Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:859/07.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:EFICÁCIA NO ATAQUE DA SENTENÇA
GARANTIA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:
I. Se é invocada, no ataque à sentença recorrida, factualidade alheia à liquidação em causa, não se atacando os concretos fundamentos da decisão, o recurso está votado ao insucesso.

II. Prestada que seja garantia para suspensão do PEF, conforme informação de que a própria AT dispõe e que consta do processo administrativo, e tendo sido a impugnação julgada procedente por vício de substância, há direito a indemnização pela sua prestação, independentemente do número de anos em que tal garantia foi mantida.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 08.05.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação primitivamente apresentada por M….., entretanto falecida, tendo sido habilitados, para prosseguir os termos dos presentes autos, P….., J….., M….. e P….. (doravante Recorridos ou Impugnantes), impugnação essa do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2001.

A Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por P….., J….., M….. e P….., na qualidade de herdeiros de M….., contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS e Juros Compensatórios do ano de 2001, da qual resultou o montante de imposto no valor total de € 179 317,65 €, anulando a liquidação impugnada com reconhecimento do direito a juros indemnizatórios e indemnização pela prestação de garantia indevida.

2) Entendeu o Tribunal a quo que o valor patrimonial do terreno, para efeitos de apuramento da mais-valia tributável não poderá ser de € 3.253.721,03, correspondente à área de 18.750 m2, mas de €2.271.507,70 correspondente à área de 13.090 m2, que segundo o Tribunal será a área a considerar, em nome do princípio da substância sob a forma, atenta a cedência gratuita, em 1997, de 5.660 m2 à Câmara Municipal de Alenquer do lote de terreno em causa.

3) Do ponto P) dos factos dados como provado resulta o seguinte, “P….., por força da habilitação de herdeiros operada nos presentes autos, aqui também impugnante, covendedor do prédio em causa nos autos (fls. 77 do PAT) pediu a revisão da matéria tributável determinada com recurso a métodos indiretos (conforme resulta da ata de fls. 60)”.

4) No âmbito do processo de revisão da matéria tributável, os peritos chegaram a acordo relativamente ao imposto/matéria tributável que foi fixada por métodos indiretos [ponto Q) dos factos dados como provados], concordando os mesmos com os valores em causa, nomeadamente mais-valia total, valor de aquisição e mais-valia resultante da respetiva operação.

5) Ora, tendo a matéria coletável sido fixada por métodos indiretos o sujeito passivo pode nos termos do n.º 1 do artigo 91.º da LGT solicitar a revisão de tal fixação, sendo tal pedido condição da impugnação judicial da liquidação fundada em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indiretos, nos termos do n.º 5 do art.º 86.º da LGT.

6) Tal reclamação prévia concretiza-se, no art.º 91.º da LGT, como um procedimento de revisão da matéria coletável, afastando o n.º 1 do art.º 117.º do CPPT da mesma os casos de regime simplificado de tributação e os de interposição de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação e o art.º 89.º-A n.º 7 da LGT as decisões de avaliação da matéria coletável pelo método indireto nos termos do art.º 89.º-A da LGT “Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”.

7) Entende Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[1], que o pedido de revisão da matéria coletável apenas é obrigatório estando em causa a fixação da matéria tributável através de critérios de caráter técnico.

8) Aliás, o próprio art.º 91.º n.º 14 da LGT exclui do procedimento de revisão as correções meramente ariméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal e a apreciação de questões de direito, excecionando as respeitantes a pressupostos da determinação indireta da matéria tributável.

9) Pelo que, a impugnação do ato de avaliação indireta exclusivamente com fundamentos legais que não a apreciação dos pressupostos da determinação indireta da matéria tributável, não depende de reclamação prévia.

10) Este procedimento de revisão da matéria tributável compreendida como prévia reclamação constitui um mecanismo tendente a evitar que a discussão transite logo para sede contenciosa e judicial, quando ainda há uma possibilidade de, em sede administrativa, a administração tributária e o sujeito passivo chegarem a acordo acerca da matéria tributável.

11) Efetivamente, o procedimento de revisão está vocacionado para a resolução de meras questões técnicas e não jurídicas, sem prejuízo da apreciação das questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização dos métodos indiretos, “que estão profundamente conexionadas com a verificação dos respectivos pressupostos de facto[2]”.

12) Pelo que o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indiretos, mas também a decisão de os utilizar, como evidencia claramente o art.º 117.º, n.º 1, do CPPT.

13) Desta feita, se a impugnação dos atos tributários com base em “erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos” depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indiretos.

14) Acontece que, sendo a matéria tributável determinada por acordo, não pode a mesma ser alterada, nos termos do n.º 5 do art.º 92.º da LGT, recaindo esta obrigação não só sobre a administração tributária, como sobre o contribuinte, cumprindo o disposto no art.º 86.º n.º 4 da LGT.

15) Em nome da segurança e estabilidade das relações jurídico-tributárias, da confiança e da boa fé, estes últimos princípios que devem pautar o comportamento das partes, não poderá ser, posteriormente ao acordo, alterada a matéria tributável, sob pena de violação clara e evidente do art.º 92.º n.º 5 da LGT.

16) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de não ter sido considerado o facto de a matéria tributável ter resultado de acordo no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, em violação ao art.º 92.º n.º 5 da LGT.

17) Sob a epígrafe «Garantia em caso de prestação indevida», dispõe o art.º 53º da LGT que o devedor que, para suspender execução fiscal contra si instaurada, para cobrança coerciva de imposto liquidado e não regularizado voluntariamente, preste garantia bancária ou equivalente, tem direito a ser indemnizado (total ou parcialmente), pelos prejuízos resultantes da sua prestação.

18) E, caso se prove que ocorreu erro imputável aos serviços, tal indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia se manteve (n.º 2 do artigo). Caso, porém, a anulação não tenha por fundamento erro imputável aos serviços, a indemnização só será devida se a garantia se tiver mantido por mais de 3 anos (n.º 1 do mesmo artigo).

19) No n.º 3 daquele art.º 53º da LGT refere-se, ainda, que a indemnização pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente, não estabelecendo o artigo nem o prazo limite para a dedução de tal pedido, nem o meio processual a ser usado para a respetiva formulação.

20) É o art.º 171º do CPPT que regulamenta o exercício de tal direito, ali se dispondo, sob a epígrafe «Indemnização em caso de garantia indevida», que o pedido de indemnização (por prestação indevida de garantia) deve ser apresentado no processo em que esteja controvertida a legalidade da dívida exequenda e, de acordo com o seu nº 2, que o pedido seja solicitado na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

21) Do regime ínsito nos citados artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, decorre que o direito à indemnização por prestação indevida de garantia depende da verificação, (simplificadamente), dos seguintes pressupostos de facto:

a) a prestação de garantia bancária ou equivalente, para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de dívida emergente da liquidação impugnada/reclamada;

b) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia;

c) a prestação da garantia por um período superior a três anos (ou, independentemente do período de tempo durante o qual a garantia se manteve, caso se prove que ocorreu erro imputável aos serviços na liquidação de imposto controvertida).

d) o vencimento na reclamação ou impugnação judicial, que tenha por objeto a legalidade da dívida garantida.

22) Resulta, assim, evidente, do quadro legal citado, que o questionado direito de indemnização, por garantia indevida, apenas poderá ser reconhecido nos casos em que tenha sido oferecida “garantia bancária ou equivalente”.

23) Sobre o conceito de garantia equivalente a garantia bancária pode ver-se Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª edição, 2011, a pág. 242, onde defende que “Equivalente à garantia bancária, para efeitos deste artigo, serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida. Dos meios de garantia expressamente previstos no artº 199º do CPPT, será o caso seguro-caução (…)”.

24) É idêntica a posição assumida por António Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária, p. 245), ao referir, em anotação ao sobredito art.º 53° da LGT, que “o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (seguro-caução). Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (...), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, (...).”

“A teleologia das normas citadas justifica a solução legal de a indemnização não estar prevista para outras formas idóneas de prestação de garantia, igualmente determinantes da suspensão da execução fiscal, como a caução, o penhor, a hipoteca voluntária ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente (arts.169° n°1 e 199° n°s ½ CPPT). Não reveste as características exigíveis uma hipoteca voluntária, de cuja prestação apenas resultam despesas emolumentares fixas emergentes da constituição e registo…”. (cf. neste sentido António Lima Guerreiro Lei Geral Tributária anotada p. 245).

25) In casu, o Tribunal a quo não determinou a natureza da garantia prestada pelo ora Recorrido, referindo apenas no ponto Y) dos factos dados como provados que “Em 17/10/2005, foi associada a garantia n.º 115 de 2005 (conforme resulta de fls. 71 do PAT em apenso)”.

26) E, além disso, o ora Recorrido não alegou nem demonstrou, que a prestação de garantia, que também não discriminou, para suspender o processo de execução fiscal em apreço, perdurou por um período superior a três anos ou provou que ocorreu erro imputável aos serviços da AT na liquidação de imposto, cuja dívida está ser exigida naquele processo executivo.

27) Face ao exposto, não podendo ter-se por verificados, in casu, os requisitos enunciados no art.º 53º da LGT, de que depende a concessão de indemnização por prestação indevida de garantia, a pretensão indemnizatória formulada pelo ora Recorrido nos presentes autos de impugnação judicial tem, necessariamente, de soçobrar, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo que, sem qualquer alegação por parte do Recorrido ou sequer enunciação da garantia prestada, concedeu a indemnização pela prestação de garantia indevida.

Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra o ora Recorrente.

Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça”.

Os Recorridos contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. Na sequência de indeferimento de Reclamação Graciosa, a Sra. M….. (já falecida e tia dos Impugnantes) deduziu Impugnação Judicial contra a liquidação adicional de IRS e juros com n.º ….., no montante total de € 179.317,65 (cento e setenta e nove mil, trezentos e dezassete euros e sessenta e cinco cêntimos), referente ao ano de 2001;

B. A liquidação adicional de IRS e juros teve alegadamente origem na alienação de um lote de terreno sito em Alenquer, de que a Sra. M….. era co-proprietária, tendo alienado a sua quota-parte, juntamente com mais 5 (cinco) co-vendedores, venda essa que não foi declarada por nenhum dos 6 (seis) co-vendedores, tendo originado a elaboração de um Relatório de Inspeção Tributária e consequentemente a liquidação adicional de IRS então impugnada e em causa nestes autos.

C. A Impugnação Judicial oportunamente deduzida tivera por fundamento a ilegalidade dos valores considerados para o apuramento da mais-valia obtida em razão da alienação do imóvel por parte da Sra. M….., na medida em que esta fora notificada do apuramento de imposto em falta (IRS) através de correções meramente aritméticas à matéria coletável, tendo tido conhecimento de que, em relação a outro co-vendedor, a matéria coletável resultante da mesma alienação terá sido apurada com recurso à aplicação de métodos indiretos, o que resultou numa tributação desproporcional e ilegal, no que à Sra. M….. dizia respeito;

D. O lote de terreno aqui em causa foi alienado pela Sra. M….., na quota-parte que lhe cabia (50%), e por mais 5 (cinco) co-vendedores no remanescente, em setembro de 2001; da percentagem de 50% que cabia à Sra. M….., metade tinha sido adquirida a título oneroso em 1943, e a outra metade por via sucessória a título de herança do seu marido, que faleceu no ano de 1988;

E. A AT e a então Impugnante sempre estiveram de acordo em que dos 50% pertencentes, 25% são relativos à aquisição onerosa, e não poderiam ser alvo de tributação em sede de IRS, pois foram adquiridos pela Recorrida no ano de 1943; relativamente aos restantes 25%, adquiridos pela via sucessória por via da morte do marido da Recorrida em 1988, apenas metade seria objeto de tributação a título de mais-valia em sede de IRS;

F. Tal como se tem vindo a dizer desde que foi apresentada Reclamação Graciosa nesta sede os Recorridos também não questionam, nem nunca questionaram que devesse ser efetuada a tributação, a título de mais-valias, do valor recebido enquanto preço pago em contrapartida da alienação da sua quota-parte do terreno, na parte respeitante à aquisição por via sucessória;

G. O que os Recorridos nunca aceitaram foi o valor patrimonial tributário (VPT) atribuído ao imóvel e que foi considerado para o cálculo da mais-valia pela AT, que acabou por se revelar irreal e fictício, sobretudo tendo em conta que, relativamente à mesma operação de alienação, a AT considerou valores patrimoniais distintos respeitantes à venda do mesmo imóvel, na mesma data;

H. As divergências verificadas tiveram por base uma questão prévia, que foi o facto de que a área do lote de terreno alienado não se encontrava corretamente inscrita, tanto na Escritura Pública de Compra e Venda do Imóvel, como na matriz predial constante do Serviço de Finanças competente;

I. Sabendo que o valor a ter em conta para efeitos de cálculo das mais-valias, é o valor que resultar mais elevado, de entre o valor de venda e o valor constante da matriz e tendo a AT verificado que o valor constante da matriz era mais elevado, nesses termos considerou ser esse o valor para efeitos de tributação da mais-valia obtida – o que estaria correto em teoria;

J. Sucede, todavia, que o valor patrimonial do imóvel constante da matriz predial, não correspondia à área de terreno efetivamente alienada no ano de 2001, mas sim, a uma área de terreno que existira anteriormente à venda do terreno à empresa que o adquiriu;

K. Da Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel constava que se estava a comprar e vender um lote de terreno com área de 18.750 m2, porém erroneamente, pois tal não correspondia à realidade – o lote de terreno para construção e que era objeto do contrato de compra e venda tinha, na verdade, uma área equivalente a apenas 13.090 m2, realidade que era conhecida tanto pelos alienantes como pelos adquirentes do terreno;

L. A parte de terreno que já não fazia parte do lote que foi negociado, equivalente a 5.660 m2, havia sido cedida gratuitamente, no ano de 1997, à Câmara Municipal de Alenquer, ou seja, anos antes da data de alienação do terreno, local em que agora está situado o Mercado Municipal do Carregado;

M. Tal situação ficou comprovada por inúmeros documentos apresentados pelos ora Recorridos em sede de Impugnação Judicial, não podendo deixar de se reconhecer que os co-vendedores não poderiam ter alienado uma parcela de terreno que lhes não pertencia e que estes nunca em caso algum deixariam a Câmara Municipal de Alenquer iniciar nele qualquer construção que fosse se não fosse por terem cedido previamente aquela parcela do terreno;

N. De modo que os ora Recorridos nunca aceitaram que a AT pretendesse tributar naqueles moldes o preço recebido em contrapartida da alienação do imóvel, que se baseava sobre num lucro absolutamente irreal, devendo antes ter sido reconhecido que o valor patrimonial tributário do terreno era substancialmente menor do que o que constava, por lapso, da matriz predial e da escritura de compra e venda do imóvel;

O. Para os Recorridos, a tributação efetuada em tais moldes significaria o pagamento de um valor de imposto (IRS) sobre um ganho/lucro que na realidade não obtiveram, pois não foi vendido nenhum terreno com área de 18.750 m2, ou seja, estando incluída uma parcela que já não pertencia aos proprietários do lote por ter sido cedida gratuitamente, anos antes da venda do mesmo – factos que ficaram provados na douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que deu razão aos Impugnantes, tendo este considerado que houve vício de erro nos pressupostos de facto;

P. Em respeito pelos princípios da prevalência da substância sobre a forma e da justiça material, é necessário atentar à substância dos factos e não apenas à sua forma: embora constasse, em termos formais, determinada área da escritura pública de venda do imóvel, materialmente a área que foi de facto alienada era consideravelmente menor, assim como o correspondente valor patrimonial do terreno;

Q. Do mesmo modo, por respeito ao artigo 5.º da LGT, a tributação dos contribuintes deverá respeitar o princípio da justiça material, que deverá ser entendido num sentido estritamente negativo, ou seja, de afastar a tributação, que resultando embora da lei, se demonstre materialmente injusta – termos em que deveria a AT ter corrigido na sua fundamentação, nomeadamente, a área do imóvel que foi efetivamente alienada e o correspondente valor patrimonial dessa área, substancialmente menor do que o que foi considerado inicialmente para efeitos de tributação;

R. O posicionamento da AT, todavia, mantém-se o de não concordar com o entendimento dos ora Recorridos, sendo de sua opinião, primeiro no Relatório de Inspeção dos Serviços Tributários, que o valor a considerar enquanto valor de realização seria aquele constante da matriz predial, um valor que já se demonstrou não estar correto;

S. E agora, em sede de Alegações de Recurso para este Tribunal, surpreendentemente invoca uma argumentação completamente desfasada da realidade dos factos, mencionando que os Recorridos estão a querer agora contrariar um suposto Acordo feito anteriormente no âmbito de procedimento de revisão da matéria tributável;

T. Sucede que tal Acordo relativo à fixação da matéria tributável não foi efetuado entre a Sra. M….. (NIF …..) e a AT, mas sim com outros co-vendedores do lote de terreno, nomeadamente, os Srs. P….. e P….., sendo que estes apenas chegaram este processo de Impugnação pelo facto de a Impugnante original, a Sra. M….., ter falecido (por via de incidente de habilitação de herdeiros);

U. Ademais, é comprovável que este Acordo em nada diz respeito à situação da Sra. M….. pelo facto de que é anterior à nota de liquidação de IRS – e sendo anterior, seria a AT a contradizer-se na sua atuação, uma vez que neste Acordo, em relação a outros contribuintes, a AT terá aceite que a área do imóvel não incluía os 5.660 m2 anteriormente cedidos à Câmara Municipal de Alenquer;

V. Acresce ainda que, no Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, a AT limitou-se a indeferir a pretensão da então Reclamante com o fundamento exclusivo de que a escritura pública tem mais força sobre qualquer outra realidade, por se tratar de um documento autêntico; sendo que nas suas Alegações de Recurso, baseia-se agora numa argumentação totalmente distinta da que utilizou anteriormente para justificar a tributação em sede de IRS, ou seja, mencionando apenas agora um Acordo e que em nada diz respeito à situação tributária da Sra. M…..;

W. Na mesma esteira de raciocínio, considerando que existiu este Acordo entre a AT e um outro co-vendedor do lote de terreno, no sentido de fixar o imposto (IRS)/matéria tributável com recurso a métodos indiretos, no qual aquela terá aceitado que a área a considerar para efeitos de tributação não incluía a parcela cedida gratuitamente ao Município de Alenquer, questiona-se como justifica a AT que, para dois dos co-proprietários tenha considerado que a área alienada foi de apenas 13.090 m2, tendo, inversamente, considerado que para a Sra. M….. a área alienada foi de 18.750 m2, tratando-se do mesmo terreno, mesma operação de alienação, na mesma data e ao mesmo preço;

X. Com a sua atitude, a AT incorreu numa violação do princípio da igualdade, segundo o qual deverá ser dado tratamento igual às situações iguais, e deverão ser tratadas de forma desigual as situações desiguais, não se vislumbrando que tipo de argumento possa justificar a diferença de tratamentos nesta situação. Pelo que os Recorridos mantêm a sua posição de considerar que andou mal a AT ao não aceitar a correção do valor patrimonial do imóvel, sendo ilegal a liquidação de IRS em causa nestes autos;

Y. Finalmente, no que à garantia respeita, a AT vem agora questionar até a própria garantia que foi prestada pela Impugnante original neste processo com vista à suspensão do processo executivo para cobrança do tributo controvertido e que consta devidamente do Processo Administrativo em apenso aos autos, sendo que tanto na Contestação que apresentou, como nas respetivas Alegações posteriormente produzidas em sede de primeira instância, nunca, em momento algum, contestou a idoneidade da garantia prestada;

Z. Face à nossa Lei, ainda que os contribuintes reclamem, recorram ou impugnem, os atos impugnados continuam a produzir os seus efeitos, continuando a correr eventuais prazos de cumprimento, daqui resultando que devem aqueles proceder ao pagamento da dívida exequenda, sob pena de a Administração Tributária recorrer à cobrança coerciva da dívida através da instauração de processo de execução fiscal;

AA. A única forma de atribuir efeito suspensivo aos meios impugnatórios a que se recorreu para contestar os atos tributários será mediante a prestação de uma garantia adequada para o efeito; o que sucedeu in casu, uma vez que, face à instauração de processo de execução fiscal contra a Sra. M….., esta prestou garantia bancária perante a AT, assumida pela Caixa Geral de Depósitos;

BB. De modo que, em relação ao primeiro argumento da AT, que é o facto de não ter sido discriminada, por parte dos Recorridos e do douto Tribunal a quo, a natureza da garantia prestada no âmbito do processo de execução fiscal e sendo aqui levantadas questões de ónus da prova, tão somente será necessário desentranhar do PAT em apenso a documentação respeitante à garantia e que comprova que foi efetivamente prestada uma garantia bancária, pois que este constitui meio probatório para a descoberta da verdade material;

CC. Ademais, estando o PAT em poder da Administração Fiscal, estando obrigada a remetê-lo para Tribunal junto com a Contestação ou no prazo em que esta devesse ser apresentada, à própria cabia a verificação destes documentos em caso de ter surgido qualquer dúvida relativamente à natureza e idoneidade da garantia prestada pelos Recorridos, em respeito pelos princípios da colaboração da Administração, em geral, com os particulares e da cooperação e boa fé a que a Administração Tributária está adstrita na sua relação com os contribuintes;

DD. No que respeita ao segundo argumento apresentado pela AT, no sentido de que os Recorridos não fizeram prova de que a prestação da garantia perdurou por período superior a três anos ou que ocorreu erro imputável aos serviços da AT na liquidação do tributo, face à lei e segundo a interpretação doutrinal e jurisprudencial, basta tão somente, para se considerar que houve erro imputável aos serviços da AT, que a) que o contribuinte tenha obtido uma sentença a seu favor; e b) que o fundamento da anulação não lhe tenha sido imputável;

EE. Ambos os requisitos estão verificados in casu, pelo que se conclui que nenhum dos dois argumentos apresentados pela AT no sentido de fundamentar que nada deve a título de indemnização por prestação de garantia indevida poderão proceder;

FF. Na realidade, se a AT crê que nada deve a título de indemnização por prestação de garantia indevida, mutatis mutandis, deveria ter argumentado também no sentido de nada dever aos Recorridos a título de juros indemnizatórios; todavia, das suas Alegações nada se retira nesse sentido;

GG. Em todo o caso, sempre se dirá que os Recorridos têm todo o direito a receber juros indemnizatórios, pois que este configura um princípio geral de Direito, por todos os prejuízos sofridos ao longo de tantos anos (mais de dez);

HH.Pelo que, e face a todo o exposto, consideram os Recorridos ter demonstrado cabalmente que lhes assiste plena razão, sendo, pois, ilegal a liquidação adicional de IRS, tal como foi decidido pela douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo esta e as conclusões nela contidas ser mantidas na íntegra.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado improcedente e, em conformidade, ser mantida na ordem jurídica a douta Sentença recorrida, com todas as legais consequências, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto houve acordo no procedimento de revisão?
b) Verifica-se erro de julgamento, por não estarem reunidos os pressupostos do art.º 53.º da Lei Geral Tributária (LGT)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante conjuntamente com mais cinco covendedores, em setembro de 2001, através de Escritura Pública de Compra e Venda, alienaram à sociedade C….., S.A., um lote de terreno, sito em ….., Alenquer, com o artigo matricial n.º ….., da área do Serviço de Finanças de Alenquer, com a área de 18750m2 (conforme resulta de fls. 21 e 37 do PAT em apenso).

B) Como valor de venda deste imóvel, tal como consta da Escritura Pública de Compra e Venda, os seis covendedores receberam a quantia de 535.000.000$00 (quinhentos e trinta e cinco milhões de escudos, ou seja, €2.668.568,74) (conforme resulta de fls. 37 do PAT em apenso).

C) A Impugnante auferiu no exercício de 2001, rendimentos que se enquadram em matéria de incidência objetiva em sede de I.R.S na Categoria A – Rendimentos do Trabalho Dependente e Categoria F - Rendimentos Prediais (conforme resulta de fls. 32).

D) Em consequência da omissão declarativa do rendimentos prediais os Serviços de Inspeção (SI) procederam a ação inspetiva e elaboraram o relatório de Inspeção Tributária (RIT) que constitui fls. 28 e segs., que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

E) Resulta o RIT, com interesse para a decisão:

«III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS AO RENDIMENTO COLETÁVEL

Da consulta aos elementos existentes no GTT, constatou a equipe de análise prévia que o sujeito passivo no ano de 2001, transmitiu um prédio composto por lote de terreno para construção. Tal transmissão é suscetível de gerar rendimentos sujeitos a IRS nos termos do art° 9º n° 1 a) e art° 10° n° 1 a) pelo valor de 2 668 568,75 €, a que corresponderia ao sujeito passivo em análise 1/6 em regime de compropriedade ou seja o valor de 444 761 €.

Por consulta à Base de Dados da DGCI/MGIR, foi verificado que o contribuinte entregou a declaração de rendimentos mod.3 , contudo não declarou no anexo G, a totalidade do imóvel transmitido.

Em conformidade, notificaram nos termos do art° 59, n°4 e art° 63° da Lei Geral Tributária, o S.P. pelo ofício n° …..de 04-11-2003, para prestar os esclarecimentos suficientes para justificar a omissão do citado rendimento na declaração de IRS do ano de 2001, ou em alternativa proceder à substituição, da Declaração de Rendimentos Mod. 3 em tempo apresentada.

O S.P. procedeu à entrega da referida Declaração Rendimentos com o respetivo anexo G sendo o valor de aquisição € 880,18 e o valor de alienação € 327 336,12.

Constatamos existir uma diferença entre o valor de alienação declarado (327 336,12 €) e o constante no extrato de escritura (444.761,46 €). Por conseguinte notificou-se o Sujeito Passivo, pelo ofício n° …..de 14/04/04, para justificar a referida divergência.

Foi-nos informado e conforme escritura de compra que o terreno em causa foi adquirido em 1943 por M….. e M….. representada por seu pai J…...

O Sujeito Passivo em análise encontrava-se casado no regime geral de comunhão de bens, ocorrendo o óbito do seu marido em 1988. Por tal facto adquiriu 50% da herança nesta data.

Conforme o estipulado no n° 1 do art° 5º do DL n° 442-A/88, de 30-11 "Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado peio Código aprovado pelo D.L n° 46 373, de 9 de junho de 1965, … só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código".

Por força do n° 1 do art° 1 do Código de Imposto de Mais-Valias, o "imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através da transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no art°17° da Lei n° 2030, de 22 de junho de 1948, ou no art° 4º do D.L n° 41 616, de 10 de maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em Contribuição Industrial".

Pelo D.L n° 46 373 de 9 /06/1965, § 1.º art° 2º ” Os ganhos a que respeita o n° 1 do artigo 1º do Código do Imposto de Mais- Valias, só ficam sujeitos a imposto quando o terreno tiver sido adquirido após a data deste diploma".

Da conjugação das normas referidas anteriormente, a tributação incidirá sobre 50%, isto é o valor de alienação sujeito a tributação será de €667.142,19 (2 668 568,75 € /2 = 1 334 284,38 € ; valor adquirido por herança em 1988 pelo sujeito passivo se encontrar casado em regime de comunhão geral de bens - 50% ou seja 667.142,19 €) e não € 327.336,12 declarado pelo sujeito passivo na Declaração de Substituição, entregue em 24-11-2003.

Constatou-se que o lote de terreno para construção, em análise se encontra inscrito na matriz predial sob o art° ….., com o valor patrimonial de 3.253.721,03 €. Conforme o preceituado pelo n° 2 do art° 44° do CIRS, "Para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização, quando superior ao valor da respetiva contraprestação, o valor que foi considerado para efeitos de liquidação de SISA."

Assim, o valor a ser corrigido será:

DATA ALIEN.
VR DECL.
VR. CORRIG.
DATA AQUIS.
V. AQUIS.
COEF. DESV. MOEDA
MAISVALIA
09/2001
327 336,12
486 094,142
06/1988
880,16
2,063
484 281,01

Conforme o preceituado no n°2 do art° 43° do CIRS o valor de 484 281,01 € e para efeitos de determinação do conjunto de rendimentos líquidos sujeito a tributação o valor a ser considerado será 242 140,5 € (50%).

F) Em matéria de direito da audição resulta do RIT com interesse para a decisão:

«Nos termos previstos no artigo 60° da Lei Geral Tributária e art° 60° do Regime Complementar da Inspeção Tributária para exercer o direito de audição, notificou-se o contribuinte pelo ofício n° ….. de 20/07/2004, sobre o Projeto de Conclusões do Relatório.

A 27 de julho de 2004, vem o contribuinte exercer o referido direito, com os seguintes fundamentos que descrevemos seguidamente:

• No ano de 2001, alienou um lote de terreno para construção, que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob o n° ….. da freguesia do Carregado e inscrito na matriz predial sob o art° ….., com o valor patrimonial de 3 253 721,03 €;

• Acontece, que o valor patrimonial anteriormente indicado e constante da matriz predial na data da alienação diz respeito a uma área de terreno que não coincide com a área de terreno alienada, na medida em que o valor patrimonial atribuído ao imóvel não tem em conta que a exponente cedeu gratuitamente à Câmara Municipal de Alenquer, em 1997, parcela de terreno que fora desanexada do terreno posteriormente alienado, com uma área de 5 660 m2, para implementar o Mercado Municipal do Carregado;

• Assim , ao valor patrimonial do terreno alienado e invocado no Projeto de Relatório (3 253 721,03 €), terá de ser descontado o valor patrimonial relativo aos 5 660 m2 cedidos gratuitamente à Câmara Municipal de Alenquer;

• Conclui que não alienou 18 750 m2 de terreno para construção, a que corresponde o Valor Patrimonial de 3 253 721,03 €, mas sim 13 090 m2 a que corresponde o valor patrimonial de 2 271507, 70 €;

Do exposto pelo contribuinte e conforme documento da Câmara Municipal de Alenquer, verifica-se que foi cedido em 1997, uma parcela de terreno com a área de 5 660 m2, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob o número ….. da freguesia do Carregado, inscrito na matriz predial de Alenquer sob o n° ….., no âmbito do licenciamento de uma futura operação de loteamento a ser implementada na …...

Por conseguinte, e não pondo em causa a doação efetuada à Câmara Municipal, em 1997, é de salientar o seguinte:

• Consta da escritura de compra e venda celebrada em setembro de 2001, um lote de terreno com a área de 18 750 m2

• Na Declaração mod. 129 - Declaração Para Inscrição ou Alteração de Inscrição de Prédios Urbanos Na Matriz - da qual se junta fotocópia, entregue em 15/05/2001 e subscrita pela própria contribuinte, consta a área de 18 750 m2. Portanto, é lícito concluir que nesta área não estão incluídos os 5 660m2 cedidos à Câmara Municipal em 1997.

Nestes termos, conclui-se que a área de 5 660 m2, cedida à Câmara, sendo anterior à escritura de compra e venda e inscrição na matriz, não deverá ser incluída na área dos 18 750 m 2 que se encontra a ser alienada em 2001 como o contribuinte invoca.

Assim, o Valor Patrimonial de 3 253 721,03 €, corresponde à área de 18 750 m2 e não 13 090 m2 como o contribuinte invoca, pelo que o valor da mais valia omitida será:

Apuramento da Mais valia

PATA ALIEN.
VR
DATA AQUIS.
V. AQUIS.
COEF. DESV. MOEDA
MAISVALIA4
09/2001
813 430,265
06/1988
880,16
2,066
811 617,137

Conforme o preceituado no n°2 do art° 43° do CIRS, o valor de 811 617,14 € e para efeitos de determinação do conjunto de rendimentos líquidos sujeito a tributação o valor a ser considerado será 405 808, 56 € (50%).

Apuramento da Mais valia pelo contribuinte na Decl. de Substituição

DATA ALIEN.VRDATA AQUIS.V. AQUIS.COEF. DESV. MOEDAMAISVALIA
09/2001327 336,1206/1988880,162,06325 522,99

Conforme o preceituado no n°2 do art° 43° do CIRS, o valor de 325 522,99 € e para efeitos de determinação do conjunto de rendimentos líquidos sujeito a tributação o valor a ser considerado será 162 761,50 € (50%).

Conclui-se do exposto, que o valor da mais valia declarada, deverá ser corrigida em 486 094,14 €.

Por último importa referir que na mais-valia calculada no quadro da fls. 4, como facilmente se alcança existe um lapso, ou seja, aplica-se a totalidade do valor de aquisição ao valor a corrigir do valor de realização, quando deveria ser na respetiva proporção.»

G) Sobre o RIT recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 28 e 29 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.

H) Em 10/12/2004, a AT elaborou a nota demonstrativa da liquidação de IRS referente ao exercício de 2001 (conforme resulta de fls. 16 do processo de reclamação graciosa em apenso).

I) Em 05/01/2005, a AT emitiu a demonstração da compensação n.º ….. (conforme resulta de fls. 17 do processo de reclamação graciosa em apenso).

J) O prazo para pagamento voluntário terminou em 14/02/2005.

K) A Impugnante apresentou reclamação graciosa em 13/04/2005 (conforme resulta de fls. 35 do processo de reclamação graciosa em apenso).

L) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 06/03/2007 (conforme resulta de fls. 105 do processo de reclamação graciosa em apenso).

M) A Impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa em 16/03/2007 (conforme resulta de fls. 108 do processo de reclamação graciosa em apenso).

N) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 27/03/2007 (conforme resulta de fls. 66).

O) O prédio em causa nos autos foi adquirido por escritura pública outorgada em 08 de dezembro de 1943 (conforme resulta de fls. 141 e 143).

P) P….., por força da habilitação de herdeiros operada nos presentes autos, aqui também impugnante, covendedor do prédio em causa nos autos (fls. 77 do PAT) pediu a revisão da matéria tributável determinada com recurso a métodos indiretos (conforme resulta da ata de fls. 60).

Q) Resulta da ata a que se refere a alínea anterior que os peritos chegaram a acordo relativamente ao imposto/matéria tributável que foi fixada por métodos indiretos.

«(…) Analisando o relatório e a reclamação apresentada pelo sujeito passivo nos termos do artº 91.º da LGT e com os elementos recolhidos no Serviço de Finanças via telefone quanto à área e o eu valor patrimonial e com a Câmara Municipal de Alenquer que gentilmente nos cedeu a pedido do Perito da Fazenda Pública os elementos que se anexam (7 fls.), cujos documentos provam que a área e todo o negócio são verdadeiros ou seja a área total 18750 m2, nos quais se incluem os 5660 m2 cedidos à C. M. Alenquer. Assim, concordamos com os valores que se transcrevem:

Mais-Valia Total –Valor de Aquisição = Mais-Valia

2.668.582,00 € - 684,94 € = 2.667.897,10 €

% do requerente 4.6875

Mais-valia Correspondente 2.667.897,10 x 4.6875 = 125.057,67.

Matéria coletável correspondente 125.057,67, sendo tributado em50% = 62.528,83.»

(conforme resulta de fls. 61 e 62).

R) Anteriormente ao ano de 2001 - data da alienação do terreno - foi cedido gratuitamente em 1997, à Câmara Municipal de Alenquer, 5 660 m2 daquele lote de terreno (conforme resulta da certidão emitida pela Câmara Municipal de Alenquer, em 21 de julho de 2004, cartas trocadas com a Câmara Municipal de Alenquer, Despacho para aquisição do terreno e auto de consignação de trabalhos, juntos com a PI como documentos n.ºs 4, 5, 6 e 7);

S) A cedência a que se refere a alínea anterior não foi objeto de qualquer procedimento formal e produziu efeitos imediatos, e levou a que no dia 17 de novembro de 1997, a Câmara Municipal de Alenquer desse início às obras de construção do Mercado Municipal do Carregado – 1ª e 2ª fases, conforme se comprova através da Certidão emitida pela Camara Municipal e auto de consignação junto com a PI como documento n.º 4.

T) Em 15.MAI.2001, e subscrita pela ora Impugnante, foi entregue a declaração mod. 129 - Declaração para Inscrição ou Alteração de Inscrição de prédios urbanos na matriz, onde consta a área de 18 750 m2, referente aquele lote de terreno (conforme fls. 69 a 71 da reclamação graciosa em apenso);

U) No dia 11.SET.2002 foi outorgada no Cartório Notarial de Alverca do Ribatejo, escritura de Constituição de Propriedade Horizontal, de uma construção feita no aludido lote de terreno, com área coberta de 5 772 m2 e a área descoberta de 12 978 m2, perfazendo a área total de 18 750 m2 (conforme fls. 77 da reclamação em apenso)

V) No dia 20.NOV.2002, no mesmo cartório notarial, foi celebrada retificação à escritura a que se refere a alínea anterior e que a seguir se transcreve «(...) no sentido de passar a constar que a referida área descoberta, fica a fazer parte comum do prédio», concluindo-se pela não alteração à área total, ou seja, mantendo-se os 18 750 m2, (conforme fls. 79 e 80 da reclamação em apenso);

W) Analisada a fotocópia da caderneta predial onde está inscrito o lote de terreno para construção sob o artigo ….. da freguesia do Carregado pertencente à Repartição de Finanças de Alenquer, podemos constatar que a área do referido prédio é 18 750 m2 (conforme resulta de fls. 81 da reclamação em apenso);

X) Em 28/06/2005, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …..para cobrança coerciva da quantia exequenda de 55.000,00EUR (conforme resulta de fls. 71 do PAT em apenso);

Y) Em 17/10/2005, foi associada a garantia n.º 115 de 2005 (conforme resulta de fls. 71 do PAT em apenso);

Z) Em 27/04/2007, o processo de execução fiscal referido foi extinto por pagamento voluntário (conforme resulta de fls. 71 do PAT em apenso)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração[3].

Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação do facto P):

P) P….. (por força da habilitação de herdeiros operada nos presentes autos, aqui também impugnante), covendedor do prédio em causa nos autos (fls. 77 do PAT), na sequência de ação inspetiva a si respeitante, da qual resultaram correções à matéria coletável por recurso a métodos indiretos, formulou pedido de revisão nos termos do art.º 91.º da LGT (conforme resulta da ata de fls. 60).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, dado o acordo no procedimento de revisão

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, tendo a matéria coletável sido fixada por acordo, em sede de procedimento de revisão, a mesma não pode ser alterada, não tendo sido considerada tal circunstância em sede de sentença.

Vejamos então.

Considerando a matéria de facto provada, verifica-se, desde já, que o alegado pela Recorrente não respeita à situação em causa nos presentes autos.

In casu, foi impugnada a liquidação de IRS e a dos respetivos juros compensatórios, emitida em nome de M…... Atento o falecimento desta, sucederam-lhe em termos de posição processual os seus herdeiros P….., J….., M….. e P…...

Esta liquidação teve origem em correções meramente aritméticas (e não em correções através de métodos indiretos), como decorre do relatório de inspeção tributária (RIT) mencionado em E) do probatório.

A situação em que houve liquidação através de métodos indiretos teve a ver não com a liquidação ora em análise, mas sim com liquidação emitida em nome de P….., relativa à parte do prédio em causa que o mesmo vendeu [cfr. factos P) e Q)]. A circunstância de P….. ser, também nestes autos, impugnante, porque herdeiro de M….., é circunstância que nada tem a ver com a liquidação emitida em seu nome.

Como tal, tudo o alegado pela FP carece de materialidade, porquanto, in casu, não houve qualquer fixação da matéria tributável por recursos a métodos indiretos nem, por consequência, qualquer acordo em sede de procedimento de revisão.

Assim, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à indemnização por prestação de garantia

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, em seu entender, não estão reunidos os pressupostos previstos no art.º 53.º da LGT.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 53.º da LGT:

 “1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.

No caso, cumpre, de um lado, considerar que se tem de estar perante garantia bancária ou equivalente. Por outro lado, há que atentar no conceito de erro imputável aos serviços, porquanto não estamos no âmbito do n.º 1 do art.º 53.º da LGT [uma vez que a garantia não foi mantida por mais de 3 anos – cfr. factos Y) e Z)].

Assim, é necessário que se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado”[4].

Sobre este conceito, chama-se à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.01.2015 (Processo: 0632/14), no qual se sistematiza:

“De acordo com o disposto o artº 53º nº 1 da LGT o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. Nos termos do nº 2 do mesmo normativo o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

A indemnização será total ou parcial conforme o vencimento que o interessado obtenha em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida (cfr.artº.53, nº.1, da L.G.T.). Se se comprovar que houve erro imputável aos serviços, essa indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia tiver sido mantida (cfr. artº. 53, nº. 2, da L.G.T.). Se a anulação, total ou parcial, não tem por fundamento um erro daquele tipo (designadamente, se a liquidação for anulada por erro imputável ao próprio contribuinte ou por vício de forma ou incompetência) a indemnização só é devida se a garantia tiver sido mantida por mais de três anos (cfr. artº. 53, nº. 1, da L.G.T.).(neste sentido vide, Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.433 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.237 e seg.).

O objectivo da norma é assim indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse actuado ilegalmente”.

Feito este enquadramento, cumpre apreciar.

Ora, in casu, como resulta provado, foi constituída garantia, no âmbito do PEF mencionado em X) [cfr. facto Y)]. Tal facto provado nunca foi posto em causa pela Recorrente e, refira-se, sustenta-se na informação constante do próprio processo administrativo e emitida pela AT, relativa à tramitação do processo de execução fiscal no âmbito do qual foi tal garantia prestada com vista à sua suspensão – logo, trata-se de facto de que a própria AT tem conhecimento.

Como tal, carece de razão a Recorrente, porquanto se encontra demonstrada a prestação de garantia nos termos exigidos pelo art.º 53.º da LGT.

Quanto ao alegado, no sentido de a prestação de garantia ter sido por período inferior a 3 anos, tal é irrelevante in casu. Com efeito, a permanência de 3 anos será pertinente, quando haja ganho de causa por vício que não configure erro imputável aos serviços.

Atendendo ao teor da sentença recorrida, que, como vimos, não foi atacada nos seus fundamentos, na qual está em causa um vício de erro sobre os pressupostos, estamos perante vício de substância, que configura erro imputável aos serviços.

Como tal, nos termos do art.º 53.º, n.º 2, da LGT, há direito a indemnização, independentemente do número de anos durante os quais tal garantia foi mantida.

Assim, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 25 de março de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Susana Barreto e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

_____________________
[1] Vide Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4.ª edição 2012, Encontro da escrita editora, anotação ao art.º 86, pág. 746. (nota de rodapé por nós renumerada).
[2] Veja-se Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4.ª edição 2012, Encontro da escrita editora, anotação ao art.º 86, pág. 746. (nota de rodapé por nós renumerada).
[3] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[4] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 539.