Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:515/09.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ATO DE LIQUIDAÇÃO
REFORMA
ANULAÇÃO TOTAL
RECONSTITUIÇÃO EX ANTE
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I-Se após a realização de uma ação inspetiva, a AT, concluiu que o declarado pela Recorrida não espelhava a sua real situação tributável, procedendo às competentes correções à matéria tributável em sede de IRS, tributando a alienação de diversos lotes de terreno para construção como mais valias, e, em conformidade e sequentemente, liquidou o imposto materializado no ato de liquidação, ora, impugnado.
II-E se, ulteriormente, reconhece o erróneo enquadramento e procede à anulação total desse ato, e emite novo ato de liquidação, na sequência de nova ação inspetiva, então, ter-se-á de concluir que nos encontramos perante uma anulação total de um ato de liquidação e em sua substituição praticou-se “ex novo” nova liquidação, em nada obstando a circunstância de nos encontramos perante a mesma realidade fática, porquanto é díspar o enquadramento jurídico, e bem assim a tributação deles dimanante.
III-Logo, se a segunda liquidação não se adiciona à primeira, inexistindo, outrossim, reforma porquanto esta pressupõe que a primeira se encontre corretamente determinada, a reposição da situação ex ante, passa pela reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado, realizando todos os atos materiais de execução que se revelem necessários para o efeito.
IV-Assim, tendo sido pago o ato de liquidação impugnado, e posteriormente anulado face a um erróneo pressuposto de facto e de direito, o erro tem de ser imputado à AT, e nessa medida tem a mesma de proceder ao reembolso da quantia paga indevidamente, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M….., ora representada por M….., na qualidade de herdeira e cabeça de casal da herança contra o ato de liquidação Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativo ao ano de 2001, e respetivos juros compensatórios (JC), identificados com os nºs ….. nº ….., respetivamente, no valor global de €377.150,77.

A decisão recorrida foi proferida na sequência de Acórdão prolatado pelo TCA (TCA) datado de 19 de maio de 2016, que anulou a sentença que decretou a inutilidade superveniente da lide, e ordenou a baixa dos autos à primeira instância para conhecimento do pedido de devolução do imposto pago e respetivos juros indemnizatórios.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“II- CONCLUSÕES:

I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvando-se sempre melhor entendimento e, com o devido respeito, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo julgou procedente o pedido da impugnante escusando-se de melhor analisar a prova constante dos autos, lavrando em erro no que concerne à apreciação da matéria de facto.

II – Todavia, se devidamente analisadas as provas reunidas, prevaleceria uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal, pois, pese embora determinados factos tenham sido dados como provados, foram objeto de uma análise crítica deficiente.

III – No presente caso foi entendido que a questão controvertida consiste em conhecer dos pedidos de reembolso do imposto pago – IRS 2001 e da condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da LGT.

IV – Nessa senda, decidiu-se o TT pela procedência do pedido da impugnante.

V - Neste conspecto, refere a decisão recorrida que a liquidação adicional de IRS de 2001 com o nº …..e de juros compensatórios n.º ….., no montante total de € 377.150,77, foi seguida de uma liquidação adicional no montante total de € 412.927,68 com o nº …..de IRS 2001, acrescida de juros compensatórios (liq. N.º …..).

VI - Contudo, este valor não foi anulado e substituído, nos termos que pensamos serem os referidos pela sentença recorrida, subsistindo o valor apurado em último lugar, i.e. € 412.927,68. Ou seja, a última liquidação adicional, visou sim corrigir/rever os valores apurados na primeira, acrescendo à liquidação com o n.º …..e de JC liquidação n.º …..o montante de € 412 927,68 e respetivos juros.

VII - Pois na verdade, pese embora da 2.ª liquidação tenha resultado um valor a pagar no montante de € 790.077,85, essa execução foi instaurada apenas pelo montante adicional € 412 927,68, ou seja, porquanto a primeira liquidação apurara já para cobrança o valor de € 377 150,17.

VIII - Assim, não cabia sem mais ao Tribunal aceder à peticionada condenação e à restituição do imposto pago e, referente à primeira liquidação adicional substituída, do modo como o fez: ―1. A liquidação adicional é aquela em que a AT verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei, com a manutenção de todos os efeitos do acto primitivamente praticado, o qual se adiciona ao primeiro concorrendo ambos para a definição da prestação legalmente devida;

IX - De tais liquidações adicionais/correctivas, apenas será impugnável a última delas que se mantenha erecta, por todas as outras anteriores terem sido anuladas e substituídas por esta. (negrito nosso).

X - É que, contrariamente ao que a sentença recorrida afirma, pese embora a primeira liquidação tenha dado lugar a uma outra liquidação de IRS/2001, acrescida de juros compensatórios, decorre dos autos que essa primeira liquidação foi efetuada com base em determinados pressupostos de facto, não distintos dos da segunda, ou seja, estamos perante alienação de lotes de terreno - o que ocorreu durante o ano de 2001, os quais, geradores de rendimentos têm por base um enquadramento jurídico (pressupostos de direito) não distinto em qualquer dos casos: a alienação de direitos reais sobre imóveis.

XI - Assim, a segunda liquidação visa corrigir/rever os valores apurados na primeira, por via também das regras da liquidação sendo na ordem jurídica idêntica a sua fundamentação de facto e de direito, embora com enquadramento fiscal em categoria diversa.

XII - Ora o montante que a impugnante já tinha pago, voluntariamente ao abrigo do regime legal previsto no D.L. 151-A/2013, respeitava ao regime da liquidação adicional, o que acarreta a cobrança ou anulação das diferenças apuradas, já que se cobram ou anulam essas diferenças apuradas, não havendo duplicação/sobreposição de atos de liquidação.

XIII – Nessa senda, não há que proceder à devolução do imposto liquidado e pago, pelo menos antes da apreciação dessa segunda liquidação adicional. Ou seja, apenas após a produção de prova adicional que permita apreciar qual a efetiva qualificação e quantificação os rendimentos em causa.

XIV – Quanto aos juros indemnizatórios previstos no art.º 43.º da LGT, também não são devidos, o ato impugnado foi originado pela omissão declarativa do sujeito passivo e não por erro imputável aos Serviços da AT no sentido de que daí tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

XV – Pelo que, com o muito e devido respeito, o douto Tribunal “ad quo, não esteou a sua fundamentação de facto de acordo com a prova constante nos autos, nessa medida, a decisão ser afastada da ordem jurídica.

Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


***

A Recorrida, devidamente notificada, contra-alegou, tendo concluído, da seguinte forma:

“i.              Foi o presente recurso interposto da douta Sentença proferida, no processo de impugnação judicial n.° 515/09.5BELRS;

ii.               A Recorrida deduziu a impugnação judicial contra os actos de liquidação adicional de IRS n.° ….. e de Juros Compensatórios nº ….., referentes ao ano de 2001;

iii.             O acto de liquidação em apreço foi praticado pela Recorrente no pressuposto de que a Recorrida auferiu, no ano de 2001, rendimentos qualificáveis como mais-valias para efeitos de IRS;

iv.              Num posterior procedimento de inspecção que recaiu sobre os mesmos factos, imposto e ano, a Recorrente alterou a qualificação jurídica da situação passando a enquadrar o rendimento, não na categoria "G", mas na categoria “B" de IRS;

v.               Assim, com referência ao ano de 2001, e com base nos mesmos, alegados, factos tributários, foi praticado um novo acto de liquidação de IRS - o acto de liquidação n.° ….., do qual resultou o valor a pagar de € 412.927,68 - e que assenta na nova qualificação jurídica dos, supostos, rendimentos pretendidos tributar;

vi.              Ou seja, como bem concluiu o Tribunal a quo, o acto de liquidação que constitui o objecto da impugnação judicial em que foi proferida a Sentença de que se recorre, foi anulado;

vii.            O (primeiro) acto de liquidação nº ….. (que também constitui o objecto da presente impugnação) não foi incluído no acto de liquidação n.° ….., mas anulado;

viii.           Atento o exposto, parece curial que se conclua que o primeiro acto de liquidação de IRS - n,° ….. - desapareceu da ordem jurídica, porque ilegal e praticado com erro sobre os pressupostos;

ix,              Impõe-se, pois, o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios como bem decidido pelo Tribunal a quo

 Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossa Excelências deverá o presente recurso ser julgado improcedente com as necessárias consequências legais.”


***

***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II -FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº …..foi efetuado procedimento de inspeção com vista à análise da matéria tributável da, ora impugnante, em sede de IRS/2001 – cfr. cfr. fls. 198 a 218 dos autos;

2. Em 18/08/2004, no seguimento do relatório inspetivo e correspondentes conclusões, é efetuada a liquidação adicional nº ….. no valor de €340.750,56, acrescida da liquidação de juros compensatórios nº ….., no valor de € 36.399,6, no montante total de € 377.154,17 –cfr. fls. 61 e 62 dos autos;

3. As liquidações de imposto e juros compensatórios, referidas no ponto anterior, resultam de correcções efetuadas pela A.T. que concluiu ter a impugnante procedido à alienação de diversos lotes de terreno em 2001 geradores de rendimentos e por isso, motivadores de correcção integrados na categoria “G” de rendimentos de IRS – cfr. fls. 198 a 218 dos autos;

4. A ora impugnante, reclamou graciosamente e face ao indeferimento daquela apresentou recurso hierárquico – cfr. procs. de reclamação e de recurso hierárquico em apenso aos autos;

5. Em 17/11/2004, foi instaurado o processo de execução fiscal com nº ….. para pagamento da quantia de € 377.150,17, apurada na liquidação adicional nº ….. e correspondente liquidação de juros compensatórios – cfr. fls. 265 dos autos;

6. Entretanto, no seguimento do processo de reclamação graciosa entenderam os serviços da A.T. abrir a Ordem de Serviço nº ….. com vista a proceder a novo enquadramento dos factos tributários ao sujeito passivo M….. face às conclusões vertidas no âmbito do procedimento de inspeção com nº ….. – cfr. fls. 53 a 65 do processo administrativo em apenso aos autos;

7. No procedimento de inspeção nº ….., a A.T. apurou que a impugnante e M….., exerciam atividade comercial conjunta sujeita ao NIPC 770004105, e por isso, efetuaram correcções em sede de IRC no montante de € 3.466.024,68, o qual seria imputado em partes iguais às sócias em sede de IRS – cfr. fls. 51 a 66 do processo administrativo em apenso aos autos;

8. Em 11/05/2006, no seguimento das conclusões efetuadas no relatório inspetivo do procedimento de inspeção identificado no ponto anterior, foi efetuada a liquidação adicional nº ….., em sede de IRS/2001 e juros compensatórios nº ….., no montante total a pagar de € 790.077,85 - cfr. fls. 80 do processo administrativo em apenso aos autos;

9. Em 15/05/2006, é feita a compensação de valores, pelo total de € 412.927,68, entre as duas liquidações adicionais, compensação nº ….., a qual é emitida pela diferença entre a segunda liquidação adicional e a primeira liquidação adicional (€ 790.077,85 – € 377.150,17= 412.927,68), apresentando a data limite de pagamento de 2006/06/21 – cfr. fls. 81 do processo administrativo em apenso aos autos;

10. Das liquidações referidas no ponto anterior foi deduzida neste tribunal impugnação judicial com o nº 14/09.5BELRS- cfr. disponível no SITAF;

11. Em 20/12/2013, no âmbito do processo de execução fiscal com nº ….., a impugnante procede ao pagamento da dívida exequenda no âmbito do D.L. 151-A/2013, com dispensa do pagamento dos juros compensatórios, juros de mora e das custas do processo de execução fiscal – cfr. fls. 265 a 269 dos autos;

12. Em 30/12/2013, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-8 foi declarada extinta, por pagamento, a execução nº ….. – cfr. fls. 269 dos autos.


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não

provados.”


***

A motivação da matéria de facto constante na decisão recorrida, foi a seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, expressamente referidos no probatório supra.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

13. Em resultado do procedimento de inspeção referido em 1), foi emitido Relatório de Inspeção Tributária, onde se extrai, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

(cfr. fls. 73 a 89 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

14. A liquidação nº ….., no montante total de €377.154,17, melhor identificada em 2), apresenta o seguinte teor:

(cfr. fls. 62 dos autos);

15. Em resultado do procedimento de inspeção referido em 6), foi emitido Relatório de Inspeção Tributária, onde se extrai, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:


17. A liquidação nº ….., no montante total a pagar de € 790.077,85, e melhor evidenciada em 8), apresenta o seguinte teor:

(cfr. fls. 175 dos autos);

18. O ato de demonstração de acerto de contas, referido em 9), apresenta o seguinte teor:

(cfr. fls. 176 dos autos);

19. A 17 de abril de 2008, foi prolatada informação instrutora pela Diretora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no âmbito do procedimento de recurso hierárquico, do qual se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“(…)


(…)”

(cfr. fls. 180 a 183 dos autos);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRS, do ano de 2001, tendo condenado a mesma à devolução do imposto apurado e pago, no valor de €340.750,56, acrescido do pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos, desde 20 de dezembro de 2013, até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

Ab initio, importa ter presente que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso (cfr. artigo 639.º, do CPC lido em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT), donde, tal determina que, no caso sub judice, importe apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu, por um lado, em erro de julgamento de facto por ter apreciado deficientemente a realidade fática constante do probatório, e, por outro lado, erro de julgamento de direito, por face a essa errónea interpretação ter concluído que a reposição da situação tributária decorrente da anulação do ato tributário tem, necessariamente, de comportar a devolução do imposto pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

Apreciando.

A Recorrente defende que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não existiu uma verdadeira anulação do ato de liquidação com o nº ….. e do respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º ….., no montante total de €377.150,77, porquanto, não obstante ter existido uma nova liquidação adicional no montante total de € 412.927,68 com o nº ….. de IRS 2001, a verdade é que o valor inicialmente liquidado não foi anulado e substituído, com a interpretação e extensão que lhe foi conferida na decisão recorrida.

E isto porque, concretiza, neste particular, a última liquidação adicional, visou apenas corrigir/rever os valores apurados na primeira, acrescendo à liquidação com o n.º ….. e de JC liquidação n.º ….., o montante de € 412 927,68 e respetivos juros.

Aliás, sublinha que tal se constata, desde logo, pelo facto de na segunda liquidação, não obstante resultar um valor a pagar no montante de € 790.077,85, certo é que essa execução foi instaurada apenas pelo montante adicional € 412 927,68.

Mais sublinhando que os pressupostos de facto em que assentam ambas as liquidações são iguais, ou seja, ambos se fundam na alienação de lotes de terreno no ano de 2001, tendo que por base, outrossim, o mesmo enquadramento jurídico, isto é, a alienação de direitos reais sobre imóveis, ainda que com enquadramento fiscal em categoria diversa.

Concluindo, assim, que o montante que a Recorrente já tinha pago, voluntariamente ao abrigo do regime legal previsto no D.L. 151-A/2013, respeitava ao regime da liquidação adicional, o que acarreta a cobrança ou anulação das diferenças apuradas, donde não há que proceder à devolução do imposto liquidado e pago, ou no limite, até à apreciação da legalidade do segundo ato de liquidação adicional.

E por assim ser, não há lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios, porquanto inexiste erro imputável aos serviços, visto que o ato impugnado teve na sua génese uma omissão declarativa do sujeito passivo.

A Recorrida dissente pugnando pela manutenção do julgado, visto que a decisão recorrida interpretou adequadamente a realidade fática em apreço, daí extraindo as devidas consequências, mormente, em sede da natureza dos atos de liquidação, e consequente reconstituição jurídica ao abrigo do artigo 100.º da LGT.

Esclarecendo, neste particular, que contrariamente ao defendido pela Recorrente o ato de liquidação que constitui o objeto da impugnação judicial em que foi proferida a Sentença de que se recorre, foi, verdadeiramente, anulado, surgindo inovatoriamente na esfera jurídica da Recorrida, visto que o primeiro ato de liquidação nº ….., ora impugnado, não foi incluído no ato de liquidação n.º …...

Desfecha, assim, que se o primeiro ato de liquidação de IRS n° …..desapareceu da ordem jurídica, porque ilegal e praticado com erro sobre os pressupostos, então dúvidas não podem substituir na condenação no pagamento de juros indemnizatórios, conforme decidiu, acertadamente, o Tribunal a quo.

Por forma a aquilatar da censura gizada pela Recorrente, atentemos, desde já, na fundamentação jurídica da decisão recorrida.

O Tribunal a quo fundou o seu juízo de entendimento começando por evidenciar que: “[a] liquidação adicional de IRS de 2001 com o nº …..e de juros compensatórios nº ….., no montante total de € 377.150,77, encontra-se substituída e compensada por outra liquidação com nº …..de IRS/2001, acrescida de juros compensatórios.”

Materializando, para o efeito, que “[a] primeira liquidação foi efetuada com base em determinados pressupostos de facto, distintos dos da segunda e, com base em enquadramento jurídico (pressupostos de direito) distinto face aos apresentados na primeira.”, sendo que “[a] segunda liquidação nada tem em comum com a primeira (em sede de IRS), sendo certo que a segunda liquidação resulta de uma correcção efetuada em sede de IRC, que foi imputada ao IRS/2001 de M….., por via do regime da transparência fiscal.”

Densificando, tal asserção no facto “a primeira liquidação adicional pressupõe a leitura da realidade dos factos por parte dos serviços inspectivos da A.T. de que a impugnante teria realizado transmissões de lotes de terreno para construção, tendo auferido rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS (art. 9º, nº 1, al. a) e art. 10º, nº 1, al. a), ambos do CIRS, que não declarou.”

Por seu turno, a “[s]egunda liquidação adicional, a leitura dos factos é diferente, a A.T. considerou que os rendimentos motivadores da correcção não se enquadravam na categoria “G” de IRS, mas sim, estaríamos em presença de uma sociedade existente entre m….. e m….., sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, tendo sido apurados rendimentos nos termos do disposto no art. 6º, nº 1, al. a) do CIRC, e imputado na esfera jurídica da impugnante a sua quota-parte do rendimento obtido através daquela sociedade.”

Concluindo, assim, que “[a] segunda liquidação com nº ….. não é sequer uma liquidação correctiva da primeira, pois a última liquidação adicional não visa corrigir/rever os valores apurados na primeira, antes inova na ordem jurídica quanto à fundamentação de facto e de direito.”

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que não se vislumbra que a decisão recorrida padeça do erro de julgamento que lhe é assacado, porquanto interpretou corretamente a factualidade que para os autos releva, tendo feito a correta densificação dos atos de liquidação e sua concreta delimitação e natureza, daí extraindo as devidas consequências legais.

Senão vejamos.

Atentando no recorte probatório dos autos, resulta que em cumprimento da Ordem de Serviço nº ….., foi efetuado procedimento de inspeção à ora Recorrida, cujo âmbito se circunscrevia ao IRS do ano de 2001, tendo sido realizadas correções à matéria tributável no valor de €864.797,60, por falta de declaração de mais valias, decorrentes da alienação de diversos lotes de terreno para construção.

Com efeito, atentando no teor do Relatório Inspetivo, resulta como fundamentação da aludida correção e na parte que, ora, releva o seguinte:

“Nos termos do artº 43º nº1 do CIRS, o saldo da Mais Valia Fiscal, gerada pela alienação dos lotes identificados no Quadro 01, é de €1.729.595,20. O saldo apurado apenas é considerado em 50% do seu valor, conforme o estipulado no nº2 do artigo 43.º do citado diploma. Por conseguinte, o valor do rendimento líquido apurado referente a categoria G, sujeito a IRS é de €864.797,60. O montante assim calculado deverá ser englobado, para efeitos de tributação, nos termos do artº 22º do CIRS.”

Em resultado da aludida ação inspetiva, a 18 de agosto de 2004, a Autoridade Tributária (AT) emite ato de liquidação com o nº …..no valor de €340.750,56, acrescida da liquidação de juros compensatórios nº ….., no valor de €36.399,60, no montante total de €377.154,17, dele constando enquanto rendimento global a quantia de €864.797,57.

Na sequência da notificação do aludido ato de liquidação, e dele não se conformando, a Recorrida apresentou reclamação graciosa, sendo que aquando da instrução do aludido procedimento os serviços da AT, entenderem que a realidade fática se encontrava desajustada, tendo sido interpretados erroneamente os pressupostos de facto e de direito, carecendo, por isso, de novo enquadramento jurídico-tributário, razão pela qual foi determinada, mediante a Ordem de Serviço externa nº ….., nova ação inspetiva.

Neste conspecto, conforme resulta expresso no Relatório de Inspeção Tributária dimanante da aludida Ordem de Serviço externa, a razão subjacente à realização de nova ação inspetiva, coadunou-se com o seguinte: “na apreciação da reclamação apresentada os serviços da Divisão de Justiça Tributária entenderam que os rendimentos motivadores da correcção proposta não se enquadravam em rendimentos da Categoria G (mais valias), sendo por isso necessário novo enquadramento dos factos tributários conhecidos”.

Resultando, outrossim, como fundamentação das correções o seguinte:

“[a] alteração proposta não está correcta porque e conforme referido na informação elaborada no âmbito da ordem de serviço nº ….. (…) o sujeito passivo desenvolveu conjuntamente e em partes iguais (…) uma atividade comercial em sociedade. (…)

Os rendimentos obtidos pelas alienações dos lotes ocorridas no exercício são considerados rendimentos em sede de IRC na sociedade, sujeito passivo em sede de IRC nos termos do nº2 do artº 2º do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas, abrangido pelo regime da transparência fiscal nos termos da alínea a) do nº1 do artº 6º do mesmo Código.”

Razão pela qual, as correções realizadas se materializaram no seguinte:

“Anulação dos valores do anexo G, preenchido pelos serviços de inspecção no âmbito da ordem de serviço nº ….., de 16/12/2003(…)

Preenchimento do anexo D- Transparência fiscal, imputação de rendimentos, para efeitos de imputação do valor da matéria colectável determinada na sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos do nº1 do art.º 20º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Total da matéria colectável determinada na sociedade (…)

Valor a englobar nos rendimentos de M….., €1 733 012,34= 3 466 024,68*50%.”

E nessa sequência, a 11 de maio de 2006, foi emitida a liquidação nº ….., no montante total a pagar de € 790.077,85, constando expresso como rendimento global o valor de €1.733.012,34, como imposto apurado o valor de €688.036,46, e juros compensatórios, no valor de €102.041,39.

Sendo que a 15 de maio de 2006, foi emitida demonstração de acerto de contas, com saldo a pagar de €412.927,68, cujo cômputo teve na génese e, segundo os descritivos nele constantes, um “estorno da liquidação …..”, no valor de €377.150,17, um “acerto da liquidação …..”, no montante de €688.038,46, e respetivos juros no valor de €65.641,78, e “juros anteriores” no montante de €36.399,61.

Ora, face a todo o expendido anteriormente dimana inequívoco que, contrariamente, ao alegado pela Recorrente encontramo-nos perante uma verdadeira anulação, sendo que o segundo ato de liquidação não reflete o anterior ato, sendo o mesmo totalmente inovatório.

Inversamente ao defendido pela Recorrente não obstante a realidade fática que esteve subjacente aos aludidos atos de liquidação ser a mesma, ou seja, alienação de diversos terrenos para construção, a verdade é que o enquadramento jurídico é completamente díspar, e bem assim a tributação dele dimanante, desde logo, por subsunção normativa em categorias de rendimento distintas, ou seja, na primeira o rendimento em falta é tributado enquanto Categoria G, enquanto na segunda liquidação, a tributação ocorre por via da transparência fiscal e subsequente imputação de rendimentos na esfera jurídica individual.

De relevar, neste particular, que não é, de todo, defensável que a segunda liquidação incorpore a primeira, e que a pretenda corrigir, aliás bem pelo contrário, bastando, para o efeito, atentar no rendimento global que nelas resulta expresso, concretamente €864.797,57 (1º ato de liquidação) e €1.733.012,34 (2º ato de liquidação).

Aliás, é a própria AT que assim o esclarece na informação instrutora do recurso hierárquico onde expressamente se evidencia que: “a liquidação objecto do presente recurso hierárquico foi substituída por uma nova liquidação oficiosa (resultante da elaboração de declaração oficiosa com anexo D-em substituição do anexo G-com vista à tributação dos rendimentos em sede de categoria C, actualmente B).”

Mais esclarecendo, de forma clara, que: “[o] valor constante da primeira liquidação oficiosa não foi integrado na segunda liquidação oficiosa (…)”

Concluindo, sem qualquer dúvida, que “[a] primeira liquidação oficiosa foi anulada, tanto mais que a segunda liquidação oficiosa foi emitida pelo valor total da correcção”.

De resto, atentando na própria definição conceptual de ato de liquidação, e suas qualificações enquanto adicional e corretivo, e bem assim do próprio alcance e extensão de anulação e reforma, se retira o supra expendido.

Senão vejamos.

Em termos de delimitação do conceito, importa, desde logo, relevar que a liquidação dos tributos pode pertencer ao sujeito passivo da relação jurídica tributária ou a outro obrigado tributário falando-se, neste caso, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Por seu turno, quando a liquidação do tributo se encontre na esfera do sujeito ativo da relação jurídica tributária, encontramo-nos no âmbito da liquidação administrativa, podendo as mesmas apelidarem-se de liquidação adicional ou corretiva e ainda de liquidação oficiosa.

O ato de liquidação é o ato tributário por excelência, que se materializa nas operações de lançamento e de liquidação.

Como doutrina José Casalta Nabais[1], “Acto que podemos definir como o acto de identificação do contribuinte ou devedor (quando seja diverso daquele) do imposto e a determinação do montante do imposto a pagar, constituindo o acto de liquidação em sentido amplo, em que se integram os tradicionais lançamento e liquidação em sentido estrito. O que analiticamente temos o lançamento pelo qual se identifica o contribuinte ou contribuintes, através do lançamento subjectivo, e se determina a matéria colectável (ou tributável) e determina a taxa (no caso de pluralidade de taxas), mediante o lançamento objectivo. Pela liquidação (em sentido estrito), por seu turno, apura-se a colecta aplicando a taxa à matéria colectável, colecta que, todavia, não coincide com o imposto a pagar sempre que haja deduções à colecta como acontece em sede do IRS e do IRC.”

Quanto à densificação de liquidação adicional, a sua regulamentação encontra-se dispersa nos diversos códigos tributários, assumindo especificidades e ajustamentos, os quais dependem da natureza e características do imposto em causa.

Definindo, neste particular, Alberto Xavier[2] que: “A anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária (...) superior à que decorre directamente da lei. (...) A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio (...); os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que consequentemente os destrói retroactivamente”.

“O acto tributário adicional (...) – é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei.

Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado; porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida.”.

Por seu turno, a reforma verifica-se “(...) quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, transpondo o entendimento supra exposto, para o acervo fático dos autos, dimana que após a realização de ação inspetiva, a AT, concluiu que o declarado pela Recorrida não espelhava a sua real situação tributável, pelo que procedeu às correções à matéria tributável em sede de IRS, tributando a alienação de diversos lotes de terreno para construção como mais valias, e, em conformidade e sequentemente, liquidou o imposto materializado no ato de liquidação, ora, impugnado.

Ulteriormente, reconhece o erróneo enquadramento e procede à anulação total desse ato, e emite novo ato de liquidação. Encontramo-nos, assim, face a uma anulação, por inteiro, de um ato de liquidação e em sua substituição praticou-se “ex novo” nova liquidação, em montante, de resto, bem superior ao anteriormente liquidado, porquanto sem qualquer possibilidade de qualificação enquanto ato de liquidação corretivo.

Neste particular, importa chamar à colação o Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 02981/09, datado de 25 de novembro de 2009, cujo sumário, ora, se extrata:

“1. O acto de liquidação adicional de imposto pressupõe que, por ponderação defeituosa da matéria colectável respectiva, foi fixado, em acto tributário similar anterior, quantitativo de imposto inferior ao devido e que, nessa medida, se propõe apurar, sendo, por isso, inovador;

2. Os actos de apuramento de imposto subsequentes a uma liquidação adicional, resultantes de reclamações graciosas, dos contribuintes, parcialmente atendidas e em razão dos quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado naquela, consubstanciam meras liquidações correctivas, não lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido;

3. Os eventuais vícios anulatórios cometidos no acto de liquidação adicional apenas podem ser apreciados no acto de sindicância do mesmo e não já na dos actos correctivos.”

Com efeito, não nos encontramos perante uma mera nulidade parcial, não mantendo, como é bom de ver, os efeitos do ato primitivamente praticado. A segunda liquidação não se adiciona à primeira, sendo emitida ex novo, inexistindo, outrossim, reforma porquanto, como visto, esta pressupõe que a primeira se encontre corretamente determinada.

De relevar, outrossim, que não lhe assiste, igualmente, razão quando aduz que o Tribunal a quo, deveria ter decretado a apensação destes autos ao processo de impugnação judicial nº 14/09, ou, no limite, aguardar o desfecho do aludido processo de impugnação judicial.

E isto, desde logo, porquanto para a realização da apensação é curial, para além da verificação dos requisitos contemplados nos artigos 104.º e 105.º do CPPT, que o ato tributário se encontre vigente na ordem jurídica, o que, como visto, não é o caso vertente.

Mais importa sublinhar que, a apreciação do pedido de reembolso e da condenação no pagamento dos juros indemnizatórios em nada está dependente do que nela for dirimido, visto que nos encontramos perante atos de liquidações, perfeitamente autónomos e sem que consubstanciem qualquer ligação, mormente, em sede de enquadramento jurídico, subsunção normativa e consequente tributação.

É certo que o, ora, decidido por vir a ter reflexos consequentes, mas isso não pode obstar que não sejam retiradas as devidas consequências de um ato ilegal, bem pelo contrário. Noutra formulação, dir-se-á que a consequência desta lide pode impactar na outra lide, mas isso não pode coartar direitos já verificados na esfera jurídica da Recorrida e, menos ainda, condicioná-los a um desfecho de uma outra lide, ainda sem decisão.

Ademais, em termos práticos diremos que, caso seja decretada a improcedência do convocado processo de impugnação judicial nº 14/09, tal determinará a exigibilidade do montante liquidado, porquanto legal, retirando-se, sendo caso disso, as devidas consequências de um ato anterior, mormente, em termos de encontro de contas e estornos ocorridos.

Portanto, aqui chegados, dimanando perentório que nos encontramos perante atos de liquidação distintos, e que o primeiro ato, ora, objeto de discussão foi objeto de anulação por parte da AT, e que já tinha sido objeto de integral pagamento pela Recorrida, importa daí retirar as devidas consequências legais.

Sendo que, na esteira do propugnado pelo Tribunal a quo, a reposição da situação ex ante, passa pela reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado, realizando todos os atos materiais de execução que se revelem necessários para o efeito.

Conforme dimana do artigo 100.º da LGT, a reconstituição da situação que hipoteticamente existiria na ausência da prática de ato ilegal ter-se-á de coadunar e pressupor a reparação de todos os efeitos dos atos consequentes do ato declarado ilegal, donde com o reembolso da quantia indevidamente paga.

Assim, como bem decidiu o Tribunal a quo, tendo o ato de liquidação sido anulado pela AT, e tendo a Recorrida procedido ao seu pagamento ter-se-á de repor a legalidade, decretando-se, necessariamente, o reembolso da quantia indevidamente paga, em nada, obstando, como visto e face a todo o exposto, a compensação evidenciada em 9) e 18) do probatório.

Conclui-se, assim, que na sequência da anulação do ato de liquidação, ora impugnado, por ter tido um pressuposto de facto e de direito erróneo, a AT deve proceder ao reembolso da quantia paga indevidamente.

Subsiste por analisar o direito a juros indemnizatórios.

Aqui chegados, subsiste por analisar a condenação no pagamento dos juros indemnizatórios.

O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.

Do teor do citado normativo, resulta que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos.

De harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios:
a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.

In casu, resulta do probatório resulta que o imposto foi pago. Vejamos, então, os restantes requisitos.

Como refere Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito[3].

A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT [4].

O entendimento jurisprudencial assenta, essencialmente, na circunstância de que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu[5].

De chamar à colação, neste particular, o Acórdão proferido pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA, no processo nº 0632/14, com data de 21 de janeiro de 2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual se sumariou, entre o mais:

“ II-Constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita.

III – Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de atuação culposa do sujeito passivo, e sendo tais liquidações da responsabilidade da Administração Tributária, deve à mesma ser imputado o erro nos pressupostos de direito (artº 35º, nº 1 da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações”.

Assim, em consonância com a fundamentação jurídica constante no citado Aresto e demais jurisprudência nele citada, que se perfilha, a anulação da liquidação impugnada fundou-se em vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, concatenada, como visto, com o erróneo enquadramento tributário e consequente tributação da alienação dos lotes de terrenos para construção, que numa primeira fase foram subsumidos, erradamente, na categoria G enquanto mais valias.

Pelo que, tendo a liquidação sido emitida pela AT, e reconhecendo a mesma, expressamente, a existência de um erro, o qual motivou a anulação desse ato, deve à mesma ser imputado o vício de violação de lei que está na base da anulação de tal liquidação.

Aliás, na esteira do Aresto 0574/14, de 07 de janeiro de 2016, convocado pelo Tribunal a quo, expendeu-se que:

“[t]em de entender-se que o erro imputável aos serviços ficou demonstrado com o acto da anulação ainda que oficiosa pois a situação é equivalente, para já não dizer decorrente, atento o tempo e modo como tal acto surge, ao facto de na impugnação tal erro ser verificado e reconhecido. (…)

Aliás considerar numa situação destas que a anulação oficiosa não era constitutiva do direito aos juros indemnizatórios pedidos era colocar, como bem assinala a recorrida na sua contra alegação, arbitrariamente, na mão da Administração Tributária a constituição desse mesmo direito sempre que ocorresse erro dos serviços o que constituiria manifesto abuso que a lei não pode tolerar ou consentir.”

Em face de tudo o que vem sendo dito, conclui-se que se verificam os requisitos para o reconhecimento, no caso em apreciação, do direito da Recorrente a juros indemnizatórios, já que o tributo foi pago e a liquidação impugnada resulta de erro imputável aos serviços, erro esse determinante da anulação do ato impugnado.

Há, pois, direito a juros indemnizatórios impondo-se a condenação da Entidade Impugnada no respetivo pagamento, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

Destarte, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se na ordem jurídica.


***

Resta apreciar, ex officio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns-encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 25 de fevereiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

_____________________
[1] In “A Impugnação Unitária do Acto Tributário”-Procedimento e Processo Tributário-Cej, 2016, pp.17 e 18.
[2] In Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pág.127  fonte citada no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 25.11.2009, de 25.11.2009, disponível em texto integral em www.dgsi.pt.
[3] Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472.
[4] Vide, acórdão do STA processo nº 01610/13, de 12.02.2015.
[5] Vide Acórdãos proferidos nos processos: 1529/14, de 26.2.2014; 0481/13, de 12.3.2014; 01916/13; de 21.01.2015, 0843/14, de 21.01.2015; 0703/14, de 11.05.2016, 704/14 de 01.06. 2016.