Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:142/17.3BELLE
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/05/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:INTIMAÇÃO
PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO
RECURSO
Sumário:i)Os recursos interpostos de decisões proferidas em processos de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, têm efeito suspensivo.

ii) Resultando provado que o direito à informação não se encontra integralmente satisfeito, tem que proceder a intimação para a prestação da informação e passagem de certidão oportunamente requerida
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

I. Município de Lagos (Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença de 2.05.2017 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, na presente acção de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, contra si requerida por Colin ……… (Recorrido), condenou o município a fornecer a informação peticionada por aquele no requerimento de 22.02.2017 (informação sobre o acto expresso de indeferimento do pedido de licença administrativa – legalização de alterações e ampliação de moradia sita em Vale ……, ……….., Lagos).

I. As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I. Colin H.................., ora RECORRIDO, a 25/0812016 apresentou requerimento ao Município de Lagos, ora RECORRENTE, com o título "Pedido de legalização de alterações e ampliação de uma Moradia Unifamiliar, sita em ………………, Odiáxere Lagos."

II. A 01/02/2017 foi remetido ao mesmo, pelo RECORRENTE, resposta pelo Ofício DULF/UTOP/SA n.º 21727, de 01/02/2017, com as informações DSTA/UTJ n.º 22649/2016, de 25/10/2016 e DULF/UTOP n.º 1288/2017-MM, de 18/01/2017, anexas, contendo esta última, os fundamentos que impedem a legalização das obras executadas e despacho da Sr.ª Presidente da Câmara de 26/01/20178 com o teor ''Transmita-se".

III. No dia 27/02/2017, o RECORRIDO solicitou ao RECORRENTE notificação de ato expresso de indeferimento e sua fundamentação de facto e de direito.

IV. Não tendo obtido a resposta pretendida, interpôs o RECORRIDO pedido de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra o RECORRENTE, solicitando a resposta ao requerimento.

V. Contestando, o ora RECORRENTE veio provar que, mediante o Ofício e os documentos mencionados acima no Ponto 11, já havia respondido na íntegra ao solicitado pelo RECORRIDO;

VI. Não obstante, pelo Douto Tribunal a quo, foi proferida sentença de 02/05/2017, a qual, considerando a denegação de acesso a informação procedimental ou ao direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, se tornou ambígua preenchendo a previsão do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC - gerando nulidade;

VII. Tal sentença, condenando o ora RECORRENTE a satisfazer a pretensão do RECORRIDO no seu requerimento de 22/02/2017 (notificá-lo do acto administrativo expresso de indeferimento e sua fundamentação de facto e de direito), tornou-se ambígua também por solicitar a prestação de informação já prestada ao RECORRIDO.

VIII. Também ambígua quando invoca a violação de direito de acesso aos arquivos e a questão do documentos secretos da Administração, quando tal matéria não faz parte do objeto do litígio, nem foi colocada em causa por qualquer das partes;

IX. Também ilegal quando refere que das informações de 25/10/2016 e 18/0112017 não consta despacho do presidente da câmara, quando nesta última a Sr.ª Presidente da Câmara apôs despacho de 26/01/2017;

X. Não se provando a recusa de resposta ao requerimento de 22/02/2017, o Douto Tribunal a quo indeferiu as exceções, dilatória e a perentória, arguidas pelo RECORRENTE, não tendo para o efeito referido qual o prazo de resposta a que este se encontrava adstrito nem fundamentado tal improcedência, o que torna nula a decisão tomada.

XI. Por conhecer o RECORRIDO toda a matéria que diz respeito ao processo administrativo em causa, nomeadamente na resposta ao seu requerimento de 26/08/2016, e não lhe ter sido negado qualquer acesso ao processo ou informação, deveria a ação ter sido julgada improcedente.

XII. A sentença do Douto Tribunal a quo condena o RECORRENTE, à notificação do RECORRIDO, do ato administrativo de indeferimento e respetiva fundamentação de facto e de direito, quando tal ato apenas é possível existir no âmbito de um processo regulado pelo RJUE e não por força de um mero requerimento, como foi o apresentado em 26/08/2016 pelo RECORRIDO. Por encerrar um objeto legalmente inadmissível, também aqui o proferido aresto padece de nulidade.

XIII. Por último, referindo a douta sentença que é alegado pelo RECORRIDO que as informações e os ofícios que lhe foram enviados pelo RECORRENTE não enformam o ato administrativo de despacho final, parece que aquilo que o mesmo procura não é a prestação de informação, mas sim, a prática de um suposto acto administrativo, fim para o qual a ação de intimação não é processualmente adequada, devendo a mesma ter sido considerada improcedente também por tal.




O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber se a sentença recorrida é nula com fundamento em ambiguidade e se o Tribunal a quo errou ao ter julgado o pedido de intimação procedente.

Discorda também o Recorrente quanto à fixação do efeito devolutivo ao presente recurso, pretendendo que ao mesmo seja atribuído efeito suspensivo.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC ex vi do art. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA.



II.2. De direito

Comecemos por apreciar da correcção do despacho do Tribunal a quo que admitiu o presente recurso jurisdicional, na parte em que foi fixado a este o efeito devolutivo (cfr. despacho de fls. 169).

Dispõe o artigo 143.º do CPTA, sob a epígrafe “efeitos dos recursos”, o seguinte

1 - Salvo disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida.

2 - Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:

a) Intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias;

b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes;

c) Decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, nos termos do artigo 121.º

3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, pode requerer que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.

4 - Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.

5 - A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.

Assim, não se prevendo a presente intimação no catálogo constante do nº 2 do citado artigo 143.º do CPTA, tem o recurso interposto que se sujeitar à regra geral do nº 1 e que prevê o efeito suspensivo. Errou pois o Tribunal a quo na fixação do efeito ao recurso.

Pelo que se acorda em fixar o efeito suspensivo ao presente recurso jurisdicional.

Posto isto, como ponto preliminar na apreciação do presente recurso importa deixar estabelecido que a matéria de facto fixada na sentença recorrida não vem sujeita a qualquer impugnação, pelo que a factualidade assente se encontra estabilizada.

A questão prioritária que vem colocada no presente recurso é a de saber se a sentença do Tribunal a quo é nula de acordo a previsão do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.

Pode já adiantar-se que o alegado a este propósito não logra proceder.

Com efeito, a nulidade invocada ocorre quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. No caso, o Recorrente invoca a ambiguidade da sentença.

Haverá ambiguidade da sentença quando o seu texto comporte dois ou mais sentidos diferentes; a mesma será obscura quando algum trecho da mesma seja incompreensível. Ora, a alegada incoerência do raciocínio seguido na sentença recorrida constitui sobretudo argumento para atacar a própria decisão proferida sobre a matéria de facto. Ou seja, o invocado pelo Recorrente não dá lugar à nulidade da sentença, antes justificaria a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos do art. 640.º do CPC, o que não foi feito.

Assim, como salientado pelo Ministério Público nesta instância, não vindo impugnada a matéria de facto, nem pedindo o Recorrente o seu aditamento, não se verifica a invocada nulidade por ambiguidade da decisão – aliás, não suficientemente concretizada – uma vez que a documentação enviada ao Recorrido não contém, de acordo com o provado, o despacho do Presidente da Câmara que terá indeferido o pedido procedimental de referência.

E se a ambiguidade se conexiona com o prazo em que a intimação deve ser cumprida, muito menos se compreende o alegado. Nos termos do disposto no art. 108.º do CPTA, dispõe-se no nº 1 que “[s]e der provimento ao processo, o juiz determina o prazo em que a intimação deve ser cumprida e que não pode ultrapassar os 10 dias”, pelo que não vindo esse prazo restringido, necessariamente se terá que entender que o prazo constante do dispositivo é o prazo geral de 10 dias.

Não se verifica, pois, a nulidade arguida, improcedendo o recurso nesta parte.

Invoca ainda o Recorrente que o Tribunal a quo errou em matéria de direito ao ter condenado à prestação da informação oportunamente solicitada.

Como referido na sentença recorrida, o que Requerente e ora Recorrido pretende é que o ora Recorrente o informe do acto expresso de indeferimento sobre o pedido ‘Pedido de Licença Administrativa – Legalização de Alterações e Ampliação de Moradia – Local: sito em ………….., O…………….., Lagos’, e, nessa medida, do acto final que terá sido proferido nesse procedimento. Mais claro do que o requerido no requerimento onde é solicitada a informação é difícil de conceber: “(…) vem dizer que não conhece o ato expresso de indeferimento e sua fundamentação de facto e de direito. // Requer-se a V. Exa. que o Requerente seja notificado de tal ato para poder reagir contenciosamente contra o mesmo (…)” (cfr. O provado em c) do probatório).

Ora, o que se detecta, de acordo com o provado, é que a documentação enviada ao ora Recorrido, não contém uma decisão expressa/acto final do procedimento, limitando-se a mandar transmitir os pareceres dos serviços sobre que se apõe despacho, o que, na verdade, não constitui acto de deferimento ou indeferimento dos pedidos.

E dúvida não existe relativamente ao regime jurídico aqui em causa: dispõe o n.º 1 do artigo 104.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) que quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação, sendo que, nos termos do artigo 105.º do CPTA, a intimação deve ser requerida ao tribunal competente no prazo de 20 dias, a contar da verificação de qualquer dos factos descritos nas três alíneas do mesmo preceito (decurso do prazo legalmente estabelecido, indeferimento do pedido ou satisfação parcial do pedido).

O direito que o ora Recorrido vem exercer com a presente intimação é, basicamente, o direito à informação, consagrado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa. Este direito pertence, no entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina, ao catálogo dos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, estando, dessa forma, sujeito ao regime do artigo 18.º da CRP (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª ed. Coimbra, 1997, p. 322; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 934).

Na situação objecto dos autos, que se insere no âmbito do direito à informação procedimental, verifica-se que, ao que aqui importa, a ora Recorrente não deu satisfação à pretensão do Requerente no sentido de lhe ser prestada a informação que peticionara. Importa aqui referir que não está em causa a condenação na prática do acto procedimental em si mesmo (pois que o meio seria impróprio para o efeito), tão- somente sobre a sua existência. E na verdade, na sequência do que se vem de dizer, do probatório nada consta que permita concluir pela efectiva satisfação integral do solicitado pelo Requerente.

Concluindo, tudo visto, deve a Entidade Demandada, o ora Recorrido, prestar a informação requerida em falta e objecto da presente intimação: informação sobre o acto final do procedimento de “Pedido de Licença Administrativa – Legalização de Alterações e Ampliação de Moradia – Local: sito em Vale de Lama, Odiáxere, Lago”. Isto no prazo geral de 10 dias, que é o prazo máximo fixado pelo legislador no art. 108.º, nº 1, do CPTA.

Com o que improcede o recurso na sua totalidade, mantendo-se a sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Os recursos interpostos de decisões proferidas em processos de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, têm efeito suspensivo.

ii) Resultando provado que o direito à informação não se encontra integralmente satisfeito, tem que proceder a intimação para a prestação da informação e passagem de certidão oportunamente requerida.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conferir efeito suspensivo ao presente recurso jurisdicional;

- Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 5 de Julho de 2017



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Pedro Marchão Marques


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Helena Canelas


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Cristina Santos