Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:397/07.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:RETENÇÕES NA FONTE A EMPRESA SEDIADA NO ESTRANGEIRO
DISPENSA DE RETENÇÃO / FORMULÁRIOS
NORMAS CONVENCIONAIS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I. As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre o direito interno.

II. Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para, nesse âmbito, proceder à alteração dos pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no nº 1 do artigo 1º da LGT.

III. Os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos “ad probationem” pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados.

IV. Nas situações em que se verifica a anulação dos atos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é o indicado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, nos termos do qual estes são devidos sempre que se determine em impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

E....., LDA., melhor identificada nos autos, veio deduzir impugnação judicial, contra os atos de liquidação de Retenções na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2003, no montante global de € 374.599,82.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 16 de junho de 2020, julgou procedente a impugnação, e, em consequência, anulou as liquidações impugnadas, e ordenou a restituição dos montantes impugnados acrescidos de juros indemnizatórios.

Inconformada, a Fazenda Pública, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou totalmente procedente a presente impugnação judicial deduzida pela Recorrida, Impugnante, E....., Lda., que peticionou a anulação parcial dos atos de liquidação adicional n.ºs 2006 6420…., 2006 0002….. 2006 0002…., 0002…, 0002…., 0002…., 00023…. e 00023…, referentes a IRC do exercício de 2003, no valor de €374.599,82 (€335.502,89 de imposto e €39.096,93, de juros compensatórios), bem como a restituição de tal montante acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal desde 16 de novembro de 2006;

B) Pretende a Recorrente, Fazenda Pública, a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que considere a Impugnação Judicial parcialmente procedente quanto à anulação das liquidações em causa e totalmente improcedente quanto ao pedido de juros indemnizatórios;

C) No âmbito da análise interna efetuada à aqui Recorrida, Impugnante, com referência ao exercício de 2003, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT), detetaram que esta reteve indevidamente o imposto sobre os rendimentos de juros, royalites e prestações de serviço, pagos a diversas entidades não residentes sem estabelecimento estável em território nacional, porquanto, não foram apresentados os formulários certificados pelas autoridades competentes do Estado de residência das sociedades beneficiárias dos rendimentos até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, tudo em conformidade, com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 90º do CIRC, na redação da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro, e Despacho n.º 11701/2003 de 28 de maio;

D) Foram, assim, efetuadas as devidas correções, aplicando, para tanto, as taxas de imposto do direito interno, previstas nas als. c) e e) do CIRC, ou seja, 20% e 15%, respetivamente e a taxa de 10%, prevista no art. 12º da Convenção celebrada entre Portugal e Bélgica, a qual manda aplicar a taxa do Estado da Fonte, in casu, Portugal e, em consequência, emitidas as liquidações controvertidas nos presentes autos;

E) Não são as Convenções que regulamentam os procedimentos a adotar para a comprovação dos pressupostos legais para a sua aplicação e de que depende a exclusão da incidência do imposto;

F) Pelo contrário, são as próprias Convenções que preveem ser as autoridades competentes dos Estados contratantes que determinam as modalidades de aplicação da Convenção, estabelecendo uma série de requisitos que devem ser comprovados pelos Estados contratantes;

G) A Administração Fiscal, através de Circulares, publicita a entrada em vigor de cada Convenção e divulga o seu regime de aplicação, ajudando na interpretação dos vários compêndios normativos, emanando os seus entendimentos para o universo de destinatários, procurando sempre uma uniformização de procedimentos, não podendo estas ser acionadas sem que previamente se encontrem verificadas as condições de aplicabilidade das mesmas;

H) Assim, no caso em apreço, a retenção na fonte decorre da lei interna, nomeadamente do CIRC;

I) Só posteriormente se pode fazer a aplicação do benefício previsto nas CDT, desde que previamente se encontrem verificadas as condições de aplicabilidade, cujos mecanismos funcionais estejam previstos e elencados na lei interna, quer através de diplomas legislativos, quer através de circulares;

J) A obrigação de retenção na fonte resulta da aplicação do direito interno e não da aplicação da convenção que em caso algum desobriga o substituto tributário de efetuar a retenção, sem verificar o cumprimento dos requisitos expressos na legislação interna;

K) No caso em apreço, a Recorrida, Impugnante, ou não exibiu as provas de todos os certificados de residência, nem apresentou nenhum formulário, devidamente confirmado pelas Autoridades Fiscais dos países com quem celebrou as CDT, ou apresentou-os mais tarde;

L) A lei interna portuguesa, apenas, se salvaguarda com provas concretas da residência exata dos beneficiários dos rendimentos, antes que lhe sejam atribuídos os rendimentos, pois, nada pode garantir que aqueles ainda residam em Estados que celebraram Convenções com o nosso País, aquando da atribuição de rendimentos e daí, deixarem de poder beneficiar da redução de imposto pretendida;

M) Com efeito, a AT entende que, não obstante a superioridade hierárquica do direito internacional face à lei interna, o certo é que as CDT celebradas entre Portugal e o Reino Unido, Estados Unidos da América e bélgica, consagram a possibilidade de tributação dos rendimentos nos Estados de residência dos agentes passivos, de acordo com a legislação desses mesmos Estados;

N) No exercício em causa (2003), já se encontravam estabelecidos no normativo fiscal nacional, os meios de prova aceites como justificação para o acionamento do estabelecido nas CDT, nomeadamente no art. 90º do CIRC e Dec. Lei n.º 42/91 de 22 de janeiro, apoiado pela Circular n.º 18/99, que vigorou até à publicação da Circular, já referida, n.º 12/2003, cujos efeitos produziram-se a partir de 01/08/2003;

O) Pese embora, o Modelo de convenção estabelece uma regra única para cada caso, sempre que possível, os países Membros dispõem, de uma certa autonomia no que respeita à escolha do método de eliminação da dupla tributação, veja-se nos Comentários Relativos aos artigos do Modelo de Convenção Fiscal é referido, nomeadamente que, “na ausência de uma disposição expressa da Convenção, a legislação interna de cada Estado Contraente é aplicável”;

P) Para poderem beneficiar da não sujeição de rendimentos ao imposto português, ou da redução de taxa de retenção na fonte, e serem tributados nos Estados da residência, devem os sujeitos não residentes, proceder à ativação, dos mecanismos previstos na CDT, através da apresentação dos formulários adequados, porquanto as CDT não são de aplicação direta;

Q) À data dos factos ora em causa (exercício de 2003), na redação introduzida pela lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro, dispunham os n.ºs 2, 3 e 4 do art. 90º do CIRC, do seguinte:
“(…) 2. Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no nº 1 do artigo 88º, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção total ou parcial ou, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
3. Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação,. consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
4. Quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei. (…)” (sublinhado nosso);

R) Com o referido preceito normativo, a obrigação de retenção na fonte de IRC à taxa interna, quanto aos rendimentos de não residentes sem estabelecimento estável, previstos no n.º 1 do art. 88º do CIRC, só não se consuma seja por força da isenção ou por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, quando os beneficiários dos rendimentos fizerem prova perante a entidade, que se encontra obrigada a efetuar a dita retenção, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de CDT, constituindo, neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo aprovado e certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência;

S) E, face à redação do art. 90º do CIRC, introduzida pela referida Lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro e da concretização deste comando pelo ponto n.º 6 da Circular 12/2003, bem como pela publicação do Despacho n.º 11701/2003 de 28 de maio, publicado no DR, II serie, em 17 de junho, da Ministra de Estado e das Finanças, foi instituído o formulário, modelo RFI, necessário para a comprovação da condição de não residente por parte do beneficiário dos rendimentos;

T) Assim, o Despacho n.º 11701/2003 de 28 de maio, procedeu à aprovação dos formulários destinados a permitir a aplicação dos benefícios previstos nas CDT celebradas por Portugal, tendo sido criados os formulários, modelo RFI n.ºs 7 a 12, a fim de permitir a dispensa, total ou parcial, da retenção na fonte em sede de IRC;

U) Por sua vez, determinou o referido ponto n.º 6 da Circular 12/2003 que: “Os formulários aprovados pelo referido despacho, serão obrigatoriamente utilizados a partir de 01/08/2003, deixando de ser aceites como documentos de prova para efeitos do disposto nos artigos 90º do CIRC e 18º do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, qualquer outro documento que seja objecto de certificação pelas autoridades fiscais do Estado de residência do beneficiário dos rendimentos em data posterior aquela.”;

V) Os formulários assim aprovados, mais obrigavam o beneficiário dos rendimentos, a declarar junto das Autoridades Fiscais do seu país de residência, os rendimentos resultantes de transações efetuadas com entidades residentes em Portugal, situação essa que não se encontrava assegurada com mero certificado de residência fiscal;

W) No direito interno, a norma imperativa, prevista no artigo 123º do CIRC e que a seguir se transcreve “Não podem realizar-se transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território Português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido”, leva-nos à exigência de disponibilização atempada dos formulários de residência em outro(s) país(es), não sendo esta uma ordem burocrática, nem se trata de um simples requisito formal;

X) Em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 a 4 do art. 90º do CIRC, sempre a Recorrida, Impugnante, teria de utilizar formulários de modelo oficial para comprovar a condição de não residente por das entidades beneficiárias do pagamento, até “até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto” sob pena de, na qualidade de substituto tributário se vir obrigada a ”entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.”, sendo que, veio a Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro, no seu art. 48, introduzir alterações ao referido art. 90º do CIRC, bem como ao art. 90º A do mesmo diploma legal, passando a prever, nos n.ºs 5 e 6 do art. 90º-A e no aditado n.º 4 do art. 90º, ambos do CIRC, o afastamento da responsabilidade do substitutivo tributário sempre que este logre comprovar, através da entrega de formulário a que se refere o n.º2 do referido preceito ou nos n.ºs 3 e seguintes do art. 14º do CIRC, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial da retenção na fonte de rendimentos auferidos por entidades não residentes;

Y) Mais estabeleceu o art. 48º da dita Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro, a aplicação retroativa do n.º 4 do art. 90º e n.º 6 do art. 90º-A, ambos do CIRC, determinando o afastamento da responsabilidade do substituto a situações anteriores à data da sua entrada em vigor, independentemente de já ter sido efetuada a liquidação de imposto, “excepto quando tenha havido lugar ao pagamento de imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.”;

Z) Atendendo à factualidade apurada e como resulta da al. D) dos factos assentes, verifica-se que, a fim de justificar a retenção efetuada, a Recorrida, Impugnante, em alguns casos não detinha na sua posse qualquer meio comprovativo da residência fiscal da beneficiária dos rendimentos, outras situações há em tinha apenas o certificado de residência fiscal e não o formulário (RFI) devidamente certificado e, por fim, situações em que logrou obter o dito formulário RFI em data posterior;

AA) A distinção das situações descritas mostra-se importante, porquanto é esta mesma diferenciação que o Tribunal a quo, com o devido respeito, não efetuou devidamente, que determinou o erro de julgamento de que padece a sentença recorrida;
Assim,
Quanto à retenção na fonte sobre juros pagos entre janeiro e setembro de 2003 à Sociedade, E....., originando uma correção no valor de €64.958,08 e de €12.695,32 (registos n.ºs 1 e 2 do quadro constante da al. D) do probatório, a fls. 9 da sentença recorrida)

BB) Quanto à correção efetuada no valor de €64.958,08 (registo n.º 1 do quadro a fls. 9 da sentença), considera o Tribunal a quo como facto assente na al. I) do probatório que a alegação da recorrida, Impugnante, de que “O Certificado de residência da E..... foi remetido à Direção de Serviços de Relações Internacionais em 14/07/2006”;

CC) Tendo a Recorrente, Fazenda Pública, remetido a fundamentação da sua defesa, desde logo, para o relatório final de inspeção, no qual é afirmado que a Recorrida, Impugnante, não efetuou qualquer prova da remessa do certificado de residência da Sociedade E..... para a Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI) em 14/07/2006, só se poderá considerar esse mesmo facto contraditado ou contestado e não assente como considerado na sentença recorrida;

DD) Logo, não poderia o mesmo ter sido considerado como assente, razão pela qual deve tal facto ser eliminado do probatório [(al. I)] e considerado, à mingua de prova, como facto não provado;

EE) Ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, violando, assim, o art. 77º da LGT, tal facto encontra-se devidamente contraditado pela Recorrente, Fazenda Pública;

FF) Pese embora facto, de a Recorrida, Impugnante, afirmar que procedeu ao envio do certificado em causa para a DSRI em 14/07/2007, alegando o seu “extravio interno”, a verdade é que, quer em sede inspetiva, quer no âmbito dos presentes autos de impugnação, não logra provar tal facto, nos termos e para os efeitos do art. 74º da LGT;

GG) A recorrida, Impugnante, não demonstrou, por qualquer meio, sequer, que foi emitida e certificada o comprovativo de residência fiscal da Sociedade não residente beneficiária dos rendimentos em causa;

HH) Não estando na posse e não tendo apresentado qualquer meio de prova destinado a aferir da residência da Sociedade beneficiária dos rendimentos em causa, para que, desta forma, fosse acionada a CDT correspondente, pelo que, a Recorrida, Impugnante, teria, obrigatoriamente, de efetuar a retenção na fonte em conformidade com a al. c) do art, 80º do CIRC, na redação à data em vigor, ou seja, à taxa de 20%;

II) Por conseguinte, andou mal o Tribunal recorrido, ao considerar procedente a impugnação judicial quanto a este segmento;

JJ) O mesmo se diga quanto à correção efetuada no valor de €12.695,32 (registo n.º 2 do quadro a fls. 9 da sentença),relativo à retenção na fonte sobre os rendimentos relativos a juros pagos pela Recorrida, Impugnante, à Sociedade E....., entre agosto e setembro de 2003;

KK) Ainda que se considere que o formulário, Modelo RFI, se trata de um documento “ad probationem”, como entendeu o Tribunal a quo, não se mostrando, por via disso, um elemento essencial ou constitutivo do beneficio em causa, a verdade é que, nesta situação concreta, a Recorrida, não juntou prova, qualquer que fosse, da não residência da entidade beneficiária dos rendimentos pagos;

LL) E, não tendo a Recorrida, Impugnante, quer no âmbito da ação inspetiva realizada, quer no decorrer dos presentes autos, demonstrado, por qualquer forma, a verificação dos requisitos em causa teria, obrigatoriamente, de efetuar a retenção na fonte em conformidade com a al. c) do art. 80º do CIRC, na redação à data em vigor, ou seja, à taxa de 20%;

MM) Pelo que, não poderia o Tribunal recorrido determinar, igualmente, a procedência da presente impugnação no que se refere à correção ora em causa.
Retenção na fonte sobre serviços pagos no período compreendido entre agosto e dezembro de 2003 às Sociedades, E..... SVCS e E..... CO, originando uma correção no valor global de €62.219,03 (registos n.ºs 1 a 9 do quadro constante da al. D) do probatório, a fls. 10 e 11 da sentença recorrida)
NN) Quer o art. 90º,quer o art. 90º-A, ambos do IRC, foram alterados pela Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro, a qual veio estabelecer o afastamento da responsabilidade do substituto tributário sempre que este logre comprovar, através da entrega de formulário competente (RFI), a verificação total ou parcial da retenção na fonte dos rendimentos auferidos por entidades não residentes;

OO) Mais determinou aquela Lei a aplicação retroativa do afastamento da responsabilidade do substituto tributário prevista no n.º 4 do art. 90º do CIRC e n.º 6 do art. 90º-A, ambos do CIRC, a situações anteriores à sua data de entrada em vigor, independentemente de já ter sido efetuada a liquidação de imposto “excepto quando tenha havido lugar ao pagamento de imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação”;

PP) A determinação da retroatividade dos normativos referidos, não veio dispensar, para as situações já ocorridas, o preenchimento, certificação e entrega dos formulários, Modelo RFI, aprovado pelo Ministro das Finanças, a fim de comprovar a residência fiscal das entidades beneficiárias do rendimento, de modo a acionar as CDT, isto é, independentemente do facto de, com a lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro ter sido consagrado o afastamento da responsabilidade do substituto tributário e independentemente desse afastamento se aplicar retroativamente, nos termos daquele art. 48º, a verdade é que, o responsável pela entrega do imposto retido, sempre teria, como continua a ter, em todas as situações de pagamento de rendimentos a não residentes, para prova dessa qualidade, de apresentar o formulário correspondente, designado por RFI;

QQ) A obrigatoriedade de apresentação do formulário certificado, já constante do n.º 3 do art. 90º do CIRC, manteve-se inalterada e a nova redação do referido preceito normativo, não veio, por qualquer forma dispensar a entrega do mesmo;

RR) Logo, quer no período anterior à entrada em vigor da lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro, quer posteriormente, o sujeito passivo que pretenda beneficiar da dispensa total ou parcial da retenção na fonte de rendimentos atribuídos a entidades não residentes terá sempre de proceder à apresentação do formulário certificado;

SS) Sendo que, a sua responsabilidade será afastada, nos casos, em que, ainda que em momento posterior, logre fazer prova da existência e apresentação do mesmo, nos termos do n.º 4 do art. 90º do CIRC e n.º 6 do art. 90º A, ambos do CIRC;

TT) Atendendo os registos n.ºs 1 a 9 do quadro da al. D) do probatório de fls. 10 e 11 da sentença recorrida e ora em análise, verifica-se que todos os pagamentos foram efetuados única e exclusivamente com base em certificados de residência fiscal na posse da Recorrida, Impugnante, não tendo sido apresentado para a efetivação dos mesmos o formulário competente certificado nos termos do n.º 3 do art. 90º do CIRC;

UU) A Recorrida, Impugnante, não fez, em tempo, nem a posteriori, - ou seja, quer à data do pagamento de imposto, quer no âmbito da ação inspetiva ou mesmo no decorrer dos presentes autos - prova da verificação dos pressupostos legais da aplicação das CDTs, mediante a apresentação dos formulários em causa devidamente certificados;

VV) E, porque não se encontrar preenchido um pressuposto essencial ao direito de acionar a CDT em causa de modo a beneficiar da dispensa total ou parcial da retenção na fonte devida, não se pode considerar a existência de retroatividade para tais situações;

WW) Como é fácil concluir, no caso vertente, o n.º 4 do art. 90º, quer do n.º 6 do art. 90º-A, ambos do CIRC a Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro, não poderá ter aplicação retroativa, por ser exigível ao sujeito passivo (aqui Recorrida, Impugnante) que pretendesse beneficiar da dispensa total ou parcial da retenção na fonte tenha apresentado, ainda que em momento posterior, o formulário devidamente certificado prescrito na lei;

XX) Não tendo a Recorrida, Impugnante, apresentado o formulário competente, nem antes, nem depois, está obrigada a entregar a totalidade do imposto que deveria ter deduzido à luz da lei nacional, não padecendo, nesta parte a liquidação, de qualquer ilegalidade;

YY) Tendo o Tribunal a quo determinado a anulação da liquidação controvertida, quanto às correções em análise, ocorreu em erro de julgamento em matéria de direito, uma vez que os factos considerados provados - a não apresentação do formulário RFI devidamente certificado pelas Autoridades do país fiscal em causa – não ter enquadramento nos n.ºs 4 do art. 90º e n.º 6 do art. 90º-A do CIRC;

ZZ) Quanto às situações constantes dos registos n.ºs 2 a 4 do quadro de fls. 9 da sentença recorrida, bem como os registos n.ºs 10 a 22 do quadro de fls. 11 desta decisão, que originou uma correção no valor de €14.337,45 e €181.293,76, respetivamente, no qual é possível verificar que, ainda que tardiamente, a Recorrida, Impugnante, apresentou os formulários, modelo RFI, devidamente certificados pelas Autoridades Fiscais dos países em causa, deverá ser mantida a sentença recorrida, atendendo à retroatividade da aplicação da lei determinada pelo art. 48º da Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro;

AAA) A sentença recorrida, mais condena a Recorrente, Fazenda Pública, no pagamento de juros indemnizatórios;

BBB) Entende a Recorrente, Fazenda Pública que incorreu o Tribunal em erro ao condená-la a tal pagamento, face á inexistência de qualquer erro imputável à AT;

CCC) No caso concreto, a liquidação foi efetuada de acordo com as disposições legais vigentes na altura (n.ºs 3 e 4 do artigo 90.º do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro), o certificado de residência deveria ter sido efetuado antes da entrega obrigatória do imposto nos cofres do Estado, sendo este requisito imperativo para a limitação do imposto, face ao preceituado no direito interno português;

DDD) O procedimento de inspeção e de liquidação do imposto foram efetuados em rigoroso respeito pelas disposições legais que se encontravam vigentes à data, não se afigurando a existência de qualquer erro de facto ou de direito praticado pela administração tributária;

EEE) A alteração dos pressupostos legais trazida por normas tributárias com eficácia retroativa não pode consubstanciar erro imputável aos serviços se, no momento em que foi apurado e liquidado o imposto, foram respeitados os preceitos legais vigentes, tal como sucedeu no caso em apreço, não sendo de exigir à AT que teça um juízo de prognose póstuma quanto a eventuais alterações legislativas das normas com base nas quais efetuou correções de imposto, mesmo que as tais possuam natureza interpretativa, cfr. acórdão do STA de 11-05-2016, proc. n.º 0704/14;

FFF) Ao decidir como efetivamente o fez, o Tribunal a quo estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria factual e jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o art. 43º da LGT.

GGG) Entende a Recorrente, Fazenda Pública que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, violando o disposto nos arts. 43º, 74º e 77º da LGT, arts. 80º, n.ºs 2, als. c) e e), art. 90º, n.ºs 2 a 4, art. 90º-A, n.º 6, todos do CIRC, na redação à data dos factos aplicável, bem como do art. 48º da Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro;

HHH) Devendo a sentença, ora recorrida, ser revogada e substituída por outra que considere a Impugnação Judicial parcialmente procedente quanto à anulação das liquidações em causa e totalmente improcedente quanto ao pedido de juros indemnizatórios.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada substituindo-a por outra que considere a Impugnação Judicial parcialmente procedente quanto à anulação das liquidações em causa e totalmente improcedente quanto ao pedido de juros indemnizatórios, com as legais consequências.
Todavia,
Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!»

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A recorrida, E....., LDA, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra alegacões.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 288.º, do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões que constitui objeto do recurso consistem em saber se:

1. a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito quer quanto à materialidade dada por provada quer ainda quanto ao enquadramento jurídico, competindo, para o efeito, analisar a exigência de requisitos formais de prova da situação de residente no outro Estado contratante.

2. o tribunal incorreu em erro ao condenar a recorrente, Fazenda Pública, ao pagamento de juros indemnizatórios.


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3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«A) A coberto da Ordem de Serviço OI2006….., a Direção dos Serviços de Inspeção Tributária (DSIT) procedeu à análise interna da declaração modelo 22 - apresentada pela Impugnante para o exercício de 2003 (conforme resulta de fls. 190 do PAT em apenso);

B) Foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que constitui fls. 188 e sgs. do PAT em apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

C) Com interesse para a decisão resulta do RIT a que se refere a alínea anterior:

«III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
III – 2. Pagamentos a não residentes
Após a análise da modelo 30 - pagamentos a não residentes - e de algumas contas que poderiam ter importâncias registadas referentes a pagamentos a não residentes sem estabelecimento estável que constituem rendimentos conexionados com o território nacional nos termos do artigo 4.º do Código do IRC, foi pelo nosso ofício n.º 1028 de 31-03-2006 solicitado os elementos de prova da aplicação das respetivas normas convencionais. Tendo o sujeito passivo respondido em 17-04-2006 - entrada n.º 1509 - surgiu a necessidade de serem prestados esclarecimentos adicionais que foram solicitados por intermédio de faxe de 22-05-2006, cuja resposta ocorreu em 9-06-2006. Assim, na análise da correta aplicação das normas fiscais relativamente a esta área foram considerados os elementos remetidos pelo contribuinte nos dois momentos acima considerados.
A obrigação de retenção na fonte de IRC (à taxa interna), no que diz respeito aos rendimentos de não residentes sem estabelecimento estável, previstos no n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC, só não se consuma seja por força de isenção ou por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, conforme se encontra previsto no n.º 2, do artigo 90.º do Código do IRC - quando os beneficiários dos rendimentos fizerem prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo aprovado e certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência (vide n.º 3 do artigo 90.º do Código do IRC).
O despacho n.º 11701/2003, de 28 de maio, publicado na II Série do Diário da República, n.º 138, de 17 de junho de 2003, aprovou os formulários destinados a permitir a aplicação dos benefícios previstos nas convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas por Portugal, ou seja, a dispensa total ou parcial de retenção na fonte do imposto.
Conforme circular n.º 12/2003, os formulários aprovados pelo referido despacho, serão obrigatoriamente utilizados a partir de 01/08/2003, deixando de ser aceites como documentos de prova para efeitos do disposto no artigo 90.º do CIRC qualquer outro documento que seja objeto de certificação pelas autoridades fiscais do Estado de residência do beneficiário dos rendimentos em data posterior aquela. De facto, os formulários aprovados pelo despacho acima identificado obrigam o beneficiário dos rendimentos a declarar, junto das entidades tributárias onde reside, quais os rendimentos resultantes de transações efetuadas com entidades residentes em países terceiros (neste caso Portugal), o que não estava assegurado com o anterior certificado de residência apresentado.
Após análise dos elementos remetidos pelo contribuinte, relativamente às retenções devidas por rendimentos pagos a não residentes, efetuam-se as seguintes correções:


Em anexo consta um mapa onde se discriminam os elementos relevantes dos formulários remetidos pelo contribuinte e que originaram correções fiscais. No apuramento das correções foram considerados os esclarecimentos adicionais efetuados pela carta com a entrada n.º 2322 de 9-06-2006, onde o contribuinte indicou as datas relevantes para efeitos do momento em que deveria ocorrer a retenção na fonte, nos casos em que os formulários não esclareciam esse momento por falta de indicação da competente data.
Os rendimentos objeto de retenção na fonte a título definitivo conhecem o seu facto gerador a partir do momento em que ocorra a obrigação de efetuar a retenção na fonte [alínea b), do n.º 8 do artigo 8.º do Código do IRC] e obrigação de efetuar a retenção na fonte ocorre, por força do n.º 6 do artigo 88.º do CIRC, na mesma data em que surge a obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRS.
Nos termos do n.º 5 do artigo 106.º do CIRC, quando a retenção na fonte tem caráter definitivo, os titulares dos rendimentos são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto em falta.
Refere ainda o artigo 123.º do CIRC que não podem realizar-se transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.
a) Juros
Conforme anexo ao presente relatório, o contribuinte aplicou a taxa prevista na convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, ou seja, aos rendimentos ilíquidos aplicou a taxa de retenção de 10% (ver n.ºs de ordem 1, 2, 3 e 4 do anexo). Em função da análise efetuada constata-se que para as importâncias pagas verifica-se o não cumprimento do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 90.º do CIRC. Ora, a não existência dos meios legais para se proceder à aplicação dos benefícios fiscais previstos na respetiva convenção obriga o contribuinte a efetuar a retenção à taxa prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 80.º do CIRC. Deste modo, deverá ser entregue adicionalmente a importância de € 91.990,85, apurada conforme mapa anexo já referido.
b) Royalties
Segundo informação que consta da modelo 30 e da fatura n.º P2003001 de 31-03-2003 emitida pela E….., NV, sociedade residente na Bélgica, conforme certificado emitido pelas autoridades fiscais belgas de 04-04-2003, foi pago em 14-04-2003 pela empresa objeto do presente relatório a importância de € 520.020,06 a título de R…... Conforme esclarecimento efetuado pelo contribuinte constante da carta rececionada em 17-04-2006, "foi utilizada a taxa reduzida de 5% ao abrigo do ADT celebrado entre Portugal e a Bélgica.” De facto, pela guia n.º 42209642965 verifica-se que foi entregue a quantia de € 26.001,00, valor correspondente a 5% de € 520.020,06.
Consultando a convenção celebrada entre Portugal e a Bélgica, cujo texto se encontra vertido no Decreto-Lei n.º 619/70, de 15 de dezembro - com as alterações efetuadas pela Resolução da Assembleia da República n.º 82/2000, de 14 de dezembro, que aprovou, para ratificação, a Convenção Adicional que altera a convenção entre Portugal e a Bélgica para evitar a dupla tributação e regular algumas outras questões em matéria de impostos sobre o rendimento e o protocolo final, assinada em Bruxelas em 6 de março de 1995, cuja entrada em vigor ocorreu em 5 de abril de 2001, conforme Aviso n.º 36/2001, publicado na I Série do Diário da República de 21 de abril de 2001 - verifica-se, conforme artigo 12.º da Convenção, que a taxa a aplicar pelo estado da fonte (Portugal) é de 10%. A aplicação dessa mesma taxa é corroborada pelo ofício- circulado n.º 20 100 de 24 de janeiro de 2005, da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais.
Em função do exposto, verifica-se que foi aplicada incorretamente a taxa de retenção na fonte, a título definitivo, de 5%, pelo que deverá exigir-se ao contribuinte imposto em falta no montante de € 26.001,00, nos termos do artigo 106.º do Código do IRC.
b) Serviços
Os restantes pagamentos identificados no anexo - n.ºs de ordem 6 a 27 - dizem respeito a prestações de serviços. Pela análise da data de pagamento, extrai-se a data em que as importâncias que eventualmente deveriam ser retidas teriam que dar entrada nos cofres do Estado, atento ao prazo estipulado no n.º 6 do artigo 88.º do CIRC. Verifica-se nos casos constantes do anexo o não cumprimento das disposições legais que permitiriam a aplicação do regime de tributação previsto nas respetivas convenções, designadamente, para pagamentos efetuados a entidades não residentes a partir de 2003/08/01, a não existência de formulários certificados dentro do prazo ou mesmo a ausência de certificação, formulários esses aprovados pelo Despacho n.º 11 701/2003, acima melhor identificado. Nestes termos, não tendo o contribuinte comprovado nem que possuía, à data, os meios de prova válidos que o desobrigariam de efetuar, nem que efetuou as retenções na fonte à taxa de 15%, prevista na alínea e), do n.º 2, do artigo 80.º do Código do IRC, ao qual, estava obrigado, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, nos termos da alínea g), do n.º 1, do artigo 88.º do Código do IRC, conjugado com o n.º 4, do artigo 90.º do mesmo código, relativamente aos rendimentos de não residentes identificados em anexo, efetua-se uma correção no montante de € 243.512,04, a título de retenções na fonte não entregues, referentes a pagamentos respeitantes a prestações de serviços.
Em relação ao imposto em falta acima identificado para os rendimentos de diferente natureza, são devidos juros compensatórios nos termos do n.º 2 do artigo 106.º do Código do IRC.»

D) Em matéria de direito de audição, resulta do RIT:
«O Sujeito passivo foi notificado conforme nosso ofício n.º 2953 de 2006-08-30, para o exercício do direito de audição previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.
Tendo exercido esse direito através de exposição registada com a entrada n.º 6084, de 2006-09-12, vamos nos parágrafos seguintes efetuar uma análise dos fundamentos do sujeito passivo relativamente a situações constantes do projeto de correções que o mesmo não concorda:
(…)
3. Pagamentos a não residentes (ponto III – 2. Do projeto de relatório)
No Projeto de Correções foi proposta uma correção no montante de € 375.050,80 por retenções devidas e não entregues decorrentes de rendimentos pagos a entidades não residentes, discordando o sujeito passivo com essas correções, exceto com a proposta de correção no valor de € 26.001,00 referente a Royalties.
Importa desde já referir que relativamente à correção proposta, referente ao pagamento de serviços à entidade E..... Co., ocorrido em janeiro de 2004, no montante de € 90.312,79, conforme formulário remetido a estes Serviços, cuja proposta de correção ascendia a € 13.546,91, não será de considerar no âmbito deste procedimento inspetivo a respetiva correção, dado tratar-se de um pagamento efetuado em 2004, embora considerado como custo fiscal em 2003 - ano a que respeitam os rendimentos assinalado no referido formulário - sendo de proceder à eventual correção fiscal, aquando da análise relativa ao exercício de 2004.
Posto isto, no exercício do direito de audição, o sujeito passivo refere que:
"Não obstante a Exponente não ter em seu poder os formulários em causa em data anterior aos pagamentos, esta tinha na sua posse os certificados de residência fiscal das entidades em causa, à data dos pagamentos (...) ou seja, aquando dos referidos pagamentos a Exponente continha um documento válido eu atestava que as beneficiárias dos rendimentos eram fiscalmente residentes nos Estados com os quais Portugal havia celebrado CDTs, estando assim verificado o requisito de fundo para poder acionar as mencionadas CDTs e aplicar as taxas de retenção na fonte estabelecidas nas mesmas.”
Mais à frente realça as dificuldades sentidas na certificação dos formulários por parte dos outros Estados Contratantes, indicando que a então Direção de Serviços dos Benefícios Fiscais “informou as empresas que poderiam continuar a acionar as CDTs, desde que tivessem em seu poder certificados de residência fiscal das entidades não residentes beneficiárias dos rendimentos, e obtivessem certificados com daa anterior a 20 de janeiro de 2004, data limite para fazer a entrega do imposto retido na fonte relativo ao ano de 2003 (...) tendo assim cumprido as instruções dadas pela DSBF no tocante aos pagamentos efetuados no período de transição em causa em que se verificaram grandes dificuldades na certificação dos novos formulários.”
Importa desde já aqui salientar que estes Serviços não têm conhecimento daquele “período de transição”, nem foi dada qualquer diretiva aos Serviços nos termos da alínea b), do n.º 4, do artigo 68.º da LGT, com exceção dos pagamentos efetuados a entidades residentes em Espanha, cujos elementos de prova que permitiram acionar as respetivas poderiam ser apresentados até 20/01/2004 (vide ofício-circulado n.º 20 090, de 18/12/2003, da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais - DSBF). Na petição, o sujeito passivo não juntou também elementos materiais que provassem a referida existência daquele período de transição.
O sujeito passivo avançou um conjunto de argumentos desfavoráveis sobre as correções propostas por tipo de rendimento, que serão analisados nos pontos seguintes.
3.1. Juros
"Foi proposta uma correção a título de imposto não retido no valor de € 91.990,85, valor que corresponde à diferença entre as taxas interna e a prevista na convenção aplicável a este tipo de rendimentos, uma vez que o sujeito passivo aplicou a taxa convencional, não possuindo, nas datas em que tal se mostrava necessário, os meios de prova que permitiram aplicar a taxa prevista na respetiva convenção.
Apresenta-se, de forma resumida, os pagamentos que originaram as correções, remetendo-se para o anexo a este Relatório a demonstração das mesmas:

Euros
“(texto integral no original; imagem)”

Relativamente ao registo n.º 1, o sujeito passivo refere que os pagamentos respeitantes ao período de janeiro a julho foram efetuados com base no certificado de residência fiscal emitido no início de 2003. No entanto, esse certificado não foi remetido, apresentando o sujeito passivo como justificação que “este se teria extraviado internamente, tendo sido pedido à afiliada o envio de novo certificado com referência a 2003, que foi remetido à Direção de Serviços das Relações Internacionais em 14/07/2006.”
Apesar dos argumentos aduzidos pelo sujeito passivo, os mesmos não têm acolhimento no presente relatório uma vez que, para os pagamentos efetuados entre janeiro e julho, teria de possuir elementos de prova ─ certificados de residência ─ que permitem aplicar a taxa reduzida prevista na convenção, situação que não foi demonstrada, uma vez que não fez chegar a estes Serviços esses mesmos elementos, alegando o seu extravio.
Quanto aos restantes pagamentos de juros (registos n.ºs 2, 3 e 4) informa que foram efetuados, aplicando-se “a taxa de retenção na fonte prevista na CDT celebrada com a Holanda, com base no mesmo certificado de residência fiscal, enquanto se aguardava pelo envio do formulário devidamente certificado pelas Autoridades Fiscais holandesas, nos termos da informação dada pela então DSBF — RI de que seriam aceites os formulários emitidos até 20/01/2004, para todos os pagamentos efetuados até ao fim de 2003.”
Mais uma vez aqui se reitera que estes Serviços não têm conhecimento dessa informação dada pela então DSBF, nem o sujeito passivo demonstrou em que termos a mesmo foi dada (v.g., nos termos do artigo 68.º da LGT).
De acordo com a alínea b) do n.º 4 do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, a administração tributária está vinculada “às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas que estiverem em vigor no momento do facto tributário.” Mais importa referir que é da exclusiva competência do dirigente máximo do serviço a emissão de orientações genéricas visando a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços, aplicando-se exclusivamente à administração tributária que procedeu à sua emissão (n.ºs 1 e 3 do artigo 55.º do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Analisando somente as situações de facto e tendo em conta o enquadramento normativo vigente às datas dos pagamentos verifica-se que:
Para o registo n.º 2, não foi remetido o certificado autenticado pelas Autoridades Fiscais do país de residência do beneficiário dos rendimentos;
Para os registos n.ºs 3 e 4 os certificados foram autenticados para além da data legalmente prevista (vide n.ºs 3 e 4 do artigo 90.º do Código do IRC) pelo que não estavam reunidos os pressupostos legais para que fosse aplicado o regime de tributação por retenção na fonte a título definitivo previsto na respetiva convenção.
Assim, não têm provimento os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, mantendo-se a correção no valor de € 91.990,85 a título de retenções na fonte devidas por rendimentos de juros pagos a entidades não residentes.
3.2. Serviços
Pelas mesmas razões apontadas para o pagamento de juros - divergências entre o regime de tributação previsto na legislação interna e o resultante da aplicação da convenção sobre dupla tributação - foi proposta uma correção no valor de € 257.058,95 a título de retenções na fonte não entregues, com a qual o sujeito passivo não concorda.
Apresenta-se, de forma resumida, os pagamentos que originaram as correções - não sendo considerado o valor pago, e respetiva retenção devida, à E..... Co., pelas razões acima expostas -, remetendo-se para o anexo a este Relatório a demonstração das mesmas:
“(texto integral no original; imagem)”


O sujeito passivo refere que “em relação aos diversos pagamentos a título de prestações de serviços, efetuados entre agosto e dezembro de 2003, pela Exponente às sociedades E….. SVCS e E..... Co, ambas residentes nos EUA, E….., E….. Limited, M….. Limited e P…… Limited, residentes no Reino Unido, e por último, à E…. & C…. BVBA, residente na Bélgica, sem qualquer retenção na fonte nos termos das respetivas CDTs, todos estes pagamentos foram efetuados com base nos certificados de residência fiscal em posse da Exponente, enquanto se aguardava pela receção dos formulários certificados pelas autoridades fiscais de cada uma das referidas entidades, de acordo com a informação dada pela então DSBF - RI que seriam aceites os formulários emitidos até 20/01/2004.”
Relativamente aos pagamentos efetuados às sociedades residentes nos EUA (registos n.ºs 1 a 10 do quadro acima), acima identificadas, não foram remetidos a estes Serviços os formulários devidamente certificados, informando o sujeito passivo que as autoridades fiscais norte americanas se recusaram a certificá-los. No entanto, não existe, à data do presente Relatório, qualquer espécie de determinação a que a Administração Fiscal esteja formalmente vinculada, no sentido de existir um regime de exceção em relação aos pagamentos efetuados aos Estados Unidos relativamente ao terceiro trimestre de 2003, uma vez que o sujeito passivo não apresentou formulários certificados.
Relativamente aos pagamentos efetuados às sociedades residentes nos Estados Unidos, o sujeito passivo juntou uma carta - Documento n.º 6 anexo ao Direito de Audição - de 31/03/2004, remetida pela Embaixada dos Estados Unidos da América em Portugal ao Administrador Executivo da Câmara de Comércio Americana, sita em Lisboa. Da análise da carta, verifica-se a existência das dificuldades iniciais na certificação dos formulários portugueses, mas não é demonstrado que somente os certificados de residência - e não os formulários certificados - serviriam para efeitos do acionamento da convenção, uma vez que não foram certificados quaisquer dos formulários aprovados pelo despacho n.º 11701/2003, de 28 de maio, nem foram emitidas instruções, nos termos da alínea b), do n.º 4, do artigo 68.º da LGT, quando ao regime diferenciado a vigorar, relativamente aos formalismos a cumprir na aplicação da convenção sobre dupla tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos.
Pode então afirmar-se que, para as entidades em causa, apesar de, o contribuinte apresentar certificados de residência, estes não se configuram como válidos, nos temos do n.º 3 do artigo 90.º do Código do IRC.
Quanto aos restantes pagamentos (registos n.ºs 11 a 22 do quadro acima) e uma vez que não se tratam de entidades residentes em Espanha, para as quais os formulários devidamente certificados para acionar a respetiva convenção poderiam ser entregues até 20/01/2004, respeitando os demais trâmites previstos no ofício-circulado n.º 20 090, de 18/12/2003, da DSBF, verifica-se a não existência de meios de prova exigidos no prazo legal, pelo que a retenção deveria ter ocorrido à taxa que vigorava internamente para o tipo de rendimento pago, ou seja, deveria ter ocorrido a retenção à taxa de 15%.
Assim, não serão atendidos os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, mantendo-se a correção referente a retenções na fonte devidas por rendimentos obtidos por não residentes sem estabelecimento estável em território nacional, a título de prestações de serviços, no valor de € 243.512,04. DSIT, em 2006-09-19.»

E) Sobre o RIT a que se referem as alíneas anteriores recaiu, em 25/09/2006, o despacho de concordância de fls. 188 do PAT apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido.

F) A AT emitiu as liquidações de Retenções na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2003, no valor total de €404,077,11, sendo € 361.503,89 provenientes de IRC e € 42.573.22 de juros compensatórios (Liquidações n.ºs 2006 6420…., 2006 0002….. 2006 0002…., 0002…., 0002…., 0002…., 0002….. e 0002….6 (conforme resulta de fls. 234 e segs. do PAT em apenso).

F) O prazo para pagamento voluntário terminou em 15/11/2006.

G) Em 15 de novembro de 2006, a ora impugnante efetuou o pagamento dos valores liquidados (conforme resulta do documento n.º 10 junto com a PI)

H) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 13/02/2007 (conforme resulta de fls. 185).

I) O Certificado de residência da E..... foi remetido à Direção de Serviços de Relações Internacionais em 14/07/2006 (facto não controvertido, artigo 20.º da PI)»


FACTOS NÃO PROVADOS

«Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.»

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

«A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»



*

De Direito

A presente intenção recursiva vem interposta pela Fazenda Pública por manifesta desconcordância com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que determinou a anulação das liquidações de IRC (retenção na fonte) e condenou a AT à restituição dos montantes impugnados acrescidos de juros indemnizatórios.

Pretende a recorrente, a revogação do decidido e a sua substituição por outro dispositivo que considere a impugnação judicial parcialmente procedente quanto à anulação das liquidações em causa e totalmente improcedente quanto ao pedido de juros indemnizatórios.

Nos autos estão em causa liquidações oficiosas de imposto retido na fonte, a título de IRC, sobre os rendimentos de juros, royalites e prestações de serviço, pagos a diversas entidades não residentes sem estabelecimento estável em território nacional, apurado em sede de análise interna efetuada à aqui recorrida (E...... Lda.), levada a efeito pelos SIT (Serviços de Inspeção Tributária) com referência ao exercício de 2003, porquanto, alega, não terem sido apresentados os formulários certificados pelas autoridades competentes do Estado de residência das sociedades beneficiárias dos rendimentos até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, tudo em conformidade, com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 90º do CIRC, na redação da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro, e Despacho n.º 11701/2003 de 28 de maio. – concl. A) a C)

Tal como deixamos autonomizado na delimitação do objeto do recurso a argumentação expendida vem, em primeira linha, alicerçada em erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida quanto à materialidade dada por provada e ainda, quanto à aferição do direito aplicável.

Encetaremos a nossa análise pelo erro de julgamento de facto invocado nas conclusões das alegações do recurso.

Vejamos então.

Tal como temos vindo a assumir e, segundo entendemos, resulta da lei processual, a impugnação da matéria de facto, encontra-se, em primeira linha, balizada pelo disposto no artigo 640º do CPC e obedece a regras que não podem deixar de ser observadas, impondo-se, nomeadamente, ao recorrente a obrigatoriedade de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, sendo que o não cumprimento do ónus fixado o recurso quanto à matéria de facto estará condenado ao insucesso.

Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com este âmbito, impondo-se-lhe, por conseguinte, respeito pela plena satisfação das regras ali previstas.

Por seu lado ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas.

O que significa que o Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se, e quando, puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado.

Dito isto regressemos à situação que nos ocupa dando conta que, nesta parte, a recorrente censura o decidido pelo Mmo. Juiz do TT de Lisboa, por ter dado como assente na alínea i) do probatório, face à alegação da recorrida, impugnante, que:

“O Certificado de residência da E..... foi remetido à Direção de Serviços de Relações Internacionais em 14/07/2006.

Alude a apelante que, resulta da al. D) dos factos assentes, ou seja do RIT, que a impugnante, “… em alguns casos não detinha na sua posse qualquer meio comprovativo da residência fiscal da beneficiária dos rendimentos, outras situações há em tinha apenas o certificado de residência fiscal e não o formulário (RFI) devidamente certificado e, por fim, situações em que logrou obter o dito formulário RFI em data posterior;” distinção que, em seu entender, o tribunal não efetuou devidamente e “… que determinou o erro de julgamento de que padece a sentença recorrida.

Considera que a retenção na fonte sobre juros pagos entre janeiro e setembro de 2003 à Sociedade, E....., originando uma correção no valor de € 64.958,08 e de € 12.695,32 e que a impugnante não detinha na sua posse qualquer meio comprovativo da residência fiscal da referida beneficiária dos rendimentos, conforme consta dos registos n.ºs 1 e 2 do quadro constante da al. D) do probatório, a fls. 9 da sentença recorrida.

Acrescenta ainda a FP, ter “… remetido a fundamentação da sua defesa, desde logo, para o relatório final de inspeção, no qual é afirmado que a Recorrida, Impugnante, não efetuou qualquer prova da remessa do certificado de residência da Sociedade E..... para a Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI) em 14/07/2006,” e que “… só se poderá considerar esse mesmo facto contraditado ou contestado e não assente como considerado na sentença recorrida;”,

E conclui dizendo que, “… não poderia o mesmo ter sido considerado como assente, razão pela qual deve tal facto ser eliminado do probatório [(al. I)] e considerado, à mingua de prova, como facto não provado;”

Apreciando

Com efeito, no ponto I) da factualidade dada por provada na sentença recorrida foi dado como assente que a sociedade E..... remeteu à Direção de Serviços de Relações Internacionais em 14/07/2006, o certificado de residência, ali se referindo como motivação a circunstância de o mesmo ter sido vertido na petição inicial (artigo 20.º) e não ter sido contraditado.

E de facto não foi contraditado, já que, lida a contestação damos nota de que a FP, aqui, recorrente, não faz mais do que reiterar a posição vertida na informação da DJC da Direção de Finanças de Lisboa, fls. 242 a 248 do PA e esta, no que para aqui releva, remete para a proposta de correção elaborada pela Direção de Serviços das Relações Internacionais da AT [na data Direção Geral dos Impostos) a fls. 229 do PA., donde consta uma proposta de correção (n.º 2379/06) em nome da E..... Lda., relativa a rendimentos pagos a não residentes no ano de 2003, sendo que da respetiva informação consta que “… a entidade E……,NV apresentou certificado de residência fiscal em vez de formulário e formulário mod. 9-RFI autenticado no ano de 2006.

Ora, aqui chegados, não podemos dizer que o facto impugnado revela a robustez e certeza jurídica suficiente, para que o Tribunal a quo, o possa julgar como provado da forma como o fez.

Na verdade o TT de Lisboa ao consignar que o certificado de residência foi remetido à DSRI em 14/07/2006, fá-lo sem afirmar factos objetivos e concretos donde emerge tal asserção, ou seja limita-se a proferir uma conclusão, face a uma declaração do impetrante, não comprovada e completamente desacompanhada de premissas fiáveis donde a mesma (conclusão) se pudesse extrair, sendo certo que o que se lhe exigia, era que se tivessem provado os factos capazes de sustentar tal decisão, ao invés de se limitar, sem mais, a remeter para a petição inicial.

Entendemos, assim, que a decisão sob recurso está inquinada de erro de julgamento, por um deficiente juízo valorativo, termos em que, atento o disposto no n.º 1 do artigo 662.º, do CPC, se acorda em alterar a redação do facto impugnado mencionado em I) do probatório, em virtude de resultar dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à enumeração seguida em 1.ª instância, nos seguintes termos:

I) Consta da proposta de correção (n.º 2379/06) em nome da E..... Lda., relativa a rendimentos pagos a não residentes no ano de 2003, que a sociedade E....., apresentou na Direção de Serviços das Relações Internacionais da DGI, certificado de residência fiscal e formulário mod. 9-RFI autenticado no ano de 2006 - cfr. fls.231 e 232 do PA aqui em anexo

Procedem assim, em parte, as conclusões que vimos de apreciar.

Prosseguindo

Em sede de aplicação do direito o Mmo. Juiz a quo, depois de enunciar o enquadramento legal vigente à data dos factos (artigo 90.º do CIRC na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002 de 30/12) e seguindo de perto o acórdão do STA proferido em 14/12/2016 no processo n.º 0141/14, onde foi suscitada e objeto de análise questão idêntica à dos autos, alinhou a seguinte argumentação:

“(…)

Complementarmente, em execução, explícita, do estatuído neste artigo 90.º CIRC, foi emitido, pela, então, Ministra das Finanças, o Despacho n.º 11701/2003, de 28.5., publicado no DR N.º 138, II Série de 17.6.2003, que aprovou “os formulários destinados a permitir a aplicação dos benefícios previstos nas convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas por Portugal”, sendo, de forma específica e privativa, criados os Modelos RFI, n.ºs 7 a 12, para permitir a dispensa, total ou parcial, de retenção na fonte do IRC.

Nos termos do artigo 90.º, n.º 6, do CIRC (redação conferida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro - «Sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo e os n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção»);

Nos termos do disposto no artigo 48.º, n.º 4, da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro [«O afastamento da responsabilidade prevista no n.º 4 do artigo 90.º e no n.º 6 do artigo 90.º-A do Código do IRC, na redação que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efetuada a liquidação do imposto, exceto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação»].

Em cumprimento do disposto na parte final do n.º 3 do citado artigo 90.º do CIRC, veio o Despacho n.º 11701/2003, de 17 de junho, publicado no Diário da República, n.º 138, II Série, de 17 de junho, aprovar os modelos de formulários destinados a permitir a dispensa, total ou parcial, de retenção na fonte. Conforme resulta da Circular n.º 12/2003, de 19 de julho, do Diretor Geral dos Impostos, os formulários aprovados por aquele Despacho seriam obrigatoriamente utilizados a partir de 1 de agosto de 2003, deixando a Administração Tributária de aceitar qualquer outro documento de prova.

No caso dos autos, tal como se consigna no RIT do mesmo resulta que a impugnante apresentou os certificados de residência no ano de 2003 e apenas em 2004 apresentou os novos formulários relativamente às entidades numeradas de 10 a 22, não tendo, todavia, sido apresentados os novos formulários relativamente às entidades numeradas de 1 a 9, conforme consta do ponto 3.2. do RIT.

Ora, a prova documental é a rainha das provas na medida em que assegura ao tráfego jurídico e internacional um crédito sobre a existência e veracidade dos factos que atesta.

Entende-se que um documento é um documento “ad substantiam” quando o mesmo integra a própria formação do ato ou negócio jurídico que certifica de modo que esse negócio não se considera legalmente constituído sem que essa formalidade não se efetive ou seja substituído por outro documento que não seja de força superior cfr. artigo 364.º do Código Civil.

Como ensina Mota Pinto in Teoria Geral 3ª edição pp 436 um documento é “ad probationem”, quando resultar da lei que a sua finalidade é apenas a de obter prova segura e não outras finalidades possíveis atinentes ao ato ou negócio a que se refere “.

Nesta conceção o documento ad substantiam é elemento constitutivo do ato que documenta.

No caso dos autos os formulários impostos por lei como meio de prova não podem considerar-se como constitutivos da obrigação tributária a que se referem ou seja da criação do imposto e dos benefícios fiscais “in casu” a dispensa da retenção na fonte.

Os requisitos constitutivos da criação dos impostos bem como dos benefícios fiscais dependem exclusivamente da lei nos termos do disposto no artigo 103.º da CRP que assim estatui:

2 “ Os impostos são criados por lei que determina a incidência a taxa e os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

Neste sentido veja-se o acórdão do STA de 22 06 2011 in processo 0283/11.

No caso dos autos os pressupostos de dispensa total ou parcial da retenção na fonte de IRC dos rendimentos em causa são os previstos nas convenções sobre a dupla tributação celebradas entre Portugal e os Holanda, Estados Unidos da América, Reino Unido e Bélgica, são apenas a residência dos beneficiários do pagamento e a natureza do rendimento.

As Convenções sobre a dupla tributação são instrumentos legais que permitem perante a falta de harmonização legislativa fiscal internacional que os rendimentos obtidos num dos países convencionantes por cidadãos estrangeiros oriundos do país convencionado beneficiem de taxa de redução ou de outros benefícios fiscais relativamente aos impostos que discriminam.

E delas constam os pressupostos da sua aplicação.

E embora seja certo que as convenções sobre a dupla tributação deixam à disposição dos Estados contratantes a possibilidade de regularem as questões procedimentais como é o caso dos autos, há, contudo, que ter em consideração que a exigência da prova não pode de forma alguma contender com os elementos materiais que determinam a aplicação da convenção.

O que tornando lícito ao legislador nacional proceder a tal regulamentação para comprovação dos pressupostos dessa aplicação o inibe, contudo, de criar através do meio de prova utilizado mais um pressuposto dessa aplicação.

Como decorre do preceituado no artigo 1.º, n.º 1, da LGT, toda a regulação das normas tributárias tem de ter em consideração o disposto nas normas de direito internacional que vigoram na ordem interna.

Nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da CRP as normas constantes das convenções internacionais regularmente ratificadas vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português não podendo por tal razão uma norma interna alterar uma norma constante da convenção.

Nesse sentido veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/84 in BMJ nº 365-107.

Para a AT a falta de apresentação ou apresentação tardia dos novos formulários era motivo para que os mesmos não pudessem ser aceites como prova e como tal justificavam a recusa da aplicação da convenção.

Mas tal entendimento que considera o formulário como documento “ad substantiam” e determina que a sua falta de apresentação ou apresentação tardia implique a não aplicação da convenção não estando previsto como pressuposto da aplicação nas convenções traduz-se na imposição de um pressuposto material de aplicação da convenção pela Administração Tributária em nítida violação da convenção.

E de facto formulários não sendo requisitos constitutivos dos benefícios fiscais, não integrando as normas de incidência que visam acautelar, só podem ser entendidos como documentos “ad probationem”. Ou seja, a sua finalidade é apenas a de obter prova segura dos pressupostos da dispensa da retenção.

Este entendimento resulta também do facto de a Lei nº 67-A/2007 de 31 de dezembro possibilitar a prova da residência e dos demais elementos “a posteriori”.

(…)

A possibilidade de prova “a posteriori” contende com a natureza que se quer atribuir ao formulário de documento “ad substantiam” na medida em que a existência desse formulário não interfere com o nascimento do benefício ou com a constituição da obrigação tributária que visa excluir.

No caso em apreço, estando embora em causa o exercício de 2003 em que ocorre já a exigência de prova através dos formulários oficiais o certo é que sendo os mesmos documentos “ad probationem” podiam ser substituídos, como foram, pelos certificados de residência no estrangeiro emitidos pelas entidades competentes.

Por outro lado, a falta de apresentação dos novos formulários não pode, pelas razões indicadas, ser pressuposto de aplicação da Convenção sobre a Dupla Tributação por a criação do imposto e do benefício fiscal apenas obedecerem ao princípio da legalidade e não estar sujeito a regulamentação administrativa.

Sendo os formulários documentos “ad probationem” e não “ad substantiam” há que admitir a prova de residência no estrangeiro baseada em certificados emitidos pelas autoridades respetivas face ao disposto no artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil.

Resultando, como se deixou dito da interpretação do n.º 2, al. a), do artigo 90.º-A do CIRC (anterior n.º 3 do artigo 90.º) que o formulário é apenas exigido como meio de prova, podendo ser apresentado no prazo aí consignado podia o mesmo ser substituído por documento estrangeiro de igual valor nos termos também do n.º 1 do artigo 365.º do Código Civil.” – fim de citação

Desde já se adianta que o assim decidido não nos merece qualquer censura, sendo, mais uma vez de salientar que a argumentação exposta segue a posição que amplamente apreciada e assumida nos Tribunais Superiores e que vai a arrepio do que aqui defende a Fazenda Pública.

Vejamos, então, remetendo para jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores, aqui aplicável, de entre a qual destacamos, a que foi citada a título exemplificativo no acórdão deste tribunal prolatado em 28/01/2021 no processo n.º 1279/07.2BELSB em que a aqui relatora interveio como 1.ª Adjunta e que debruçando-se sobre a mesma matéria exemplificativamente, citou, através do respetivos sumários:

«I - Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.

II - As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna.

III - Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no nº 1 do artigo 1º da LGT.

IV - Resulta da interpretação dos artigos 103 da CRP e 90 do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados podendo ser substituídos nos termos do artigo 364 nº 2 do Código Civil” – acórdão do STA, de 14/12/16, processo nº 141/14;

Ou,

“1. A prova da residência em país com o qual Portugal celebrou CDT, apresentada depois de os rendimentos serem colocados à disposição dos beneficiários, não preclude o direito à dispensa de retenção na fonte à taxa normal, porque o respetivo direito emerge da lei - Convenção celebrada entre os Estados contratantes a qual define os pressupostos materiais para sua aplicação.

2. Os “formulários” destinados a provar a residência do beneficiário dos rendimentos têm caráter “ad probationem” - acórdão do TCA, de 22/10/20, processo nº 522/05.7 BELSB;» - fim de citação

Regressando ao caso dos autos relembremos, que no que respeita ás liquidações de IRC (retenção na fonte) a matéria de apelação, não põe, globalmente, em causa a comprovação da residência das beneficiárias no ano em causa, com exceção da situação da sociedade E....., mas ainda assim, e como vimos, sem razão.

Com efeito, no caso desta sociedade, o certificado de residência fiscal e formulário mod. 9-RFI autenticado em 2006, foi apresentado para fazer fé, relativamente ao período temporal que importava considerar (2003), conforme consta do ponto I) do probatório por nós corrigido.

Nos demais casos vem esgrimir fundamentos relacionados com a falta de prova da verificação dos pressupostos legais da aplicação das CDTs, mediante a apresentação dos formulários em causa devidamente certificados.

Ora, como dissemos a força “ad probationem” e não “ad substantiam” dos formulários é, face à jurisprudência citada (entre outra), incontornável.

De referir ainda que, não sendo a prova da residência das beneficiárias um elemento constitutivo do direito ao benefício, sendo feita não poderá deixar de retroagir os seus efeitos à data da ocorrência dos factos tributários.

É que, tal como se deixou dito no acórdão deste tribunal (TCAS) proferido em 08/02/2011 no processo n.º 04443/11, “[A]a verificação ou inverificação daquele pressuposto substantivo assenta na prova da residência da beneficiária a qual no entanto não é elemento constitutivo do direito ao benefício, pois uma vez feita não poderá deixar de retroagir os seus efeitos à data da ocorrência dos factos tributários gerados pelo pagamento.”

Sendo assim, dispensamo-nos de mais dilações, pois a jurisprudência citada dissipa a questão que aqui nos vem dirigida, há que negar provimento, nesta parte ao recurso jurisdicional, consequentemente, manter a sentença na parte em que determinou a anulação das liquidações de imposto e juros compensatórios.


»«

Por fim importa aferir se o tribunal incorreu em erro ao condenar a recorrente, Fazenda Pública, ao pagamento de juros indemnizatórios.

Entende a apelante que não há qualquer erro imputável à AT, já que a liquidação foi efetuada de acordo com as disposições legais vigentes e o certificado de residência deveria ter sido efetuado antes da entrega obrigatória do imposto nos cofres do Estado, sendo este requisito imperativo para a limitação do imposto, face ao preceituado no direito interno português e à alteração dos pressupostos legais trazida por normas tributárias com eficácia retroativa não se pode consubstanciar erro imputável aos serviços, não sendo de exigir à AT que teça um juízo de prognose póstuma quanto a eventuais alterações legislativas das normas com base nas quais efetuou correções de imposto, mesmo que as tais possuam natureza interpretativa, cfr. acórdão do STA de 11-05-2016, proc. n.º 0704/14.

Vejamos antes de mais a fundamentação em que, nesta matéria, se louvou o texto decisor, diz-se ali:

“(…)

Vem provado que o imposto impugnado foi pago em 15 de novembro de 2006.

A questão coloca-se na parte em que o ato tributário foi anulado pela Administração Fiscal já na pendência da presente impugnação.

Como é sabido, os juros indemnizatórios destinam se a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos cfr., atualmente, o artigo 43.°, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária.

São requisitos do direito aos juros indemnizatórios:

1º. que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
2º. que o erro seja imputável aos serviços;
3º. que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4º. que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.
Sobre o direito a juros indemnizatórios destacamos:

«I - Os juros indemnizatórios previstos no art.º 43º da LGT e 61º do CPPT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação.

II - A imputabilidade do erro relevante aos serviços, para o questionado efeito, é ainda independente da eventual necessidade de demonstração de culpa de qualquer dos seus funcionários na elaboração da liquidação inquinada por erro de direito.

III - A errada aplicação da lei integra erro de direito imputável aos serviços para os sindicados efeitos indemnizatórios sempre que não resulte de atuação ou informação do contribuinte (sujeito passivo).»

Ac. do STA, de 12/04/2002, recurso n.º 01290/02, in http://www.dgsi.pt/jsta.

A liquidação impugnada vai se anulada por erro sobre os pressupostos de direito.

Tal erro imputável à Administração Tributária.

Esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro.

Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. A administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266.º, n.º 1, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços — neste sentido o acórdão do STA, de 07/11/2001, recurso n.º 026404, consultável em www.dgsi.pt.

A Impugnante efetuou o pagamento dos montantes impugnados.

Ou seja, efetuou o pagamento da quantia liquidada, superior ao devido.

A doutrina e a jurisprudência vêm sustentando que o erro imputável aos serviços fica demonstrado quando o processo de impugnação da liquidação que determina a anulação da liquidação do tributo pago indevidamente.

Neste sentido veja-se Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in LGT anotada pp 181 e acórdão do STA de 04 05 2016 in processo 0407/15 e ainda o acórdão do STA de 14 06 2012 in processo 0842/11.

Com este fundamento, fica a Administração Fiscal vinculada ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até à data do efetivo reembolso relativamente à parte impugnada.”- fim de citação

E na verdade assim é.

Entendemos, como a sentença recorrida que, nas situações em que se verifica a anulação dos atos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é o indicado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, nos termos do qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Decorre da letra da lei que, o que é relevante na atribuição destes juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal, situação que in casu se verifica dado que à data das liquidações adicionais (2006) a AT tinha em seu poder todos os comprovativos de residência das sociedades beneficiárias – conforme decorre dos pontos F) G) e I) do probatório, este último por nós alterado.

Termos em que improcedem, in totum as conclusões de recurso, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente acórdão

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente

Registe e Notifique.

Lisboa, 10 de março de 2022


­­­­­­Hélia Gameiro Silva – Relatora
­
Ana Cristina Carvalho- 1.ª Adjunta

Lurdes Toscano - 2.ª Adjunta

(Com assinatura digital)


(1) Vide neste sentido, entre outros, os acórdãos deste TCA Sul proferidos em: 07/06/2018 no proc.n.º 6499/13; em 28/02/2019, no proc.n.º 118/18.3BELRS
Vide ainda António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.285)
(2) Vide neste sentido António dos Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

(3)Vide neste sentido o Aresto deste TCAS, proferido em 02/10/2007 no processo nº 01891/07, disponível em www.dgsi.pt.