Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1311/08.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC;
SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS;
ENCARGOS FINANCEIROS
Sumário:I. O ponto 7 da Circular nº 7/2004, de 30/03, da Direcção de Serviços do IRC, estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, para efeitos de cálculo do lucro tributável, afronta o princípio da legalidade tributária.

II. A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspectiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade denominada «F................, SGPS, S.A.» deduziu contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2004, no montante de 607.336.51€.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. A Fazenda discorda do entendimento da douta sentença recorrida segundo o qual, ao abrigo da Circular 7/2007 de 30 de março os SIT aplicaram um método presuntivo e ilegal, violando o disposto nos arts. 87º a 90º da LGT e sem a invocação de razões que justificassem a sua aplicação.

II. À luz da doutrina citada a AT entende existir uma diferença de grau entre a adoção de um método indireto, da utilização de uma fórmula que recorre à materialização de uma percentagem de dedução (pro rata) para determinar os encargos financeiros associados à aquisição de participações (facto não impugnado), mas não faz do método, como também não o faz o próprio CIVA ao abrigo do art. 23º por exemplo, um método indireto. Estamos, ainda e sempre, no âmbito da avaliação direta.

III. E porque assim é não recaía sobre a AT qualquer ónus de provar o cumprimento dos pressupostos da aplicação de métodos indirectos.

IV. Inexistindo, por conseguinte, violação do dever de vinculação da AT às orientações genéricas por si emitidas, previsto no art. 68º A, da LGT, nem ao disposto nos arts. 87º a 90º da LGT.

V. A sentença recorrida não fez correta apreciação da matéria de facto e de direito, incorrendo em erro de julgamento; violando o disposto no art 68º-A, 87º a 90º da LGT, e 32º, nº 2, do EBF não merecendo por isso ser confirmada – antes substituída por acórdão que, aceitando entendimento sufragado pela AT, declare a inutilidade superveniente da lide na parte reconhecida pela AT nos termos do art. 112º, do CPPT e julgue improcedente, a pretensão da Impugnante na parte não atendida.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que, declare a inutilidade superveniente da lide na parte reconhecida pela AT nos termos do art. 112º, do CPPT e julgue improcedente, a pretensão da Impugnante na parte não atendida.

V/Exas, porém, não deixarão de fazer a habitual e são justiça.»


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A recorrida apresentou as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«A) Estabelecia o nº 2 do art. 31º do EBF que, «As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.»;

B) Esta norma impunha a necessidade de apurar os encargos financeiros que devam ter-se como suportados com a aquisição das partes de capital detidas pelas SGPS, sem que, no entanto, explicitasse o modo de proceder a esse apuramento ou cálculo;

C) Por essa razão, a impugnante desenvolveu um raciocínio tendente a efectuar este apuramento, que, conforme consta da alínea F) da matéria de facto assente na sentença, “consistiu em calcular o valor médio mensal, (não anual como refere a Circular n.º 7/2007 de 30 de Março) das aplicações em participações, verificar a insuficiência de capital próprio para adquirir e manter essas participações, calcular a taxa média dos juros suportados pela empresa e efetuou a respetiva operação de multiplicação para achar o valor dos respetivos encargos tendo por base as operações reais ao longo do exercício;”

D) Este método desenvolvido pela impugnante, como refere a sentença na sua motivação, não padece de qualquer erro e é “mais exigente e mais correto porque consistia em calcular o valor médio mensal, (não anual como refere a Circular nº 7/2004 de 30 de Março) das aplicações reais em participações, verificar a insuficiência de capital próprio para adquirir e manter essas participações, calcular a taxa média dos juros suportados pela empresa e efetuou a respetiva operação de multiplicação para achar o valor dos respetivos encargos.”;

E) A AT, no âmbito de acção inspectiva, corrigiu o apuramento efectuado pela impugnante, única e simplesmente porque era diferente do previsto na Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC, tal como consta do relatório final e está consignado na alínea B) da matéria de facto;

F) Ou seja, a AT desprezou o método de apuramento dos encargos financeiros seguido pela impugnante para a aplicação do nº 2 do art. 31º do EBF, apenas porque o mesmo era diferente do estabelecido na referida Circular;

G) Não foi apontada pela AT qualquer falha, incorrecção ou incoerência do método seguido pela impugnante, nem que o mesmo não cumprisse os ditames legais visados no nº 2 do art. 31º do EBF;

H) Pelo que, seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre este assunto, a sentença concluiu pela ilegalidade da liquidação de IRC objecto de impugnação judicial, uma vez que a AT procedeu “à correção do método utilizado pela impugnante não lhe assacando qualquer ilegalidade ou incorrecção, aplicando o método presuntivo e ilegal imposto pela Circular 7/2004 de 30 de Março, sem que tenha alegado existirem razões que justificassem a sua aplicação, a não ser a orientação genérica a que se encontra vinculada.”;

I) E assim decidiu porque “não se tratando de omissões na contabilização dos encargos em apreço, impunha-se que a inspeção tivesse efetuado a verificação individual e concreta do método utlizado pela impugnante, no exercício anterior 2003, cuja obrigação de cálculo do novo regime já era exigida pela Lei do Orçamento do Estado para o ano 2003 (Lei n.º32-B/2002 de 30 de Setembro) e, ainda, da sua utilização para os exercícios seguintes, 2004 exercício inspeccionado e, 2005 e 2006, aferindo se o mesmo se afigurava ilegal ou manipulado, favorável ou desfavorável para os cofres do Estado, em termos de pagamento do respetivo IRC, tendo em conta que o relatório inspetivo foi concluído em 17 de Abril de 2008. Não o logrou fazer, quedando- se, como vimos, pela correção fundamentando a sua atuação no facto da impugnante não ter observado, para o exercício de 2004 o método presuntivo previsto na Circular n.º 7/2007 de 30 de Março.”

J) A fórmula de cálculo preconizada na Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC não é vinculativa para os contribuintes e estabelece, como já foi afirmado por diversas vezes pelo Supremo Tribunal Administrativo “um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal.”;

K) Por estas razões, a sentença recorrida não cometeu erro de julgamento nem violou qualquer disposição legal ao caso aplicável, devendo ser integralmente mantida;

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE CONFIRME A DECISÃO RECORRIDA.»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, a esta luz, as questões a decidir traduzem-se em saber se: (i) a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a impugnação, segundo o entendimento de que a Administração Tributária procedeu à correcção do método utilizado pela recorrida, (sem assacar qualquer ilegalidade ou incorrecção), aplicando o método presuntivo e ilegal imposto pela Circular 7/2007 de 30 de Março, sem que tenha alegado e provado existirem razões que justificassem a sua aplicação, a não ser a orientação genérica a que se encontra vinculada e consequentemente violou o disposto no artigo 68.ºA, 87.º a 90.º da LGT, e 32.º, n.º2 do EBF; (ii) incorreu em erro de julgamento ao não declarar a inutilidade superveniente da lide no que respeita ao segmento da liquidação sindicada revogado na pendência dos presentes autos.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A. DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A) A impugnante é uma sociedade gestora de participações sociais não financeiras, designada por «F................, SGPS, SA.», com o Código de Atividade Económica (CAE) 64202, desde 21.05.1998 e enquadrada no Regime Geral de Tributação, por imposição legal;

(cfr. Informação oficial de fls. 18 dos autos)

B) Através da Ordem de Serviço OI................, emitida em 05.12.2007, a impugnante foi sujeita a uma Ação de Inspeção Tributária tendo, no âmbito da mesma, sido efetuado correções com o seguinte teor:

«(…)



"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"

(cf. doc. 4 junto com a PI)

C) Em sede de resposta ao direito de audição os serviços da Inspeção Tributária concluíram da seguinte forma:
«(…)


"texto integral no original; imagem"

D) Em resultado das correções efetuadas na referida ação de inspeção, foi efetuada liquidação adicional n.º 2008 ................, datada de 20.05.2008, referente ao exercício 2004, no montante de €607.336,51, incluindo Juros Compensatórios, no valor de €62.780,58;
(cf. doc. 42 junto com a PI)

E) Em sede de contestação da presente impugnação veio a representação da Fazenda Pública informar ter sido revogado parcialmente o ato de liquidação impugnado nos seguintes termos:
«(…)
"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"

(cfr. fls. 198 dos autos)

F) O método utilizado pela impugnante consistiu em calcular o valor médio mensal, (não anual como refere a Circular n.º 7/2007 de 30 de Março) das aplicações em participações, verificar a insuficiência de capital próprio para adquirir e manter essas participações, calcular a taxa média dos juros suportados pela empresa e efetuou a respetiva operação de multiplicação para achar o valor dos respectivos encargos tendo por base as operações reais ao longo do exercício;
(cfr. unânime das testemunhas)

G) A impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 04.08.2008 onde foi registada com o número 83342;
(cfr. fls. 2 dos autos)

III.I – Factos não Provados
Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão.

MOTIVAÇÃO
A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram.
Quanto à alínea F) do elenco probatório, a decisão da matéria de facto teve por base o depoimento das testemunhas, arroladas pela impugnante, sendo a sua prestação relevante na medida em que confirmaram ao tribunal que o método utlizado pela impugnante para apuramento dos encargos financeiros a acrescer ao lucro tributável, embora não condizente com a Circular ... de 30 de Março, não padece de qualquer erro. Relevaram os depoimentos das testemunhas Teresa ................ era técnica de contas à data de 2004 e responsável pela contabilidade e José ................, professor universitário especialista em questões fiscais, na medida em que explicaram ao tribunal que o método seguido pela impugnante era mais exigente e mais correto porque consistia em calcular o valor médio mensal, (não anual como refere a Circular n.º 7/2007 de 30 de Março) das aplicações reais em participações, verificar a insuficiência de capital próprio para adquirir e manter essas participações, calcular a taxa média dos juros suportados pela empresa e efetuou a respetiva operação de multiplicação para achar o valor dos respetivos encargos.».
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B. DO DIREITO
A Impugnante foi objecto de análise interna aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, da qual resultaram correcções meramente aritméticas respeitantes a encargos financeiros suportados com aquisições de partes de capital ao abrigo do artigo 31.º, 2º do EBF( na redacção introduzida pela Lei n.º 32-B/ 2002 de 30 de Dezembro) e na Circular 7/2004 de 30 de Março da Direcção de Serviços do IRC.
O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação no entendimento de que «(…) não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT -em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.
É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.
Temos, assim, que concluir pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele n.º 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.».
É contra o assim decidido que a Fazenda Pública (doravante recorrente) se insurge, alegando no essencial que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos n.ºs 68.-A, 87.º a 90.º da LGT, e 32.º, nº 2, do EBF.
Concretizando, entende a recorrente « (…) existir uma diferença de grau entre a adoção de um método indireto, da utilização de uma fórmula que recorre à materialização de uma percentagem de dedução (pro rata) para determinar os encargos financeiros associados à aquisição de participações (facto não impugnado), mas não faz do método, como também não o faz o próprio CIVA ao abrigo do art. 23º por exemplo, um método indireto[Conclusão II].
Por referência a tal argumentação, tendo por base a factualidade provada não impugnada, conclui a recorrente que a correcção sindicada se moveu no âmbito da avaliação directa e sendo assim contrariamente ao decidido não recaia sobre a Administração Tributária qualquer ónus de provar o cumprimento dos pressupostos da aplicação de métodos indirectos.
Quanto a esta concreta questão atinente à aplicação da Circular n.º7/2004 de 30 de Março, como dá nota o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.06.2017, proferido no processo n.º 364/14. « (Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por várias vezes a questão da legalidade de autoliquidações de IRC, efectuadas em conformidade com a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, tendo concluído, nos Acórdãos de 08.2017 e de 31.05.2017, proferidos, respectivamente, nos recursos 227/16 e 1229/15, que o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal.)» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Escreveu-se, no Acórdão de 31.05.2017 (processo n.º 1229/15):
«Por Acórdão do passado dia 8 de Março, proferido no recurso n.º 0227/16, este Supremo Tribunal teve já ocasião de decidir recurso cujo objecto é similar ao dos presentes autos – salvo quanto ao ano a que respeita a autoliquidação sindicada (ali 2008; aqui 2009) -, tendo concluído no sentido da procedência do recurso, com a seguinte fundamentação, que com a devida vénia transcrevemos:
«No essencial, a recorrente pede a este Supremo Tribunal que diga se o disposto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC -Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais: 7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição- se traduz ou não, num método não conforme à Lei, constitucional e ordinária, para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.
Tanto na sentença recorrida, como nas alegações da recorrente, não há divergência sobre a natureza das regras contidas em tal Circular, trata-se de instruções genéricas que não são mais do que meras orientações administrativas que apenas vinculam a Administração, cfr. artigo 55º do CPPT e 68º-A da LGT.
Ou seja, não têm uma dimensão erga omnes, tal como as leis editadas pelo Parlamento e pelo Governo e, consequentemente, não vinculam os contribuintes e, especialmente, os Tribunais, cfr. n.º 3 daquele artigo 55º, estando o seu campo de aplicação obrigatório confinado à actuação da administração tributária que procedeu à sua emissão.
As instruções constantes de tal Circular foram editadas porque, “1. Tendo-se levantado dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e às sociedades de capital de risco (SCR), previsto no art.º 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003), sanciona-se o seguinte entendimento:
Regime previsto no nº 2 do art.º 31º do EBF
1. A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, veio alterar o regime fiscal aplicável às mais-valias e às menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR consagrado no art.º 31º do EBF, dispondo o n.º 2 deste preceito que "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".
Regime previsto no nº 3 do art.º 31º do EBF
3. O n.º 3 do mesmo artigo, tendo a natureza de uma norma antiabuso, afasta a aplicação do regime previsto no n.º 2 relativamente "às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do art.º 58º do Código do IRC, ou entidades com domicílio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objecto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão."
Aplicação temporal do novo regime
4. O n.º 5 do art.º 38.º da Lei n.º 32-B/2002, por sua vez, prescreve que "a alteração introduzida no art.º 31.º do EBF aplica-se às mais-valias e às menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003, sem prejuízo de se continuar a aplicar, relativamente à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 7º da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, ou, em alternativa, no n.º 8 do artigo 32.º da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro."
5. Assim, no que concerne ao âmbito de aplicação temporal do novo regime e no que respeita, concretamente, aos encargos financeiros, o mesmo é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data.
Depreende-se, assim, que a razão de ser de tais “normas administrativas” encontra a sua justificação nas dúvidas e incertezas que a AT sentiu na aplicação das regras constantes do referido artigo 32º do EBF, no que às sociedades SGPS diz respeito, como a recorrente, criando um regime uniforme para obter, no seu entendimento, uma aplicação consentânea com a vontade legislador ao editar tal inciso legal.».
No caso vertente, os Serviços de Inspecção Tributária no âmbito da análise interna aos exercícios de 2003 e 2005, verificaram que o método de apuramento dos encargos financeiros adoptado pela recorrida foi diferente ao previsto na Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Ora, acontece tal como entendeu, e bem, o Tribunal «a quo» que « (…)da leitura atenta das conclusões do Relatório Inspetivo, não resulta que o método utilizado pela impugnante no apuramento de tais encargos financeiros padeça de qualquer ilegalidade ou que os mesmos tenham sido apurados de forma incorreta sem refletir as operações reais que titulam.».
Daí decorre, como se consignou no Acórdão que vimos seguindo « (…) não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.
É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.»
Assim, seguindo esta linha de entendimento, totalmente transponível para o presente caso, não se vislumbra qualquer razão que nos leve a alterar o decidido em 1ª Instância que de resto seguiu a jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo.
Por último, resulta da matéria assente, que no decurso dos presentes autos a Administração Tributária revogou parcialmente o acto de liquidação impugnado, por não ter sido considerado (aquando da sua emissão) os valores dos Depósitos a Prazo nos cálculos dos Activos Remunerados. Porém, encontrando-se a liquidação de IRC anulada na sua totalidade, conforme o decido em 1ª Instância, e aqui confirmado, nenhuma utilidade advém da sua revogação parcial contrariamente ao entendimento pugnado pela recorrente.
Por tudo isto, se conclui que o recurso não merece provimento.
DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DE TAXA DE JUSTIÇA
Conforme entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13, a que aderimos sem reservas, «A norma constante do nº7 do artigo 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de 275.000€ (no presente caso o valor da acção é 607.336,51€) consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável, tendo-se limitado, como referido, grosso modo, à discussão da questão jurídica da aplicação da Circular de 7/2007 de 30 de Março, matéria já tratada pela nossa jurisprudência de forma pacífica e uniforme como oportunamente demos nota.
Neste contexto, nada obsta que a recorrente seja dispensada, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendo o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
IV.CONCLUSÕES
I.O ponto 7 da Circular nº 7/2004, de 30/03, da Direcção de Serviços do IRC, estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, para efeitos de cálculo do lucro tributável, afronta o princípio da legalidade tributária.

II. A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspectiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa.
V.DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que se reporta o nº 7 do artigo 6º do RCP para ambas as partes.
Lisboa, 22 de Maio de 2019.
[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Catarina Almeida e Sousa]