Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9478/16.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:TIPOLOGIA DAS CORRECÇÕES;
CORRECÇÕES TÉCNICAS;
CORRECÇÕES QUANTITATIVAS;
CUSTOS;
INDISPENSABILIDADE.
Sumário:1. O recurso hierárquico previsto no art.º 112.º (129.º) do CIRC tem o seu campo de aplicação circunscrito às correcções de natureza quantitativa efectuadas pela AT aos valores declarados pelo contribuinte;
2. Correcções de natureza quantitativa ocorrem quando o órgão administrativo competente, ao reputar certas despesas de representação exageradas, nos termos do art. 41/1/g) do CIRC, actua no âmbito da chamada discricionariedade técnica ou margem de livre apreciação, no qual o tribunal não sobrepõe o seu critério ao do órgão administrativo decisor, sem prejuízo de lhe censurar eventuais erros grosseiros ou manifestos.
3. Estando em causa correcções assentes na não aceitação como custo dos juros suportados pela impugnante com empréstimos bancários obtidos em valor superior ao de empréstimos concedidos a associados sem vencimento de juros, tais correcções têm natureza técnica, determinada pela diferente qualificação jurídica dos elementos (custos) declarados pelo contribuinte.
4. Como assim, não colhe o invocado vício de forma da liquidação por preterição de garantia impugnatória assente na falta de notificação para recorrer hierarquicamente, a que alude o n.º 1 do art.º 112.º (129.º) do CIRC.
5. Os encargos com juros de empréstimos obtidos pela impugnante e comprovadamente destinados à aquisição de participações financeiras e ao aumento do seu imobilizado corpóreo e incorpóreo preenchem o critério da indispensabilidade, devendo ser aceites como custo dedutível, nos termos do art.º 23.º do CIRC.
6. A circunstância de a empresa manter, no mesmo exercício, empréstimos concedidos a associados sem vencimento de juros, não afasta a indispensabilidade daqueles encargos, pois o modo como a empresa gere as suas disponibilidades financeiras cabe inteiramente aos seus órgãos sociais, nessa gestão não podendo imiscuir-se a Administração tributária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por “S…………, S.A., visando a liquidação adicional de IRC n.º………, relativa ao ano de 1997.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências ai sufragadas, uma vez que a Impugnante não tinha sido notificada nos termos do art.º 112.º do CIRC, o que consubstancia um vicio gerador de anulabilidade da liquidação.

lI - A douta sentença do Tribunal a quo considerou que a norma que previa a impugnante de recorrer hierarquicamente, nos termos do art.º 112.º do CIRC, teria de ser notificada por carta registada com aviso de recepção, nos termos do art.º 53.º, n.º 2 do CIRC, à data dos factos, sempre que fossem efectuadas pelos serviços de Inspecção correcções de natureza quantitativa nos valores constantes das declarações de rendimentos (art. 96 e 97 do CIRC) com reflexos na determinação do lucro tributável.

IlI - Depreende-se do relatório de inspecção que se procedeu a alterações de natureza quantitativa, pelo que a Inspecção Tributária estava obrigada a notificar a impugnante, nos termos do art.º 112.º do CIRC, o que não logrou fazer. A falta de notificação consubstancia uma preterição de formalidade legal e essencial que se repercute em todos os actos subsequentes, maxime, na liquidação de imposto e a omissão da notificação para, querendo, deduzir recurso hierárquico gera vicio de forma e consequentemente a anulação do acto tributário de liquidação, procedendo a alegação da Impugnante.

IlI - Na verdade, a Fazenda não concorda com a fundamentação da douta sentença do Tribunal a quo porquanto a notificação para o recurso hierárquico haver-se-ia de ter feito, como se fez, com a notificação das conclusões do relatório de inspecção, uma vez que o recurso hierárquico tinha como finalidade a suspensão da liquidação, pelo que ter-se-ia de notificar a impugnante em momento anterior ao da liquidação, sendo o momento quando da notificação do relatório. Mas será que as correcções efectuadas são de natureza quantitativa, para que houvesse obrigatoriedade de notificar a impugnante nos termos do art.º 112.º do CIRC? E, caso não houvesse tal obrigatoriedade qual o meio de reacção próprio reclamação ou impugnação?

IV. Neste pendor, o thema decidendum, assenta em saber se o que são correcções de natureza quantitativa e correcções técnicas, a fim de saber se teria de se notificar ou não a impugnante para deduzir recurso hierárquico.

V- Na verdade, o Ac. do STA de 26/04/2007, ao qual aderimos na sua fundamentação, refere que "(...) Pretendeu o legislador que, quando o Imposto não fosse autoliquidado e o contribuinte considerasse erroneamente quantificada a matéria tributável, obtivesse, por via graciosa, antes de recorrer à via contenciosa, uma apreciação da sua fixação: através de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação, quando previsto na lei (cfr. artigos 112° do CIRC e 132º do CIRS), ou, nos restantes casos, através da dita reclamação necessária para a comissão de revisão (cfr. artigos 84°, nº 1, e 91º, nº 2, do CPT).
Tal apreciação graciosa da decisão que fixe a matéria colectável é, porém, dispensada quando a administração tributária recorra a "correcções meramente aritméticas resultantes de imperativo legal". Ora, como é sabido, a matéria colectável pode ser fixada através de três tipos de correcções.
Na correcção aritmética. a matéria colectável é identificada pelo contribuinte na declaração periódica anual, pelo que a administração não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação - directo ou indirecto - para determinar o imposto devido: a administração tributária limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações, com o objectivo de garantir a exactidão das auto-liquidações.
Trata-se, pois, do resultado da normal função de controlo que a administração tributária realiza quando recebe as declarações do contribuinte e verifica a existência de erros de cálculo.
O mesmo acontece, aliás, no caso de um acto administrativo expressar a vontade do órgão administrativo com erros de cálculo ou materiais manifestos. Neste caso, nos termos do artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo, o acto pode ser rectificado, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto, oficiosamente (ou a pedido dos interessados) e com efeitos retroactivos.
Trata-se, pois, de uma correcção oficiosa que nem careceria de previsão legal expressa.
Distintas desta são as correcções técnicas que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, isto é, quando visa determinar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do contribuinte.
É o que sucede com a qualificação de encargos como não dedutíveis para efeitos fiscais (cfr. artigo 41°, nº 1, do CIRC e ponto 1, alínea a), do probatório) ou de reintegrações e amortizações como custos ou perdas (cfr. artigo 23°, alínea g), do CIRS e ponto 1, alíneas b) e e) do probatório).
Estas correcções são também quantitativas, ainda que simultaneamente qualitativas: quantitativas porque alteram a matéria colectável, qualitativas porque esta alteração é mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou.
Por fim, as correcções podem ter ainda outra natureza, a de correcções quantitativas a se, o que acontece quando a administração tributária se socorre de métodos indirectos. alterando a matéria colectável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha." (bold e sublinhado nosso) - vide Ac. do STA de 26/04/2007, proferido no rec. n.º 037/07

VI- O Ac. do STA de 23/09/1998, no seu sumário estipula que "1 - O recurso hierárquico previsto no art.º 112 do CIRC apenas tem aplicação às correcções de natureza quantitativa efectuada pela Administração Fiscal aos valores declarados pelo contribuinte no uso da chamada discricionariedade técnica ou margem de livre apreciação.
li - Não se integra em tal quadro legal, a apreciação da indispensabilidade comprovada dos custos ou perdas para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art.º 23 do CIRC.
Ili - Tal indispensabilidade constituí um conceito indeterminado, necessitando embora de preenchimento, aí não só o poder da Administração é rigorosamente vinculado como não existe qualquer margem de livre apreciação por parte da mesma, não havendo que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo, pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis.
IV - Assim, a sua legalidade deve ser apreciada, nos termos do art.º 111 do mesmo diploma, através de reclamação graciosa ou impugnação judicial da liquidação respectiva." (bold e sublinhado nosso) - vide Ac. do STA de 23/09/1998, proferido no rec.º 21516

VII- Na verdade, reportando os arestos em apreço para o presente recurso, constata-se que o que estava em causa era os custos não aceites fiscalmente nos empréstimos suportados, pelo que seguindo a fundamentação do Ac. do STA de 23/09/1998 supra mencionado, o recurso hierárquico não procederia uma vez que o meio próprio seria a reclamação graciosa, tal como a Impugnante o fez, pelo que sendo ou não sendo notificado para o recurso hierárquico, nos termos do art.º 112.º do CIRC, era um acto improfícuo.

VIII - Nos termos expostos, deve a douta sentença ser revogada por outra, uma vez que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e de direito, pois dos factos dados como provados não poderia a solução do caso em apreço ser aquela que foi proferida, mas outra, sob pena de se estar a violar quer o art.º 112.º do CIRC quer o art.º 23.º do CIRC, razão pela qual a sentença deverá ser revogada .

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão central que importa decidir reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a liquidação impugnada assentou em correcções de natureza quantitativa.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:

A)
A impugnante é uma sociedade que se dedica, entre outras actividades, à estiva e à receção e entrega de mercadorias gerais e contentores;
(cf, fls. 41 do Proc. Recl Grae. junto aos autos)
B)
Através da Ordem de Serviço n.º 98.218, a impugnante foi alvo de uma inspeção tributária com inicio em 17.07.2000 e conclusão em 01.08.2000, por análise à declaração Mod. 22 de IRC relativa ao ano 1997;
(cf. fls. 15 do PA e 54 dos autos)
C)
Através do ofício n.º 011783 de 17.07.2000 a impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspeção para exercer o direito de audição prévia;
(cf. fls.14 do PA junto aos autos)
D)
Em 28.07.2000 a Impugnante exerceu o direito de audição através do documento que deu entrada no Serviço de Inspeção Tributária conforme fls. 59 dos autos que se dá por inteiramente reproduzido;
E)
Os serviços de Inspeção Tributária, no âmbito da ação desenvolvida à análise da declaração Mod. 22 de IRC, efectuaram correções referentes no sentido de que a Impugnante não acresceu:
- O valor de 1.200.354$00 referente à amortização contabilística de bens em regime de locação financeira, com contratos celebrados até 31/12/93 e que deviam constar do mapa 40 a que se refere o Dec. - Lei 420/93, de 28/12 - Anexo 1 (2 fls.), relativamente à firma NIPC. ........ que integrou o contribuinte no processo de fusão, em 1997;
- O valor de 1.082.380$00 nos termos da al. g) do n.º1 do art.º32 do CIRC, referente a amortizações não aceites;
- O valor de 45.642.483$00, não são aceites como custo, nos termos do Art. 23° do CIRC, os custos suportados com juros de empréstimos bancários obtidos, dado que o saldo médio dos empréstimos concedidos pela firma, aos seus associados, sem vencimento de juros, é superior ao saldo médio dos empréstimos obtidos.
(cfr. tis. 55 a 58 dos autos)
F)
Em sequência da ação de inspeção a impugnante em 08.03.2001 foi notificada da liquidação adicional n.º ………… de IRC referente ao ano de 1997, cf. fls. 30 dos autos;
G)
Em 11.06.2001 a impugnante deu entrada da reclamação graciosa na repartição de finanças do 14.º Bairro Fiscal de Lisboa cf. fls. 31 a 41 dos autos;
H)
Na sequência do indeferimento da reclamação graciosa por Despacho de 22.08.2002 a impugnante foi notificada através do oficio n.º 23462 de 06.082002, onde se pode ler: «Deste despacho poderá recorrer hierarquicamente, no prazo de 10 dias, ou impugnar judicialmente, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, nos termos, respectivamente, dos art.º 66 n.º 2 e 102 n.º2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. (...)»
(cf. fls. 44 a 51 dos autos)
I)
Os autos de impugnação deram entrada na secretaria central através do registo n.º 1168 em 09.09.2002 cf. fls. 2;

111.1 - Factos não Provados

Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.

MOTIVAÇÃO

A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.».


Ao abrigo do disposto no art.º 662/1, adita-se ao probatório o seguinte facto:
J)
Do relatório de análise à declaração mod.22 relativa ao exercício de 1997, de 01/08/2000, a fls.24 do PA, consta nomeadamente e, entre o mais, o seguinte:
«O contribuinte apenas se pronuncia relativamente à proposta de correcção referida no ponto 3 do projecto atrás mencionado e que é referente à não aceitação, como custo, dos juros suportados com empréstimos bancários obtidos no total de 45.642.483$00, em virtude dos empréstimos concedidos serem de valor superior e sem vencimento de juros, alegando o contribuinte que os empréstimos obtidos se destinaram à aquisição de participações financeiras e ao aumento do imobilizado corpóreo e incorpóreo, não tendo aplicação o disposto no art.º 23.º do CIRC.
A este propósito refere-se que não se questiona o destino que foi dado aos empréstimos obtidos, no entanto, se o contribuinte não tivesse concedido ou mantido empréstimos tão avultados que superam os obtidos, não teria tido necessidade de recorrer à banca para se financiar, não existindo, consequentemente, os encargos dos juros.
De referir ainda que estes empréstimos concedidos poderiam ter vencido juros superiores aos suportados, o que não tendo sido o caso, não deve ser a firma a suportar custos com a manutenção de empréstimos obtidos para poder suportar os concedidos, sendo assim, os referidos custos não são indispensáveis à realização dos proveitos, pelo que se mantém a referida correcção».

B.DE DIREITO

A questão dos autos é a de saber se as correcções efectuadas à matéria tributável da impugnante e ora recorrida se integram, ou não, no conceito de “correcções de natureza quantitativa”, para o efeito previsto no art.º 112.º do Código do IRC (à época da inspecção, correspondia ao art.º 129.º), que estatuía o seguinte:

«1 – Sempre que, nos termos deste Código, sejam efectuadas correcções de natureza quantitativa nos valores constantes das declarações de rendimento do contribuinte com reflexos na determinação do lucro tributável, será aquele notificado, pela forma estabelecida no n.º2 do artigo 53.º, das alterações efectuadas, com indicação dos respectivos fundamentos.
2 – Dessas alterações poderá o contribuinte, no prazo de 30 dias contados da notificação, interpor recurso hierárquico para o Ministro das Finanças e da decisão deste para os tribunais, nos termos da legislação aplicável
3 – O recurso previsto no número anterior terá efeito suspensivo quanto à parte do IRC correspondente aos valores contestados e deverá conter, sob pena de ser liminarmente rejeitado, os respectivos fundamentos, podendo ser-lhe juntos os documentos ou pareceres considerados relevantes.
4 – (…)».

Pois bem, a sentença validou o entendimento da impugnante de que fora preterida formalidade essencial do procedimento por falta da notificação prevista naquele n.º 1 do art.º 112.º (129.º).

Com o decidido não se conforma a recorrente Fazenda Pública, no entendimento de que as correcções contestadas não foram de natureza quantitativa.

E tem razão.

Na tipologia das correcções em sede de Imposto de Rendimento, temos as correcções aritméticas, “em que a matéria colectável é identificada pelo contribuinte na declaração periódica anual, pelo que a administração não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação – directo ou indirecto - para determinar o imposto devido: a administração tributária limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações, com o objectivo de garantir a exactidão das autoliquidações.
Trata-se, pois, do resultado da normal função de controlo que a administração tributária realiza quando recebe as declarações do contribuinte e verifica a existência de erros de cálculo” (vd. Acórdão do STA, de 04/26/2007, tirado no proc.º 037/07).

Diferente daquelas, temos as correcções técnicas, que se tratam de correcções “que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, isto é, quando visa determinar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do contribuinte.
É o que sucede com a qualificação de encargos como não dedutíveis para efeitos fiscais (cfr. artigo 41º, nº 1, do CIRC…) ou de reintegrações e amortizações como custos ou perdas (cfr. artigo 23º, alínea g), do CIRS…).
Estas correcções são também quantitativas, ainda que simultaneamente qualitativas: quantitativas porque alteram a matéria colectável, qualitativas porque esta alteração é mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou” (vd. cit. Acórdão do STA, de 04/26/2007, tirado no proc.º 037/07).

E temos as correcções de natureza quantitativa, que são as efectuadas pela Administração fiscal aos valores declarados pelo contribuinte no uso da chamada discricionariedade técnica ou margem de livre apreciação.

Como se refere no interessante artigo de Joaquim Condesso, “Discricionariedade da Administração Fiscal”, publicado na Revista Julgar, n.º 15 – 2011:
“O Código do I.R.C., aprovado pelo Dec. lei 442-B/88, de 30/11, na redacção originária do art. 41, n.º 1, al. g), igualmente determinou que as despesas de representação não são custos fiscais, sendo escrituradas a qualquer título, na parte em que a Direcção Geral dos Impostos as repute exageradas.
Em qualquer dos normativos mencionados o “quantum” das despesas de representação não se encontrava vertido na lei e dependia da subjectividade de interpretação da D.G.I. Deste modo, o quantitativo das despesas de representação que não era aceite fiscalmente sujeitava-se ao poder de decisão da Administração Fiscal, podendo o sujeito passivo recorrer hierarquicamente para o Ministro das Finanças, no caso de não concordar com a decisão da D.G.I.
Ora, tanto face ao regime vigente no âmbito da Contribuição Industrial (art. 37, al. a), do C.C.I.), como ao regime do C.I.R.C., na redacção originária do art. 41, n.º 1, al. g), o legislador utiliza um conceito jurídico indeterminado (despesas de representação exageradas), deixando ao critério da Administração, necessariamente subjectivo, a decisão de as avaliar como tal (as despesas de representação).
Salvo melhor opinião, encontramo-nos perante norma em que a indeterminação diz respeito à quantificação da matéria tributável, face à qual são sempre possíveis diversas soluções no caso concreto, assim se devendo reconhecer uma margem de livre apreciação à Administração pelos Tribunais, conforme mencionado supra”.
No mesmo sentido, se deixou consignado no sumário doutrinal do Acórdão do STA, de 04/23/1997, tirado no proc.º 020168: “O órgão administrativo competente, ao reputar certas despesas de representação exageradas, nos termos do art. 41/1/g) do CIRC, actua no âmbito da chamada "discricionariedade técnica", no qual o tribunal não sobrepõe o seu critério ao do órgão administrativo decidente, sem prejuízo de lhe censurar eventuais erros grosseiros ou manifestos”.

No caso dos autos – em que se discute a aceitação como custo dos juros suportados pela impugnante com empréstimos bancários destinados à aquisição de participações financeiras e ao aumento do imobilizado corpóreo e incorpóreo, em virtude dos empréstimos concedidos a associados serem de valor superior aos obtidos e sem vencimento de juros – estão em causa, dentro da tipologia descrita, correcções técnicas, em que a Administração tributária procede à alteração quantitativa da matéria colectável mas em que essa alteração é mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou.

O recurso hierárquico previsto no art.º 112.º (129.º) do CIRC, tem o seu campo de aplicação limitado às correcções de natureza quantitativa, não sendo aplicável às correcções técnicas em causa nos autos, pelo que a invocada preterição de garantia impugnatória decorrente da falta de notificação ali prevista para recorrer hierarquicamente, que a sentença validou, não se verifica, não padecendo a liquidação de qualquer vício de forma, como bem alega a recorrente.
A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, sendo de revogar e conceder provimento ao recurso.

Na procedência da apelação, importará agora conhecer, em substituição, das questões da impugnação que a sentença deu por prejudicadas em vista da solução dada ao litígio, nos termos disposto no n.º 2 do art.º 665.º do CPC (anterior art.º 715/2).

Foi dado cumprimento ao disposto no nº. 3 do art.º 665.º do CPC, tendo a recorrida respondido.

Como se apreende do aditado ponto J) da matéria assente, a Administração tributária, não questionando embora que os empréstimos obtidos pela impugnante se destinaram à aquisição de participações financeiras e ao aumento do imobilizado corpóreo e incorpóreo, não aceitou como custo dedutível os juros suportados, porquanto, a impugnante mantinha empréstimos concedidos a associados de valor superior e sem vencimento de juros.

Não concordamos com este modo de ver, avançamos já.

A norma legal que serviu de apoio à actuação da Administração tributária é o art.º 23º do Código do IRC, que no seu corpo dispõe: “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora…”.

Com interesse para o caso, pode afirmar-se que nos termos da apontada disposição legal, são custos, nomeadamente, “os encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração”, desde que comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

O requisito da comprovação, apontado pela doutrina como um dos exigidos para a qualificação de um gasto como custo fiscal, está fora de controvérsia.

Sobra o requisito da indispensabilidade. O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente, com subsídios úteis da doutrina.

Escreve a propósito Rui Duarte Morais, “Apontamentos ao IRC”, Almedina, Nov./2007, a págs.87: «Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objectivo da transacção (ou seja, com recurso ao business purpose test, corrente na doutrina e jurisprudência anglo-saxónicas).
O intuito objectivo que levou a contrair o encargo que originou o custo não se identifica com o concreto ânimo de quem tomou tal decisão. É determinado a posteriori, por referência a todas as circunstâncias conhecidas no momento da tomada de decisão (e nunca a factos posteriores). Se à decisão presidiu tão-só o interesse da empresa, o prosseguimento do seu escopo social, tal como os seus sócios ou gestores (bem ou mal não interessa) ao tempo o interpretaram, o custo tem de ser havido por indispensável. Se a motivação predominante foi outra, não será fiscalmente aceite».

Ora, os encargos incorridos com a obtenção de empréstimos bancários cujo escopo é a aquisição de participações financeiras e o aumento do imobilizado corpóreo e incorpóreo não pode dizer-se não corresponder objectivamente a um interesse predominantemente societário, permitindo se conclua estar demonstrada a normalidade do gasto incorrido, bem como o seu nexo causal com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou com a manutenção da fonte produtora, nessa medida, devendo aceitar-se a respectiva dedutibilidade e enquadramento no art.º 23.º do Código do IRC.

Conforme entendimento deste Tribunal Central Administrativo Sul, expresso no acórdão de 27 de Março de 2012, tirado no proc.º 05312/12, “…a noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (…).
A dedutibilidade do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.
Nesta linha de entendimento, comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da actividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Administração tributaria realizar juízos de valor sobre a bondade empresarial prosseguida pela impugnante.

Como refere Rui Duarte Morais, ob. Cit., a pág.86, «A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por um outro juízo, também de índole empresarial, feito pela administração fiscal ou pelos tribunais».

Como assim, a linha de raciocínio seguida pela AT de desconsiderar fiscalmente os encargos suportados pela impugnante, com juros de empréstimos obtidos e destinados à aquisição de participações financeiras e aumento do seu imobilizado corpóreo e incorpóreo, só porque a impugnante mantém, no mesmo exercício, empréstimos concedidos a associados sem vencimento de juros, não é de acompanhar.

A gestão das disponibilidades financeiras da empresa, dos seus recursos, cabe inteiramente aos respectivos órgãos sociais nos preditos termos e se estes entendem em determinado momento da vida da empresa que é economicamente mais vantajoso para a organização manter os empréstimos concedidos a associados e recorrer a financiamento bancário para acorrer a necessidades ou oportunidades de investimento que, entretanto, se colocam, não pode a Administração tributária interferir nessa gestão, majorando, sem base legal, a capacidade contributiva das empresas.

Entendimento diverso levaria a que uma empresa com excesso de disponibilidades financeiras nunca pudesse contrair livremente empréstimos bancários com relevância fiscal dos encargos associados, o que representaria do ponto de vista do Estado Fiscal, uma intolerável interferência da AT nas opções gestionárias da empresa, numa situação em que não se verifica a contabilização de custos duplicados para o mesmo escopo empresarial, nem desconexão com o objecto societário.

As correcções de custos contabilizados com juros de empréstimos obtidos padecem de erro nos pressupostos, inquinando de ilegalidade o subsequente acto de liquidação impugnado, o que determina a sua anulação.

A impugnação judicial tem de ser julgada procedente por este fundamento substantivo.



IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;
ii. Conhecendo em substituição, julgar a impugnação procedente e anular a liquidação impugnada na parte assente nas correcções contestadas.

Sem custas, por isenção legal da Recorrente Fazenda Pública.



Lisboa, 09 de Junho de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina Flora].

Vital Lopes