Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1181/09.3 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:CULPA ÓNUS DA PROVA
INSOLVÊNCIA FORTUITA
Sumário:I - A apresentação à insolvência surge como consequência de uma situação financeira deficitária anterior cuja origem esteve em circunstâncias que hão de permitir apurar se decorreram de comportamento censurável comissivo ou omissivo do gestor.

II – Cabe ao revertido/oponente o ónus da alegação e da prova de factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da sociedade executada se deveu a circunstâncias que não lhe podem ser imputadas, por não ter contribuído com a sua actuação ou omissão e que lhe são alheias.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


A Representação da Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 3301200801036076 e apensos, deduzida por P... na qualidade de revertido, instaurada contra a executada originária M..., por falta de pagamento de IVA e IRC do exercício de 2007 e 2008, no montante de € 123 846,13, dela veio interpor o presente recurso, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«A- Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos à margem melhor identificados, que julgou procedente a oposição judicial apresentada por P..., determinando a extinção do processo de execução fiscal n.º 3301200801036076 e apensos instaurado contra a executada originária M..., Lda. por falta de pagamento de IVA de 2007 e 2008 e IR - RF de 2008, no montante de 123.846,13€.

B- Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em saber se os autos de oposição contêm prova suficiente e determinante que afaste a presunção de culpa que incide sobre o oponente, ora recorrido, quanto à insuficiência patrimonial da devedora originária para efetuar o pagamento das dívidas subjacentes à presente lide.

C- Discorda a Fazenda Publica, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, porquanto padece, a douta sentença, de erro de julgamento de facto [por ter errado na valoração da prova] e de direito [por não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas quanto ilisão do ónus da prova da ausência de culpa do revertido ínsito na alínea b) do n.1 do art.º 24.º da Lei Geral Tributária (LGT)].

D- Entendeu o D. Tribunal a quo que da qualificação da insolvência da devedora originária como “fortuita”, ipso jure ou automaticamente, o afastamento da presunção de culpa do responsável subsidiário pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT).

E- Entendimento do qual, respeitosamente, diverge a Fazenda Publica, porquanto a conclusão retirada na sentença recorrida não tem suporte factual bastante que permita concluir nos termos em que a Mma. Juiz a quo o fez desde logo porque da qualificação da insolvência como fortuita não podia a Mma. Juiz a quo extrair quaisquer ilações para afastar a responsabilidade do gerente/oponente pela falta de pagamento pontual das obrigações tributárias que deram origem à dívida exequenda, resultando ainda que do disposto no artigo 185.º do CIRE, a qualificação da insolvência não pode servir de base para eventuais ações de responsabilidade civil ou penal no âmbito do disposto no artigo 82.º, n.º 2 e 3 do mesmo Código, o que compreende as ações destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, pelo que o facto de no processo de insolvência da executada originária a insolvência ter sido qualificada como “fortuita”, não permite concluir pela ilegitimidade do oponente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária.

F- Antes de mais, requer-se a retificação do ponto 2. Da al.) a) do subponto C.1 do ponto C [Da Fundamentação], por forma a contar: “Contra a sociedade M... Lda. foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3301200801036076 e apensos, por falta de pagamento de IVA de 2007 e 2008 e IR - RF de 2008, no montante de 123.846,13€ (cfr. prova documental fls. 1 e seguintes dos autos em suporte informático).”

G- O oponente não cuidou de enumerar na sua petição inicial eventuais factualidades que permitissem concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda, o que passava pela demonstração da absoluta incapacidade da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

H- Afirmar-se que a declaração da insolvência foi fortuita é irrelevante para a prova que se impunha, pois que essa factualidade é vácua em termos de conhecimento do modo como foi implementada a gestão da executada originária, porquanto só se conhecendo quais foram os motivos que determinaram a incapacidade da sociedade para efetuar os pagamentos se poderia avaliar a adequação da atuação do Oponente, ora recorrido, enquanto gerente para as acometer.

I- Ademais, como é sabido, o incidente de qualificação da insolvência tem como finalidade a eventual produção de efeitos penais, uma vez que se se verificar que ela decorreu de práticas fraudulentas com vista a frustrar os créditos de quem com ela contratou pode ocasionar um inquérito e responsabilização penal dos seus gerentes.

J- Paralelamente, quer a apreciação da factualidade trazida à colação no processo de insolvência, quer a ponderação da prova produzida nesses autos, são irrelevantes para efeitos de prova nos presentes autos.

K- Seja como for, a culpa que importa em sede de reversão é díspar da imposta no processo de insolvência, visto aí só se qualificar a insolvência como culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor e seus administradores (cfr. artigo 189.º n.º 1 do CIRE).

L- Enquanto que, como se frisou, nos processos de oposição cabe ao oponente provar que a falta de pagamento das quantias revertidas não lhe pode ser assacada, sendo a culpa que aqui releva aferida pela diligência própria de um bónus pater familiae face às circunstâncias concretas do caso.

M- Assim, e tendo em conta a teoria da causalidade adequada, vigente no nosso ordenamento jurídico, e dada a consagração na lei de que a conduta do revertido, enquanto gerente, se traduziu na insuficiência patrimonial da sociedade executada, impunha-se ao ora recorrido demonstrar que não exerceu a gerência de facto no período temporal relevante e/ou que a sua conduta, enquanto gerente, não se mostra adequada àquela insuficiência patrimonial.

N- Simplesmente, não resulta dos autos que o oponente tenha aduzido tal prova, e nem sequer provou que tivesse adotado diligências para inverter a situação de insolvência da sociedade, o que depõe contra a sua conduta enquanto gerente, designadamente em relação à diligência com que desempenhava o exercício da gestão.

O- Perante um conflito de deveres que impõe a opção entre o dever de entregar ao fisco as quantias retidas ou cobradas a título de impostos e o cumprimento dos deveres contratuais para com os trabalhadores e fornecedores, deverá prevalecer aquele primeiro interesse coletivo (cuja superioridade relativamente aos segundos resulta, designadamente, da relevância criminal – e não meramente contratual – da sua violação, cfr. artigos 36.º n.º 1 e 34.º al. b) do Código Penal).

P- Assim, ao decidir que o oponente, ora recorrido, logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia apenas com base no facto de ter apresentado a devedora originária à insolvência e de a mesma ter sido declarada fortuita, sempre com o devido respeito pelo labor do Tribunal a quo, a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, porque fez errada interpretação e aplicação dos normativos legais sobreditos.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição totalmente improcedente, e mande prosseguir a execução contra o ora oponente/recorrido. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»


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O Recorrido apresentou contra-alegações, o que o faz nos seguintes termos:

«a. A Fazenda Pública interpôs recurso da Sentença do Tributário de Lisboa, Unidade Orgânica 3, que julgou procedente a oposição do Oponente, aqui Recorrido.

b. Em suma, considerou a Sentença recorrida que:

«Na verdade o comportamento do Oponente face à situação económica difícil da sociedade originária não merece censura, tendo requerido a sua insolvência atempadamente a qual foi declarada fortuita (cfr. factos provados nº 4 e 5). Pelo que, será de determinar a procedência da presente oposição».

c. Não obstante, pelas razões que adiante se explicarão, deverá a Sentença recorrida ser mantida.

d. Ora, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa – 4, processo de execução fiscal à sociedade “M... – CONSULTORIA UNIPESSOAL, LDA.”, referente a IVA do ano de 2007/2008, IRC e IRS do ano de 2008 e respetivas custas no montante total de €123.846,13 (cento e vinte e três mil oitocentos e quarenta e seis euros e treze cêntimos).

e. Com fundamento na inexistência de bens da devedora originária, foi ordenada pelo Chefe de Serviço de Finanças a reversão da execução fiscal, supra identificada, contra o oponente, agora Recorrido, para a qual foi citado na qualidade de responsável subsidiário.

f. Sucede que, o agravamento da situação económica da Executada originária deveu-se ao não cumprimento, por parte da empresa “A..., S.L.” das obrigações a que se comprometera no âmbito dos contratos de franquia celebrados e que originou a resolução dos mesmos por parte da Executada originária.

g. A dificuldade de cumprimento das obrigações da Executada originária, gerou um diferencial negativo entre o seu Activo e Passivo no montante de € 591.810,55 (quinhentos e noventa e um mil oitocentos e dez euros e cinquenta e cinco cêntimos), ou seja, traduziu-se num endividamento desse valor, levando a executada originária a uma situação de insolvência, sendo o seu património manifestamente insuficiente para o cumprimento das suas obrigações.

h. A executada originária requereu a declaração de insolvência, a 17 de Novembro de 2008, no âmbito do processo n.º 1329/08.5TYLSB, que correu termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, 4.º Juízo, tendo sido proferida Sentença, a 5 de Agosto de 2008 e, tendo a insolvência da Executada originária sido declarada fortuita.

i. Ora, sucede que ficou demonstrado o fundamento de oposição à execução, previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e, por conseguinte, a ilegitimidade do Recorrido na execução fiscal.

j. Ora, a reversão só poderia respeitar a dívidas tributárias “cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação”, negrito e sublinhado nosso, artigo 24.º n.º 1 alínea a) da LGT.

Ou,

k. A dívidas tributárias “cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, negrito nosso artigo 24.º n.º 1 alínea a) da LGT.

l. Ora, a reversão fiscal não opera automaticamente e pelo simples facto de entre o responsável subsidiário e a executada originária existir uma qualquer relação especial, demonstrando-se absolutamente necessária a verificação de que o responsável subsidiário tem efetivamente responsabilidade nas dívidas tributárias.

m. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/07/2012, processo n.º 0824/11, citado da Douta Sentença recorrida, que considerou que:

«Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.».

n. De resto, e como bem considerou a Sentença recorrida:

“Assim, a Administração Tributária beneficia de uma presunção legal de culpa, que só pode ser ilidida pelo revertido, mediante a prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil).”.

o. Continua a Douta Sentença recorrida, referindo que:

“Ora, da factualidade apurada nos presentes autos denota-se que o Oponente efetuou a prova de tal. Na verdade, o comportamento do Oponente face à situação económica difícil da sociedade originária não merece censura, tendo requerido a sua insolvência atempadamente a qual declarada fortuita (cfr. factos provados nº 4 e 5).”

p. Face ao acima exposto, não procede o alegado pela Recorrente, quando a mesma pretende fazer crer que a Sentença recorrida apenas teve em consideração a qualificação da insolvência como fortuita para efeitos de ilisão da presunção de culpa.

q. Ao contrário do alegado pela Recorrente quanto à censurabilidade da conduta do Recorrido, e de acordo com o já acima referido, a convicção do Tribunal recorrido foi formada, também, através da análise da prova documental junta aos presentes autos, que a Recorrente não impugnou.

r. Assim, resulta por demais evidente que deverá improceder o alegado erro de valoração na prova.

s. Deverá, igualmente, improceder o alegado erro de direito invocado pela Recorrente, uma vez que da Sentença recorrida se verifica a correta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis quanto à ilisão do ónus da prova, previsto nas alíneas a) e b), do artigo 24.º da Lei Geral Tributária.

t. Sucede que, o Recorrido ilidiu a presunção legal de culpa de que a Recorrente beneficiava, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, do artigo 350.º do Código Civil.

u. Assim, ficou demonstrada a não censurabilidade do comportamento do Recorrido no que respeita à difícil situação económica da Executada originária, que culminou na sua insolvência.

v. Termos em que, deverá ser mantida a Sentença recorrida e, por conseguinte, ser mantida a procedência da Oposição do Recorrido e a extinção do processo de execução fiscal.

Nestes termos e demais de Direito que Vossas Exas. doutamente suprirão, deverá o Recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida a Sentença recorrida que julgou procedente a oposição do Recorrido e a extinção do processo de execução fiscal.»


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.


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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se ocorreu errado julgamento de facto e errada valoração da prova por não conterem os autos prova suficiente que afaste a presunção de culpa que incide sobre o oponente, quanto à insuficiência patrimonial da devedora originária para efectuar o pagamento das dívidas exequendas.

Importa ainda apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito por incorreta interpretação e aplicação das normas estabelecidas quanto à elisão do ónus da prova da ausência de culpa do revertido ínsito na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da Lei Geral Tributária (LGT).


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III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1. O Oponente foi, desde a constituição, gerente da sociedade M... Lda (cfr. prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático e confissão).
2. Contra a sociedade M... Lda foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3301200801036076 e apensos, por falta de pagamento de IVA e IRC 2007 e 2008 no montante de 123.846,13€ (cfr. prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático).
3. No âmbito do processo de execução fiscal mencionado no facto provado anterior foi o Oponente citado em reversão na qualidade de responsável subsidiário (cfr. prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático).
4. A 17 de Novembro de 2008, foi requerida a declaração de insolvência no âmbito do processo judicial corrido os seus termos junto da 4.ª Juizo do Tribunal de Comércio de Lisboa sob o número 1329/08.5 (cfr. prova documental fls 1 e seguintes dos autos em suporte informático).
5. A 5 de Agosto de 2008, foi proferida sentença no âmbito dos autos mencionados no facto provado anterior, na qual foi declarada a insolvência da sociedade M... Lda, que foi declarada fortuita (cfr. prova documental fls 377 e seguintes dos autos em suporte informático).»

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Consta ainda da mesma sentença que «Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.»
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III – 2. Da apreciação do recurso

A recorrente não se conforma com a sentença que jugou procedente a acção de oposição, no entendimento de que o revertido efectuou a prova da ausência de culpa na insuficiência do património.

Na conclusão F, a recorrente requer a rectificação do ponto 2 da fundamentação de facto. Efectivamente o processo de execução fiscal foi instaurado para cobrança de dívidas provenientes de IVA de 2007 e 2008, constituindo as dívidas provenientes de retenção na fonte não só de IRC, como também de IRS, ambas de 2008, conforme resulta do despacho de reversão constante de fls. 22 e 23 do PEF apenso aos autos, pelo que se mostra procedente a referida alegação.

Assim, procede-se à rectificação do ponto 2 da matéria de facto assente nos seguintes termos:

2 . Contra a sociedade M... Lda foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3301200801036076 e apensos, por falta de pagamento de IVA de 2007 e 2008 e retensão na fonte de IRS e IRC de 2008, tudo no montante de € 123 846,13€ (cfr. fls. 22 e 23 do PEF apenso aos autos e 282 e ss dos autos).

Do mesmo modo, procede-se à rectificação do ponto 4 da matéria de facto provada por não resultar dos autos. Sabe-se que em 16/11/2009 foi proferida decisão qualificando como fortuita a insolvência de M... Lda, resultando da matéria de facto provada na referida decisão que em 05/08/2008 foi proferida sentença declarando a referida sociedade insolvente (cf. ponto 1 do documento constante de fls. 330 e ss dos autos.

Isso mesmo resulta do ponto 5, pelo que, os pontos 4 e 5 encerram uma contradição por impossibilidade cronológica já que a insolvência não pode ser declarada antes de ser requerida.

Assim, impõe-se rectificar o ponto 4 do probatório nos seguintes termos:

4 . Em data que não apurada que se situa antes de Agosto de 2008 foi requerida a declaração de insolvência no âmbito do processo judicial que correram os seus termos no 4.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa sob o número 1329/08.5TYLSB (cfr. documento de fls. 330 e ss dos autos).


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Prosseguindo a apreciação do recurso que nos vem dirigido, sustenta a recorrente que na sentença recorrida se efectuou errado julgamento de facto quanto à valoração da prova, por não conterem os autos prova suficiente que afaste a presunção de culpa que incide sobre o oponente quanto à insuficiência patrimonial da devedora originária para efectuar o pagamento das dívidas exequendas.

Não se questiona nos autos que o recorrido exerceu, de facto, as funções de administrador no período em que as dívidas são postas a pagamento.

A questão com a qual não se conforma a Fazenda Publica é com a conclusão que supostamente o Tribunal recorrido retirou «da qualificação da insolvência da devedora originária como “fortuita”, ipso jure ou automaticamente, o afastamento da presunção de culpa do responsável subsidiário pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT) (…) porque da qualificação da insolvência como fortuita não podia a Mma. Juiz a quo extrair quaisquer ilações para afastar a responsabilidade do gerente/oponente pela falta de pagamento pontual das obrigações tributárias que deram origem à dívida exequenda, resultando ainda que do disposto no artigo 185.º do CIRE, a qualificação da insolvência não pode servir de base para eventuais ações de responsabilidade civil ou penal no âmbito do disposto no artigo 82.º, n.º 2 e 3 do mesmo Código, o que compreende as ações destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, pelo que o facto de no processo de insolvência da executada originária a insolvência ter sido qualificada como “fortuita”, não permite concluir pela ilegitimidade do oponente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária.»

Entendimento que considera não ter suporte factual.

Contra-alega o recorrido que não procede o alegado pela recorrente, pretendendo fazer crer que a sentença recorrida apenas teve em consideração a qualificação da insolvência como fortuita para efeitos de ilisão da presunção de culpa.

Alega que a convicção do tribunal quanto à censurabilidade da conduta do recorrido foi formulada também, através da análise da prova documental não impugnada.

Vejamos. A sentença recorrida alicerçou a sua fundamentação no seguinte:

«(…) Ora, as dívidas objecto dos autos de execução fiscal no âmbito do qual foi deduzida esta oposição venceram-se e deveriam ter sido pagas durante a sua gerência ( cfr. facto provado nº 2).

Assim, a Administração Tributária beneficia de uma presunção legal de culpa, que só pode ser ilidida pelo revertido, mediante a prova do contrário (artigo 350º, nº 2, do Código Civil).

Sendo que, a culpa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto.

E, como é salientado no Acórdão do STA de 11.07.2012, processo nº 0824/11:

“Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável”.

Ora, da factualidade apurada nos presentes autos denota-se que o Oponente efectuou a prova de tal.

Na verdade, o comportamento do Oponente face à situação económica difícil da sociedade originária não merece censura, tendo requerido a sua insolvência atempadamente a qual foi declarada fortuita (cfr. factos provados nº4 e 5).

Pelo que, será de determinar a procedência da presente oposição.»

Conforme resulta do excerto transcrito, a decisão de procedência da acção resultou, não exclusivamente da qualificação da insolvência como fortuita, como também, do facto de o oponente ter diligenciado de imediato pela apresentação da sociedade executada originária à insolvência.

Para o efeito da determinação da responsabilidade subsidiária, no âmbito da cobrança coerciva que tem lugar no processo de execução fiscal, é certo que não se pode retirar da qualificação fortuita da insolvência a ilação de que o gerente agiu sem culpa, na medida em que aquela qualificação depende da ausência de prova de uma actuação dolosa, ou com culpa grave (cf. artigo 189.º, n.º 1 do CIRE), enquanto que no âmbito da responsabilidade tributária subsidiária a responsabilização é apreciada tendo como padrão o homem médio, mais precisamente, a actuação de um bom pai de família (bonus pater familiae), em face das circunstâncias do caso concreto.

Como este Tribunal Central Administrativo já teve oportunidade de afirmar no Acórdão de 21/05/2015 proferido no processo n.º 06381/13:

«VIII – A insolvência deverá ser presumida como fortuita sempre que não seja qualificada/judicialmente reconhecida como culposa (artigos 185.º e 186.º do CIRE) e é culposa quando resulte apurado ou se deva presumir (cfr. presunções iuris et de iure de insolvência culposa de administradores de direito ou de facto do insolvente e do próprio insolvente pessoa singular e iuris tantum de culpa grave dos administradores de direito ou de facto e do próprio insolvente pessoa singular - artigo 186.º n.ºs 1, 2 e 3 do CIRE) que a situação de insolvência foi criada ou agravada pela actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores (de direito ou de facto) decorrente de actos por aqueles praticados nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (cfr. artigo 186º, nº1 do CIRE).

IX – Distintamente do que ocorre com a qualificação de uma insolvência como culposa, a qualificação daquela como fortuita não traduz qualquer juízo de mérito da conduta (culposa ou não) do gerente (Oponente) mas, tão só, um juízo de que não foram apurados factos que determinassem que nesse sentido (culposo) fosse averiguada a conduta do responsável pela actividade comercial da insolvente.

X – Seja porque a qualificação de uma insolvência como fortuita não tem efeitos externos ao processo de insolvência, seja porquanto a averiguação ali feita tem pressupostos e enquadramento processual e temporal diversos do processo de Oposição Judicial, a qualificação de insolvência como fortuita não equivale à demonstração de inexistência de culpa em processo de Oposição Judicial

Embora a fundamentação da sentença seja parca, percebe-se que a mesma se alicerçou na diligência colocada pelo revertido na tomada de medidas de protecção dos credores requerendo a insolvência da sociedade executada originária e não apenas, como refere a recorrente, na qualificação da insolvência como fortuita.

Questão diversa, e que a recorrente também coloca, é a de saber se, apesar da diligência na apresentação da sociedade devedora originária à insolvência, o revertido, ora recorrido, demonstrou que não teve culpa na insuficiência patrimonial para efectuar o pagamento das dívidas exequendas (cf. concussão C).

A recorrente concretiza a sua alegação invocando que o oponente não enumerou na petição inicial factualidade que permita concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à protecção dos credores e que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda.

Considera que o que se lhe impunha era a demonstração de que a falta de pagamento da dívida exequenda, passando tal prova pela demonstração da absoluta incapacidade da sociedade para efectuar o pagamento e que essa falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censurável do gestor. Mais alega que a declaração de insolvência fortuita é irrelevante para o efeito, na medida em que, nada diz sobre a forma como foi desenvolvida a gestão a executada pois só conhecendo os motivos que determinaram a incapacidade de efectuar o pagamento se poderia avaliar a adequação da actuação do recorrido (cf. conclusão G, complementada pelos pontos 15 a 17 do corpo das alegações).

Vejamos, então.

Está em causa a cobrança de dívidas de IVA de 2007 e 2008 e retensões na fonte de IRS e IRC de 2008, com datas limites de pagamento de Maio de 2007 a Agosto de 2008.

A reversão da execução contra o oponente operou ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1 alínea b), da LGT.

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b) estatui que «[o]s administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: (…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Como tem sublinhado o STA v.g. o Acórdão proferido no processo n.º 01013/11 de 20/06/2012 «[a]ssentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar».

Ora, a avaliação da diligência empregue passa por «verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº. 64, do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável» (cf. Acórdão proferido por este TCAS no processo n.º 456/13.1BELLE em 06/04/2017).

Decorre do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, que o afastamento da presunção de culpa não se compadece com uma alegação e prova genéricas.

Por outro lado, a apresentação à insolvência, não constitui uma medida que afaste a presunção de culpa, uma vez que ela surge como consequência de uma situação financeira deficitária anterior cuja origem esteve em circunstâncias que hão de permitir apurar se decorreram de comportamento censurável comissivo ou omissão do gestor.

Impunha-se ao oponente a alegação e prova de factos concretos de onde se pudesse inferir que a insuficiência patrimonial da sociedade executada se deveu a circunstâncias que não lhe podem ser imputadas, por não ter contribuído com a sua actuação ou omissão e que lhe são alheias.

No caso concreto, o oponente alegou que em 2004 a sociedade recebeu da sociedade espanhola denominada A..., S.L. uma proposta para celebrar um contrato de franquia ou franchising que tinha como objeto a abertura de diversos estabelecimentos de cabeleireiros da marca «M...», com a possibilidade de vir a deter a posição de Master. Mais alegou que tal contrato (Master) nunca chegou a ser assinado.

Mais invocou que celebrou 3 contratos de franquia que tinham por objecto a abertura de três estabelecimentos de comerciais. De boa fé, iniciou a sua actividade com a abertura de um estabelecimento, para o qual teve o apoio do franqueador.

Foram necessários vários investimentos, tendo efectuado o pagamento de € 3170,00 a título de renda, pagamento que não logrou comprovar nos autos.

Alegou ainda que em 2005 abriu um segundo estabelecimento relativamente ao qual não teve qualquer apoio e que implicou da sua parte um investimento em obras e materiais no valor de € 45865,59.

Alegou ainda que, no mesmo ano, aproveitando uma nova proposta do mesmo parceiro comercial, a executada originária decidiu apostar num novo estabelecimento: uma academia/escola profissional de cabeleireiros que nunca chegou a abrir apesar de ter pago as rendas até 2008, sem apoio da sociedade franqueadora. Para suportar os investimentos necessários recorreu a financiamento bancário. Refere que as receitas da exploração dos cabeleireiros, não foi suficiente para suportar as despesas com o terceiro estabelecimentos. Apresentou lucro tributável em 2005 e 2006 e prejuízos fiscais em 2007 estando a diligenciar pelo ressarcimento dos prejuízos e incumprimento do contrato de franquia.

Daqui resulta claramente que o oponente procedeu à alegação circunstanciada dos factos que em seu entender determinaram a insuficiência patrimonial para satisfazer as dívidas exequendas. Contudo, lendo a sentença recorrida verificamos que sobre estes factos não foi emitida qualquer pronuncia.

O que se oferece dizer sobre os factos, supra referidos, elencados por súmula é que não basta a alegação dos factos. É necessário que os mesmos sejam suportados por prova.

No caso dos autos, não foi arrolada prova testemunhal e os documentos juntos consubstanciam: minutas de contratos de franquia Master, um contrato de franquia e contratos de arrendamento que embora constituam prova de que decorreram negociações e que foram arrendados locais com vista ao desenvolvimento da actividade neles referida, não provam os montantes que o oponente alega terem sido investidos nem que as rendas foram pagas. No entanto, sempre se dirá, que embora seja verosímil que a celebração de contratos de arrendamento implique gastos, era ao oponente que cabia o ónus da prova nomeadamente de que a empresa não tinha meios financeiros para pagar os impostos e que essa falta não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, pelo que, não resultando efectuada tal prova, impõe-se julgar procedentes as conclusões de recurso apreciadas.

Assim sendo, impõe-se concluir que o recorrido não logrou efectuar a prova de que a sua conduta enquanto gestor da sociedade executada não contribuiu para a insuficiência patrimonial que determinou a falta de pagamento da dívida exequenda verificando-se que a sentença errou no julgamento de facto e na valoração da prova.

Importa ainda apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito por incorreta interpretação e aplicação das normas estabelecidas quanto à elisão do ónus da prova da ausência de culpa do revertido ínsito na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Ora, do referido julgamento resulta, concomitantemente, a conclusão de que a sentença padece de erro de julgamento de direito ao julgar a acção de oposição procedente, já que, por falta de demonstração da ausência de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária para pagar a dívida exequenda, estão verificados os pressupostos da responsabilidade do revertido.

Assim sendo, impõe-se conceder provimento ao recurso, proceder à revogação da decisão recorrida julgando improcedente a oposição ao que provirá no segmento decisório.


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Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual as custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Vencido na acção, considera-se que foi o Recorrente quem deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenado nas respectivas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).


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IV - CONCLUSÕES

I - A apresentação à insolvência surge como consequência de uma situação financeira deficitária anterior cuja origem esteve em circunstâncias que hão de permitir apurar se decorreram de comportamento censurável comissivo ou omissivo do gestor.

II – Cabe ao revertido/oponente o ónus da alegação e da prova de factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da sociedade executada se deveu a circunstâncias que não lhe podem ser imputadas, por não ter contribuído com a sua actuação ou omissão e que lhe são alheias.


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V - DECISÃO


Termos em que, acordam as juízas da Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição.


Custas pelo recorrido em ambas as instâncias.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta