Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8990/15.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO.
APLICAÇÃO DA REGRA DE IMPUTAÇÃO AOS PAGAMENTOS EFECTUADOS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:O regime de imputação de pagamentos previsto no artigo 40.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária é aplicável às dívidas da administração tributária para com os contribuintes, pagas em execução de julgado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


S... (S…), intentou, por apenso ao processo n.º 45/03 – 4.º Juízo – 1.ª Secção, acção de execução da decisão ali proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sinta (TAF) em 1 de Julho de 2010, posteriormente confirmada por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul proferido a 12 de Abril de 2011 (recurso n.º 4379/10), a qual que anulou a liquidação de IRC n.º 8310000067, impugnada pela SIC e que condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Na referida acção de execução a exequente pediu que o Tribunal «condene o Ministério das Finanças:

i) À restituição do montante de EUR 37.065,77 titulado pela liquidação de IRC n.º 831000067, em conformidade com o disposto nos artigos 100.º da LGT e 173.º do CPTA;

ii) Ao pagamento de juros indemnizatórios, no montante de EUR 12.540,42 contabilizados sobre o referido montante de EUR 37.065,77, e computados entre os dias 19 de Fevereiro e 10 de Junho de 2011, em conformidade com o disposto nos artigos 43.º da LGT e 173.º e seguintes do CPTA;

iii) Ao pagamento de juros de mora, contabilizados sobre o montante de EUR 37.065,77, e computados desde o dia 10 de Junho de 2011 até efectivo e integral pagamento, que na data de envio deste pedido de execução se contabiliza em EUR 702,73 em conformidade com o disposto nos artigos 102.º, n.º 2, LGT e 173.º e seguintes do CPTA;

Mais se requer desde já a esse douto Tribunal que, caso o Ministério das Finanças não efectue, no prazo previsto no artigo 177.º, n.º 6, do CPTA, o pagamento dos montantes acima peticionados, determine que o mesmo tenha lugar por conta da dotação orçamental inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.»

Por sentença de 28 de Maio de 2014, o TAF de Sintra declarou parcialmente extinta a instância por perda parcial do objecto, por ter ocorrido o pagamento da quantia de € 37 065,77, condenou a Executada no pagamento da quantia de € 2 376,20, acrescidos de juros de mora, e fixou em trinta dias, contados do trânsito em julgado da decisão, para o pagamento dessa quantia.

Inconformado, o Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«

a) A sentença recorrida funda-se em errada determinação e aplicação de regras de Direito.

b) Designadamente, porque pressupõe que o regime de imputação sucessiva contemplado no n.° 4 do artigo 40° da Lei Geral Tributária (LGT) será aplicável aos pagamentos efectuados pela AT em execução de julgados condenatórios, como ocorre no caso dos autos.

c) A questão que, por isso, se suscita por via do presente recurso é a de saber se esse critério legal de imputação sucessiva de pagamentos insuficientes é aplicável aos pagamentos efectuados pela AT, em cumprimento do dever que sobre si impende de “reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado”, ou se, ao invés, esse regime apenas se aplica aos pagamentos, em montante inferior ao devido, efectuados pelos contribuintes no pagamento de dívidas tributárias.

d) A sentença recorrida, amparando unicamente argumentos em jurisprudência emanada por esse Supremo Tribunal, entende que sim, ou seja, que a norma é aplicável independentemente da posição ocupada pela AT na relação jurídico-tributária.

e) Salvo o devido respeito, que é muito, tal entendimento não pode prevalecer.

f) Por força do determinado pela douta sentença proferida nos autos de impugnação judicial foi a AT condenada a anular a liquidação aí objecto de sindicância e a estornar o montante de imposto pela mesma titulada, acrescido de juros indemnizatórios contados desde data determinada, “até à data em que vir a ser emitido o respectivo título de crédito a favor da Impugnante”.

g) Desta determinação decorreram, por força da lei, dois prazos a que a AT haveria, necessariamente, de atender.

h) O primeiro, de trinta dias, com termo inicial logo após a verificação do trânsito em julgado da decisão a executar, tendente a concretizar o pagamento da quantia de imposto anulada (cf. artigos 100° da LGT e 175°, n.° 3, do CPTA).

i) O segundo, de noventa dias, também com termo inicial logo após a verificação do trânsito em julgado da decisão a executar, tendente a dar cumprimento à obrigação de cálculo (liquidação) e pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos (cf. artigos 100° da LGT e 61°, n°s 3, 4 e 5 do CPPT).

j) O que, diga-se, tem todo o sentido uma vez que as operações de apuramento/liquidação dos juros indemnizatórios pressupõem o conhecimento da data de emissão/processamento da nota de crédito que titula a devolução/estorno do imposto indevidamente liquidado e pago.

k) No caso dos autos, foi emitido, num primeiro momento, em cheque a titular o exacto valor do montante de imposto a estornar nos autos.

l) Logo após, foi emitido um outro cheque a contemplar os juros indemnizatórios devidos, contados desde a data em que ocorreu o pagamento indevido do imposto e data em que foi emitido o cheque a titular a quantia de imposto anulada.

m) Mostra-se, pois, cabalmente cumprida a determinação contida na douta sentença condenatória: a AT anulou o acto de liquidação e estornou o montante indevidamente pago acrescido de remuneração - a título de juros indemnizatórios - desde a data em que ocorreu o pagamento indevido e a data em que foi “emitido o respectivo título de crédito a favor da Impugnante”.

n) Contudo, a douta sentença ora em preço, fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, entendeu a questão de forma diversa.

o) Tendo-se aí concluído, que o n° 4 do artigo 40 da LGT seria de aplicar à situação dos autos.

p) Não se alcança, salvo o devido respeito, que é muito, considerando os normativos aplicáveis, como assim possa ser.

q) Em primeiro lugar, porque, como se diz, e bem, na douta sentença, «A ordem de imputação prevista no n.° 4 [do artigo 40° da LGT] é a generalizadamente adoptada para o pagamento das dívidas tributárias, estando também prevista nos arts. 89.°, n.° 2, e 262.°, n.° 2 do CPPT, para a compensação de créditos e pagamento em execução fiscal, respectivamente» (Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 2012, 4a Edição, pág. 333/334)

r) Isto é, tanto o n.° 4 do artigo 40° da LGT como as normas que lhe deram concretização no plano adjectivo têm como campo de aplicação o processo de execução fiscal e os créditos do Estado, definindo a forma de distribuição/imputação dos montantes arrecadados quando os mesmos são insuficientes para solver a dívida.

s) Efectivamente, o que a norma em causa prevê, sob a epígrafe de “Pagamento e outras formas de extinção das prestações tributárias” é a forma de extinção das obrigações tributárias do contribuinte.

t) A situação dos autos é, por isso, insusceptivel de ser resolvida com recurso ao seu teor.

u) A actuação do Estado não se traduziu no mero pagamento de uma quantia tendente ao cumprimento de uma prestação tributária, ocorreu antes em estrito cumprimento do dever, que sobre si impende, de reposição da legalidade e foi, por isso, tendente à reposição da situação preexistente ao acto anulado.

v) Pois, como decorre do n.° 1 do artigo 173° do CPTA, «a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado»

w) Noutra dimensão, resultando da lei momentos/prazos distintos para a concretização de julgados anulatórios, consoante se trate da reposição das quantias de imposto anuladas ou do pagamento dos juros indemnizatórios incidentes sobre essas mesmas quantias, o disposto no n.° 4 do artigo 40° da LGT não tem, não pode ter, aplicação.

x) Efectivamente, estabelecendo a lei que o pagamento se processe em prazos (máximos) distintos (de trinta ou de noventa dias), e sendo o mesmo o termo inicial de contagem (trânsito em julgado da decisão anulatória), não se alcança de que forma se possa considerar que o “primeiro” pagamento, reportado a imposto, sendo, no caso dos autos, absolutamente correspondente ao montante indevidamente pago, possa ser considerado um pagamento insuficiente, por forma a determinar a aplicação de uma regra aplicável a pagamentos insuficientes.

y) O que ocorreu foi o estorno integral do montante de imposto cujo pagamento, por força da sentença em execução, foi considerado indevido.

z) Seguido do pagamento/entrega da remuneração - juros indemnizatórios - que a lei impõe acompanhe aquela prestação, sendo que o seu apuramento exige se conheça o exacto momento em que foi processado/emitido o documento que opera o estorno do crédito - logo, a liquidação de juros terá, necessariamente, de ser posterior.

aa) Não obstante a natureza dos juros indemnizatórios seja idêntica à dos juros compensatórios, «a concretização da indemnização ínsita nos juros indemnizatórios faz-se de forma distinta da prevista para os juros compensatórios, pois aqueles são objecto de uma liquidação autónoma, enquanto estes se englobam na dívida tributária global, constituindo um seu agravamento (...)» (1)

bb) Se conciliarmos essa “autonomia” com a circunstância de o termo final da contagem de juros indemnizatórios coincidir com a emissão da nota de crédito que opera o estorno do imposto e, ainda, com a existência de diferentes prazos para concretização dos deveres decorrentes da sentença anulatória - trinta dias para estorno do montante de imposto (cf. artigo 175°, n.° 3, do CPTA) e noventa dias para liquidar/pagar os juros indemnizatórios (cf. artigo 61°, n.° 3 e 4, do CPPT) - teremos que concluir pela não aplicação do regime de imputação de pagamentos insuficientes determinado pelo n.° 4 do artigo 40° da LGT à Administração.

cc) Por último, sem conceder, não se alcança, de que forma é que aplicação desse regime traduza, como preconizado nos arestos citados na sentença, uma regulação igualitária e justa, tanto das dívidas dos contribuintes para com a administração tributária, como desta para com os contribuintes.

dd) Pois, verdadeiramente para assim ser teria que se dar integral aplicação às normas que, para além do artigo 40.° da LGT, regulam o regime de imputação dos pagamentos parciais, designadamente, os artigos 89.° e 262.°, ambos do CPPT.

ee) Tais normativos, ambos concretizadores do artigo 40.° da LGT, ao materializarem os termos em que deve ser feita a imputação dos referidos pagamentos parciais, impõem à administração tributária determinadas limitações.

ff) Na verdade, o n.° 3 do artigo 262.° (para o qual remete o n.° 2 do artigo 89.°) “estabelece uma limitação quanto à amortização da dívida de juros de mora, que não poderá exceder metade do valor da amortização da dívida de capital, incluindo os juros indemnizatórios” (cf. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário - 6.ª Edição - Vol IV , pág. 230).

gg) Quer isto dizer que nas dívidas dos contribuintes à administração tributária, que se subsumam a pagamentos parciais, a imputação dos pagamentos respeitará sempre a regra de que 50% do montante pago é imputado a capital.

hh) Na análise conjugada deste quadro normativo, pergunta-se: onde estaria a forma igualitária e justa, definida pelo legislador - de acordo com a interpretação aceite e veiculada pelo tribunal - ao determinar que nas dívidas dos contribuintes à administração haveria um limite mínimo de 50% imputado a capital, sendo que, no caso das dívidas da administração aos contribuintes, a imputação começaria necessariamente pelos juros, e só no fim de liquidados os juros seria de imputar os pagamentos parciais a capital?

ii) Afigura-se pois que tal interpretação se traduziria, salvo o devido respeito, numa manifesta desigualdade e injustiça, entre a administração e os contribuintes, numa situação em que a AT não age no exercício do seu ius imperium .

jj) Logo, a interpretação normativa do artigo 40.° da LGT, acolhida pelo tribunal a quo, porque não atendeu ao integral quadro normativo, e se cingiu (apenas) àquele artigo, não só desatendeu aos seus elementos literal e sistemático (pois que, não atendeu em pleno às normas do CPTT que concretizam aquela norma), como igualmente postergou os elementos racional e teleológico da norma (cujo fim único é regular as dívidas dos contribuintes à administração, e não o contrário), quanto necessariamente interpretada em consonância com os artigos 89.° e 262.° do CPPT.

kk) A leitura a fazer deste quadro normativo é pois e necessariamente a de que tais normas se destinam exclusivamente a regular as dívidas dos contribuintes à administração, mas não o inverso.

ll) Aliás, a leitura preconizada por alguma jurisprudência, mais não faz do que pôr em causa os princípios da igualdade e da justiça fiscal, cuja promoção, como aquela bem salientou, constitui apanágio na própria LGT, e da reforma fiscal por ela assumida.

mm) Em suma, entende a AT que a douta sentença, ao aderir à tese de que a concreta situação dos autos é passível de aplicação do disposto nos artigos 40, n.° 4, da LGT e 785° do Código Civil, concretiza uma situação de desigualdade e injustiça.


Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta sentença recorrida substituída por outra que afirme a cabal execução do julgado condenatório, assim se fazendo JUSTIÇA.»


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A Exequente não apresentou contra-alegações.

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Tendo o recurso sido interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, o Colendo STA, por decisão de 25 de Junho de 2015, declarou-se incompetente em razão da hierarquia e indicou como Tribunal competente o Tribunal Central Administrativo Sul.

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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se ocorreu errada determinação e aplicação de regras de Direito, mais precisamente o Tribuna incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar aplicável ao caso a regra de imputação dos pagamentos efectuados pela executada, prevista no artigo 40.º, n.º 4, da LGT.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

« A) Em 20.05.2003, a Exequente deduziu impugnação judicial contra a liquidações de IRC n.° 831000067, referente ao exercício de 1999, no valor global de € 37.065,77. (Doc. p.i. junta ao processo principal)
B) Na petição inicial a que alude a al.A) do probatório, a ora Exequente peticionou a anulação da liquidação impugnada e o pagamento de juros indemnizatórios. (Doc, p.i. junta ao processo principal)
C) Em 19.02.2003, a Exequente procedeu ao pagamento da liquidação de IRC n.° 831000067, referente ao exercício de 1999, no valor global de € 37.065,77. (Cfr. Sentença pinta ao processo principal)
D) Por Sentença proferida em 01.07.2010, no Proc. n.° 45/03 — 4º Juizo-1ª Secção dos quais os presentes constituem apenso, foi julgada procedente a impugnação, decidindo- se anular o acto de liquidação impugnado e condenar a ATA no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data de 19.02.2003 até á data em que vier a ser emitido o respectivo titulo de credito a favor da Impugnante. (Cfr. Sentença junta ao processo principal)
E) Por acórdão proferido pelo TCA Sul de 12.04.2011, no rec. n.° 4379/10, negado provimento ao recurso jurisdicional interposta pela Fazenda Pública da sentença a que alude a al. D) do probatório. (Cfr. Acordão juntos ao processo principal)
F) Em 24.05.2012, a Exequente recepcionou o cheque n.° 3440875499, sob o Tesouro no montante de € 37.965,76. (Doc.n°l junto com o RI)
G) Em 18.06.2012, a Exequente recebeu o montante de € 13.917,43. (acordo)»

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Consta ainda da mesma sentença que « Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição integram antes conclusões de facto ou direito.» e que « A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas do probatório.».
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III – 2. De direito

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, como referimos antes, é pelas conclusões com que o recorrente extrai das suas alegações, que se determina objecto do recurso e o âmbito de intervenção deste tribunal, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Nas conclusões deve o recorrente indicar, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, conforme resulta do disposto no artigo 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

Antes de mais, para melhor percebermos o alcance do recurso jurisdicional que nos vem dirigido importa ter presente o âmbito da decisão proferida.

A Executada procedeu ao pagamento da quantia de € 37.065,77, pelo que, na sentença recorrida foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente relativamente à restituição dessa quantia.

O Tribunal recorrido foi chamado a responder à questão de saber se a Exequente tinha direito ao pagamento da quantia de valor de € 2 339,76, por força da aplicação do artigo 40.° n.° 4 da LGT e artigo 785.° do Código Civil e respondeu afirmativamente.

É com este entendimento que o recorrente não se conforma.

A sentença recorrida sustenta a sua decisão no seguinte discurso fundamentador: «A ordem de imputação do pagamento prevista no n° 4 é a generalizadamente adoptada para pagamento das dívidas tributárias, e está também prevista nos artigos 89° n° 2 e 262° n° 2 do CPPT, para a compensação de créditos e pagamento em execução fiscal, respectivamente (Leite de Campos e outros, in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2003, 3ª edição, Vislis, nota ao artigo 40° da LGT).

Por seu turno o artigo 785° do CC preceitua que quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido, presume-se feita por conta, sucessivamente das despesas, da indemnização, dos juros e do capital (n° 1) e que a imputação só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes (n° 2).

Entendeu o STA no acórdão de 17.10.2007 (rec. n° 0447/07) na aplicação do princípio constitucional da igualdade, que o artigo 40°, n° 4, da LGT, tem aqui aplicação.

Aliás na linha do princípio civilista, de idêntico teor, consagrado no artigo 785° do CC.

Assim, reconhecemos — e porque a Exequente o requer — que a quantia entregue pelo Estado deve imputar-se como decorre do artigo 40°, 4, da LGT: primeiro, aos juros de mora; depois ao imposto, incluindo os juros indemnizatórios.

Daí que a Exequente tem direito aos juros moratórios a partir do termo do prazo da execução espontânea da sentença (cfr. artigo 102° n° 2 da LGT), que os juros moratórios incidem sobre o montante do imposto e sobre os juros indemnizatórios devidos e a imputação faz-se nos termos do artigo 40° n° 4 da LGT. (neste sentido vide entre outros o acórdão do STA de 08.02.2012 proferido no rec. n° 01113/11).»

Como se refere na decisão recorrida, o STA teve ocasião de se pronunciar sobre a questão no Acórdão de 08/02/2012 proferido no rec. n° 01113/11, no sentido de que «[o] regime de imputação de pagamentos previsto no art. 40.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária é aplicável às dívidas da administração tributária para com os contribuintes, pagas em execução de julgado».

Acolhemos aqui a fundamentação do referido Acórdão que mantém a sua actualidade, por não existirem razões válidas para dele divergirmos. O STA pronunciou-se no sentido de que, ainda que esta norma não esclareça expressamente «se o regime nela previsto se aplica apenas às dívidas de que são credoras entidades públicas ou também às dívidas de que estas entidades são devedoras em relação a particulares» impõe-se a sua aplicação também nestas últimas situações, por ser a solução que resulta da melhor interpretação da lei por apelo ao elemento racional e teleológico, já que a respectiva aplicação não é afastada pelo seu teor literal ou por apelo ao elemento sistemático, concluindo-se que «a solução mais razoável, que se tem de presumir ter sido legislativamente adoptada (art. 9°, n° 3, do Código Civil), é a de que naquele n° 4 do art. 40° da LGT se regulou, de forma igualitária e justa, o regime de imputação de pagamentos insuficientes tanto das dívidas do contribuinte para com a administração tributária como as desta para com os contribuintes

Como argumento adicional que aqui se acolhe, fundou-se o aludido Acórdão no facto de que não seria compreensível outra solução “num contexto de um diploma, como é a LGT, que visou promover «uma maior justiça fiscal entre a Administração e os contribuintes», particularmente em matéria do regime de juros a favor da administração tributária e dos contribuintes [como se conclui da alínea 19) do art. 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que autorizou o Governo a aprovar a LGT]. (…) a entender-se que o regime das dívidas da administração tributária para com os contribuintes não está abrangido neste n.º 4 do art. 40.º, estar-se-ia perante uma lacuna de regulamentação, pois, como se referiu, não é indiferente a forma como é efectuado o pagamento e, por isso, se trata de um ponto das relações entre a administração tributária e os contribuintes carente de regulamentação.

O preenchimento dessa hipotética lacuna não poderia deixar de ser efectuado com aplicação analógica da referida norma do art. 40.º, n.º 4, da LGT, tendo em mente a referida intenção legislativa de consagrar «uma maior justiça fiscal entre a Administração e os contribuintes».

Por isso, é de entender, como já decidiu este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 17-10-2007, proferido no processo n.º 447/07, e o referido art. 40.º, n.º 4, da LGT ser aplicável às dívidas da administração tributária para com os contribuintes.”

Também este Tribunal se tem pronunciado no mesmo sentido, citando-se os Acórdãos de 08/07/2021 e 07/05/2020 proferidos nos processos n.º 287/12.6BELRA-A e 2565/04.9BELSB-A respectivamente, «O regime de imputação de pagamentos parciais da Lei Geral Tributária é aplicável às dívidas da Administração Tributária para com os contribuintes, pagas em execução de julgado.»

O argumento da recorrente no sentido de que os prazos legalmente previstos para a restituição do tributo anulado e para o pagamento de juros indemnizatórios são diferentes em nada contende com a solução propugnada. Na verdade, trata-se em ambos os casos da extinção da relação jurídica tributária (conforme expressa identificação efectuada pelo legislador na epígrafe do Capítulo IV em que se insere o artigo 40.º da LGT), que integra o imposto e os juros indemnizatórios conforme resulta do artigo 30.º, n.º 1 da LGT independentemente de quem seja a parte credora.

Da mesma forma, o modo de liquidação dos juros indemnizatórios e moratórios em nada contendem com a regra da imputação dos pagamentos parciais.

Quanto à alegação de que, a ser assim, o argumento de que a aplicabilidade do artigo 40.º da LGT traduziria uma regulação igualitária e justa, implicaria que se fizesse apelo à aplicação do regime de imputação previsto nos artigos 89.º e 262.º ambos do CPPT, não pode proceder. Na verdade, a ratio das referidas normas resulta da preocupação do legislador em evitar a eternização das dívidas pela aplicação de juros. Por via do princípio da proibição de moratórias impunha uma definição expressa pelo legislador no sentido de conferir à AT um critério orientador na imputação de pagamentos parciais pelo contribuinte relapso. Seguindo, de resto o mesmo critério quanto à ordem de imputação previsto no artigo 785.º, n.º 1 do CCivil, conforme observa Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, 6.ª Edição, Volume IV, Áreas Editora, 2011, p. 230).

Já no que se refere à limitação prevista no n.º 3 do artigo 262.º do CPPT esta constitui uma norma especial nos casos de penhora. Reporta-se às situações específicas em que a cobrança coerciva atingiu um ponto em que nem com a penhora de bens alcança o pagamento integral da dívida, pretendendo o legislador privilegiar o pagamento do capital em detrimento do avolumar e da eternização da dívida, pela constante contagem de juros, cujo destino mais provável, de outro modo seria a declaração em falhas sem a concretização da cobrança do tributo.

Ora, atento o seu carácter especial, não ocorre a apontada manifesta desigualdade e injustiça entre a administração e os contribuintes, pelo que se impõe julgar o recurso improcedente.

IV - CONCLUSÕES

O regime de imputação de pagamentos previsto no artigo 40.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária é aplicável às dívidas da administração tributária para com os contribuintes, pagas em execução de julgado.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.


Registe e notifique.


Lisboa, 16 de Setembro de 2021.


A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente acórdão as Senhoras Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


Ana Cristina Carvalho


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(1) Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 2011, Volume I, 6ª Edição, pág. 529 (nota de rodapé por nós renumerada).