Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1061/20.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GARANTIA – AVALIAÇÃO - INSUFICIÊNCIA
BEM IMÓVEL – VPT
VALOR DE MERCADO
Sumário:I – Embora a lei não imponha uma prévia avaliação ad-hoc, esta - por razões de justiça e proporcionalidade - pode e deve ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao reclamante – como foi o caso - trazer ao conhecimento da Administração Tributária as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes, pois que é razoável presumir que o valor patrimonial tributário constitua um valor aproximado do valor de mercado dos bens imóveis.
II - Verifica-se, após leitura do despacho reclamado que, efectivamente, a AT não procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida quedando-se apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante dos documentos fornecidos pela Reclamante, sendo certo que nesse desiderato não estava o órgão da execução fiscal impedido de solicitar os elementos, as informações e os dados necessários para tal quando, no caso, as circunstâncias especiais o justificavam.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública veio, em conformidade com o n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 29 de setembro de 2020, a qual julgou procedente a reclamação apresentada por B….., SA, pessoa colectiva número ….., com os sinais nos autos, sobre o despacho proferido em 24/06/2020, que lhe foi notificado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, no qual foi decidido que nada obsta à constituição de garantia, sob a forma de hipoteca voluntária, sobre o bem imóvel oferecido, tendo em conta o facto de que o valor patrimonial do mesmo é insuficiente para garantir o processo de execução fiscal n.º ….., contra si instaurado, para cobrança de dívida de IRC do ano de 2015, no valor de 319.414,03€ Em consequência, aquela sentença, anulou o despacho reclamado. Mais, aquela sentença, fixou o valor da acção em € 319.414,03 e condenou a Fazenda Pública nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

I. Por sentença datada de 29-09-2020, foi julgada procedente a reclamação apresentada por B….., SA, ora Recorrida, ao abrigo do artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, (CPPT), do despacho proferido pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto, em 24-06-2020, Inf. 385/20, que considera insuficiente a garantia oferecida no âmbito do PEF ….., para efeitos de suspensão do mesmo, considerando o contencioso associado.
II. Se bem interpretamos a Sentença sob recurso, o Douto Tribunal a quo consignou que, atendendo ao valor fixado para efeitos de prestação de garantia e ao valor de mercado do imóvel oferecido como garantia, em caso de incumprimento do devedor, a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos sempre estaria assegurada, prosseguindo os interesses do credor Estado e não onerando a situação patrimonial do próprio devedor.
III. A execução fiscal suspender-se-á nos casos previstos no acima transcrito artigo 169.º do CPPT, desde que tenha sido constituída ou prestada garantia, nos termos do disposto nos artigos 195.º e 199.º, ambos do CPPT.
IV. Conforme decorre do probatório assente nos presentes autos, a Recorrida ofereceu como garantia, para efeitos da suspensão da execução fiscal, a constituição de hipoteca voluntária sob o imóvel sito na ….., freguesia de Alvalade, inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo …..e descrito na Conservatória do Registo Predial sob número …... O referido imóvel tem o valor patrimonial tributário de €189,056,32.
V. Tem entendido uniformemente a jurisprudência que a utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente. Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos arts. 169° e 199° do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
VI. Ora, se é certo, como se reconhece, aliás, na sentença ora recorrida, que a Administração Tributária tem uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda e acrescidos mais certo se revela, ainda, que esta margem de livre apreciação não deixa de estar condicionada pelos princípios gerais da actividade administrativa, de entre os quais o princípio da proporcionalidade e o da legalidade.
VII. Daqui resulta, desde logo, que da aplicação conjugada das disposições legais supra citadas, outra solução não poderia ter sido alcançada no caso concreto, porquanto, a garantia apresentada afigura-se, claramente, insuficiente.
VIII. Neste sentido, trazemos à colação o Douto aresto do STA, de 04.12.2013, recurso 1688/13, “(…) a exigência, como regra, de prestação de garantia para suspensão da execução na pendência de meio procedimental ou processual tendo por objecto a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda visa acautelar a boa cobrança do crédito tributário caso o diferendo venha a ser resolvido em sentido favorável à pretensão da Administração tributária, sendo que, nesse caso, se não for voluntariamente efectuado o pagamento, a Administração accionará a garantia (….) Faz, por isso, sentido que, embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, se recorra a este último preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia»
IX. Não pode, por isso, conformar-se a Fazenda Publica com a sentença ora recorrida onde se lê que “(…) a administração tributária nunca pôs em causa a credibilidade ou o rigor da avaliação ad hoc preconizada pela Reclamante, apenas reiterando que o critério a seguir é o que corresponde ao valor patrimonial tributário constante da caderneta predial respectiva…”.
X. Importa ter presente que, no fundo, o que releva é aferir da suficiência da garantia do crédito exequendo e do acrescido, num juízo de prógnose futura no sentido de que os bens vão ser vendidos, pelo menos, pelos valores por que forem anunciadas as respectivas vendas. Daí que, a aferição da suficiência da garantia, no caso concreto, passa, necessariamente, pela determinação do respectivo valor de venda. XI.
XI. Resulta do probatório que o imóvel cuja hipoteca se oferece como garantia possui o valor patrimonial tributário de € €189,056,32 (cfr. ponto 1) da matéria de facto assente), sendo o valor a prestar, para efeitos de garantia € 405.596,00. Assim sendo, de acordo com o disposto no transcrito artigo 250º, nº 4 do CPPT, o valor base a anunciarpara venda é igual a 70% do valor patrimonial do imóvel.
XII. Pelo que e desde logo facilmente se conclui que este valor não se mostra suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescidos.
XIII. Importa não olvidar que o escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efetiva cobrança da dívida, designadamente, no que respeita à garantia a prestar para a suspensão a que a sua tramitação respeita.
XIV. Considerando tudo o exposto, o critério do valor patrimonial tributário para efeito de aferir da suficiência do bem imóvel não se nos afigura violador do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso.
XV. Nessa conformidade e salvo melhor opinião, a sentença recorrida enferma de erro no julgamento sobre a matéria de facto e de direito ao julgar que “Encontra-se assim, devidamente justificada a consideração do valor de mercado do imóvel, desconsiderando o seu valor patrimonial tributário.”
XVI. Ao contrário do assim decidido, não se-nos-afigura legal (e muito menos proporcional) que se possa aceitar valer o bem imóvel oferecido em garantia mais do que o valor pelo qual poderá ser avaliado para venda executiva.
XVII. Isto porque, descura a sentença ora recorrida que o VPT é calculado tendo por base formulas fixadas por lei em que são tidos em atenção diversos coeficientes, fixados pelo legislador tendo em conta, precisamente, os preços de mercado correntes na zona em que os imóveis se inserem, com o objectivo último de por via da avaliação, aproximar o valor do imóvel o mais próximo dos valores de mercado.
XVIII. Nestes termos, com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos artigos 169.º, 199.º e 250.º CPPT e 13.º CIS.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”
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A Reclamante, aqui Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao anular o despacho sindicado que não aceitou como garantia, sob a forma de hipoteca voluntária, o bem imóvel oferecido para suspensão da execução fiscal, no entendimento de que este é inidóneo porque de valor insuficiente, atento ao respectivo valor patrimonial tributário.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

1) Por escritura pública lavrada no dia 29/12/2017, no Cartório Notarial de Pedro Alexandre Barreiros Nunes Rodrigues, da qual constam como primeira outorgante, J….., representada por P….. e como segunda outorgante, M….., na qualidade de procuradora da Reclamante, foi declarado, pela primeira outorgante, vender à segunda, que aceitou comprar, pelo preço já recebido de 800.000,00€, livre de quaisquer ónus ou encargos, o imóvel sito ….., freguesia de Alvalade, inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo ….., com o valor patrimonial tributário de 189.056,32€ e descrito na Conservatória do Registo Predial sob número ….., onde se encontra registado a favor da vendedora pela inscrição correspondente à Ap. 10 de 06/06/2006 (certidão de escritura pública e certidão de teor de prédio urbano de fls. 61 a 65, 120 a 125 e 146 e 147 do SITAF).
2) Corre termos, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, o processo de execução fiscal número ….., instaurado contra a Reclamante, por dívida de IRC relativa ao ano de 2015, no valor de 319.414,03€ e acrescidos, cujo valor para prestação de garantia foi fixado em 405.596,00€ (informação oficial de fls. 161 a 166 do SITAF).
3) Com data de 23/02/2020, a Reclamante recebeu uma comunicação denominada “CITAÇÃO PESSOAL”, através da qual foi-lhe dado conhecimento que contra si corre o processo de execução fiscal referido no número anterior, com vista a cobrança do valor aí referido, para pagar ou apresentar oposição (citação de fls. 31 e 90 do SITAF).
4) Em 05/03/2020, a Reclamante apresentou petição inicial no Centro de Arbitragem Administrativa, com vista a impugnação da liquidação de IRC relativa ao ano de 2015 que deu origem ao processo de execução fiscal referido em 2), que corre termos sob o número …...
5) Em 19/03/2020 deu entrada, no Serviço de Finanças e Lisboa 8, um requerimento apresentado pelo mandatário constituído pela Reclamante, através do qual ofereceu como garantia para suspensão do processo de execução fiscal referido em 2), a constituição de hipoteca voluntária sobre o imóvel referido em 1) (requerimento de fls. 28, 29, 87 e 88 do SITAF).
6) Em 06/04/2020 foi enviada, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8 ao mandatário constituído pela Reclamante, uma mensagem de correio electrónico da qual consta, além do mais, que o imóvel referido em 1) tem um valor patrimonial tributário de 189.056,32€, sendo manifestamente insuficiente para poder garantir a suspensão do processo de execução fiscal referido em 2), cuja dívida ascende, à data, ao valor de 322.987,72€ (mensagem de correio electrónico de fls. 32, 33 91 e 92 do SITAF).
7) No dia 08/05/2020, a sociedade “P….., Ld.ª”, elaborou, a pedido da Reclamante, um relatório de avaliação imobiliária do imóvel referido em 1), ao qual atribuiu o valor de mercado de 1.089.200,00€ (relatório de avaliação imobiliária de fls. 34 a 54 e 93 a 113 do SITAF).
8) No dia 09/05/2020, a sociedade “O….., Ld.ª”, elaborou, a pedido da Reclamante, um estudo de mercado - avaliação do imóvel referido em 1), ao qual atribuiu o valor de mercado de 1.015.200,00€ (estudo de mercado de fls. 55 a 60 e 114 a 119 do SITAF).
9) Em 22/05/2020 a Reclamante apresentou, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, por intermédio do mandatário por si constituído, um requerimento, a renovar o pedido referido no número anterior, juntando as avaliações referidas em 7) e 8) (requerimento de fls. 27 do SITAF).
10) Em 03/06/2020 foi elaborada, pela Direcção de Finanças de Lisboa a informação n.º ….., da qual consta, designadamente, o seguinte (informação de fls. 141 a 145 do SITAF):
“(…)
Dado que o valor patrimonial atual do bem imóvel oferecido é de €189.056,32 verifica-se que o seu valor não é suficiente para garantir o processo executivo em questão.
(...)
Face ao exposto, esta DGDE nada obsta à constituição de garantia, sob a forma de hipoteca voluntária, sobre o bem imóvel oferecido (...), considerando o facto de que o valor patrimonial do bem imóvel oferecido é insuficiente para garantir o processo executivo em análise.
(…)”
11) No mesmo dia, foi proferido o seguinte despacho pelo Director de Finanças Adjunto (despacho de fls. 141 do SITAF):
“Concordo. Face à informação e pareceres prestados e com os fundamentos neles aduzidos dá-se concordância à constituição da garantia, sob a forma de hipoteca voluntária sobre bem imóvel, sem prejuízo de ser aferida a idoneidade e suficiência da mesma, após a sua efectivação, tendo em conta o valor da garantia a constituir e o respectivo valor líquido à data, alertando ainda o contribuinte, ao abrigo dos princípios da colaboração, boa fé e da proporcionalidade, dos condicionalismos previstos no artigo 199.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) na avaliação das garantias.”.
12) Por ofício n.º 1104, datado de 24/06/2020, enviado ao mandatário constituído pela Reclamante por correio postal registado, foi-lhe dado conhecimento do teor da decisão referida em 10) e 11) (notificação de fls. 24 a 26 e 84 a 86 do SITAF).
13) A petição da presente acção foi enviada para o Serviço de Finanças de Lisboa 8 em 03/07/2020, por correio postal registado com a referência ….. (envelope de fls. 126 do SITAF).
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Nenhum outro facto foi considerado provado ou não provado com interesse para a presente decisão.”
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A convicção do Tribunal, nos seus termos, assentou
nos elementos documentais existentes no processo, tal como indicados à frente de cada facto provado que, não tendo sido postos em causa, foram considerados credíveis.
Em relação ao facto provado 4), a convicção do Tribunal baseou-se na posição de acordo manifestada pelas partes nos respectivos articulados.
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente reclamação procedente e, em consequência, anulou o despacho reclamado, com a seguinte fundamentação, em síntese:
«Regressando ao caso concreto dos presentes autos, resulta que a administração tributária nunca pôs em causa a credibilidade ou o rigor da avaliação ad hoc preconizada pela Reclamante, apenas reiterando que o critério a seguir é o que corresponde ao valor patrimonial tributário constante da caderneta predial respectiva, o que faz de forma cega, pois nem sequer se preocupou em descortinar se o mesmo se encontra actualizado e adequado à realidade.
Por sua vez, a Reclamante demonstrou, perante a administração tributária, as circunstâncias específicas de que sobre o imóvel oferecido para garantia não recai nenhum ónus ou encargo, bem como que o seu valor de mercado, quer pela própria aquisição do mesmo, quer pelas avaliações e estudos de mercado recentemente realizadas, revelam que o valor mercantil do mesmo é superior a 1.000.000,00€ (vd. factos provados 1), 7) e 8), motivo pelo qual, atentos tais motivos, encontra-se justificado o recurso a este valor, em detrimento do valor patrimonial tributário.
Encontra-se assim, devidamente justificada a consideração do valor de mercado do imóvel, desconsiderando o seu valor patrimonial tributário.
Motivo pelo qual, tendo em conta o valor fixado para efeitos de prestação de garantia, de 405.596,00€, resulta que o valor de mercado do imóvel é superior ao dobro do referido valor, constituindo, por conseguinte, garantia idónea para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal em causa, pois em caso de incumprimento do devedor, tem a capacidade de salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos, na sua totalidade, prosseguindo os interesses do credor Estado e não onerando a situação patrimonial do próprio devedor.
Conclui-se, assim, que o despacho reclamado encontra-se ferido do vício assacado pela Reclamante, razão pela qual não se pode manter no ordenamento jurídico-tributário, devendo por conseguinte, ser anulado.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da decisão alegando [conclusões de recurso X. a XV.] que Importa ter presente que, no fundo, o que releva é aferir da suficiência da garantia do crédito exequendo e do acrescido, num juízo de prógnose futura no sentido de que os bens vão ser vendidos, pelo menos, pelos valores por que forem anunciadas as respectivas vendas. Daí que, a aferição da suficiência da garantia, no caso concreto, passa, necessariamente, pela determinação do respectivo valor de venda. Resulta do probatório que o imóvel cuja hipoteca se oferece como garantia possui o valor patrimonial tributário de € €189,056,32 (cfr. ponto 1) da matéria de facto assente), sendo o valor a prestar, para efeitos de garantia € 405.596,00. Assim sendo, de acordo com o disposto no transcrito artigo 250º, nº 4 do CPPT, o valor base a anunciarpara venda é igual a 70% do valor patrimonial do imóvel. Pelo que e desde logo facilmente se conclui que este valor não se mostra suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescidos. Importa não olvidar que o escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efetiva cobrança da dívida, designadamente, no que respeita à garantia a prestar para a suspensão a que a sua tramitação respeita. Considerando tudo o exposto, o critério do valor patrimonial tributário para efeito de aferir da suficiência do bem imóvel não se nos afigura violador do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso. Nessa conformidade e salvo melhor opinião, a sentença recorrida enferma de erro no julgamento sobre a matéria de facto e de direito ao julgar que “Encontra-se assim, devidamente justificada a consideração do valor de mercado do imóvel, desconsiderando o seu valor patrimonial tributário.”
Vejamos.
A posição adoptada pela Fazenda Publica é no sentido de considerar que sendo conferida à Administração Tributária a faculdade de aferir, num quadro legal definido, e em concreto, da proporcionalidade, razoabilidade e adequação da garantia ao fim para o qual se pretende ser constituída, neste contexto, o juízo quanto à suficiência da garantia, tal juízo implica a determinação do valor do bem imóvel dado como garantia por referência a um critério razoável que atenda aos interesses em presença no âmbito de um processo de execução fiscal e das regras nele aplicáveis.
Pois em caso de incumprimento da Reclamante, o valor a considerar para efeitos de venda do bem imóvel dado como garantia dos créditos tributários, nos termos o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 250° do CPPT, será de 70% do valor patrimonial tributário do imóvel, facto que sustenta o juízo de insuficiência da garantia por não resultam acautelados os interesses da AT. Sendo lícito recorrer-se ao artigo 250º do CPPT para determinar o valor do bem oferecido como garantia, uma vez que será esse o valor de referência prosseguindo a execução com a venda executiva do bem oferecido em garantia, não se afigurando tal critério violador do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP. E que, assim, resulta ser o critério de fixação do valor dos bens imóveis com apelo ao artigo 250.º do CPPT um critério válido, legítimo e adequado à luz dos princípios e fins orientadores do processo de execução fiscal, com consideração dos imperativos de proporcionalidade e de justiça.

Aqui chegados, importa fazer uma breve introdução legal.

Nos termos do art. 199º do CPPT, sob a epígrafe "Garantias":
Artigo 199.º
Garantias
1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
(…)

5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.
6 - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 /prct. da soma daqueles valores, exceto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade, sem prejuízo do disposto no n.º 13 do artigo 169.º
7 - As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excepcionais.
(…)

10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo.
(…)

Por sua vez, o artigo 250º do CPPT, sob a epigrafe “Valor dos bens para venda”, dispõe que:
Artigo 250.º
Valor dos bens para venda
1 - O valor base para venda é determinado da seguinte forma:
a) Os imóveis urbanos, inscritos ou omissos na matriz, pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI);
b) Os imóveis rústicos, pelo valor patrimonial actualizado com base em factores de correcção monetária, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro;
c) Os móveis, pelo valor que lhes tenha sido atribuído no auto de penhora, salvo se outro for apurado pelo órgão da execução fiscal, podendo esse apuramento ser precedido de parecer técnico solicitado a perito com conhecimentos técnicos especializados.
(…)

4 - O valor base a anunciar para venda é igual a 70 % do determinado nos termos do n.º 1.

E ainda, o art. 199º-A, sob a epígrafe “Avaliação da garantia” (aditado pela Lei n° 7-A/2016, de 30/3) dispõe que:
Artigo 199.º-A
Avaliação da garantia
1 - Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo.
2 - Sendo o garante uma sociedade, o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social determinado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo.
3 - Sendo o garante uma pessoa singular, deve atender-se ao património desonerado e aos rendimentos suscetíveis de gerar meios para cumprir a obrigação.
4 - O valor determinado nos termos dos números anteriores deve ser deduzido dos seguintes montantes, quando aplicável e sempre que afete a capacidade da garantia:
a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas;
b) Passivos contingentes;
c) Partes de capital do executado, detidas, direta ou indiretamente, na respetiva proporção;
d) Quaisquer créditos sobre o executado.

Por último, no n° 1 do art. 13° do CIS, dispõe-se que «O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial».

A Reclamante, ora Recorrida, funda a sua pretensão de suficiência da garantia oferecida para suspender a execução fiscal num valor de avaliação do bem imóvel, oferecido sob a forma de hipoteca voluntária, que toma como “o valor de mercado” [invocando que, no caso, o valor é superior a €1.000.000,00, 1 milhão de euros – factos provados 1) 7) e 8)], pretendendo que seja esse o valor considerado para determinar da suficiência dos bens oferecidos em garantia. Apreciando.
Antes de mais, e para um amplo enquadramento da questão em apreciação – insuficiência e avaliação da garantia – fazemos apelo, entre muitos outros, ao Acórdão do STA, de 13/07/2016, no Processo 0563/16, disponível em www.dgsi.pt, ao qual aderimos e de onde se retira o seguinte excerto:
«Tem afirmado este STA, em Acórdãos por nós subscritos - cfr., ainda recentemente, o Acórdão de 2 de Março de 2016, proferido no recurso n.º 0137/16 – que «a exigência, como regra, de prestação de garantia para suspensão da execução na pendência de meio procedimental ou processual tendo por objecto a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda visa acautelar a boa cobrança do crédito tributário caso o diferendo venha a ser resolvido em sentido favorável à pretensão da Administração tributária, sendo que, nesse caso, se não for voluntariamente efectuado o pagamento, a Administração accionará a garantia (….) Faz, por isso, sentido que, embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, se recorra a este último preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia».
O recurso ao valor patrimonial tributário do imóvel não se afigura, pois, como um critério irrazoável, antes um critério em regra adequado, não se impondo necessariamente, sob pena de ilegalidade, a avaliação ad-hoc do imóvel por iniciativa da AT se este valor for manifestamente discrepante do valor atribuído ao bem onerado em aquisição recente.
Ou seja, não é porque há uma circular que manda avaliar as garantias constituídas sobre imóveis pelo valor patrimonial tributário destes que este critério de avaliação da suficiência da garantia é, ou deixa de ser, bom ou mau. O critério é bom - conste ou não de circular - se se revelar, in casu, adequado para ajuizar da suficiência da garantia para satisfação da dívida exequenda e acrescido. Será mau – conste ou não de circular ou outra “doutrina administrativa” -, no caso inverso.
No caso dos autos o Tribunal “a quo” julgou que se impunha à AT, em face da discrepância de valores, o prévio recurso à avaliação do imóvel oferecido em garantia e que, tendo sido preterida tal avaliação, o despacho sindicado se encontrava ferido de violação de lei, juízo este que não podemos sufragar sem que tivessem sido minimamente apuradas as razões de tal discrepância, que podem radicar em razões muito diversas.
A lei não impõe essa prévia avaliação ad-hoc, embora esta - por razões de justiça e proporcionalidade - possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Administração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes, pois que é razoável presumir que o valor patrimonial tributário constitua um valor aproximado do valor de mercado dos bens imóveis.»

No caso em apreço, o Acórdão acabado de citar deve ser interpretado
a contrario.
Importa, ainda, referir que tendo em conta as avaliações do imóvel referidas em 7) e 8) do probatório, bem como o facto do referido imóvel ter sido adquirido pela reclamante, em 29/12/2017, pelo preço de €800.000,00, cfr. 1) do probatório, estamos perante factualidade que, no mínimo, deveria ter suscitado dúvidas à AT, pois demonstram um valor de mercado muito diferente e muito superior ao valor patrimonial tributário.
Ora, embora, como vimos, a lei não imponha uma prévia avaliação ad-hoc, esta - por razões de justiça e proporcionalidade - pode e deve ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao reclamante/recorrido – como foi o caso - trazer ao conhecimento da Administração Tributária as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes, pois que é razoável presumir que o valor patrimonial tributário constitua um valor aproximado do valor de mercado dos bens imóveis.

Em face do que vem transcrito verifica-se, após leitura do despacho reclamado que, efectivamente, a AT não procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida quedando-se apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante dos documentos fornecidos pela Reclamante, sendo certo que nesse desiderato não estava o órgão da execução fiscal impedido de solicitar os elementos, as informações e os dados necessários para tal quando, no caso, as circunstâncias especiais o justificavam.

Pelo exposto, a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento,
e nessa medida,
improcedem as conclusões do recurso interposto pela Fazenda Pública.


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III – DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]