Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2481/15.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/05/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
NULIDADES DA SENTENÇA EM PROCESSO JUDICIAL CONTRA-ORDENACIONAL TRIBUTÁRIO.
ARTº.379, Nº.1, AL.C), DO C.P.PENAL. NULIDADE DEVIDO A OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
EM PROCESSO JUDICIAL CONTRA-ORDENACIONAL TRIBUTÁRIO A MATÉRIA DAS NULIDADES DA SENTENÇA É DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
PRINCÍPIO “NON BIS IN IDEM”.
ARTº.29, Nº.5, DA C.R.P.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. No que diz respeito ao regime das nulidades da sentença lavrada em processo judicial contra-ordenacional tributário, encontram-se as mesmas previstas nos artºs.379, e 410, nº.2, do C.P.Penal, aplicáveis “ex vi” dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10.
4. Nos termos do artº.379, nº.1, al.c), do C.P.Penal, a sentença é nula, além do mais, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, vício que consubstancia a supra examinada omissão de pronúncia.
5. As nulidades da sentença só podem ser arguidas perante o Tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer uma das nulidades, mas só o Tribunal de recurso pode delas conhecer, mais sendo matéria de conhecimento oficioso.
6. O princípio “non bis in idem” tem assento no artº.29, nº.5, da C.R.P., dispondo que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” e sendo aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória, inclusive os contra-ordenacionais. Este princípio comporta duas dimensões. A primeira, como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo). A segunda, como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga, fundamentalmente, o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. A Constituição proíbe, rigorosamente, o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar, tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do “mesmo crime”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.45 a 51 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual julgou procedente o salvatério intentado pelo arguido, "Construções ..., L.da.", mais anulando a decisão de aplicação de coima exarada no âmbito do processo de contra-ordenação nº...., o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de ....
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.53 a 56 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a sentença que declara a nulidade da decisão de aplicação de coima recorrida;
2-Refere a sentença proferida pelo tribunal ad quo que: “Pois, que de acordo com o princípio processual penal “ne bis in idem”, aplicável aos recursos do contra-ordenação, por remissão do RGIT e do RGCO, a condenação em coima anterior, já paga, pela prática dos mesmos factcs, obsta a que se aplique uma nova coima ao agente, pela prática da mesma infracção. Assim e de acordo com o citado princípio, a coima em crise terá que soçobrar. Em suma, o recurso procede.”;
3-Contudo, não nos podemos conformar com tal resolução por ser desajustada aos elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente a decisão datada de 20/02/2015, a informação constante nos autos e o auto de notícia;
4-Isto é, devido aos contornos factuais da infração fiscal e atendendo ao artigo 29.° e 30.° do RGIT foi acionado o mecanismo de redução de coima, dando-se a possibilidade à arguida de efetuar o pagamento da coima pelo mínimo exigível por lei, tendo-se proferido a esta notificação através da via CTT em 07/04/2014;
5-Nesse iter, que conforme supra mencionado consubstancia urna garantia dos contribuintes, que se traduz no direito de pagar uma coima mínima, sempre que o contribuinte, apesar de não ter cumprido atempadamente a obrigação tributária a que estava adstrito, toma a iniciativa de regularizar a situação tributária, entregando a prestação tributária em falta e de acordo com os prazos que regem o processo de redução de coima, o contribuinte no caso de não proceder ao pagamento da coima reduzida no prazo previsto no artigo 30.° do RGIT, que, em regra, é de 15 dias a contar da notificação para o efeito, o contribuinte perde o direito à redução;
6-Nesta senda o órgão competente Ievantou auto de notícia nos trâmites do nº.1 do artigo 57.° do RGIT, auto onde constam, os elementos que caracterizam a infração. Ou seja, tudo em conformidade com os previstos requisitos legais;
7-Em 11/03/2015, veio então a arguida, após ter sido notificada da decisão de fixação da coima, apresentar recurso nos termos a para os efeitos do disposto no artigo 80.° do RGIT;
8-Nesta recurso refere a arguida, das dificuldades financeiras da empresa para realizar o pagamento do IVA na totalidade, mas que foi possível no dia 31/03/2014, assim que recebeu dos clientes, não tendo obtido qualquer vantagem patrimonial, acrescentando o facto de ter pago a coima mínima no processo de redução de coima em 27/07/2014, no valor de € 1.749,99 no último dia do prazo, pelo que seria suficiente para se considerarem cumpridos os pressupostos legais sobre a infração praticada, sendo completamente desproporcionado o valor apresentado no processo de contraordenação;
9-Não obstante, por sentença datada de 15/01/2018 o Tribunal Tributário considerou que, nos presentes autos deveria ter sido equacionado a aplicação do instituto de dispensa de pena nos termos do artigo 32 do RGIT e por último aplicando o princípio processual penal “ne bis in idem” diz que se deve obstar à aplicação de nova coima ao agente;
10-Neste conspecto, refira-se que a decisão padece de erro de juIgamento por falta de enquadramento legal, no quadro factual que prevalece no mencionado regime das infrações tributárias, que consagra o mecanismo de redução de coima, não sendo de considerar por isso, que existirão duas coimas aplicadas, quando na realidade apenas é aplicada uma coima após o processo de redução de coima;
11-Acresce que, o sujeito passivo, em consonância, encontra-se devidamente ciente do montante e dos motivos que estiveram na origem da infracção tributária, aqui em causa;
12-Nesta senda, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos por errada apreciação da prova, procedeu a interpretação e aplicação incorrecta das normas aplicáveis reguladoras do caso em apreço;
13-Nestes termos e nos melhores de direito, não pode a decisão proferida manter-se na ordem jurídica nos termos da alínea d) do art.° 615.° do CPC;
14-Termos em que, com o sempre mui dou suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo provimento do recurso (cfr.fls.66 e 67 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.47 e 48 dos autos - numeração nossa):
1-Em 20/02/2015, foi proferida decisão pelo Chefe de Serviço de Finanças de ..., em sede do processo de contra-ordenação, que na fase administrativa possuía o n.º... e que condenou a arguida, "Construções ..., L.da.", na coima de € 21.000,00 (vinte e um mil euros) pela prática da contra-ordenação, prevista nos artigos 27.º, n.º1 e 41.º, n.º1, alínea a) do CIVA, e punida pelos artigos 114.º, n.º2 e n.º5 alínea a) e 26.º, n.º4 do RGIT, consubstanciando-se na falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo e sendo relativa ao mês de Janeiro de 2014 (cfr.decisão administrativa de aplicação de coima junta a fls.11 e 12 dos presentes autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
2-O termo do prazo para cumprimento da obrigação de imposto identificado no nº.1 terminava em 10/03/2014, sendo que a sociedade recorrente efectuou o pagamento da totalidade do imposto de IVA, em duas prestações, uma no valor de € 3.017,69 no dia 10/03/2014, e o remanescente, no valor de € 70.000,00, em 31/03/2014 (cfr.decisão administrativa de aplicação de coima junta a fls.11 e 12 dos presentes autos; documentos juntos a fls.22 a 24 dos presentes autos);
3-Da decisão administrativa condenatória consta ainda que a recorrente não teve qualquer benefício económico decorrente da prática da infracção e que o facto foi cometido por negligência (cfr.decisão administrativa de aplicação de coima junta a fls.11 e 12 dos presentes autos);
4-A sociedade recorrente procedeu ao pagamento de uma coima, com redução, relativamente à infracção tributária identificada no nº.1, no montante de € 1.749,99, no dia 28/07/2014 (cfr.documentos juntos a fls.25 a 27 dos presentes autos);
5-Apesar da coima com redução, identificada no número antecedente, ter sido paga em 28/07/2014 pela recorrida e da AT ter recepcionado a respectiva quantia, aquele valor não foi considerado nem devolvido, ao aplicar a nova coima, ora em crise, relativamente à mesma infracção tributária (cfr.decisão administrativa de aplicação de coima junta a fls.11 e 12 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou a data em que a AT notificou a recorrente para proceder ao pagamento da coima com redução…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados, baseou-se a convicção do Tribunal, no conteúdo dos documentos, juntos aos autos, identificados a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes. Relativamente ao facto não provado, não poderia o Tribunal decidir de outro modo, uma vez que a AT não juntou aos autos cópia da notificação para proceder ao pagamento da coima nem comprovativo da data em que a mesma foi enviada à recorrente…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente o salvatério intentado pelo arguido, mais anulando a decisão de aplicação de coima objecto do processo (cfr.nº.1 do probatório), tudo em consequência da aplicação do princípio “non bis in idem”.
X
Antes de mais, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica nos termos do artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil (cfr.conclusão 13 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Especificamente, no que diz respeito ao regime das nulidades da sentença lavrada em processo judicial contra-ordenacional tributário, encontram-se as mesmas previstas nos artºs.379, e 410, nº.2, do C.P.Penal, aplicáveis “ex vi” dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.2660/15.9BESNT; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.558; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª. Edição, Universidade Católica Editora, 2008, pág.967).
Nos termos do artº.379, nº.1, al.c), do C.P.Penal, a sentença é nula, além do mais, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, vício que consubstancia a supra examinada omissão de pronúncia.
As nulidades da sentença só podem ser arguidas perante o Tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer uma das nulidades, mas só o Tribunal de recurso pode delas conhecer, mais sendo matéria de conhecimento oficioso (cfr.ac.S.T.J., 8/1/1998, rec.610/97; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2017, proc.2660/15.9BESNT; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.558; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª. Edição, Universidade Católica Editora, 2008, pág.966).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da decisão do Tribunal “a quo”, principalmente do seu enquadramento jurídico (cfr.fls.48 a 51 dos autos), constata-se que a mesma apreciou a conduta da sociedade recorrente, examinando a possibilidade de aplicação do regime de dispensa de coima prevista no artº.32, do R.G.I.T., ao caso dos autos, finalizando pela positiva. Apesar disso, conclui a sentença recorrida pela anulação da decisão de aplicação de coima, atento o princípio “non bis in idem” e dado que a citada decisão não levou em consideração a condenação em coima anterior, já paga, pela prática dos mesmos factos (cfr.nºs.4 e 5 do probatório).
Em suma, não padece a decisão recorrida de nulidade devido a omissão de pronúncia, não concretizando o apelante em que consiste o alegado vício, assim improcedendo o presente esteio do recurso.
O apelante defende, igualmente e em sinopse, que a decisão recorrida padece de erro de juIgamento por falta de enquadramento legal face ao quadro factual que prevalece no regime das infrações tributárias, o qual consagra o mecanismo de redução de coima, não sendo de concluir que existem duas coimas aplicadas quando, na realidade, apenas é aplicada uma coima após o processo de redução de coima. Que a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos por errada apreciação da prova, procedeu a interpretação e aplicação incorrecta das normas aplicáveis reguladoras do caso em apreço (cfr.conclusões 1 a 12 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Conforme mencionado acima, a sentença do Tribunal “a quo” anulou a decisão de aplicação de coima objecto do processo (cfr.nº.1 do probatório), tudo em consequência da aplicação do princípio “non bis in idem” e dado que a citada decisão não levou em consideração a condenação em coima anterior, já paga, pela prática dos mesmos factos (cfr.nºs.4 e 5 do probatório).
O princípio “non bis in idem” tem assento no artº.29, nº.5, da C.R.P., dispondo que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” e sendo aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória, inclusive os contra-ordenacionais. Este princípio comporta duas dimensões. A primeira, como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo). A segunda, como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar, tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do “mesmo crime” (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 7/10/2009, rec.723/09; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.497).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se vincou na sentença recorrida, a decisão administrativa de aplicação de coima omitiu um facto essencial para a ponderação da necessidade de aplicação de uma coima e da respectiva medida da pena, o qual se consubstancia na existência de uma coima reduzida já aplicada e paga incidente sobre a mesma factualidade (cfr.nºs.4 e 5 do probatório).
Ora, tal situação, não levada em consideração pela decisão de aplicação de coima (e recorde-se que não se provou que a coima reduzida paga ocorreu fora do prazo para o efeito e consagrado no artº.30, nº.1, do R.G.I.T. - cfr.matéria de facto não provada), obsta a que se aplique uma nova coima ao agente, pela prática da mesma infracção, tudo com base no examinado princípio “non bis in idem”.
Atento tudo o relatado, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 5 de Julho de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)