Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:348/11.9 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CARTEIRA PROFISSIONAL DE JORNALISTA;
SANÇÃO DISCIPLINAR;
CONFIDENCIALIDADE DA FONTE
Sumário:I – O art. 6º do Código Deontológico dos Jornalistas (CDJ) dispõe que “o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação”, sendo que o normativo não se reporta a uma obrigação de reserva absoluta e sucessiva.
Estão pois em causa singelamente as “suas fontes”, e não sucessivamente as fontes alheias, pois que assim não sendo, criar-se-ia uma insustentável e interminável cadeia piramidal de confidencialidade.
Com efeito, refere-se no art. 14º, nº 2, a) do EJ que é dever dos jornalistas “Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no art. 11º, exceto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas”.
Refere-se, por outro lado, no Artº 11º, nº 1 do EJ, o seguinte:
“1. Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, direta ou indireta”, o que só pode significar que as fontes cuja proteção compete aos jornalistas são as “suas fontes de informação”, o que se não mostra extensível a terceiros, ainda que jornalistas.
A razão de ser da norma tem a ver com a preservação da relação jornalista/fonte, em termos de garantia de acesso a informação, com vista à proteção de uma relação de confiança estabelecida entre ambos.
Acresce que o referido não obsta a que o jornalista possa legitimamente identificar a sua fonte, se a mesma o tentar usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas (v. art. 14º, nº 2, al. a) do EJ in fine).
II – A competência punitiva da CCPJ relativamente aos jornalistas, não pode colidir com o estatuído nos arts. 37º e 38º, da CRP, de modo a que possa ser assegurada a liberdade de imprensa e o direito de informar sem discriminações ou censuras.
III - Estando em causa como estavam, factos e circunstancias verdadeiras, que não se encontravam a coberto de nenhum dever de reserva ou sigilo, impunha-se a sua publicação, correspondendo ao exercício do dever de informar, tanto mais que estava em causa o tratamento jornalístico de uma questão de incontornável interesse coletivo, o que não poderia nem deveria soçobrar perante uma suposta violação de sigilo das fontes, quando o que estava em causa, ainda assim, era a identidade de uma fonte terceira e alheia a quem fez publicar a noticia.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A C. C. P. J. - CCPJ, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por J......, M......., N....... e R....... tendente à declaração de nulidade ou anulação do Acórdão n.º1/2010, de 13/10/2010, da C. C. P. J., que, julgando improcedente o recurso interposto pelos autores, manteve a decisão da Secção Disciplinar, de 16/06/2010, que lhes aplicou a sanção disciplinar de advertência registada, inconformada com a Sentença proferida no TAC de Lisboa que em 31 de dezembro de 2020 julgou a presente ação procedente, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, aí tendo concluído:
“A. A douta decisão de que se recorre é a que consta de sentença proferida a fls…. e ss. nos autos do Processo n.º 348/11.9BELSB, que correm termos na 4.ª UO do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e que julgou procedente o pedido de anulação do Acórdão da CCPJ que sancionou, numa advertência registada, os AA. ora Recorridos.
B. O Direito ao sigilo profissional configura um direito erga omnes e está consagrado constitucionalmente no artigo 38.º, n.º 2, alínea b), e legalmente nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 22º, al. c) da Lei de Imprensa e nos artigos 6.º, al. c) e 11.º do Estatuto do Jornalista.
C. A decisão recorrida considera que a conduta dos AA. ora recorridos de divulgar as fontes de informação de outros jornalistas não viola o dever consagrado no artigo 14.º, n.º 2, alínea a) do EJ.
D. Todavia, do artigo 14.º, n.º 2, alínea a) do EJ resulta inequivocamente um dever de proteger a confidencialidade das fontes de informação que abrange todas as fontes de informação, e não apenas as próprias fontes.
E. Por via do mesmo artigo se retira que o jornalista apenas poderá não estar adstrito ao dever de proteção da confidencialidade das fontes na situação se o tribunal determinar a quebra do segredo profissional, ou na situação em que se tentem obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas.
F. Ao interpretar a norma restritivamente, no sentido de que o jornalista apenas está obrigado a garantir a confidencialidade das suas próprias fontes, mas já não as de outros jornalista, comete o Tribunal a quo erro de julgamento.
G. Da letra do artigo não se extrai o pronome possessivo “suas”, pelo que tal entendimento “configuraria uma inaceitável devassa do sigilo jornalístico”, na medida em que os jornalistas estariam à mercê de todos os outros que não se considerassem individualmente vinculados às mesmas.
H. E, desde logo, o argumento de maioria de razão para delimitação de preceito com caracter excecional previsto na lei, reconduzindo-o às “suas” fontes, constitui procedimento interpretativo que a lei veda expressamente – art.º 11.º do Código Civil.
I. Mas ainda que assim não fosse, sempre o email publicado foi fonte de informação dos arguidos, que não se coibiram de revelar os nomes dos seus dois colegas que no mesmo intervêm e que além de aí revelarem a fonte mediata – Presidência da República.
J. Mais revelam a “sua fonte” os dois jornalistas intervenientes no email.
K. E patente é que a revelação desse email, decorre do testemunho que o email evidência de dois jornalistas. Só a identidade de tais fontes – jornalistas, torna relevante a documentação feita por essas fontes.
L. Se o referido email fosse trocado entre quaisquer outras pessoas ou em resultado de conversa entre elas “de café”, nunca seria guindada a ser reproduzida em foto de primeira página.
M. Ou seja, a punição dos arguidos, mesmo seguindo a linha de pensamento expressa na sentença recorrida, sempre envolveria necessária e logicamente a revogação do decidido e manutenção da decisão judicial condenatória.
N. A violação do dever de proteção da confidencialidade das fontes de informação desvirtua o sentido da atuação jornalística, pois conduz a uma ocultação de informações por parte das fontes por estarem investidas uma posição de possível revelação da sua identidade, o que, por conseguinte, comporta um grave prejuízo para o acesso à informação por parte do público e consequente formação da opinião pública livre.
O. A confidencialidade é um elemento essencial na relação de confiança entre jornalista e a fonte, mas a relação subjacente ao sigilo profissional é uma relação triangular, entre fonte, jornalista e o público, razão pela qual o âmbito tem de ser visto do ponto de vista objetivo, isto é, como um direito institucional de garantia da opinião pública livre.
P. Se assim é quanto ao direito ao sigilo, igualmente será para o dever de proteção da confidencialidade das fontes, pois não foi intenção do legislador garantir um direito fundamental para depois, restringir o dever de confidencialidade apenas às fontes próprias.
Q. Pelas razões enunciadas, defendemos que outro entendimento não poderá ser acolhido senão o de que o dever de proteção da confidencialidade das fontes abarca, não só as próprias fontes, como também as fontes de informação alheias.
R. Razão pela qual a conduta dos AA. ora Recorridos, diferentemente do que considera a decisão a quo, preenche o tipo ilícito disciplinar que lhes foi imputado no processo disciplinar e que determinou a aplicação da sanção disciplinar de advertência registada.
S. A ética contribui para a existência de deveres legais, pelo que a ambos deve ser dado cumprimento.
T. O ponto 6 do Código Deontológico dos Jornalistas estabelece que o jornalista, mesmo em juízo, não deve revelar as suas fontes de informação, pelo que fica aqui bem patente o reforço dado ao sigilo profissional.
U. Não obstante estar prevista essa limitação do direito ao sigilo, a ética “manda” o jornalista manter a confidencialidade das fontes.
V. Dada a importância dos deveres éticos na atuação jornalística, aliada à influência exercida nos deveres legais a que os jornalistas estão adstritos, não poderemos entender de outra forma senão no sentido de que as fontes alheias estão abrangidas pelo dever que consta do artigo 14.º, n.º 2, alínea a).
W. Contrariamente ao defendido na decisão recorrida, a articulação entre o disposto no artigo 14.º, n.º 2, al. a) e no artigo 11.º do EJ estabelece-se apenas no âmbito da exceção à proteção da confidencialidade em juízo, que só nesse caso pode ceder!
X. Não faria, aliás, sentido, defender, como surpreendentemente se defende na decisão recorrida, que da conjugação daquelas normas resulta que o âmbito do dever de proteção da confidencialidade das fontes é o mesmo que o âmbito de proteção do direito ao sigilo profissional, para em seguida afirmar, como afirma a sentença recorrida, que a norma do artigo 11.º, n.º 5 EJ não permite impor ao jornalista o dever de proteger a confidencialidade das fontes de informação de outros jornalistas.
Y. Não faz sentido que o âmbito do dever/direito seja o mesmo para concluir que as fontes objeto de confidencialidade sejam apenas as próprias, e de seguida desistir desse entendimento na interpretação do artigo 11.º, n.º 5 – sendo assim uma total incoerência, com o devido respeito.
Z. Acresce que uma prática reiterada e generalizada de revelação da identidade das fontes ataca as próprias fundações de um Estado de direito democrático e antes é próprio doutros tempos.
AA. Uma interpretação como a que está subjacente à decisão recorrida no sentido de que os jornalistas apenas estarão adstritos à proteção da confidencialidade das suas próprias fontes é extremamente impeditivo da circulação da informação, limitando, assim, que as informações cheguem ao espaço público.
BB. O facto de as fontes de informação estarem investidas numa posição em que facilmente será revelada a sua identidade, fá-las-á manterem-se em silêncio, impedindo, por conseguinte, que a informação chegue ao público.
CC. É de reforçar que “… um jornal não é livre se as suas fontes de informação não o forem”, razão pela qual apenas numa situação de proteção de confidencialidade das fontes (todas elas) permite que os jornalistas e reflexamente a opinião pública continuem a poder ser informados.
DD. A este respeito, a acolher o entendimento da decisão, a atuação jornalística ficará marcada por constantes divulgações em que a identidade das fontes é revelada, passando a comunicação social a ser um confronto de egos e práticas vingativas, tornando o mundo jornalístico bastante hostil.
EE. O quadro de valores pelo qual se deve pautar a conduta jornalística em nada se coaduna com o entendimento da decisão, pelo que a divulgação da informação e consequente contributo para a formação e garantia de uma opinião pública livre será manifestamente afetada.
FF. Por fim, um dos fortes impactos registar-se-á na esfera do público (leitores, ouvintes e telespectadores), pois o dever de proteção da confidencialidade não se esgota na relação entre fonte e o jornalista, sendo extensível ao público!
GG. A atuação jornalística interessada em divulgar informação através de meios desleais comportará efeitos negativos na própria credibilidade da profissão e, naturalmente, em larga escala no que concerne aos verdadeiros destinatários da informação – o público.
HH. Daí que não exista alternativa ao único entendimento possível, isto é, de que o dever de proteção da confidencialidade das fontes de informação inclui, sem margem para dúvidas, todas as fontes de informação, sejam elas próprias ou alheias.
II. Mal andou a decisão recorrida e ao decidir como decidiu violou o disposto no artigo 38.º, n.º 2, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 22.º, alínea c) da Lei de Imprensa e nos artigos 6.º, alínea c) e 11.º do Estatuto do Jornalista.
JJ. O tribunal recorrido errou ainda ao proferir condenação em custas da ora recorrente uma vez que essa entidade jurisdicional administrativa está das mesmas isenta – art.º 27.º, n.º 2 da Lei n.º 70/2008, de 15/04, devendo reformar-se essa parte da sentença proferida, que não pode subsistir.
Termos em que, com o mui Douto e Venerando suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que mantenha a sanção de advertência registada aplicada aos recorridos, sendo reconhecida outrossim a isenção de taxas que assiste à recorrente. Com o que se fará a costumada JUSTIÇA!

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 08/03/2021.

Os aqui Recorridos vieram apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 16 de abril de 2021, aí concluindo:
“A. O Tribunal revogou a decisão da Ré, e bem, mas a justiça que a CCPJ quer é a justiça que ela diz. É a justiça que ela faz (fez).
B. Se o caso fosse da revelação por parte dos AA. de um email trocado entre o Primeiro Ministro e um seu secretário de Estado – com factos igual e substancialmente graves (uma pretensa trama) - não estariam os AA. há 10 anos nesta situação, não teria havido sanção disciplinar, e, pelo contrário, teríamos a CCPJ a saudar o dever de informação.
C. Como aquilo que os AA. (diretores do DN) fizeram foi revelar o conteúdo de um email trocado por dois jornalistas do ‘P.’ – que expunha e revelava a dita trama, então há – de acordo com o retorcido pensamento da CCPJ – uma violação de deveres jornalísticos…..
D. A decisão da Ré era inconstitucional, injusta e ilegal e ofensiva dos direitos legais e constitucionais dos AA., pondo em causa a essência dos direitos à liberdade de imprensa e expressão previstos e regulados nos arts. 37º e 38º da CRP e nos arts. 1º, 2º, al. a) e 22º da Lei de Imprensa, e também o art. 11º, nº 1 do EJ, normas que foram violadas.
E. Como decidiu, e bem, o Tribunal recorrido, os AA. não violaram o disposto no art. 14º, nº 2, al. a) do Estatuto dos Jornalistas.
F. Resulta da prova em sede disciplinar que o e-mail em causa era um “documento de trabalho” ou um “suporte de agenda” e não propriamente uma missiva privada entre dois jornalistas, enquanto nele é exclusivamente narrada a solicitação e pedido de execução de um trabalho jornalístico sobre um tema politicamente muito relevante.
G. Uma comunicação que voluntariamente circulou por um grupo alargado de pessoas além dos dois jornalistas identificados, e portanto não protegida por qualquer reserva de intimidade, a mesma deixou de ser privada no sentido jurídico do termo.
H. O referido documento encontrava-se também na posse de outras Redações de órgãos noticiosos, existindo um conhecimento mais generalizado do mesmo, tratando-se de um documento já público no sentido da pré-existência de um conhecimento do mesmo, e do seu conteúdo, o que a decisão simplesmente ignorou.
I. O conteúdo do documento tinha uma enorme relevância jornalística e política, enquanto revelava assuntos da maior gravidade política de relacionamento entre dois órgãos de soberania (Presidente da República e Governo) e a forma como os serviços da Presidência, através do seu mais alto e categorizado Assessor, haviam decidido divulgar as graves suspeitas do Presidente de que estava a ser espiado pelo Governo.
J. O documento publicado incluía e revelava as significativas informações de que o mais importante Assessor do PR se encontrara com um jornalista, a pedido e mando do Presidente, para pedir ao jornal P. a divulgação de suspeitas de vigilância ilegítima por parte do Governo (e não de factos concretos) que o Presidente pretendia que fossem tornadas públicas, e de que haveria conveniência de que o que viesse a ser divulgado pelo ‘P.’ deixasse a ideia de ter origem em fuga de informação provinda do Presidente do Governo Regional da Madeira.
K. Eram informações da máxima relevância política sobre a mais grave e séria suspeita de conspiração política de um órgão de soberania em Portugal sobre outro !
L. O e-mail em questão, e a sua divulgação, relevava não só pelo concreto tema destas suspeitas graves ou pela possível atuação ilícita e criminal do Governo e do seu Chefe contra o Presidente da República, como relevava igualmente, para efeitos da sua divulgação, da existência de uma forma particularmente sofisticada e elaborada de tornar públicas e conhecidas essas suspeitas, relevando também nos termos em que a imprensa (pelo menos alguma imprensa) se relaciona com o poder político para este efeito.
M. F......., na qualidade de Principal Assessor do PR, que pede a um jornal que divulgue não factos, mas suspeitas do PR quanto a espionagem, e que essa divulgação ocorra a partir da Madeira “para não parecer que foi Belém que passou esta informação, mas sim alguém ligado ao J.......” é um protagonista de uma história (dentro da história das suspeitas de espionagem do Presidente da República) e não uma fonte.
N. Afirma a Recorrente CCPJ um primado absoluto do dever de sigilo das fontes, quando o art. 6º do Código Deontológico dos Jornalistas dispõe que “o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação”.
O. O interesse que a norma visa proteger conter-se na esfera de proteção pessoal jornalista-fonte, pretendendo a norma justamente proteger as relações de cumplicidade estabelecidas entre ambos.
P. O art. 14º, nº 2, a) do EJ diz que são ainda deveres dos jornalistas “Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no art. 11º, exceto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas”.
Q. E o art. 11º, nº 1 que: “1. Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, direta ou indireta.”
R. As fontes cuja proteção compete aos jornalistas são as “suas fontes de informação” e não é (nem pode ser) extensível a terceiros, mesmo que jornalistas.
S. O dever de confidencialidade das fontes não é um dever absoluto, pois a própria lei o estatui como dever de reserva apenas, e só, “na medida do exigível em cada situação” (art. 14º, nº 2, al. a) do EJ).
T. A medida do dever de reserva depende das circunstâncias do caso concreto, variando de caso para caso, e serão essas circunstâncias que ditarão se é exigível, ou não, essa preservação da fonte.
U. A divulgação desta história pelo DN, em todos os seus contornos, relevava apenas em termos de cumprimento do dever de informação, dever a que os AA. estão vinculados.
V. O DN não podia deixar de publicar uma história política, grave em todas as suas vertentes, onde são visíveis os cruzamentos entre a política e a imprensa, sobrelevando o dever de informar sobre qualquer possível direito relativo àquela reserva.
W. Os AA. cumpriram a lei, a consciência, e o seu dever moral, ético, de divulgar informação relevantíssima e que os portugueses necessitavam de conhecer em ordem a formar a sua opinião sobre o tema.
X. O exercício adequado e sério do dever de informação excluía qualquer ilicitude (se ilicitude houvesse) à conduta dos AA. e impunha à Ré que proferisse uma decisão de arquivamento do processo.
Y. A Ré violou os arts. 37º e 38º, normas que consagram a liberdade de imprensa e garantem o direito de informar sem impedimentos, discriminações ou censuras de qualquer tipo ou sob qualquer forma, bem como a necessária e decorrente liberdade de expressão e criação.
Z. Ao sancionar disciplinarmente a conduta dos AA. pretendia condicionar os termos em que a publicação de factos relevantíssimos é feita.
AA. A deliberação da Ré violava o disposto nos arts. 1º, 2º, nº 1, al. a) e 22º da Lei de Imprensa, pois a liberdade de imprensa tem por fim a garantia do direito de informar e de ser informado sem impedimentos nem discriminações, bem como o respetivo exercício livre de censuras de qualquer tipo ou sob qualquer forma, a liberdade de expressão e criação e a independência em relação a qualquer interesse ou organismo público ou privado.
BB. O jornal moveu-se no âmbito da liberdade de expressão e informação, cumprindo e participando na função para a qual o Estado garante a existência de órgãos de informação: garantia de formação democrática da opinião pública e pluralismo.
CC. Os AA. não divulgaram o teor de um documento que fosse privado; não revelaram a identidade de uma fonte, já que não estávamos perante uma fonte, mas antes um agente político; ainda que fosse uma fonte, não era fonte dos AA. (mas de terceiros); o superior interesse público da notícia justificava a prevalência do dever de informar; e sempre agiram os AA. com falta de consciência da ilicitude por se encontrarem previamente à publicação convencidos da licitude da sua conduta.
DD. A Ré violou também o disposto nos arts. 11º, nº 1 e 14º, nº 2, a) do EJ, ao não interpretar estas normas conjugadamente e com o sentido que elas têm de que o dever de sigilo das fontes é do jornalista com a sua fonte e não com a de outros jornalistas.
EE. Violou a norma do art. 14º, nº 2, al. a) do EJ ao não considerar que só estavam obrigados a “Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação” e se não for com o intuito de as fontes “os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas”, com também foi o caso.
FF. O e-mail tenta passar informações falsas e, como tal, sempre teria lugar a exceção prevista no art. 14º, nº 2, al. a) do EJ.
GG. A decisão da R. era nula, porquanto ofendia direta e imediatamente o conteúdo de um direito fundamental inequivocamente consagrado na CRP, e era também anulável, por violar comandos legais ordinários como os arts. 1º, 2º, nº 1, al. a) e 22º da Lei de Imprensa e o regime dos arts. 11º, nº 1 e 14º, nº 2, al. a) do EJ por interpretar tais normas em flagrante oposição ao que elas estabelecem.
HH. Andou bem o Tribunal ao decidir como decidiu, não merecendo qualquer censura a sentença proferida.
Termos em que, e nos melhores de direito que sempre serão doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, com as legais consequências, designadamente a confirmação da sentença recorrida. Assim se fazendo justiça.”

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado em 6 de maio de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, se, como recursivamente invocado, o tribunal a quo “ao decidir como decidiu violou o disposto no artigo 38.º, n.º 2, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 22.º, alínea c) da Lei de Imprensa e nos artigos 6.º, alínea c) e 11.º do Estatuto do Jornalista.”

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como Provada:
“a) O autor J...... é jornalista há 30 anos, sendo Diretor do D. N. desde Fevereiro de 2007 [acordo].
b) A autora M....... é jornalista há 22 anos, sendo Diretora-adjunta do D. N. desde Fevereiro de 2007 [acordo].
c) O autor N....... é jornalista há 18 anos, sendo Subdiretor do D. N. desde Agosto de 2009 [acordo].
d) O autor R....... é jornalista há 12 anos, tendo ocupado o cargo de Diretor-adjunto do D. N. até 30/09/2010 [acordo].
e) No dia 18/08/2009, o jornal P. publicou uma notícia, com o título “Presidência da República teme estar a ser vigiada”, onde consta, designadamente, o seguinte:
“O clima psicológico que se vive no Palácio de Belém é de consternação e a dúvida que se instalou foi a de saber se os serviços da Presidência da República estão sob escuta e se os assessores de C...... estão a ser vigiados, confessou ao P. um membro da Casa Civil do Presidente.
(…)
O mesmo membro da Casa Civil da Presidência da República questiona-se sobre estas declarações e afirma: ―Como é que os dirigentes do PS sabem o que fazem ou não fazem os assessores do Presidente? Será que estão a ser observados, vigiados? Estamos sob escuta ou há alguém na Presidência a passar informações? Será que Belém está sob vigilância?”.
(…)
Insistindo na ideia de que acusações deste tipo feitas por dirigentes do PS pressupõem que esses dirigentes do PS tiveram informações sobre o que fazem as pessoas da Presidência, o membro da Casa Civil precisa que ―uma coisa é encontros em actos públicos, em que as pessoas são filmadas, outra coisa são encontros com amigos‖. E sublinha: ―Como sabem? Será que os assessores do Presidente estão sob vigilância do Governo ou do PS? Como têm acesso a essas informações?‖. Para rematar: ―Será que em Belém passámos à condição de vigiados?‖.
(…).” [documento n.º1 junto com a petição inicial].
f) A referida notícia, que deu origem ao chamado ―caso das escutas de Belém‖, foi publicada a pouco mais de um mês das eleições legislativas que teriam lugar no dia 27/09/2009 [acordo].
g) Em data anterior a 18/09/2009, os autores tiveram conhecimento da existência de um email, que chegou à redação do D. N., enviado pelo jornalista do P. L...... a outro jornalista do P., correspondente na Madeira, T.......[acordo].
h) O referido email, com data de 23/04/2008, tem o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
[documento n.º3 junto com a petição inicial].
i) Em 18/09/2009, o D. N. publicou uma notícia que tinha como título ―Homem Forte do Presidente Encomendou ―Caso das Escutas‖ e como antetítulo ―Revelação. “E-mail” denuncia que F......., assessor de C......, entregou ao ―P.‖ um ―dossier‖ sobre as suspeitas de espionagem do Governo a Belém” [documento n.º3 junto com a petição inicial].
j) A referida notícia tinha o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
[documento n.º3 junto com a petição inicial].
k) À margem da notícia, foi reproduzido o teor do email enviado, em 20/04/2008, pelo jornalista L...... ao jornalista T...... [documento n.º3 junto com a petição inicial].
l) Foi, ainda, publicada a seguinte Nota da Direção:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
[documento n.º4 junto com a petição inicial].
m) Em momento prévio à publicação da notícia, no dia 09/09/2009, o Dr. F...... disse, no programa da S. “Os candidatos como nunca os viu”, o seguinte: ”Um dos entretenimentos deste Verão foi esta história do Presidente: faz saber por via do Dr. F......., que é uma fonte anónima da Presidência da República, que achava que tinha sido escutado em Belém” [acordo].
n) No dia 22/09/2009, foi publicado no jornal P. um Editorial, da autoria do seu Diretor, J.M......, com o seguinte teor:
“Das duas, uma: ou o Presidente fundamenta as suas suspeitas depois das eleições, e age em conformidade, ou se se limitar a iniciativas pífias terá enfraquecido a sua autoridade como Chefe de Estado
Uma vez que este editorial - sobre o afastamento de F....... da chefia do gabinete de assessoria para a comunicação social do Palácio de Belém — será lido com mil lupas e, se se mantiver o registo dos últimos dias, facilmente treslido, comecemos por relembrar os factos essenciais.
Primeiro facto: há 17 meses um editor do P. enviou uma mensagem a um jornalista pedindo-lhe para apurar um conjunto de factos. Esse jornalista não apurou nenhum elemento que fosse suscetível de ser noticiado, e nada foi noticiado. Dados fornecidos por uma só fonte que se quer manter anónima não são notícia no P..
Segundo facto: a 18 de Agosto o P. editou uma notícia, baseada numa fonte identificada como "membro da Casa Civil do Presidente da República‖ em que esta assumia que esta se interrogava: "Será que em Belém passámos à condição de vigiados?" Uma tal suspeição, assumida por uma fonte do Palácio de Belém, é notícia em qualquer parte do mundo. No dia seguinte essa notícia não só não foi desmentida, como foi confirmada por outros órgãos de informação. Escrevi então em editorial: ―Se a Presidência da República quis que se soubesse das suas suspeitas sobre o não cumprimento das regras do jogo por alguns atores políticos é porque sente que pode ficar no olho da tempestade depois das eleições de 27 de Setembro".
Terceiro facto: quase um mês depois desta notícia, parte do conteúdo de uma troca de mensagens entre a direção editorial do P., um editor e um jornalista, trocadas exclusivamente no interior do jornal, é entregue a um jornalista da secção política do E.. Essa entrega, feita em papel, não foi realizada por ninguém do P., como já explicou o diretor daquele semanário. O mesmo material terá sido poucas horas depois encaminhado para o D. N., uma vez que o E. informou a sua fonte que primeiro teria de investigar o significado dessas mensagens. Já o D. N. optou por revelar correspondência privada com o objetivo de expor a fonte da notícia de 18 de Agosto. Não se sabe como esse conjunto de mensagens saiu para fora do P. nem o DN esclareceu como as recebeu.
Estes são os factos essenciais. Sobre o comportamento dos vários órgãos de informação envolvidos já muito foi escrito. É matéria de opinião que envolve diretamente o P. sobre a qual não nos pronunciaremos nem hoje, nem aqui. Relevante é analisar os factos políticos, não os factos mediáticos.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o afastamento de F....... corresponde ao assumir peia Presidência da República de que as notícias sobre as suas suspeitas de estar a ser vigiada eram falsas ou, então, exageradas. As declarações feitas ainda em Agosto pelo Presidente, assim como o que disse na sexta-feira passada, já depois das notícias sobre F......., não permitem concluir que essas suspeitas não existem. Mais: se o Presidente as quisesse por fim desmentir teria ontem podido fazê-lo ao afastar o seu assessor das suas anteriores responsabilidades. De novo isso não aconteceu. Só aconteceu o que não podia deixar de acontecer: F....... deixou de ter condições pessoais e políticas para falar aos jornalistas, logo foi afastado das relações com a comunicação social.
A segunda questão a discutir, e a mais importante, é o comportamento da Presidência da República. Na verdade, ao permitir que esta questão assumisse a dimensão que assumiu, C......, que já iria estar no olho da tempestade depois das eleições, colocou-se no olho de outra tempestade antes delas. Por isso, das duas, uma: ou a seguir a 27 de Setembro fundamenta as suas suspeitas, e age em conformidade, ou se se limitar a iniciativas pífias terá enfraquecido a sua autoridade como Chefe de Estado, porventura de forma irremediável. Sendo que este processo não se resolve com uma simples queixa à Procuradoria-Geral da República ou o rastreamento do Palácio de Belém para descobrir eventuais aparelhos de escuta. E ninguém perdoará se se perceber que as suspeitas ou não existiam, ou não tinham fundamento, ou eram simplesmente paranoicas.
Há porém uma terceira questão que não pode ser esquecida: a forma como este tema ―rebentou‖ num jornal, isto é, as condições em que correspondência interna do P. saiu deste jornal e quem a levou a um jornal que não quis fazer investigação própria, ao contrário do E..
PS. Este jornal deve um esclarecimento de facto aos seus leitores: ao contrário do que afirmou o Provedor do Leitor, ninguém nesta empresa lhe ―vasculhou‖ a correspondência eletrónica. O P. continua sim a ser o espaço de liberdade que lhe permitiu fazer as críticas que fez”.
[documento n.º2 junto com a petição inicial].
o) O jornalista M......., em artigo publicado no jornal "E.'' do dia 0../…/20…, sob o título "Seremos todos parvos, Sr. Presidente?", escreveu: “E mudo e quedo, sem desmentir as suspeitas assim lançadas pública e escandalosamente, ficou o Presidente, lá na sua casa do Algarve, entretido a ver diplomas. E assim ficaria, não tivesse o "D. N." desvendado os contornos da trama e obrigado C...... ao gesto dúbio de "fazer alterações na sua Casa Civil" [documento n.º5 junto com a petição inicial].
p) O Dr. J.J......., em entrevista publicada no dia ..0/../20.., sob o título "A comunicação social deve pôr a nu estes métodos de fazer jornalismo", à pergunta "Considera aceitável que o DN tenha divulgado o e-mail, declarou que: É importante que o D. N. tenha divulgado esta situação. E é importante que os jornalistas ponham a mão na consciência. (...) A comunicação social deve pôr a nu estes métodos de fazer jornalismo. Se é grave o que F......., assessor do Presidente da República fez, também é grave a comunicação social sujeitar-se a isso.‖ [documento n.º6 junto com a petição inicial].
q) O Dr. P....... considerou, em artigo publicado no dia 1../…/20… no D. N., que o ―D. N. também tinha razão ao publicar a notícia sobre o e-mail. Quer de um ponto de vista deontológico quer de um ponto de vista jurídico. A notícia tinha um interesse público notório, pois respeitava às relações ente o poder político e o quarto poder.» [documento n.º7 junto com a petição inicial].
r) O jornalista J. V., à época Provedor do jornal "P.", respondeu em entrevista publicada no "J. N.", de 0../../20…, que «O "DN" fez bem em publicar a história [das escutas a Belém]. A relevância da informação é o que fica para a história e não a forma como o "e-mail" foi obtido. O "E.‖ fez mal» [documento n.º8 junto com a petição inicial].
s) Em 09/12/2009, o Secretariado da C. C. P. J. determinou a instauração de procedimento disciplinar aos autores e a C.T.......e M.G........ – Processo PD-09/09 [documento de fls. 1 a 7 do processo administrativo apenso].
t) Foi deduzida acusação contra os autores, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
[documento n.º9 junto com a petição inicial].
u) Através de ofícios datados de 24/02/2010, a entidade demandada notificou os autores do despacho de acusação [documento n.º9 junto com a petição inicial].
v) Os autores apresentaram a sua defesa, contestando a violação de qualquer dever ou preceito legal, ético e deontológico [documento de fls. 116 a 134 do processo administrativo apenso].
w) No depoimento escrito que prestou no processo disciplinar, o Dr. P....... referiu, designadamente, o seguinte: ―(…) Tratava-se de uma comunicação entre dois jornalistas de um outro jornal e não foi obtido o consentimento de algum deles. Mas essa comunicação não é privada, no sentido jurídico do termo, porque ela foi voluntariamente circulada por um grupo de pessoas além do remetente e do destinatário da comunicação. A partir do momento em que a comunicação trocada entre duas pessoas é voluntariamente divulgada a outras pessoas deixa de ser privada e perde o benefício da tutela do artigo 194.º do Código Penal. (…).‖ [documento n.º12 junto com a petição inicial].
x) No depoimento escrito que prestou no processo disciplinar, o jornalista O........, antigo Presidente do C. D. S. J., referiu, designadamente, o seguinte:
“(…)
O art.º 11.º estabelece, de facto, que «só o pessoal da casa» é que está proibido de revelar as fontes de um jornalista sem a sua autorização (…).
Outras pessoas ou entidades não estão proibidas de tentar saber, ou saber, ou divulgar e até submeter às consequências as fontes de informação de jornalistas.
(…)
Os jornalistas do DN não devassaram correspondência privada, porque apenas tornaram público um «suporte de agenda», é este o termo correto nas redações, em que um chefe envia uma nota a um subordinado - «a situação é esta; faz isto» -a qual vincula o «pessoal da casa» a deveres de confidencialidade (e mesmo essa, apenas até certo ponto), não obriga mais ninguém.
(…).” [documento n.º13 junto com a petição inicial].
y) No depoimento escrito que prestou no processo disciplinar, o Dr. A........ referiu, designadamente, o seguinte: “(…) Tendo a cópia desse mail sido divulgada a outras pessoas, que não o remetente e o destinatário iniciais, tendo, inclusivamente, sido assumido que ele era um documento de trabalho interno e, portanto, não um mail privado, o mesmo não tem a tutela legal que pretende a acusação. (…).” [documento n.º14 junto com a petição inicial].
z) No depoimento escrito que prestou no processo disciplinar, o Dr. J.J....... referiu, designadamente, o seguinte:
“(…)
A informação revelada reveste o mais elevado grau de interesse público, ultrapassando manifestamente situações em que os media o invocam para fundamentar uma situação de conflito de deveres, com base no qual entendem violar deveres legais como o de respeito de segredos regulamentados ou com base e proteção legal. Estes factos – sejam ou não paradigmáticos de concubinagem entre jornalistas e políticos – são de uma gravidade extrema e afetam a fábrica do Estado de Direito.
(…)
Por isso – mesmo que a regra da proteção das fontes se aplicasse à proteção das fontes dos outros jornalistas, numa espécie de iceberg que subterraneamente ligasse toda a classe profissional, com que como advogado e jurista não posso obviamente concordar – este é para mim um caso de escola de um dever ético e não apenas um direito jornalístico de informar sobre tão graves factos.
De facto, um assessor da mais total confiança do Presidente da República, e portanto de um órgão de soberania, tenta plantar uma notícia que sabe ser falsa ou pelo menos que uma pessoa normal não poderia deixar de concluir que o é, para atingir outro órgão de soberania e sugere ao jornalista que seja fraudulentamente e de forma falsa sugerido que a notícia tem origem no Governo Regional da Madeira: que exemplo mais grave poderá V. Exa. encontrar de uma conspiração que, embora tenha acabado por se tornar numa espécie de ópera bufa, era objetivamente muito grave para o sistema político e para o Estado de Direito? Como ocultar estes factos? Como seria possível – com base numa aliás errada e inaplicável regra da proteção das fontes – esconder dos portugueses estes factos? Se houvesse aqui um dever de ocultar, não teria ele de ceder perante o dever mais importante de informar? Claro que sim.
(…).” [documento n.º15 junto com a petição inicial].
aa) No depoimento escrito que prestou no processo disciplinar, o jornalista A.B....... referiu, designadamente, o seguinte: ―(…) Infere-se, sem juízos precipitados ou levianos, que estava em marcha uma cabala de consequências imprevisíveis, interrompida pelo facto de o «DN» haver publicado o e-mail. (…).‖ [documento n.º16 junto com a petição inicial].
bb) Concluída a instrução, foi elaborado o Relatório Final, onde consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(…).” [documento de fls. 242 a 256 do processo administrativo apenso].
cc) Em 16/06/2010, a Secção Disciplinar da C. C. P. J., com os termos e fundamentos descritos no Relatório Final e com a proposta formulada pelo relator, deliberou, por unanimidade, aplicar a sanção de advertência registada aos autores e arquivar o processo, com a consequente extinção do procedimento disciplinar, relativamente às arguidas C.G....... e G.......[documento de fls. 242 a 258 do processo administrativo apenso].
dd) Os autores interpuseram recurso da decisão referida em cc) para o Plenário da C. C. P. J. [documento de fls. 278 do processo administrativo apenso].
ee) Pelo Acórdão n.º1/2010, de 13/10/2010, o Plenário da C. C. P. J. julgou improcedente o recurso interposto pelos autores e, em consequência, manteve a decisão recorrida [documento n.º11 junto com a petição inicial].

IV – Do Direito
Discorreu-se, no que aqui releva, na fundamentação de direito da decisão recorrida, o seguinte:
“Na presente ação administrativa especial, os autores impugnam o Acórdão n.º1/2010, de 13/10/2010, do Plenário da C. C. P. J., que, julgando improcedente o recurso por si interposto, manteve a decisão da Secção Disciplinar, de 16/06/2010, que lhes aplicou a sanção de advertência registada.
(…)
Nos termos do artigo 4.º, alínea b), do Decreto-lei n.º70/2008, de 15 de Abril, compete à CCPJ: “apreciar, julgar e sancionar a violação, pelos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social, dos deveres profissionais enunciados no n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista”.
Relativamente às sanções disciplinares, o artigo 23.º do mesmo diploma legal estabelece o seguinte: “1. As violações dos deveres enunciados no n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista constituem infração disciplinar profissional, punida com as seguintes penas, tendo em conta a gravidade da infração, a culpa e os antecedentes disciplinares do agente: a) Advertência registada; b) Repreensão escrita; c) Suspensão do exercício da atividade profissional até 12 meses. 2. Para determinar o grau de culpa do agente, designadamente quando tenha agido no cumprimento de um dever de obediência hierárquica, a CCPJ pode requerer os elementos que entenda necessários ao conselho de redação do órgão de comunicação social em que tenha sido cometida a infração. 3. A pena de suspensão do exercício da atividade só pode ser aplicada quando o agente, nos três anos precedentes, tenha sido sancionado pelo menos duas vezes com a pena de repreensão escrita, ou uma vez com idêntica pena de suspensão”.
O Estatuto do Jornalista foi aprovado pela Lei n.º1/99, de 1 de Janeiro, alterada pela Lei n.º64/2007, de 6 de Novembro, retificada pela Retificação n.º114/2007, de 20 de Dezembro, sendo que o seu artigo 14.º elenca os deveres profissionais dos jornalistas.
Assim, o artigo 14.º, n.º2, do Estatuto do Jornalista estabelece o seguinte: “São ainda deveres dos jornalistas: a) Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no artigo 11.º, exceto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas; b) Proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis; c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência; d) Abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a dignidade das pessoas através da exploração da sua vulnerabilidade psicológica, emocional ou física; e) Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual; f) Não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique; g) Não identificar, direta ou indiretamente, as vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, contra a honra ou contra a reserva da vida privada até à audiência de julgamento, e para além dela, se o ofendido for menor de 16 anos, bem como os menores que tiverem sido objeto de medidas tutelares sancionatórias; h) Preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas; i) Identificar-se, salvo razões de manifesto interesse público, como jornalista e não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público; j) Não utilizar ou apresentar como sua qualquer criação ou prestação alheia; l) Abster-se de participar no tratamento ou apresentação de materiais lúdicos, designadamente concursos ou passatempos, e de televotos”.
Atento o disposto no n.º3 do mesmo artigo, “Sem prejuízo da responsabilidade criminal ou civil que ao caso couber nos termos gerais, a violação da componente deontológica dos deveres referidos no número anterior apenas pode dar lugar ao regime de responsabilidade disciplinar previsto na presente lei”.
De acordo com o artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto dos Jornalistas, as violações dos deveres enunciados no artigo 14.º, n.º2, constituem infrações disciplinares profissionais, puníveis, tendo em conta a gravidade da infração, a culpa e os antecedentes disciplinares do agente, com as seguintes penas: a) Advertência registada; b) Repreensão escrita; c) Suspensão do exercício da atividade profissional até 12 meses.
Da factualidade provada resulta que, no dia 1./../20.., o D. N. [DN] publicou uma notícia que tinha como título “Homem Forte do Presidente Encomendou “Caso das Escutas” e como antetítulo “Revelação “E-mail denuncia que F......., assessor de C......, entregou ao “P.” um “dossier” sobre as suspeitas de espionagem do Governo a Belém” [alínea i) dos factos provados].
À margem da notícia, o D. N. reproduziu o teor de um email enviado, em 20/04/2008, por L...... a T......, ambos jornalistas do jornal “P.”, de que os autores tinham tomado conhecimento em data anterior a 1./../20.. [alíneas g), h) e k) dos factos provados].
Na sequência da publicação da referida notícia e email, em 0../../20.., foi determinada a instauração de um procedimento disciplinar aos autores, tendo os mesmos sido acusados de terem violado o dever de proteção de confidencialidade das fontes de informação, por, em suma, ao terem publicado o referido email de 20/04/2008, terem divulgado a fonte de informação do jornalista L...... [alíneas s) e t) dos factos provados].
Concluída a instrução, foi elaborado o Relatório Final, onde, tendo-se concluído que os autores, com a sua conduta, praticaram a infração disciplinar prevista e punida pelo artigo 14.º, n.º2, alínea a), do Estatuto dos Jornalistas, foi proposta a aplicação da sanção de advertência registada [alínea bb) dos factos provados].
Em 16/06/2010, a Secção Disciplinar da C. C. P. J., com os termos e fundamentos descritos no Relatório Final e com a proposta formulada pelo relator, deliberou, por unanimidade, aplicar aos autores a sanção de advertência registada [alínea cc) dos factos provados].
Pelo Acórdão n.º1/2010, de 13/10/2010, o Plenário da C. C. P. J. julgou improcedente o recurso interposto pelos autores e, em consequência, manteve a decisão recorrida [alínea ee) dos factos provados].
A questão que se coloca, nos presentes autos, sendo certo que os autores não impugnam a factualidade considerada provada no processo disciplinar, é a de saber se, com a sua conduta, os mesmos violaram o dever consagrado no artigo 14.º, n.º2, alínea a), do Estatuto dos Jornalistas.
O artigo 14.º, n.º2, alínea a), do Estatuto do Jornalista, já citado, estabelece que é dever dos jornalistas “proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no artigo 11.º, exceto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas”.
Por sua vez, o artigo 11.º, n.ºs 1 e 5, do mesmo Estatuto estabelece o seguinte: “1. Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, direta ou indireta. (…) 5. Os diretores de informação dos órgãos de comunicação social e os administradores ou gerentes das respetivas entidades proprietárias, bem como qualquer pessoa que nelas exerça funções, não podem, salvo mediante autorização escrita dos jornalistas envolvidos, divulgar as respetivas fontes de informação, incluindo os arquivos jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas ou quaisquer documentos suscetíveis de as revelar”.
Atento o disposto nas normas legais citadas, conclui-se que, por um lado, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, tendo, assim, direito ao sigilo profissional, o qual, aliás, se encontra consagrado no artigo 38.º, n.º2, alínea b) da Constituição, sendo que, por outro lado, têm o dever de proteger a confidencialidades das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, exceto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas.
A proteção das fontes de informação dos jornalistas é, assim, assegurada por duas vias distintas, mas interligadas: através da consagração do direito dos jornalistas a não revelarem as suas fontes, sem prejuízo do disposto na lei processual penal, e mediante o dever de os jornalistas protegerem a confidencialidade das fontes.
(…)
Ora, e ao contrário do que entendeu a entidade demandada, a norma do artigo 14.º, n.º2, alínea a), do Estatuto do Jornalista deve ser interpretada no sentido de que os jornalistas têm o dever de proteger a confidencialidade das suas fontes de informação, e não das fontes de informação de outros jornalistas de cuja identidade venham a ter conhecimento, sendo certo que, no que se refere ao sigilo profissional, a norma do artigo 11.º, n.º1, do mesmo Estatuto é clara no sentido de que o jornalista não é obrigado a revelar as suas fontes de informação.
Da articulação entre o disposto nas normas dos artigos 14.º, n.º2, alínea a), e 11.º do Estatuto dos Jornalistas resulta, assim, que o âmbito do dever de proteção da confidencialidade das fontes é o mesmo que o âmbito de proteção do direito ao sigilo profissional, pelo que, reitere-se, o jornalista apenas tem o dever de proteger a confidencialidade das suas fontes.
Tendo presente o alegado pela entidade demandada, cumpre referir que a norma do n.º5 do artigo 11.º do Estatuto do Jornalista não permite concluir, recorrendo a um argumento de maioria de razão, que a alínea a), do n.º2, do artigo 14.º do mesmo Estatuto impõe ao jornalista o dever de proteger a confidencialidade das fontes de informação de outros jornalistas.
Com efeito, e como resulta da sua inserção sistemática na norma sobre o sigilo profissional dos jornalistas, o n.º3 do artigo 11.º do Estatuto do Jornalista visa, essencialmente, permitir que as pessoas nele identificadas, que, devido às funções que exercem, podem ter acesso à identificação das fontes de informação dos jornalistas, se recusem a divulgar estas fontes quando não disponham de autorização dos jornalistas envolvidos.
É certo que a norma do artigo 11.º, n.º3, do Estatuto do Jornalista consagra uma proibição – “não podem” – e não um direito das pessoas nele identificadas. No entanto, a mesma norma visa garantir o segredo profissional dos jornalistas, impedindo que, perante a recusa do jornalista a divulgar as suas fontes, tal informação seja obtida junto das pessoas identificadas na mesma norma, que, por não serem titulares do direito ao sigilo profissional, poderiam ser compelidas a prestá-la.
Noutra perspetiva, a proibição constante do artigo 11.º, n.º3, do Estatuto do Jornalista dirige-se unicamente às pessoas nele indicadas, não abrangendo, assim, os jornalistas que trabalhem em órgão de comunicação social distinto do jornalista que é titular do direito ao sigilo profissional.
A remissão da norma do artigo 14.º, n.º2, alínea a), do Estatuto dos Jornalistas para o artigo 11.º do mesmo Estatuto não tem, assim, o alcance de fazer impender sobre o jornalista o dever de proteger a confidencialidade das fontes de informação de outros jornalistas, sendo outro o escopo desta remissão, qual seja, o determinar a extensão do dever consagrado na primeira norma referida, ou seja, a “medida do exigível em cada situação” é definida – “tendo em consideração” – pelas garantias do sigilo profissional.
Questão diferente são os meios através dos quais o jornalista tem conhecimento das fontes confidenciais de informação de outro jornalista, ou seja, e na situação dos autos, a forma como os autores tiveram acesso ao email enviado pelo jornalista L...... que permite identificar F....... como sua fonte de informação sobre o denominado “caso das escutas em Belém” – nesta sede, e tendo presente o alegados pelos autores, surge como irrelevante saber se, em rigor, F....... era uma fonte de informação ou um protagonista, como aqueles pretendem –, sendo também diferente a questão de saber se os autores poderiam, ou não, divulgar o teor do referido email.
De facto, o eventual acesso ilegítimo ao mencionado email, bem como a publicação de um documento que pode ser considerado um documento privado, estando, como tal, interdita a sua publicação, pode consubstanciar a violação de outros deveres dos jornalistas, mas já não do dever de proteção da confidencialidade das fontes de informação, sendo que foi a violação deste dever que determinou a aplicação aos autores de uma sanção disciplinar [alínea bb) dos factos provados].
É certo que, como refere a entidade demandada, de acordo com o artigo 4.º do Código Deontológico dos Jornalistas, aprovado pelo S. J., “o jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja”. No entanto, não é menos certo que os autores não foram sancionados disciplinarmente por terem violado tal dever – em rigor, nem o poderiam ser, atendendo a que, de acordo com o artigo 21.º, n.º1, do Estatuto dos Jornalistas, apenas constituem infrações disciplinares as violações dos deveres consagrados no artigo 14.º, n.º2, do mesmo Estatuto –, mas, como já referimos, por terem violado o dever de proteger a confidencialidade das fontes de informação.
Por outro lado, a natureza privada do email que veio a ser publicado no D. N. releva para aferir da legitimidade da sua publicação, mas não tendo os autores sido sancionados disciplinarmente por terem divulgado um documento privado, mas, o que é diferente, por, ao terem publicado o email, terem identificado uma fonte de informação confidencial, a questão da natureza daquele documento não assume relevância na presente ação.
Não obstante, ainda que se concluísse que o email em causa é um documento privado, a sua publicação sempre seria insuscetível de preencher o tipo de infração imputado aos autores no processo disciplinar, uma vez que tal publicação, ainda que ilegítima, não poderia violar um dever que, no caso concreto, e por se tratar de uma fonte de informação de outro jornalista, não impendia sobre os autores.
Pelo exposto, concluímos que o dever do jornalista de proteger a confidencialidade das fontes de informação se dirige apenas às suas fontes de informação, ou seja, o jornalista tem o dever de proteger a confidencialidade das suas fontes de informação, e já não o dever de proteger as fontes de informação de outros jornalistas.
Assim sendo, impõe-se concluir que, com a sua conduta, os autores não violaram o dever de proteção da confidencialidade das fontes de informação, isto é, a conduta dos autores não preenche o tipo de ilícito disciplinar que lhes foi imputado no processo disciplinar e que determinou a aplicação da sanção disciplinar de advertência registada, pelo que o Acórdão impugnado padece de vício de violação de lei, uma vez que viola o disposto no artigo 14.º, n.º2, alínea a), do Estatuto do Jornalista, o que determina a sua anulação.
Tendo concluído que não impendia sobre os autores o dever de proteger a confidencialidade das fontes de informação de outros jornalistas, surge como irrelevante saber se F....... era uma fonte de informação ou, como pretendem os autores, um protagonista, bem como se o interesse público da informação em causa deveria prevalecer sobre o dever de proteção da confidencialidade das fontes.
Por outro lado, atendendo a que concluímos que a conduta dos autores não preenche o tipo de ilícito disciplinar que lhes foi imputado, a violação dos artigos 37.º e 38.º da Constituição e dos artigos 1.º, 2.º, n.º1, alínea a), e 22.º da Lei de Imprensa nos termos alegados pelos autores apenas assumiria relevância, no âmbito da presente ação, se o Tribunal pudesse conhecer do pedido relativo à substituição do ato impugnado por outro que lhes reconheça o direito a publicarem a notícia em causa nos autos.
Contudo, no processo disciplinar, a entidade com competência disciplinar apenas pode arquivar o processo ou sancionar o arguido, e já não, na situação dos autos, reconhecer o direito a publicar uma notícia, pelo que, e atento o objeto da presente ação, o Tribunal não se pode pronunciar, em geral, sobre se assistia aos autores, designadamente ao abrigo das normas referidas, o direito de publicar a notícia em causa nos autos.
Pelo exposto, concluindo que o Acórdão impugnado padece de vício de violação de lei, cumpre proceder à sua anulação, o que determina a eliminação da sanção de advertência do registo profissional dos autores. (…)”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância, julgar a presente ação administrativa especial procedente e, em consequência, anula-se o Acórdão n.º1/2010, de 13/10/2010, da C. C. P. J., que aplicou aos autores a sanção de advertência registada, condenando-se a entidade demandada a eliminar a sanção do seu registo profissional”.

Analisemos então o suscitado.
Enquadrando a questão aqui controvertida, resume-se a mesma ao seguinte:
a) A casa Civil da Presidência da República imputou ao então Primeiro-Ministro responsabilidades por uma suposta “trama” de vigilância de que o primeiro estaria a ser alvo por incumbência do Governo;
b) o “DN” publica a história e um email trocado entre jornalistas do “P.”, que revelava o “esquema”.

O que está subjacente à presente Ação é o facto do “DN” ter revelado o conteúdo de um email trocado por dois jornalistas do ‘P.’, que evidenciaria a referida trama, o que se consubstanciaria numa violação de deveres jornalísticos.

Os AA. foram pois acusados de terem violado a lei, a ética e deontologia que rege a profissão, o que foi contrariado pelo tribunal a quo.

Aqui chegados, vejamos o suscitado:
Da Deliberação da CCPJ que aplicou a sanção de advertência registada
O Tribunal a quo considerou a questão prejudicada, uma vez que foi entendido que a conduta dos AA. não preenchia o tipo de ilícito disciplinar que lhes fora imputado, sendo que a referida deliberação da CCPJ punha em causa o direito à liberdade de imprensa e expressão previstos nos arts. 37º e 38º da CRP e nos arts. 1º, 2º, al. a) e 22º da Lei de Imprensa, e também o art. 11º, nº 1 do EJ.

Entendeu pois o tribunal a quo que não foi violado o disposto no art. 14º, nº 2, al. a) do Estatuto dos Jornalistas, não se tendo, igualmente, verificado qualquer violação pelos AA. do dever de proteção da confidencialidade das fontes, entendimento que aqui se acompanha.

Efetivamente, e no que concerne à publicação/Divulgação do controvertido email, a CCPJ limita-se a considerar ter havido uma violação da lei por entender que está em causa um documento privado trocado entre dois jornalistas.

Em concreto, J.M......, então Diretor do ‘P.’, escreveu um artigo em que diz que o documento publicado corresponde a uma troca de mensagens “entre a direção editorial do P., um editor e um jornalista” tendo sido “entregue a um jornalista da secção política do “E.”, e que “o mesmo material terá sido poucas horas depois encaminhado para o D. N.”.

Por outro lado e significativamente, P....... declarou no processo disciplinar que “essa comunicação não é privada, no sentido jurídico do termo, porque ela foi voluntariamente circulada por um grupo de pessoas além do remetente e do destinatário da comunicação. A partir do momento em que a comunicação trocada entre duas pessoas é voluntariamente divulgada a outras pessoas deixa de ser privada e perde o benefício da tutela do artigo 194º do Código Penal.”

O........, antigo Presidente do Conselho Deontológico do S. J., descreve-o no seu depoimento como um documento de “suporte de agenda”:
“Os jornalistas do DN não devassaram correspondência privada, porque apenas tornaram público um ‘suporte de agenda’, é este o termo correto nas redações, em que um chefe envia uma nota a um subordinado (...) a qual vincula o «pessoal da casa» a deveres de confidencialidade (…) não obriga mais ninguém.”

É pois incontornável que o referido documento se encontrava já na posse de outras Redações de órgãos de comunicação social, existindo, assim, um conhecimento generalizado do mesmo, tratando-se de um documento já público no sentido da pré-existência de um conhecimento do mesmo, e do seu conteúdo, não fazendo pois sentido penalizar os jornalistas de órgão de comunicação social terceiro, que o publicaram.

Da legitimidade e relevância da divulgação
É manifesto qua a CCPJ na sua atuação punitiva, não ponderou que existiria uma pluralidade de possíveis situações em que uma comunicação meramente funcional pode ser usada por terceiros, sem que se possa pôr em causa a suposta confidencialidade da fonte.

O controvertido conteúdo do documento tem uma significativa relevância jornalística e política, porquanto evidencia temáticas politicas sensíveis, entre dois órgãos de soberania (Presidente da República e Governo), no caso, relacionadas com uma suposta espionagem da Presidência pelo Governo, sendo que o documento versava exatamente sobre a forma como a Presidência da República dava a conhecer aos media a suspeita que tinha relativamente à atuação do PM.

O documento publicado revelava as informações de acordo com as quais um destacado Assessor do PR se encontrara com um jornalista, a pedido do Presidente, para pedir ao jornal P. a divulgação de suspeitas de vigilância ilegítima por parte do Governo, que o Presidente pretendia que fossem tornadas públicas, imputando-se a responsabilidade pela fuga de informação ao Presidente do Governo Regional da Madeira.

J.J....... a propósito desta questão, afirmou lapidarmente o seguinte:
“a informação revelada reveste o mais elevado grau de interesse público”. (…) Estes factos – sejam ou não paradigmáticos de concubinagem entre jornalistas e políticos – são de uma gravidade extrema e afetam a fábrica do Estado de Direito”.
(…)
“Este é para mim um caso de escola de um dever ético e não apenas um direito jornalístico de informar sobre tão graves factos. De facto, um assessor da mais total confiança do Presidente da República, e portanto de um órgão de soberania, tenta plantar uma notícia que sabe ser falsa (…) para atingir outro órgão de soberania e sugere ao jornalista que seja fraudulentamente e de forma falsa sugerido que a notícia tem origem no Governo Regional da Madeira: que exemplo mais grave poderá V. Exa. encontrar de uma conspiração que, embora tenha acabado por se tornar numa espécie de ópera bufa, era objetivamente muito grave para o sistema político e para o Estado de Direito? Como ocultar estes factos? Como seria possível (…) esconder dos portugueses estes factos? Se houvesse aqui um dever de ocultar, não teria ele que ceder perante o dever mais importante de informar? Claro que sim.”

Da revelação da fonte
Insiste recursivamente a CCPJ que houve violação do dever de proteção da confidencialidade das fontes.

F......., na qualidade de Principal Assessor do PR, que pede a um jornal que divulgue suspeitas de supostos factos invocados pelo PR quanto a espionagem, e que essa divulgação deveria aparentar ter tido proveniência na Madeira “para não parecer que foi Belém que passou esta informação, mas sim alguém ligado ao J.......” é uma “história” que inevitavelmente coloca o Presidente da República no epicentro da questão e que assume interesse jornalístico manifesto.

O Jornal ou jornais visados, em bom rigor, foram induzidos a dar uma “notícia” que, para além do mais, não o era, pelo que a questão das fontes acaba inevitavelmente por ter um papel secundário.

Assim, e tal como resulta do descrito em 1ª instância, o CCPJ acabou por adotar uma interpretação abusiva dos normativos aplicáveis aos jornalistas, penalizando os mesmos por factos a que eram alheios, tendo tido uma intervenção meramente instrumental.

Efetivamente, não se vislumbra nem reconhece que os jornalistas visados disciplinarmente tenham cometido qualquer violação legal ou deontológica ou violação do dever de confidencialidade de fontes a que estivessem vinculados.

Importa não perder de vista que o art. 6º do Código Deontológico dos Jornalistas (CDJ) dispõe que “o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação”, sendo que o normativo não se reporta a uma obrigação de reserva absoluta e sucessiva.

Estão pois em causa singelamente as “suas fontes”, e não sucessivamente as fontes alheias, pois que assim não sendo, criar-se-ia uma insustentável e interminável cadeia piramidal de confidencialidade.

Com efeito, refere-se com clareza no art. 14º, nº 2, a) do EJ que é dever dos jornalistas “Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no art. 11º, exceto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas”.

Refere-se, por outro lado, no Artº 11º, nº 1 do EJ, o seguinte:
“1. Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, direta ou indireta”, o que só pode significar que as fontes cuja proteção compete aos jornalistas são as “suas fontes de informação”, o que se não mostra extensível a terceiros, ainda que jornalistas.

A razão de ser da norma tem a ver com a preservação da relação jornalista/fonte, em termos de garantia de acesso a informação, com vista à proteção de uma relação de confiança estabelecida entre ambos.

Acresce que o referido não obsta a que o jornalista possa legitimamente identificar a sua fonte, se a mesma o tentar usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas (v. art. 14º, nº 2, al. a) do EJ in fine).

Refere-se no identificado normativo:
“2 – São ainda deveres dos jornalistas:
a) Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no artigo 11.º, exceto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas”.

Se a autenticidade do controvertido email não é questionada, o mesmo não se passa quanto à veracidade do seu conteúdo.

Por outro lado, e quanto ao dever de confidencialidade das fontes, como se disse já, não se trata de um dever absoluto, pois a própria lei salvaguarda a possibilidade de assim não ser, “na medida do exigível em cada situação” (art. 14º, nº 2, al. a) do EJ).

A medida do dever de reserva depende das circunstâncias do caso concreto, sendo essas circunstâncias que ditarão se é exigível, ou não, a preservação das fontes.

A divulgação da controvertida notícia, pela sua relevância, justificava-se, pois, inexoravelmente enquanto cumprimento do dever de informação a que os jornalistas estão vinculados.

Como declarou o P....... (doc. 12 com a pi), “como é evidente, o interesse público da notícia residia precisamente na autoria da informação, pelo que a revelação da informação implicava necessariamente a revelação da autoria da informação.”

Reitera-se que não foi posta em causa a veracidade do teor do controvertido email, independentemente das questões discutidas quanto à identificação das fontes.

Da violação da Constituição da República e da Lei
Diga-se, desde logo, que a decisão punitiva da CCPJ colide com o estabelecido nos arts. 37º e 38º, da CRP, os quais visam assegurar a liberdade de imprensa e o direito de informar sem discriminações ou censuras.

Na situação em análise é também a liberdade de expressão que está em causa, enquanto liberdade de informação.

A intervenção punitiva controvertida corresponde a uma decisão condicionadora da atividade jornalística, sendo que já se concluiu não ter havido qualquer violação primária das fontes.

Atento o interesse público no conhecimento da notícia em causa, qualquer violação menor de qualquer principio instrumental sempre estaria justificado pela prevalência do dever de informar que no caso impendia sobre os Autores, atento até o superior interesse público na divulgação da notícia em questão.

A CCPJ ao atuar punitivamente contra os jornalistas, nos termos em que o fez, violou também os arts. 1º, 2º, nº 1, al. a) e 22º da Lei de Imprensa, pois a liberdade de imprensa tem por fim a garantia do direito de informar e de ser informado sem impedimentos nem discriminações.

Estando em causa como estavam, factos e circunstancias verdadeiras, que não se encontravam a coberto de nenhum dever de reserva ou sigilo, impunha-se a sua publicação, correspondendo ao exercício do dever de informar, tanto mais que estava em causa o tratamento jornalístico de uma questão de incontornável interesse coletivo, o que não poderia nem deveria soçobrar perante uma suposta violação de sigilo das fontes, quando o que estava em causa, ainda assim, era a identidade de uma fonte terceira e alheia a quem fez publicar a notícia.

Estava singelamente em causa a publicação de meras suspeitas, e não de factos, pelo que não se reconhece que houvesse que proteger fontes terceiras e sucessivas, atenta até a circunstância de se estar perante uma manipulação noticiosa gerada pela “Fonte”, em face do que sempre se justificaria a sua identificação, atento té o estatuído no art. 14º, nº 2, al. a) do EJ.

Da Nulidade/anulabilidade da deliberação da CCPJ
Em face de tudo quanto precedentemente se discorreu, é patente que a controvertida Deliberação da CCPJ é inválida, se não em decorrência da sua nulidade, por violação dos princípios Constitucionais relativos à liberdade de imprensa, pelo menos em resultado da sua anulabilidade, decorrente da violação dos arts. 1º, 2º, nº 1, al. a) e 22º da Lei de Imprensa e o regime dos arts. 11º, nº 1 e 14º, nº 2, al. a) do EJ, pois não é aceitável que a referida entidade pretenda condicionar a linha editorial de um qualquer órgão de comunicação, sancionando os seus jornalistas a pretexto de uma suposta violação da confidencialidade das fontes.

O sancionamento injustificado de jornalistas constitui, antes de mais, um grave precedente com potenciais consequências para o futuro, tal como foi entendido pelo tribunal a quo, o que aqui se ratifica, em face do que improcedem totalmente os fundamentos do recurso.

Refira-se, finalmente, tal como consta do Recurso, que o CCPJ goza de isenção de custas, nos termos do nº 2 do Artº 27º do Decreto-Lei n.º 70/2008.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo aqui Recorrente, em ambas as instâncias, sem prejuízo da isenção de que goza.


Lisboa, 27 de abril de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa