Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07388/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/27/2014
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:HIPOTECA – GARANTIA – PENHORA
Sumário:Se um prédio, dado em garantia numa execução fiscal por meio de uma hipoteca voluntária, está onerado com outras hipotecas anteriores a favor de terceiro e de valor superior ao da dívida exequenda e não existindo qualquer privilégio creditório a favor do Estado por a dívida de IRS ser anterior ao prazo previsto no art.º 111.º do respectivo Código, justifica-se a penhora de outros bens do executado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença do TAF de Sintra que julgou totalmente procedente a reclamação deduzida por ... da decisão do Chefe de Finanças que determinou a penhora de vencimentos relativo aos salários por si auferidos, veio interpor recurso jurisdicional cujas alegações remata com estas conclusões:
1.ª Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a douta Sentença recorrida fez uma errada apreciação dos elementos de prova constantes dos autos — autos principais e apensos (PEF);
2.ª No processo de execução fiscal apenso aos autos, encontram-se certidões do Registo Predial referentes as imóveis identificados nas alíneas A) e E) do probatório;
3.ª Resultando da análise das mesmas que os referidos bens se encontram onerados com hipotecas a favor de terceiros, cujos valores são muito superiores aos valores patrimoniais dos mesmos.
4.ª Pelo que, a Sentença ora impugnada deveria ter dado como provado o alegado no quadro do ponto 24 da informação prestada pelo Serviço de Finanças de Cascais 1, a qual faz parte integrante da contestação oportunamente apresentada;
5.ª De que o imóvel objecto de penhora em 06.05.2012, não tem valor de garantia, ou seja, o valor que poderá advir da sua venda não se mostra susceptível de reverter a favor da dívida exequenda.
6.ª No que respeita à penhora do vencimento do executado marido, a mesma, nos termos da lei, incide apenas sobre 1/6 do vencimento auferido pelo mesmo;
7.ª Sendo que, à data da apresentação da Reclamação à margem identificada, apenas correspondia a € 30.694,52, conforme ponto 24 da informação prestada pelo Serviço de Finanças de Cascais 1, supra mencionada.
8.ª Assim, não se verifica existir um excesso de penhora, porquanto, ainda não se encontram penhorados bens susceptíveis de considerar que os mesmos serão suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acréscimos legais, pelo que, a mesma se mostra legal.
9.ª Face ao exposto, salvo o devido respeito, entendemos que a douta Sentença recorrida violou o disposto nos art° 169°, n° 7 e 217°, do CPPT.

A recorrida contra-alegou pelejando pela manutenção do julgado.

Neste TCAS o EMMP emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Sem vistos vem o processo à conferência.


*

2 – Fundamentação

a) - De facto

A sentença considerou provados os seguintes factos:
(1) No processo de execução fiscal n° 1503201001224859 e no processo n° 1503201001224980, por dívida de IRS do ano de 2006, no valor de € 235.401,71 e de € 274.012,66, respectivamente, foram citados os executados nos referidos autos na pessoa do devedor marido por carta registada com aviso de recepção assinada pelo co-devedor, para os processos de execução instaurados para cobrança coerciva das importâncias em dívida. - cfr.- autos de execução de fls. 1 a 3 e de fls. 4 a 6, dos proc. exe. apensos aos autos.
(2) Tendo os sujeitos passivos de imposto deduzido petições de oposição à execução referidas supra, foram notificados na pessoa do devedor marido por carta registada com aviso de recepção assinada pelo co-devedor, para prestarem garantia nos autos pelo valor de € 651.221,08, tendo os executados prestado uma garantia no processo n° 1503201001224859 através de hipoteca voluntária sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o art° 5833, da Freguesia de Cascais - cfr.. oficio de fls. 7 e segs e de fls.. 11 e segs, requerimento de fls.. 22 e segs e de fls.. 33 e segs, Informação e Despacho de fls. 52, Certidão da 2- C.R.P. de Cascais, de fls. 213 e segs. do proc. exe. apenso.
(3) Para efeitos de apreciação da garantia prestada nos autos, foi elaborada pela D.F. de Lisboa a Informação, Parecer e Despacho de 04.04.2011, que aceitou a garantia oferecida e determinou o seu reforço por entender que a mesma era insuficiente face ao valor patrimonial resultante de avaliação que serve de base à venda do bem hipotecado e aos valores dos ónus que incidem sobre o mesmo, tendo-se determinado o reforço da garantia - cfr. Oficio de fls. 229, Informação, Parecer e Despacho de fls. 230 a 232, do proc. exe. apenso
(4) Da decisão referida supra foi apresentado um requerimento pelos executados em que solicitam a actualização do valor do prédio que serve de garantia o qual mereceu despacho de indeferimento, tendo-se determinado o prosseguimento dos autos de execução fiscal em causa - cfr. requerimento de fls. 270 e 271, Informação de fls. 272, e Oficio de fls. 273, do proc. exe. apenso.
(5) Em 06.05.2012 foi efectuada a penhora do imóvel inscrito na matriz sob o art° 6798, da freguesia de Cascais, com o valor patrimonial de € 425.173,99 e consequente penhora de vencimentos do cônjuge marido em 26.07.2011, no valor de € 530.246,78 cada, à ordem dos dois processos de execução fiscal instaurados contra os executados, tendo-se determinado em 10.09.2013, a penhora dos vencimentos da co-executada no proc. n° 1503201001224859 na importância de 1/6, do vencimento. — cfr. ofícios de fls. 74 a 77 e notificação de fls. 78, dos autos e Oficio de fls. 286, do proc. exe. apenso.

Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do CPC, aditam-se os seguintes:
(6) A informação referida em 3) é do seguinte teor:
Através do seu ofício n° 1742 de 2011.03.25, a que corresponde a e.g. 32044 de 2011.03.30, remeteu o SLF Cascais 1 uma cópia de escritura pública de Hipoteca Voluntária no valor de € 651.221,08, sobre o prédio urbano sito no Lugar de Birre em Cascais, inscrito na matriz sob o art.° 5833 daquela freguesia e descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais sob o n.° 335, visando, nos termos dos art.° 169 e 199 do CPPT, garantir e suspender os pefs n.° 1503201001224859 e 1503201001224980 por via da dedução de Oposição Judicial pelos executados e outorgantes ... com o NIF 23138343 e ...com o NIF ....
II — Da competência
Conforme dispõe o n,° 8 do art,° 199 do CPPT, " É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações".
Ora, atendendo-se ao valor da quantia exequenda, verifica-se ser o mesmo superior a 500 unidades de conta (€ 51.000,00), pelo que esta DF é a competente para apreciar a garantia nos termos do n.° 2 do art.° 197° do CPPT,
III — Da análise
- Da idoneidade:
Dispõe o n.° 1 do art.° 169° do CPPT, igualmente aplicável em caso de apresentação de Oposição Judicial por remissão do n.° 9 do mesmo artigo, que "A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, (...) desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195,° ou prestada nos termos do artigo 199.° ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente"
Mais acrescentam aqueles dispositivos que para além das garantias especiais consignadas no art.° 195.° do CPPT, pode valer como garantia, nos termos do n° 1 do art° 199° do CPPT, a constituição de garantia bancária, caução, seguro-caução, ou mesmo penhor ou hipoteca voluntária nos termos do n.° 2 daquela disposição, com a concordância da Administração tributária.
Pelo exposto, dúvidas não remanescem quanto à idoneidade da Hipoteca Voluntária já constituída para efeitos de garantia do pef em apreço.
- Da suficiência:
Apreciada a questão da idoneidade da garantia apresentada, que não suscita questão face ao disposto no n.° 2 do art.° 199 do CPPT, resta aferir da sua suficiência.
O valor de referência a considerar para efeitos daquela análise, é o valor patrimonial tributário do bem, resultante de avaliação realizada nos termos do CIMI, por remissão da al. a) do n.° 1 do art.° 250 do CPPT, o que, in casu, resultou em € 444.060,00.
Para além disso, o valor a considerar deverá ser sempre um valor líquido, isto é, depois de subtraído o montante dos ónus e encargos que sobre o respectivo imóvel incidem.
Nesta sede, após analisar-se a certidão permanente de registo predial verificou esta DF/DGDE que, previamente à constituição da presente hipoteca voluntária, incidem sobre o prédio quatro outras hipotecas a favor do ... ..., cada uma no valor máximo assegurado de: € 764.567,04, € 750.257,70, € 309.197,72 e € 155.817,99.
Assim sendo, se é certo que o valor patrimonial tributário do imóvel nunca seria, por si, suficiente para garantir aquele montante, considerando que o valor da garantia a prestar, calculado nos termos do n.° 5 do art.° 199 do CPPT, é de € 651.221,08, tal conclusão é ainda mais inequívoca em face dos ónus e encargos existentes que extravasam em larga medida o valor do prédio.
IV- Das conclusões
Pelo exposto, propõe-se a remessa da presente informação ao SLF de Cascais 1 para os devidos efeitos, bem como:
- a aceitação da hipoteca voluntária constituída como garantia idónea nos termos do art.° 199 do CPPT, contudo sendo a mesma insuficiente para efeitos de suspensão das execuções, face, quer ao valor patrimonial tributário do bem e aos respectivos ónus que sobre o mesmo impendem.
Assim sendo, deverá o SLF notificar os executados para reforçar a garantia prestada pelo valor remanescente.
À consideração superior.
Lisboa, 31de Março de 2011
(7) Do requerimento referido em 4) consta, além do mais, o seguinte:
(…)
Pelo ofício em análise, o ora requerente foi notificado, em 2011,04.11, do despacho do Senhor Director de Finaças Adjunto, de 2011.04.04, pelo qual foi "aceit(e) a garantia oferecida nos termos propostos que (...) deverá ser objecto de reforço", por "se(r) a mesma insuficiente para efeitos de suspensão das execuções, face (...) ao valor patrimonial tributário do bem", de 444.060.00. 3. Acontece que o valor patrimonial do imóvel em causa, cuja hipoteca voluntária foi oferecida para suspensão das presentes execuções, está manifestamente desactualizado (v. art. 130°/3/a) do CIMI).
Com efeito, a última avaliação do referido prédio foi efectuada em 2008, previamente à realização de obras de melhoramentos pelo ora requerente, no valor de largas centenas de milhares de euros.
Nesta conformidade, é manifesto que o valor do referido imóvel é superior ao das execuções em causa - 651,221.08 -, pelo que a caução a prestar é idónea, adequada e suficiente para garantir o eventual pagamento das quantias exigidas (v. art. 199° do CPPT; cfr. arts. 623° do Cód. Civil).
NESTES TERMOS,
Requer-se a V. Exa. se digne:
a) Deferir a presente reclamação do valor patrimonial tributário do prédio actualmente estabelecido, por manifesta desactualizaçc3o, nos termos do disposto no art. 130°/3/a) do CIMI; e, em consequência,
b)Ordenar a imediata suspensão das presentes execuções, cujo prosseguimento poderá causar avultados prejuízos ao ora requerente, julgando-se idónea, adequada e suficiente a caução oferecida em 2011.03.25 (v. art. 199° do CPPT), face ao valor patrimonial revisto do imóvel em causa, com as legais consequências.
(8) Sobre esse requerimento recaiu informação do seguinte teor:
INFORMAÇÃO
Salvo melhor opinião, e tendo em conta que o requerente afirma ter efectuado obras de melhoramento no ano de 2008, de valor superior a "largas centenas de milhares de euros", cabia-lhe a ele, conforme disposto no Cod IMI, art° 9° al c), entregar a declaração Mod 1 de IMI em 2008, juntando, para efeitos de avaliação do valor patrimonial, as respectivas plantas de arquitectura — vide também art° 14° do Código do IMI, e art° 37° do mesmo Código, este último quanto à iniciativa da avaliação (iniciativa do Chefe de Finanças), com base na declaração apresentada pelos sujeitos passivos.
Ora, nada tendo sido apresentado pelos sujeitos passivos, não houve qualquer avaliação relativa ao valor após as obras de beneficiação do imóvel, pelo que também não há qualquer alteração ao valor patrimonial do bem, pelo que é de indeferir o pedido, por falta de base legal.
No entanto, deverá o executado ser notificado para entregar a declaração de IMI em falta e as respectivas plantas com os melhoramentos efectuados (no valor de vários milhares de euros), sujeitando-se à coima pela infracção praticada em 2008, e a nova liquidação dos IMI devidos de 2008, 2009, 2010 pelo imóvel melhorado/recuperado.
À consideração superior.
Cascais, 2011.04.27
(9) Após o que foi proferido o despacho reclamado, do seguinte teor: Pelos motivos expostos na informação supra, indefiro o pedido, devendo o processo executivo prosseguir os seus termos normais.
(10) A dívida exequenda respeita a IRS de 2006, de € 253.401,71 e de € 274.012,66, a que se somam os acréscimos legais (fls. 3 do PEF).
(11) Sobre o prédio descrito em 2) supra encontram-se registadas quatro hipotecas a favor do ... ..., cada uma no valor máximo assegurado de: € 764.567,04, € 750.257,70, € 309.197,72 e € 155.817,99 - fls. 224 a 225 do PEF apenso.


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b) - De Direito

Depois de afastar causas de ilegalidade do despacho reclamado que foram arguidas pela reclamante/recorrida, por as considerar privativas dio processo de execução, a sentença debruçou-se sobre a questão relacionada com a penhora efectuada, que apelidou de “extensão da penhora”, tecendo a propósito dessa questão estas considerações:

“Resta portanto conhecer da ilegalidade assacada ao acto que determinou a penhora do vencimento à ora reclamante na vertente relativa à extensão da penhora. Tal qualificação, nos termos da lei, deriva da verificação da ocorrência de penhora de bens cujo valor é excessivo em relação ao necessário para assegurar o pagamento da dívida exequenda e o acrescido, nos termos do disposto no art° 217° do CPPT.- cfr. alínea a), do n° 1, do art° 784° do CPC. Ora,

Face aos actos de apreensão elencados na alínea e), do probatório , importa dizer que atento o valor da penhora de vencimentos já efectuada nos autos o qual tem um valor predeterminado, e considerando o valor patrimonial que servirá de base para a venda quanto ao imóvel penhorado, feita ao abrigo do disposto na alínea a), do n°1, do art° 250° do CPPT, tendo em atenção que tal juízo sobre a suficiência deve ser aferido pelo produto dos bens penhorados, verifica-se a susceptibilidade de se considerar que os mesmos serão suficientes para o pagamento da dívida exequenda e o acrescido, pelo que se entende como excessivo a determinação da penhora de vencimentos da co-executada ora reclamante”.

Isto é, para a sentença a mera possibilidade do bem imóvel dado em garantia (e não penhorado e daí não ser correcto enquadrar a questão como extensão da penhora), ser suficiente para pagar a dívida exequenda e acrescido, é motivo mais que suficiente para considerar ilegal o despacho reclamado. Só que esta argumentação segue a via mais fácil, mas incorrecta, pois não se debruça em concreto sobre a situação do imóvel penhorado, sobre o qual recaem quatro hipotecas a favor do ... ..., que no seu conjunto são de valor muito superior à dívida exequenda e que prevalecem sobre os créditos do Estado por dívida de IRS, pois não abrangem o imposto dos últimos três anos, por referência à data em que a hipoteca voluntária a favor da Fazenda Pública foi constituída e registada, mesmo que se considerasse que os efeitos desta seriam, para fins de privilégio creditório, idênticos aos da penhora (cfr. art.º 111.º do CIRS).

E não se argumente que o valor do imóvel é superior em centenas de milhar de euros ao valor patrimonial fixado em sede de IMI por efeito das obras realizadas, como defende a recorrida. Mesmo que por hipótese tal valor duplicasse ainda assim seria insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e seus legais acréscimos. Em todo o caso, resultando o valor patrimonial tributário (VPT) da aplicação de coeficientes legais (cfr. art.º 38.º e ss. do CIMI) não é seguro que a simples realização de obras resulte em aumento do VPT.

Acresce que, como justamente se refere na informação referida em (7) do probatório, a alteração do VPT depende essencialmente da iniciativa do interessado [cfr. art.º 130.º, n.º 3, al. a), e n.º 5, do CIMI] e da observância de alguns requisitos procedimentais, não sendo por isso automática.

Destarte, sendo o valor da venda do imóvel igual ao VPT por imposição legal [cfr. art.º 250.º, n.º 1, al. a), do CPPT], e não sendo esse valor suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda, inexiste qualquer ilegalidade no prosseguimento da execução com penhora do vencimento da recorrida e consequentemente no despacho reclamado.

A reclamação não podia, pois, proceder. Decidindo em sentido oposto a sentença incorreu em erro de julgamento, pelo que terá de ser revogada.


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3 - Dispositivo:

Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente.

Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

D.n.

Lisboa, 2014-02-27

________________________________________ (Benjamim Barbosa)

____________________________________________ (Anabela Russo)

_____________________________________________ (Aníbal Ferraz)