) e f), do nº1, do artº. 134º, e do artº. 135º, ambos da Lei 23/07 de 04JUL, com as alterações introduzidas pela Lei 29/12 de 09AGO, solicito a V. Exa. uma apreciação ao presente Relatório Intercalar, de forma a poder dar continuidade ao Processo de Afastamento Coercivo ou a um possível arquivamento, caso seja esse o entendimento de V. Exa.”, cfr. fls. 67 a 71 do PA.

K – Em 2013-02-21, o Tribunal de Execução de Penas de Évora dirigiu à Delegação do SEF de Setúbal ofício nº 807252 – Processo nº 1731/10.2TXEVR-A sob o assunto: “Pedido de informação”, com o seguinte teor: “…Solicito a V. Exª., se digne providenciar no sentido de informar este Tribunal, com a máxima urgência, se já foi proferida decisão no âmbito do processo de expulsão que corre termos nesses Serviços e referente ao recluso acima identificado, (…). Mais se informa V. Exª. que os cinco sextos da pena em execução serão atingidos em 04 de março de 2013, data em que o recluso será obrigatoriamente libertado. (…)”, cfr. fls. 79 do PA.

L - Em 2013-02-27, os Serviços da Delegação Regional de Setúbal elaboraram o Relatório relativo ao processo de afastamento coercivo nº 222/GAF/10, cujo teor, por extrato, é o seguinte:

“I. INTRODUÇÃO

O cidadão estrangeiro Lisandro ……………….., nacional de Cabo Verde, nascido aos 10/12/1983, foi detido, à ordem do Processo 14/01.3TASTB do Tribunal de Comarca de Setúbal, por Furto de uso de veículo, Roubo, Falsidade de depoimento e Consumo de estupefacientes, tendo sido condenado na pena de 13 anos e 2 meses de prisão efetiva, com início aos 15/01/2002, tendo-se apurado ainda de que o mesmo se encontra em permanência ilegal em Território Nacional, nos termos do previsto no artigo 146º nº 1 da Lei 23/ 2007, de 04 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei nº 29/12 de 09 de Agosto, („Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros‟, adiante abreviadamente referido por „RJEPSAE‟).

(…)

II – SITUACÃO JURIDICO PENAL / PROCESSUAL:

I. Encontra-se recluso no Estabelecimento Prisional de ……………….. à ordem do Processo 14/01.3TASTB do Tribunal de Comarca de Setúbal, por Furto de uso de veículo, Roubo, Falsidade de depoimento e Consumo de estupefacientes, tendo sido condenado na pena de 13 anos e 2 meses de prisão efetiva, com início aos 15/01/2002;

II. Cumpriu ainda uma pena de 10 meses de prisão à ordem do processo 648/08.5TACTX do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo, por Ofensa à integridade física simples.

III. Aos 12/07/2011, foi analisada a concessão de Liberdade Condicional do Sr. Lisandro, a qual foi negada, tendo por base, entre outros factos:

- O recluso assumir o crime, mas demonstrar ausência de interiorização da gravidade dos factos cometidos e das consequências para as vítimas;

IV. Da ficha biográfica do recluso constarem 16 infrações disciplinares, a última das quais datada de 06/04/2011;

V. Ter cessado a atividade laboral que mantinha como faxina, por lhe ter sido apreendido haxixe;

VI. Em liberdade, pretende ir viver com a mãe.

1. – ENTRADA E PERMANÊNCIA EM PORTUGAL:

Aos 09/09/2010, foi notificado, nos termos e para os efeitos do artº 148º da Lei 23/07 de 04JUL, com as alterações introduzidas pela Lei 29/12 de 09AGO, a fim de prestar declarações no âmbito do PAC em apreço, tendo sido ouvido aos 29SET2010, resultando das mesmas o seguinte:

Ter nascido em Portugal, em Angra do Heroísmo;

Ter em Portugal a mãe, irmãos e dois filhos, um com dez e outro com nove anos;

Fazer biscates, à data da detenção, na construção civil;

Encontrar-se detido por assaltos a estabelecimentos comerciais;

Ter tido cartão de residência em 2000;

Nunca ter ido a Cabo Verde, uma vez que nasceu em Portugal. Não conhecer ninguém em Cabo Verde, nem saber se tem família, pelo que não aceita ir para lá, se for essa a decisão;

Querer ficar em Portugal e estar com os filhos.

2. – SITUAÇÃO FAMILIAR:

Pelo que foi apurado, e segundo declarações prestadas pelo Lisandro:

- Tem, em Portugal, a mãe, irmãos, um filho com 10 anos e uma filha com 9 anos, de mães diferentes.

V – DILIGÊNCIAS EFECTUADAS:

5. Foi contactada, telefonicamente, por diversas vezes, a mãe da filha do Sr. Lisandro, a Sra. Carla …………………; num dos contactos efetuados, disse não ter disponibilidade para prestar declarações no âmbito do presente processo. Nos contactos posteriores, o telemóvel encontrava-se indisponível.

(…)

Questionada telefonicamente, a ex-companheira declarou:

Que tem uma filha portuguesa, de 11 anos, fruto da relação com o Lisandro;

Que se encontrava grávida de 2 meses quando ele foi detido;

Que não tem atualmente qualquer relação com ele, uma vez que é junta com outro homem e tem dois filhos dessa relação;

Que a última vez que a filha, Tatiana ……………, visitou o pai foi há dois anos;

Que a filha fala ao telefone todos os dias com o Lisandro;

Que o ano passado, em 23/05/2010, foi com a advogada a Tribunal, tendo o juiz decretado que o Lisandro, depois de cumprida a pena de prisão, ficasse com a filha aos fins de semana e desse 100 euros todos os meses;

Que é importante a ligação do Lisandro com a filha porque fala com ela e incentiva-a a estudar e a não fazer coisas erradas.

3. Aos 22/03/2012, foi ouvida em Auto de Declarações, na Delegação Regional de Setúbal, a ex-companheira do cidadão em causa, e mãe do seu outro filho, CLÁUDIA …………………….., nacional de Cabo Verde, nascida aos 09/09/1983, tendo resultado dessas declarações o seguinte:

Que teve uma relação marital com o Lisandro, iniciada há 16 anos atrás e que durou 6 anos;

Que dessa relação nasceu um filho, de nacionalidade portuguesa, atualmente com 12 anos;

Que, até ser preso, o Lisandro contribuía para o sustento do filho, fruto dos seus biscates;

Que, atualmente, só a mãe do Lisandro ajuda, por vezes, no pagamento da alimentação e material escolar do filho;

Que o seu filho fica com a avó, de quinze em quinze dias, e é nessa altura que ele visita o pai na prisão;

Que o Lisandro liga duas a três vezes, por semana, para falar com o filho;

Em 2002, por iniciativa da Segurança Social, e uma vez estar desempregada e ter pedido o rendimento mínimo, foi a Tribunal, o qual decretou que, quando o Lisandro fosse posto em liberdade, o mesmo deveria dar todos os meses 150 euros ao filho;

Que quando o Lisandro sair em liberdade não pretende fazer vida com ele;

Que apoia a ligação entre o Lisandro e o filho, porque, em algumas ocasiões, o pai repreendeu o Leandro e esse facto ajudou-o;

Que a ligação do filho com o pai pode ser positiva, uma vez que o Lisandro pode mostrar-lhe, com conhecimento de causa, o caminho que não deve seguir.

Consultado o NSIS/SII, e inscrições nos art.º 88º / 89º, apurou-se que sobre a identidade do cidadão em causa consta uma Autorização de Residência Temporária n.º 270766, válida até 24/11/2001, data próxima do início do cumprimento da pena de prisão aplicada, pelo que o cidadão permanece em situação irregular em território nacional.

Foram ainda efetuadas diligências, junto do Estabelecimento Prisional, no sentido de saber se tinha sido constituído um “fundo de pagamento de obrigações de alimentos”, decretado judicialmente, tendo o E.P. informado que não procedeu à criação do fundo, uma vez o CE não possuir saldo para efeito. Informaram ainda que o recluso não exerce qualquer função laboral no Estabelecimento Prisional, nomeadamente, remunerada.

VI – DOS FACTOS E DO DIREITO

Da factualidade apurada e supra aduzida, concluiu-se que o cidadão LISANDRO …………………se encontra em situação irregular/ilegal em território português (não é possuidor de qualquer documento que o habilite a permanecer legalmente em território nacional, nomeadamente, não detém qualquer autorização de residência válida, visto válido e excedeu a sua permanência em Portugal).

Conclui-se ainda que o cidadão não tem a seu cargo os filhos, não exerce as responsabilidades parentais, nem assegura o sustento e a educação dos mesmos, conforme informação do E.P., reforçando a ausência de ligação à família.

O facto de o cidadão ter nascido em Território Nacional (TN) poderia configurar um limite ao afastamento coercivo de TN, nos termos do art.º 135.º, al. A) da Lei 23/2007, com a sua nova redação. Contudo, e s.m.o., o referido limite não se pode aplicar, uma vez que o art.º 135.º exclui as situações previstas nas al. c) e f) do n.º 1 do art.º 134.º, do referido diploma legal. Pelo que, tendo o cidadão sido condenado numa pena de prisão efetiva de 13 anos e 2 meses, enquadra-se nos pressupostos legais previstos para o afastamento coercivo de território nacional, designadamente no artigo 134º, n.º 1, alínea f), do RJEPSAE, com as alterações introduzidas pela lei nº 29/12 de 09 de agosto.

VII –CONCLUSÃO/PROPOSTA

Em defluência com a facticidade acima transcrita, ousa-se propor que ao cidadão LISANDRO LOPES MONTEIRO seja imposta:

I. A medida de afastamento coercivo de Território Nacional para Cabo Verde, ao abrigo das disposições invocadas no ponto VI do presente;

II. A interdição de entrada em território nacional por um período de 10 (DEZ) anos, ao abrigo do previsto no artigo 144º do RJEPSAE;

III. A sua inscrição na Lista Nacional de Pessoas não admissíveis pelo período da Interdição de Entrada ao abrigo dos artigos 33º nº 1, alínea a), nº 7, do diploma legal citado no ponto 2 do presente ex vi do Artigo 82º do Decreto Regulamentar nº 84/2007 de 05 de Novembro, atendendo ao facto de que a execução da decisão de afastamento coercivo ou o final do prazo concedido ao cidadão para abandonar voluntariamente o território nacional implica a inscrição do cidadão na lista nacional de pessoas não admissíveis, pelo período acima referido.

IV. A sua inscrição no Sistema de Informação Schengen para efeitos de não admissão pelo período de três (3) anos, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 96.º, ·reapreciável nos termos do art.º 112.º, ambos da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, atendendo ao facto que sobre o cidadão recai uma medida de afastamento acompanhada de uma interdição de entrada;

Por se afigurar que o cidadão a afastar não possuirá meios económicos que lhe permitam custear a viagem de retorno, mais se propõe que as mesmas sejam custeadas pelo Estado (…).

Atendendo ainda à perigosidade que o cidadão poderá representar, proponho, s.m.o., que o mesmo seja acompanhado de escolta, até ao país de origem.

O Instrutor, (…)”, cfr. fls. 17 e 21; 49 a 53 do processo cautelar e fls.121 a 125 do PA.

M – Em 2013-02-27, o Chefe da Delegação Regional de Setúbal proferiu decisão com o seguinte teor:

“…. Abonando-me na factualidade que se considerou adquirida no relatório, que aqui se deixa por reproduzido para todos os efeitos legais, considero que o cidadão nacional de Cabo Verde, LISANDRO ……………., nascido aos 10DEZ1983, se encontra em situação irregular no Território Nacional – cfr. Artigo 134º, nº1, al. a Lei nº 23/07, de 04 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei 29/2012 de 09 de agosto – e, consequentemente, determino:

I. A expulsão do cidadão suprarreferido do Território Nacional;

II. A sua interdição de entrada em Território Nacional por um período de 10 (DEZ) anos;

III. A sua inscrição na Lista Nacional de Pessoas não admissíveis pelo período da Interdição de Entrada;

IV. A sua inscrição no Sistema de Informação Schengen para efeitos de não admissão pelo período de três (3) anos, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 96.º, reapreciável nos termos do art.º 112.º, ambos da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen;

V. O custeio das despesas da medida imposta pelo Estado português, dado não se conseguir provar que o cidadão expulsando possui meios económicos que lhe permitam custear as despesas de retorno.

Notifique e proceda às legais comunicações – cfr. Artigos 149º, nº2; 150º e 162º Lei nº 23/07, de 04 de julho, bem como o artº 157º, nº2, ex vi do nº3 do artº 96º da Convenção de Aplicação, do mencionado diploma. (…)”, cfr. fls. 22, 54 do processo cautelar e fls. 120 do PA.

N - Em 2013-02-27, os serviços do SEF dirigiram à Drª. Susana ………………, o ofício Refª. PAC 222/10 de 2013-02-27 sob o assunto: “notificação”, do qual consta: “… por decisão do Exmo. Senhor Nacional Adjunto do SEF, exarada em 27FEV2013, foi determinada nos termos dos artigos 146º e seguintes da Lei nº 23/07 de 04 de julho, com a redação dada pela Lei 29/12 de 09 AGO, a sua expulsão de território nacional, pelo facto de ter entrado e permanecer ilegal em Portugal, ao abrigo do disposto na al. a), do nº1, do art. 134º, do citado diploma legal. …”, cfr. fls. 15, 16, 48, do processo cautelar e fls.126 do PA.

O – Em 2013-03-01 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a providência cautelar nº 232/13.1 BEALM, cfr. fls. 2 do processo cautelar.

P – Na mesma data, a providência cautelar nº 232/13.1 BEALM foi decretada provisoriamente, cfr. fls. 25 a 28, 33 a 36 e 66 a 67 do processo cautelar.

Q – Em 2013-03-04, os serviços do SEF informaram o Tribunal de Execução de Penas de Évora que: “…no cumprimento dos mandados de libertação e recebimento do cidadão nacional de Cabo verde, LISANDRO ………………………, nascido aos 10DEZ1983, para execução da Decisão Administrativa de Afastamento Coercivo, compareceram também elementos da GNR de Grândola, na posse de mandados de detenção para este cidadão, que procederam em conformidade, tendo o cidadão sido de seguida presente no Tribunal Judicial de Grândola, por suspeita da prática de crime. Em anexo remete-se ainda para conhecimento, uma providência cautelar interposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a requer a suspensão da eficácia do ato que determinou a expulsão de T.N. Por estas razões as diligências inerentes ao seu afastamento foram suspensas (…)”, cfr. fls. 181 do processo cautelar.

R – Em 2013-03-05, o Autor deu entrada no E.P. de Setúbal, por lhe ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, cfr. fls. 184 (última folha do PA).

S - Em 2013-03-07 a Drª. Ana ……………… elaborou relatório clínico referente a Maria Orisa ………… de 49 anos, no qual menciona: “… foi diagnosticado tumor hepático sem indicação terapêutica dada a gravidade clínica. Como morbilidade apresenta ainda pancreatite crónica e concomitantemente doença pulmonar crónica obstrutiva com insuficiência respiratória parcial”, cfr. fls. 64 do processo cautelar.

T – Em 2013-06-14 foi proferida sentença de deferimento do processo cautelar nº 232/13.1 BEALM, cfr. apenso.

U – Em 2013-06-07 foi interposta a presente ação administrativa especial, cfr. fls. 2.

*

Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tudo visto, cumpre decidir.

Com efeito, aqui chegados, há condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter presentes, inter alia, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade administrativas, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas; (iii) certeza e segurança jurídicas; e (iv) tutela jurisdicional efetiva.

Em consequência, este tribunal utiliza um método jurídico adequado à garantia efetiva, previsível e transparente dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, através de um processo decisório teleologicamente orientado apenas (i) à concretização dos valores da Constituição e (ii) ao controlo racional de coerência dos nexos da sistematicidade jurídica que precedam a resolução do caso.

Assim, a resolução de litígios através do tribunal, num Estado democrático de Direito, implica: (i) um rigoroso respeito pelas normas materialmente constitucionais inseridas nos artigos 9º e 10º do Código Civil, na busca do pensamento legislativo da fonte de direito, dentro do sistema jurídico atual e com respeito pela máxima constitucional da sujeição dos juizes às leis e aos artigos 111º e 112º da Constituição da República Portuguesa; (ii) e, nos casos “difíceis” e excecionais em que tal for lícito ao juiz, implica ainda a metodologia racional-justificativa consistente no sopesamento ou ponderação de bens, interesses e valores eventualmente colidentes na situação concreta, sob a égide da máxima metódica da proporcionalidade, mas sempre sem prejuízo, quer dos cits. quatro princípios jurídicos fundamentais, quer do princípio constitucional da sujeição da atividade jurisdicional às leis.

O recurso exige que se resolva o seguinte: o Tribunal Administrativo de Círculo errou ou não na interpretação e aplicação que fez dos artigos 134º e 135º da Lei 23/2007?

a)

Ora, está provado o seguinte:

-o autor foi condenado e cumpriu pena de prisão de 13 anos, por crimes de tráfico de estupefacientes, furto, roubo e falsas declarações;

-o autor tem filhos menores em Portugal, com quem nunca conviveu;

-nasceu nos Açores e nunca esteve no país de que é nacional.

Neste contexto, o Tribunal Administrativo de Círculo considerou não existir fundamento legal para o expulsar do país por decisão administrativa.

Vejamos.

b)

Diz-nos a Lei 23/2007 na redação de 2012:

Artigo 145º

Sem prejuízo da aplicação do regime de readmissão, o afastamento coercivo só pode ser determinado por autoridade administrativa com fundamento na entrada ou permanência ilegais em território nacional.

Artigo 134º

1 - Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro:

a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português;

b) Que atente contra a segurança nacional ou a ordem pública;

c) Cuja presença ou atividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais;

d) Que interfira de forma abusiva no exercício de direitos de participação política reservados aos cidadãos nacionais;

e) Que tenha praticado atos que, se fossem conhecidos pelas autoridades portuguesas, teriam obstado à sua entrada no País;

f) Em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona cometer atos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia;

g) Que seja detentor de um título de residência válido, ou de outro título que lhe confira direito de permanência em outro Estado membro e não cumpra a obrigação de se dirigir, imediatamente, para esse Estado membro;

h) O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido;

i) Aos refugiados aplica-se o regime mais benéfico resultante de lei ou convenção internacional a que o Estado Português esteja obrigado.

2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido.

3 - Aos refugiados aplica-se o regime mais benéfico resultante de lei ou convenção internacional a que o Estado Português esteja obrigado.

Artigo 135º

Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;

b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;

c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

c)

Não há dúvida de que está preenchida, por simples subsunção, a previsão do artigo 134º/1-a) supratranscrito (cfr. o artigo 9º do Código Civil): o autor é cidadão estrangeiro e está em situação irregular em Portugal, pois não tem qualquer documento.

Também está preenchido o artigo 134º/1-b): os crimes referidos são um atentado à ordem pública, entendida esta como o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tao forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas (MOTA PINTO, TGDC, 3ª ed., pág. 551). O roubo, pela sua violência, e o tráfico de droga, pelo seu impacte social intenso e nefastas e notórias consequências individuais, familiares e gerais.

Ora, o Tribunal Administrativo de Círculo sublinhou os factos de o autor ter nascido em Portugal e de ter filhos portugueses, para anular o ato administrativo (cfr. as als. a), b) e c) do artigo 135º). Aqui, esqueceu que não se provou que o autor tem menores a seu cargo, sobre os quais exerça efetivamente as responsabilidades parentais (al. b)).

Mas, o mais importante é que esqueceu de subsumir na Lei 23/2007 os factos criminais já referidos, que são muito graves e que fundamentaram o ato administrativo impugnado, com base na al. f) do nº 1 do artigo 134º cit. e no proémio ou corpo do artigo 135º

Dali resulta, também por subsunção (cfr. o artigo 9º do Código Civil) e não apenas por ponderação, o seguinte:

- As 3 alíneas do artigo 135º cit. não relevam, inter alia, nos casos de o estrangeiro (i) ter cometido atentado contra a ordem pública ou (ii) poder cometer - e, por maioria de razão, ter cometido - atos criminosos graves.

É o que aqui se verifica: o autor, ao cometer aqueles 4 crimes, por que foi condenado a 13 anos de prisão, (i) atentou contra a ordem pública e (ii) cometeu crimes que, pelas molduras penais respetivas (cfr. o artigo 210º do C. Penal, com penas de prisão de 1 a 8 anos e de 3 a 15 anos, e os artigos 21º e 25º da Lei nº 15/93, com penas de prisão entre 1 a 5 anos, 4 a 12 anos e 5 a 15 anos), são graves: o roubo e o tráfico de estupefacientes.

O proémio do artigo 135º não deixa margem de liberdade decisória à A.P., nem, salvo inconstitucionalidade que não descortinamos, ao tribunal.

Portanto, o Tribunal Administrativo de Círculo errou, ao relevar as alíneas do artigo 135º contra o proémio do mesmo artigo.

d)

E, como referido na sentença, não há nesta lei e na tese do SEF, agora deste tribunal, qualquer desrespeito pelos artigos 1º, 13º, 15º, 25º, 33º ou 36º da Constituição da República Portuguesa, aliás invocados de forma vaga e genérica pelo autor.

Com efeito, é descabido invocar o artigo 25º da Constituição da República Portuguesa. O autor é que violou o nº 1 do artigo 25º, ao cometer os crimes de roubo e de tráfico de estupefacientes. E a expulsão do autor não configura, obviamente, trato cruel ou desumano.

Por outro lado, não há qualquer discriminação. Não há entre cidadãos estrangeiros (caso do autor), sendo que, dentro dos limites dos artigos 15º/1 e 33º/2 da Constituição da República Portuguesa, estes se referem a estrangeiros em situação regular (cfr. assim GOMES CANOTILHO/V.M., C.R.P. Anot., I, 4ª ed., pág. 531). Não é este o caso do autor.

Já quanto ao direito-dever subjetivo de educar os filhos (cfr. artigo 36º/5 da C.R.P., artigos 1877º ss do Código Civil e artigo 5º do Protocolo nº 7 à CEDH), trata-se, como todos os direitos fundamentais, de um direito não absoluto. No caso presente, está provado que o autor, cidadão estrangeiro que cometeu crimes graves, não educou, nem educa os filhos, que vivem com as suas mães.

E a possibilidade teórica de o vir a fazer não tem maior peso de partida do que o dever de o Estado defender a legalidade, a segurança e a ordem pública da sociedade civil nacional (cfr. artigos 3º/2 e 27º/1 da Constituição da República Portuguesa).

Relativamente ao direito de pais e filhos não serem separados, salvo quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais (artigo 36º/6), trata-se de um direito (não absoluto também) que nasce ou existe desde que a união tenha alguma vez existido e, sobretudo, desde que a expulsão do progenitor implique a expulsão dos filhos menores (cfr. assim o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/04). Nenhuma destas limitações existe no caso em apreço.

Com efeito, o Tribunal Europeu dos D. H. considera que as medidas que possam conflituar com o direito à vida familiar têm de ser justificadas por necessidades sociais imperiosas e, além do mais, proporcionadas aos fins legítimos prosseguidos. E, como tal, tem-se pronunciado no sentido de considerar como violadoras do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem medidas de expulsão de estrangeiros com vínculos familiares no país de residência: assim aconteceu no caso Moustaquim c. Bélgica (Revue Universelle des Droits de l'Homme, Vol. 3, n.º 3, 1991, págs. 90 e segs.), bem como no caso Beldjoudi c. França, (Revue Universelle des Droits de l'Homme, Vol. 5, n.º 1-2, 1993, págs. 40 e segs.).

No caso presente, como os filhos nunca viveram com o autor e vivem com as mães respetivas, que os têm a seu cargo, não há o perigo da consequente expatriação deles para evitar uma separação. Diferente seria se o autor vivesse (ou tivesse vivido, este caso) com os filhos, atento o papel primordial e insubstituível dos pais na educação e acompanhamento dos filhos (cfr. assim os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 181/97 e nº 470/99, referentes à medida de expulsão enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional, que tenham filhos portugueses a seu cargo). Como já se viu, não é este o caso presente.

Não se ignora que se pode retirar do artigo 67º da Constituição da República Portuguesa o direito à unidade da família e à convivência familiar. Mas, uma vez mais, não sendo tal direito social (e não “direito, liberdade e garantia”) absoluto, também não se ignora que o artigo 33º da Constituição da República Portuguesa e a Lei 23/2007 demandam a defesa de outros valores constitucionais, como a segurança, a ordem pública e a legalidade.

Ora, se o estrangeiro cometeu crimes graves como os referidos, por que foi condenado a pesada pena de prisão, é justificado e racional que o sistema jurídico não excecione da expulsão o pai estrangeiro a que se refere o proémio do artigo 135º da Lei 23/2007 “apenas” por este ter filhos menores a cargo das mães, com quem o pai nunca conviveu e que nunca estiveram, nem estão, a cargo dele.

Trata-se de uma ponderação ou sopesamento, habitual na concretização de direitos fundamentais, que, no caso normativo presente, é feita a dois ritmos: primeiro pelo legislador (constituinte e ordinário), depois pela A.P. e pelo juiz.

Em suma, o direito (social) à família, a inserção dos delinquentes, a segurança e a dignidade humanas não foram negados por este ato administrativo. Com exceção da dignidade humana como superprincípio jurídico e ético, o restante referido não tem valor ou peso absoluto e está concretizado nas normas aqui aplicadas da Lei 23/2007, com conta, peso e medida.

A dignidade humana (como dado prévio à Constituição e como valor constitucional: o ser humano como sujeito e não como objeto; cfr. assim GOMES CANOTILHO/V.M., C.R.P. Anot., I, 4ª ed., págs. 198 ss; PAULO OTERO, Manual…, I, págs. 309 ss e 345-347), também invocada pelo autor de modo vago e genérico, não está aqui em causa, ao se extraditar um cidadão estrangeiro com passado criminoso grave e em situação indocumentada em Portugal, mesmo que tenha nascido no país e tenha aqui filhos com quem não vive.

Procede, assim, o recurso.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, conhecendo em substituição, indeferir o pedido formulado na petição inicial, absolvendo o réu do pedido.

Sem custas neste tribunal.

Custas na 1ª instância a cargo do autor.

Lisboa, 15-12-2016


(Paulo Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)