Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1018/11.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIARIA
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO,
EXERCÍCIO EFETIVO DA GERÊNCIA
CULPA
RENUNCIA
Sumário:I. Feita, por parte da Fazenda Pública, prova sobre o efetivo exercício da gerência, a mesma pode ser dada por não provada desde que o revertido tenha logrado provar factos que suscitem dúvida sobre a veracidade dos factos donde se extraiu a convicção do respetivo exercício, o que constitui a concretização do princípio da concretização prática da eliminação do domínio da presunção de legalidade dos atos da administração tributária no contencioso tributário ínsito no artigo 100.º do CPPT, presunção esta, que é aqui substituída pela presunção de veracidade dos atos de cidadão-contribuinte, já que esta regra não se aplica nos casos em que a Fazenda não produz quaisquer provas.
II. A renúncia é um ato próprio da vontade do renunciante, através do qual põe termo a uma situação jurídica que vinha desempenhando, neste caso a gerência ou administração da sociedade e constitui um ato voluntario pelo qual o titular de um direito abdica do seu exercício. Por conseguinte é um ato pessoal, unilateral e abdicativo e assim sendo, a produção de efeitos da renúncia à gerência de uma sociedade, implica o fim da respetiva gerência com resignação da prática de quaisquer tipo de atos de gestão.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

J. R. C., melhor identificada nos autos, veio, na qualidade de responsável subsidiário, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º 3298200801017756, instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 5, para cobrança de dívidas de IRS – Retenções na fonte de 2006, 2007, de IRC 2006 e Juros compensatórios, referenciados ao mesmo período da sociedade “F. Lda.”.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 13 de setembro de 2012, julgou improcedente a oposição.

Inconformado, o oponente, J. R. C., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

« A) J. R. C., Executado por Reversão no processo de execução fiscal n° 3298200801017756, instaurado pela administração tributária por dívidas de IRS - Retenções na fonte de 2006 e 2007, IRC de 2006 e Juros Compensatórios.

B) A douta sentença julgou improcedente a presente oposição judicial, e determinou a prossecução da execução fiscal. Porém a oposição teria de ser julgada procedente por provada pois não se encontram reunidos os requisitos estatuídos para que a reversão pudesse operar.

C) Foi instaurado contra “F., Lda”, o processo de execução fiscal, com base em dividas de IRS - Retenções na fonte de 2006 e 2007, IRC de 2006 e Juros Compensatórios, e que os prazos de pagamento das dívidas eram entre 05/03/2008 e 15/06/2008 e que sociedade não tinha bens para satisfação dos créditos em dívida.

D) O Oponente foi gerente da sociedade Executada, no período compreendido entre 18 de Março de 2000 a 08 de Março de 2003. O registo da renúncia só foi efetuado em 2010, porque em 08 de Maio de 2003 este outorgou um contrato de cessão de quotas, tendo sido designada uma nova gerente, e esta ficou com a responsabilidade de efetuar o registo.

E) Contudo, como só constatou em 2010 que tal alteração não foi registada, procedeu ao registo da alteração prevista em 2003.

F) Assim, a douta sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, por erro na valoração da prova, ao dar-se como provado ter o Recorrente exercido a gerência de facto da devedora originária durante o período a que respeitam as dívidas exequendas, e ao não considerar provada a irresponsabilidade do Recorrente pelo não pagamento das dividas exequendas.

G) O tribunal a quo fundou a convicção do exercício da gerência de facto em alguns documentos. Quanto ao balanço analítico do ano económico de 2008, junto com o projeto de cisão/fusão efetuado entre a Executada e a F., S.A., o Recorrente não assinou na qualidade de gerente da Executada. Relativamente ao IRC do montante reclamado do ano de 2006, terá de ser retirado o de Março de 2006, pois a Executada procedeu ao reconhecimento da incobrabilidade e imputação de gastos ou perdas em sede de IRC.

H) Não exercendo a gerência, nem de facto de direito, não se encontra de modo algum preenchido o pressuposto legal estatuído no artigo 24° da Lei Geral Tributária.

I) Pois incumbe à Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do Recorrente entre os quais se incluí o exercício efetivo da gerência, o in casu não se verificou.

J) Tendo o Tribunal a quo baseado a sentença em presunções naturais judiciais ou de facto, previstas no artigo 351° do Código Civil.

K) Para mais, não pode o Recorrente ser responsabilizado pelo não pagamento das dívidas tributárias, pois que não está demonstrado que tenha contribuído para a situação de insuficiência patrimonial.

L) Advém que, a doutrina e a jurisprudência entendem que, para se verificar a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes das sociedades pelo pagamento das dívidas fiscais destas, é necessário que além da gerência nominal ou de direito, ocorra também a gerência real ou de facto durante o período a que respeita a dívida exequenda.

M) Para existir um verdadeiro exercício da gerência de facto, era necessário que o Recorrente tivesse uma intervenção pessoal e ativa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só seria concretizada com a intervenção do Recorrente.

N) Ora, de um ato isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto, não é viável, à luz das regras de experiencia comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade e muito menos durante os anos de 2006 e 2007 que são aqueles a que se reportam as dívidas exequendas.

O) A interpretar-se o preceituado no artigo 24° n° 1 alínea b) LGT, como faz a douta sentença, no sentido de a prática isolada de atos que aparentem o exercício da gerência constituir pressuposto bastante para a responsabilidade dos gerentes, então a norma ínsita naquele preceito legal e inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.

P) Mesmo que se pudesse ter como efetivo exercício da gerência nos termos e para os efeitos do artigo 24° n° 1 alínea b) da LGT, a assinatura de um cheque de 30/04/2008 e um balanço analítico de 2008, documentos identificados na douta sentença, o Recorrente só poderia ser responsável pelas dívidas relativamente às quais estivesse a decorrer o respetivo prazo legal de pagamento nessa data e não em 2006 e 2007.

Q) A douta sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, por erro na valoração da prova, ao dar-se como provado ter o Recorrente exercido a gerência de facto da devedora durante o período a que respeitam as dívidas exequendas, e ao não considerar provada a irresponsabilidade do Recorrente pelo não pagamento das dívidas exequendas. Assim, a factualidade demonstrada é insuficiente para concluir pela responsabilização do Recorrente.

R) Tendo a gerência efetiva de ser comprovada, sendo que a sua demonstração cabe à Administração Tributária, é conclusiva, que atos isolados (ou mesmo esporádicos) de assinatura de documentos, não são idóneos, a por si só, sustentarem, com segurança, o exercício efetivo da aludida gerência.

S) Acresce que culpa só opera se aferida tendo em conta a gestão operada na sociedade devedora. Pelo que, não sendo gerente de direito nem tendo exercido a gerência de facto como ficou aqui claramente demonstrado, não pode ao Recorrente/Oponente ser imputada qualquer responsabilidade.

T) Nem pode, como erradamente foi na douta sentença que aqui se recorre, concluir como o fez o Tribunal a quo, que houve culpa na sua atuação, ainda que a título de negligência.

U) Não existindo o exercício da gerência de direito nem de facto, nem se encontrando preenchido o requisito exigido da culpa pela insuficiência do património das dívidas fiscais, nunca poderá ser o Recorrente/Oponente considerado como responsável subsidiário.

V) Assim, a douta sentença padece de erro julgamento da matéria de facto por erro na valoração da prova.

Nestes termos e nos mais de Direito que V/ Exa. mui doutamente suprirá deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado. E consequentemente, ser a sentença de prossecução da Execução Fiscal n° 3298200801017756 ser revogada.»


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A Recorrida, Fazenda Publica, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso, por considerar que a decisão não padece de quaisquer vícios, nomeadamente dos que lhe vêm imputados.

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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que nos vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões suscitadas pelo recorrente (J. R. C.) consistem em saber se a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova, ao dar como provado que o recorrente exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originária durante o período a que respeitam as dívidas exequendas; se a factualidade demonstrada é insuficiente para concluir pela responsabilização do recorrente e, bem assim, se se encontra demonstrado nos autos que houve culpa do oponente pela insuficiência do património societário para fazer face às das dívidas fiscais.

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3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«1. Foi instaurada contra “F., Lda.”, a execução fiscal n°3298200801017756 por dívidas de IRS - Retenções na fonte de 2006 e 2007, IRC de 2006 e Juros Compensatórios (relação de dívidas anexa à citação); 

2. Os prazos de pagamento das dívidas tinham termo no período compreendido entre 05/03/2008 e 15/06/2008 (certidões de dívida e relação de dívidas, fls. 19 e 20 e 47 e ss.);

3. A sociedade executada não foram encontrados bens para satisfação dos créditos em dívida (diligências negativas de penhora, fls.231 a 234 e informação afls. 238);

4. A execução reverteu contra o oponente;

5. O oponente foi citado em 23/03/2011 (fls. 17 a 20 e informação a fls,238);

6. Deduziu oposição em 15/04/2011 conforme cota aposta na petição inicial, a fls.7;

7. O oponente era gerente inscrito da sociedade originária devedora desde 18/05/2000, funções que cessou por renúncia, inscrita em 25/01/2010 com efeitos reportados a 03/05/2008 (certidão de registo comercial relativa à matrícula da sociedade executada);

8. Consta de fls.97 um cheque, datado de 30/04/2008, emitido pela sociedade originária devedora a favor dos C., o qual se encontra assinado pelo oponente;

9, O Balanço Analítico da sociedade originária devedora relativo ao ano económico de 2008 é assinado pelo oponente na qualidade de gerente (fls.98 a 100);

10, É o oponente que subscreve a requisição do registo na CRC, da alteração do nome da firma “M., Lda.” para “F., Lda.’, com data de 19/04/2006 (fls.116 e 116v.);

11, O requerimento dirigido à CRC para rectificação do registo, traduzido na alteração do artigo 2º dos estatutos, referente à alteração do objecto social, é subscrito pelo oponente na qualidade de gerente e tem data de 11/09/2006 (fls.120 a 122);

12, No contrato de cessão de posição contratual datado de 01/05/2006, constante de fls.177/179, o oponente assina como “Administrador com poderes para o acto”, em representação da sociedade originária devedora;

13, Assina na qualidade de gerente da devedora originária e em representação desta, contratos de prestação de serviços com datas de 23/03/2006 e 01/01/2007 (fls.184).

Factos não provados: Com interesse para a decisão nada mais se provou de relevante, nomeadamente, não se provou que o oponente apenas exerceu a gerência da devedora originária no período compreendido entre 18/05/2000 e 08/05/2003.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos, com destaque para a assinalada e informação a fls. 238.»


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De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a oposição deduzida ao entender que tendo ficado evidenciando nos autos o exercício da gerência por parte do recorrente, no período de pagamento das dívidas, o mesmo “… nada prova ou se propôs provar ( …), tendo antes ancorado a sua defesa na alegação do não exercício da gerência no período de constituição e pagamento das dívidas, sendo que os elementos trazidos aos autos pela Administração tributária demonstram exatamente o contrário do que alega.”

Para assim concluir, o Mmo. Juiz a quo, alicerçou a fundamentação que, a seguir, parcialmente se transcreve:

“(…)

Estando em causa dívidas tributárias não anteriores a 2006. o regime aplicável de responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes é o que consta do art°24°. Da LGT.

Estabelece o n°l daquele preceito:

«1 — Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tomou insuficiente para a sua satisfação; 

b) Pelas dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

A repartição do ónus da prova faz-se assim: à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão cabe fazer a prova do exercício da gerência bem como da culpa do gerente na insuficiência do património social da executada no caso da alínea a) e. ao revertido, a prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento das dividas no caso da alínea b).”

Inconformado, nesta parte o recorrente vem sustentar que a “… sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, por erro na valoração da prova, ao dar-se como provado ter o Recorrente exercido a gerência de facto da devedora originária durante o período a que respeitam as dívidas exequendas, e ao não considerar provada a irresponsabilidade do Recorrente pelo não pagamento das dividas exequendas.- concl. F)

Acrescenta que o tribunal “… fundou a convicção do exercício da gerência de facto em alguns documentos.”, sem, contudo, lograr explicar as razões porque, em seu entender, esses “documentos” poderiam/deveriam ter conduzido a decisão diferente.

Vejamos então.

No que respeita ao erro de julgamento de facto e à valorização dos elementos carreados como prova dos factos alegados acompanhamos a posição copiosamente assumida pela jurisprudência dos nossos tribunais no sentido de que o erro na apreciação da matéria de facto ou erro de julgamento de facto ocorre nas situações em que se verifique que o juiz decidiu mal ou contra os factos apurados, trata-se, por conseguinte, de um erro que consiste num desvio da realidade factual (vide neste sentido e a titulo de exemplo o acórdão proferido por este tribunal em 25/06/2019 no processo n.º 372/10.9BELRA).

No mesmo sentido se lhe refere o STJ no acórdão proferido em 30/09/2010 no processo n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, consultável in www.dgsi.pt/, donde extraímos que: “(O) o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.”

Sendo certo, que, como temos defendido, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria que foi alegada, devendo proceder à seleção do que se lhe releve com interesse para a decisão, tendo sempre presente a(s) causa(s) de pedir e o pedido formulado pelo autor (artigo n.º 607.º, nºs 3 e 4, do CPC) devendo, em obediência ao estipulado no artigo 123.º n.º 2 do CPPT, discriminar a materialidade dada por provada ou não provada, tudo e sempre, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova estabelecido no n.º 5 do já citado artigo 607.º do CPC, segundo o qual a apreciação dos elementos de prova deve ser feita de acordo com a prudente convicção do julgador relativamente a cada facto, ou seja, a motivação deve formar-se a partir do exame e avaliação que o juiz faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimentos pessoais.

Dito isto e voltamos ao caso que nos ocupa, sem olvidar, contudo, que o mesmo se espraia no âmbito da responsabilidade subsidiária por dividas de outrem exigidas no processo de execução fiscal.
Assim e tal como decorre de qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 24.º, enunciadas na sentença recorrida e supratranscritas, a possibilidade legal de reversão da dívida exequenda contra o revertido não se basta com o exercício formal da gerência, ou de direito, a lei exige o exercício efetivo do cargo, ou de facto.(1)

Quanto à repartição do ónus da prova dos factos constitutivos que se pretendem fazer valer, como bem destaca a sentença recorrida e tem sido assumido de forma pacifica e uniforme pela jurisprudência dos nossos tribunais; é, em primeira mão, à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão, que compete fazer a prova do efetivo exercício da gerência, como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária, competindo, depois ao revertido, a prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento das dividas tributárias.

Neste sentido acolhemos as citações jurisprudenciais selecionadas no acórdão deste TCA Sul, proferido em 11/10/2018 no processo n.º 1017/11.5BELRS, que, por tratar de matéria idêntica à dos autos e por não encontrarmos razão para dele discordar, acompanhamos,

Diz-se ali assim:

“(…)

Vale aqui, o sustentado, no acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no processo n.° 1132/06, onde se escreve que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência.

O mesmo entendimento está ínsito no acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 21.11.2012, proferido no processo n.° 0474/12 e que se transcreve (parcialmente), atento o interesse para a presente causa: « (...)Este efectivo exercício pode o juiz inferí-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346° do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova» - fim de citação(2).

Retira-se assim da segunda parte do aresto citado, que acolhemos que, feita, por parte da Fazenda Pública, prova sobre o efetivo exercício da gerência, a mesma pode ser dada por não provada desde que o revertido tenha logrado provar factos que suscitem dúvida sobre a veracidade dos factos donde se extraiu a convicção do respetivo exercício, o que constitui a concretização do princípio da concretização prática da eliminação do domínio da presunção de legalidade dos atos da administração tributária no contencioso tributário ínsito no artigo 100.º do CPPT, presunção esta, que é aqui substituída pela presunção de veracidade dos atos de cidadão-contribuinte(3), já que esta regra não se aplica nos caso em que a Fazenda não produz quaisquer provas.

Dito isto, voltamos à sentença recorrida e tendo presente com foco na materialidade fática ali assente e na análise que dela foi feita pelo Tribunal Tributário de Lisboa.

Diz-se na sentença recorrida:

“(…)

Invoca o oponente que não exerceu a gerência da sociedade devedora originária a partir de 08/05/2003, pelo que não pode ser responsabilizado por dívidas constituídas cinco anos após essa data.

Todavia, resulta dos autos prova suficiente no sentido de o oponente ter exercido de facto a gerência da devedora originária muito para além dessa data e, nomeadamente, no período de constituição e pagamento das dívidas.

Com efeito, como gerente da devedora originária, o oponente assinou cheques (30/04/2008), requereu actos registrais (19/04/2006 e 11/09/2006), subscreveu o seu balanço social relativo ao ano de 2008, interveio e assinou na qualidade de gerente contratos da sociedade (01/05/2006, 23/03/2006 e 01/01/2007).

Os factos descritos evidenciam no seu conjunto que o oponente exerceu funções de gerente nos anos de 2006 a 2008. pelo que com base neste pressuposto da reversão não pode deixar de ser responsabilizado pelas dividas constituídas e cujo prazo de pagamento terminou naquele horizonte temporal, nos termos do n°l do art°24°. da LGT.

(…)”
Adiantamos, desde já, que o assim decidido não nos merece qualquer censura, na verdade os factos invocados não se reduzem, como o recorrente pretende fazer crer, a atos isolados, de uma assinatura de um cheque e/ou de um contrato em representação da sociedade, configuram antes uma sequência de atos de gestão que consubstanciam atos de vinculação da sociedade através de assinaturas efetuadas pelo próprio oponente, em representação da sociedade, sendo eles(4):

Ø um cheque, datado de 30/04/2008, emitido pela sociedade originária devedora a favor dos C.;
Ø do Balanço Analítico da sociedade originária devedora relativo ao ano económico de 2008, na qualidade de gerente;
Ø na subscrição da requisição do registo na CRC, da alteração do nome da firma “M., Lda.” para “F., Lda.’, com data de 19/04/2006;
Ø do requerimento, na qualidade de gerente, dirigido à CRC para retificação do registo, traduzido na alteração do artigo 2º dos estatutos, referente à alteração do objeto social, com data de 11/09/2006;
Ø do contrato de cessão de posição contratual datado de 01/05/2006, na qualidade de “Administrador com poderes para o acto”, em representação da sociedade originária devedora;
Ø de contratos de prestação de serviços com datas de 23/03/2006 e 01/01/2007, na qualidade de gerente da devedora originária e em representação desta.
Constatamos ainda que em momento algum o oponente/recorrente logrou contrariar ou justificar os factos enumerados, e que, para além de lhes atribuir valor de “ato isolado”, vem invocar a cessação de funções de gerente da sociedade, cessação essa que não obstante, o recorrente tenha vindo a alegar no salvatério, que foi operada em 2003, a verdade é que, como vimos, só foi registada em 2010, com efeitos reportados a 03/05/2008(5)

Ora, como sabemos a renúncia é um ato próprio da vontade do renunciante, através do qual põe termo a uma situação jurídica que vinha desempenhando, neste caso a gerência ou administração da sociedade e constitui um ato voluntario pelo qual o titular de um direito abdica do exercício desse direito. Por conseguinte é um ato pessoal, unilateral e abdicativo e assim sendo, a produção de efeitos da renúncia à gerência de uma sociedade, implica o fim da respetiva gerência com resignação da prática de quaisquer tipo de atos de gestão, situação que se mostra desde logo incompatível com a atuação do oponente/recorrente, supra descrita.
Por outro lado, importa dizer, o registo da renúncia, corresponde a uma formalidade com efeitos perante terceiros já que obsta à prática de atos jurídicos que impliquem o exercício do direito renunciado, ou seja, “[A]a falta do registo comercial da renúncia à gerência apenas se reflecte na validade dos actos praticados em nome da sociedade pelo gerente e que afectem terceiros.”, como nos diz no sumário do acórdão do STA, proferido em 14/02/1996 no processo n.º 017179(6),mas não inibe o renunciante da pática de atos de gestão interna da sociedade com correspondência aos do direito renunciado.

Ora, na situação em apreço a prova produzida diz-nos que o oponente, aqui recorrente “era gerente inscrito da sociedade originária devedora desde 18/05/2000, funções essas, repete-se, que cessou por renúncia, inscrita em 25/01/2010 com efeitos reportados a 03/05/2008” -(ponto 7 do Probatório).

Assim e reportando-se as dívidas aos exercícios de 2006 e 2007 e verificando-se a existência de provas concretas de que, nesse período, do exercício efetivo da gerência, torna-se, para nós evidente, poder concluir como o fez a sentença recorrida no sentido de o oponente ter exercido de facto a gerência da devedora originária muito para além de além de 08/05/2003, contrariando assim o referido na conclusão D) das alegações de recurso, e que se manteve no período a que respeitam as dividas em conflito.

Nestes termos acompanhamos a decisão recorrida quando ali se diz que: “[O]os factos descritos evidenciam no seu conjunto que o oponente exerceu funções de gerente nos anos de 2006 a 2008. pelo que com base neste pressuposto da reversão não pode deixar de ser responsabilizado pelas dividas constituídas e cujo prazo de pagamento terminou naquele horizonte temporal, nos termos do n°l do art°24°. da LGT.”, julgando improcedente este fundamento de recurso.

Contudo, a questão trazida a juízo não fica resolvida por aqui, pois que, importa ainda saber se o revertido pode ser responsabilizado com culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária na solvência das dívidas tributárias.

Assim e, estando, como vimos que estava, a Fazenda Publica legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, ao abrigo do artigo 24.°, n°.1, da LGT, perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efetivo do cargo por parte do mesmo e fundando-se a responsabilidade pelas dívidas sociais no regime contido na alínea b), do n°.1, do artigo 24°, da LGT, desde logo porque o revertido exercia funções de gerência da sociedade «F. Lda.», em 2006 e 2007, retomamos o que deixamos dito quanto ao ónus da prova e à inversão deste, agora contra o revertido, sendo ele quem tem que provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas em causa.

Neste ponto, analisando a matéria de facto provada, deve reconhecer-se que o recorrido não produziu esta prova, termos em que, não podemos considerar que este tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento das dívidas exequendas que sobre si impendia.

Termos em que será o recorrido responsabilizado pelo respetivo pagamento.

Improcedem assim, in totum as conclusões das alegações de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso ao que se provirá na parte do dispositivo do acórdão.

4 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes desta 1.ª subsecção em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que assim se mantém na ordem jurídica.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de novembro de 2021



Hélia Gameiro Silva – Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta


1) Vide neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA, proferido em 02/03/2011, no pocesso n.° 944/10, disponível em texto integral em www.dasi.pt
2) Jurisprudência citada encontra-se disponível em texto integral em www.dgsi.pt
3)Vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado 6.ª Edição de 2011 – áreas Editora – em anotação ao artigo 100, pag.131
4) Conforme pontos 8 a 13 do probatório.
5) Cfr. concl. D), E) e, certidão de Registo Comercial relativa à matrícula da sociedade executada - ponto 7 do probatório.
6) Disponível em www.dgsi.pt