Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11528/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/16/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:LICENCIAMENTO DE FARMÁCIA.
LEI Nº 2125, DE 20-03-1965
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E COMUNITÁRIOS.
Sumário:I)- Relativamente à aplicação no tempo da lei administrativa, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes mas não possui eficácia retroactiva - artigo 12°, n°2 do CC.

II) - A Lei Nova, ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ela previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal a partir do início da sua vigência.

III).- Do que vem dito resulta que, remontando a acção a 2005 é inaplicável o disposto no DL n° 307/2007 e não poderá deixar de ser a aplicada a Lei n° 2125 de 20.03.65.

IV) - Por assim ser, há que atentar na Base IV da Lei 2125 que estabelecia a necessidade de, no prazo de dois anos, a Farmácia herdada ter que ser obrigatoriamente sujeita a trespasse ou cessão e exploração a favor de farmacêutico, sob pena de caducidade do alvará pelo que, resultando do probatório que este prazo, atenta a data do óbito e a abertura da herança, não foi cumprido, é forçoso concluir que o alvará caducou em 76, não relevando em sentido contrário a inscrição do recorrente como aluno de farmácia em 1981 e, consequentemente as circunstâncias referentes à falta de culpa no aproveitamento que invoca.

V) - No que tange à compatibilidade das normas da Lei n° 2125 com o n°1 do artigo 62° da CRP já se pronunciou o TC pela não inconstitucionalidade no douto Ac. n° 187/2001 a cujos fundamentos também aderimos, citando, em reforço, a doutrina do Acórdão n.º 76/85 do mesmo Tribunal.

VI) – E também não ocorre a violação dos princípios da concorrência previstos na Lei 18/2003 de 11-6 e demais normas comunitárias pois de acordo com o n°1 do artigo 46° do Tratado da EU é permitido aos Estados Membros elaborar restrições aos princípios gerais do livre estabelecimento e prestação de serviços, sendo legal a limitação do respectivo acesso a farmacêutico, com fundamento na defesa da saúde pública e dos consumidores.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I- RELATÓRIO

JOÃO …………………., vem recorrer para este Tribunal Central Administrativo, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a acção que ali instaurou contra o Infarmed-Autoridade Nacional do Medicamento, visando a validade do acto administrativo consubstanciado na decisão do Sr- Vice-Presidente daquela entidade datado de 27-09-2005 que determinou que o Autor e ora recorrente deveria proceder ao trespasse da farmácia que lhe havia sido adjudicada em sede de partilha.

Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:

“a) tendo sido, na pendência do processo, a norma invocada pela decisão administrativa impugnada revogada (concretamente, a Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965 foi revogada pelo Decreto-Lei nº 30712007, de 13 de Agosto), cumpre determinar qual a lei aplicável ao caso concreto;
b) tanto mais que, no caso dos autos, a revogação operada pelo art. 14º do Decreto-Lei nº 307/2007, de 13 de Agosto, retira qualquer aplicabilidade ou exequibilidade àquela decisão administrativa, quando consagra poder ser proprietários de farmácias pessoas singulares ou sociedades comerciais, sem dependência da qualidade de farmacêutico;
c) ora, atentas as normas relativas aos conflitos de leis no tempo, concretamente os arts. 12º e 13, 297º e 299º do Cod. Civil, revela-se evidente que o interesse do legislador teve em consideração a necessidade de transformação da antiga ordem jurídica e a sua adaptação a novas necessidades e concepções sociais;
d) em termos determinantes da aplicação da lei nova ás situações pré­ existentes;
e) o teor do Decreto-Lei nº 307/2007, de 13 de Agosto, é claro em tal sentido, especialmente quando, em sede preambular, se refere exactamente àquela necessidade, que expressamente se refere, "ipsis verbis ", à necessidade modificar um regime desadequado e injustificadamente limitador do acesso á propriedade, afastando as regras que a restringiam exclusivamente a farmacêuticos;
j) Daí decorrendo a intenção legislativa em defender um interesse publico nacional, a adaptação ás novas realidades sociais e de política legislativa, a igualdade jurídica, a homogeneidade do ordenamento, a segurança jurídica, a adequação do regime jurídico;
g) a aplicação imediata da lei nova, concretamente do Decreto-Lei nº 307/2007, de 13 de Agosto, revela-se, assim, imperativa, atento o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como á exigência de unidade do ordenamento jurídico;
h) tanto mais que o despacho administrativo colocado em crise se torna absolutamente exequível no presente momento e atento o quadro legal e regulamentar actualmente em vigor;
i) violando a sentença recorrida, ao recusar a aplicação ao caso concreto que nos ocupa, do Decreto-Lei nº 307/2007, de 13 de Agosto, os arts. 12°, 13°, 297º e 299°, em especial o nº 2 do art. 12°, do Cod. Civil;
j) mas mesmo que fosse susceptível, que se julga não ser, invocar o normativo da Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965, ao caso em apreço, facto é que o recorrente se encontrava na situação prevista na Base III, nº 4 da referida Lei, pois que a não conclusão do curso de Farmácia se ficou a dever por facto que lhe não é imputável, alheio á sua vontade;
k) como se alegou, o mesmo foi objecto de indicação médica e clínica de que não tinha condições mínimas para frequentar as aulas ou para continuar a tirar o curso de Farmácia, tendo-lhe sido dada a recomendação expressa de interrupção de tal frequência, por motivos clínicos gravosos;
l) tal facto foi alegado, sendo relevante não o apuramento da doença de que o mesmo é enfermo, mas sim a recomendação médica que lhe foi dada nesse sentido;
m) tendo o mesmo sido impugnado, e sendo o mesmo decisivo para a boa decisão da causa, impunha-se o lançar mão da previsão do art. 87°, nº 1, al. c) do CPTA, tanto mais que o recorrente não requereu, na sua petição inicial, a dispensa de produção de prova -art. 78°, nº 4, do CPTA;
n) comando esse - o art. 87°, nº 1, al. c) do CPTA - que se mostra, assim, violado pela decisão recorrida;
o) questão essa que se enquadra, salvo melhor opinião, nos poderes cognoscitivos do recurso de revista, atento o disposto no art. 150°, nº 2, do CPTA, sendo que, diverso entendimento, sempre determinará a baixa do processo, à luz do art. 151°, nº 3, do CPTA;
p) as Bases II, nº 2, III e IV da Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965, revelam-se, ainda, inconstitucionais, por violação quer do direito de propriedade, previsto no art. 62 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, também eles com consagração constitucional;
q) de facto, qualquer restrição aos direitos fundamentais estão sujeitas aos limites das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, apenas sendo admitidas se absolutamente necessárias, adequadas e proporcionais ao bem cuja defesa com ela se preconiza;
r) ora a defesa da saúde publica não se alcança com o monopólio criado para uma determinada classe da propriedade da farmácia, tanto mais que, por via da criação da figura do director técnico, ele sim necessariamente farmácia, a segurança na dispensa de medicamentos se mostra sobejamente salvaguardada;
s) gerando uma situação de desapropriação efectiva, sem correspondente ou correlativa contrapartida, sem qualquer paralelo com qualquer outra situação, mesmo de natureza expropriativa;
t) ao não reconhecer tal inconstitucionalidade, logo a sua inaplicabilidade (atento o art. 204º da Constituição da República Portuguesa) das Bases II, nº 2, III e IV da Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965, a sentença recorrida violou os arts. 62 nº 1, 18º e 13º da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios supra invocados nas presentes conclusões;
u) também os princípios e as normas de concorrência, plasmadas, em primeira linha, nos arts. 81º e 82º do Tratado da União Europeia e, em absoluta simetria, pelos arts. 4º a 7º da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho, se mostram violados pela sentença recorrida, sendo os mesmos incompatíveis com as Bases II, nº 2, III e IV da Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965, e sobrepondo-se as mesmas Bases, até em face do art. 81 al.j) da Constituição da República Portuguesa, quando este, na sua aplicação concreta, determina o fim das limitações no acesso ao mercado, a proibição de medidas de efeito equivalente a restrições á circulação dos bens e dos agentes económicos, a proibição de constituição de monopólios e a repressão de abusos deposição dominante;
v) sendo a liberdade de acesso ao mercado um requisito essencial para a formação de um mercado concorrencial, a intervenção legislativa e regulamentar do Estado numa actividade económica está sempre subordinada ao principio da proporcionalidade, entendido este como envolvendo a necessidade da medida para o fim em vista, a adequação da medida e a necessidade de não existir medida menos restritiva para alcançar o objectivo pretendido;
w) a limitação da propriedade das farmácias a farmacêuticos não se revela necessária ou adequada á protecção da saúde publica ou á salvaguarda dos interesses dos consumidores, antes afectando princípios básicos subjacentes a uma economia de mercado, gerando uma evidente perda de eficiência produtiva das farmácias;
x) sendo aconselhável que os interesses económicos e de boa gestão se mostrem descentralizados, contrariamente á concentração da qualidade de director técnico e proprietário da farmácia;
y) a desadequação do regime instituído pela Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965 a uma economia de mercado, e a sua incompatibilidade com o mesmo, revela a sua insustentabilidade;
z) sendo os princípios e normas comunitárias de concorrência e de livre circulação aplicáveis ao caso vertente sob pena de se criar uma situação de discriminação "a rebours ", condenada pelas instâncias jurisdicionais comunitárias;
aa) o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 19.05.2009, proferido no proc. nº C-531106 é, ao caso vertente, inaplicável na medida que analise um caso em que a diferenciação entre proprietário da farmácia e director técnico da mesma é indissociável, algo que nem sequer na vigência da Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965 ocorria em termos absolutos, em atenção ao Decreto-Lei nº 48.547, de 27 de Agosto de 1968;
bb) a sentença recorrida violou, assim, salvo melhor opinião, os comandos legais e princípios supra assinalados nas presentes conclusões de recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!”

Foram apresentadas contra-alegações que apresentam o seguinte quadro conclusivo:

“1. No Douto acórdão recorrido aplicou-se a normatividade adequada à factualidade dada como provada, à luz dos princípios que regem a aplicação das leis no tempo, designadamente a Lei n.º 2125, 20.03.1965., Lei de Bases da Propriedade da Farmácia, e o Decreto-Lei n.º 48 547, 27.08.1968;
2. O n.º 1 do artigo 12 do Código Civil consagra o princípio geral da não retroatividade da lei, isto é, as leis apenas se aplicam para o futuro; mesmo que se apliquem para o passado, conferindo-se-lhes eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos jurídicos já produzidos.
3. A legalidade do ato administrativo afere-se pela realidade fáctica existente no momento da sua prático e pelo quadro normativo então em vigor, atendendo-se ao princípio «tempus regit actum», v.g., acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Subseção CA, proferido a 23.11.05., em processo n.º 0484/05, Relatora Angelina Domingues, e também acórdãos Pleno do STA de 06.02.02., processo n.º 37.622, e de 05.05.02., processo n.º 614/02.;
4. Os factos constantes dos autos e que estão em causa na ação remontam a 2005 e anos anteriores;
5. O DL. N.º 307/2007, nas suas disposições transitórias, artigos 55 a 61, nada previa quanto à sua aplicação no tempo, e apenas que entrava em vigor 60 (Sessenta) dias após a sua publicação;
6. À factualidade dada como provada aplica-se o n.º 1 da Base IV, que estabelece que a Farmácia Grave teria de ser objeto de trespasse ou de cessão da exploração a favor de farmacêutico, sob pena de caducidade do alvará, no prazo de dois anos a contar da abertura da herança, salvo se, no mesmo prazo, fosse instaurado inventário obrigatório;
7. Não se verificaram as condições que permitiriam acionar a exceção, porque o único inventário instaurado foi facultativo e não obrigatório, não tendo o Recorrente sequer feito prova de que foi requerido pelos herdeiros de Mário Grave esse inventário, no prazo do n.º 1 da Base IV da Lei n.º 2125, 20.03.1965;
8. Acresce que nem a própria cessão de exploração, celebrada a 17.10.1977., por não ter respeitado o prazo de dois anos a contar da data do óbito, seria impeditiva da caducidade do alvará, pelo que o mesmo caducou em 1976;
9. E, mesmo que assim não se entendesse, e nos termos do n.º 2 da Base IV da Lei n.º 2125, 20.03.1965., a Farmácia Grave teria de ser trespassada a favor farmacêutico, no máximo, até 17.10.1987, sob pena de caducidade;
10. Reafirma-se que a inscrição do Recorrente, em 1981, como aluno de Farmácia, é de desconsiderar para o caso em análise, dado que, não sendo aluno à data do óbito, apenas se entretanto tivesse concluído a licenciatura antes do termo do prazo de cessão de exploração poderia beneficiar do mecanismo previsto no segundo parágrafo do n.º 2 da Base IV da Lei n.º 2125, 20.03.1968;
11. Ou seja, esta norma apenas se aplicaria a um licenciado em Farmácia;
12. Mesmo tendo a Farmácia sido adjudicada ao Recorrente por escritura pública de 22.07.1988., o que releva juridicamente é a adjudicação no prazo de dois anos: n.º 1 da Base Iv da Lei n.º 2125, 20.03.1965.
13. E nem a qualidade de aluno de Farmácia pode ser aproveitada pelo Recorrente, dado que o n.º 1 do artigo 74 do Decreto-Lei n.º 48 575, 27.08.1968., se a farmácia for adjudicada a aluno de Farmácia, este deve apresentar, até 31de Dezembro de cada ano, na Direção-Geral de Saúde, documentação comprovativa do seu aproveitamento escolar e da sua inscrição em escola de Farmácia;
14. E o n.º 2 dispõe que, se não o puder fazer, deve provar que a falta de aproveitamento não lhe é imputável ou que pode ainda concluir o curso no prazo de 6 (Seis) anos a que se refere o n.º 4 da Base III da Lei n.º 2125, 20.03.1965;
15. Pelo que, e nos termos do artigo 133, a não apresentação dos documentos exigidos constitui contraordenação; e se o prazo for excedido em 60 (Sessenta) dias, a sanção aplicável será a cassação do alvará;
16. O Recorrente nunca cumpriu a obrigação de apresentação do seu aproveitamento escolar, conquanto tenha alegado que a falta de aproveitamento não lhe era imputável por razões de saúde que o impediam de obter aproveitamento, o que não logrou provar processualmente;
17. Com efeito, o Recorrente não apresentou a devida prova, nem se propôs fazê-la, alínea l) do n.º 2 do artigo 78 CPTA;
18. Pelo que o incumprimento por mais de 60 (Sessenta) dias de tal obrigação anual, conduz também à cassação do alvará, nos termos do n.º 2 do artigo 133;
19. O Recorrente tinha adicionalmente de provar que conseguia concluir o curso nos seis anos, o que também não se verificou, tendo apresentado dois ou três atestados médicos passados entre 1989 e 1999, que referiam que o seu estado de saúde não lhe permitia obter aproveitamento escolar, não tendo atualizado a correspondente informação;
20. O que releva é que, segundo os n/s 1 e 2 da Base IV da Lei n.º 2125, 20.03.1965., no termo do prazo máximo da cessão de exploração, 10 (Dez) anos, a farmácia teria de ser trespassada a favor de farmacêutico, o que não ocorreu, tendo como corolário lógico a caducidade do alvará;
21. O Recorrente vem ainda pugnar pela inconstitucionalidade do normativo sabiamente aplicado à factualidade vertida nos autos pelo tribunal «a quo», por hipotética violação dos artigos 13, n.º 2 do artigo 18 e n.º 1 do artigo 62 CRP;
22. Todavia, tem sido jurisprudência constante do Tribunal Constitucional que tais normas não são inconstitucionais;
23. O Tribunal Constitucional, mediante acórdão n.º 187/2001, reafirmou a constitucionalidade das normas constantes das Bases II, n.º 2, III e IV, n/s 1 e 4, da Lei n.º 2125, 20.03.1965., e dos artigos 71 a 75, n.º 1, Decreto-Lei n.º 48 547, 27.08.1968.;
24. Alega por fim Recorrente que o ato impugnado viola normas e princípios da concorrência e demais normas comunitárias;
25. Tal entendimento é improcedente dado que, segundo o n.º 1 do artigo 46 do Tratado da EU, é permitido aos Estados Membros elaborar restrições aos princípios gerais de livre estabelecimento e prestação e serviços, «ex vi», artigo 55 do mesmo normativo, vide, o acórdão do Tribunal de Justiça, 19.05.2009., Processo C-531/06;
26. Pelo que os Estados-membros podem, contra aquilo que a Comissão sustentava, e que o Recorrente defende, estipular restrições à liberdade de estabelecimento de farmácias, limitando o respetivo acesso a farmácias, limitando o respetivo acesso a farmacêuticos, com fundamento na defesa da saúde pública e dos consumidores, dadas as garantias que estes devem prestar e as informações, rigorosa e privilegiadoras da defesa da saúde pública, que devem estar em plenas condições de assegurar ao consumidor.
27. Na verdade, são claras as palavras do Tribunal de Justiça, das quais resultam, reafirme-se, que os Estados-Membros podem, contra aquilo que a Comissão sustentava, estipular restrições à liberdade de estabelecimento das farmácias, limitando o respetivo acesso a farmacêuticos, com fundamento na defesa da saúde pública e dos consumidores.

NESTES TERMOS,

Deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se «in totum» a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”

O Ministério Público, foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA.


As partes, notificadas da excepcionalidade suscitada pelo EPGA, nada disseram.
*
2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DOS FACTOS

A decisão recorrida deu com assente, e, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:

“A) O Alvará n° ………, de 23 de Fevereiro de 1970 titula a concessão de licença para o funcionamento da farmácia denominada ………, sita à Rua …………………, n° 69, em ……………., dele constando como proprietário Mário ………………….., licenciado em Farmácia (cfr. doc. a fls. 1 a 2 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
B) Mário ………………… faleceu em 13 de Abril de 1974 (cfr. doc. n.º 1 junto com o r.i. do Proc. n.º 555/05.3BECTB, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C) Ao Alvará n° ………. mostra-se averbado em 02.03.1978 que: "Por escritura de cessão de exploração lavrada na Secretaria Notarial de Castelo Branco, em 17 de Outubro de 1997, a farmácia a que este alvará se refere passou a ser explorada pela farmacêutica D. Adozinda ……………………., pelo prazo de três meses, prorrogável por iguais períodos de tempo, até ao máximo permitido por lei (2125)." (cfr. doc. a fls. 1 a 2 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
D) João António Monteiro Mourato Grave foi matriculado na Universidade de Lisboa com destino ao curso de Ciências Farmacêuticas, em 7 de Dezembro de 1981 (cfr. doc. a fls. 321 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
E) Por escritura pública de 22 de Julho de 1988, o estabelecimento de farmácia denominado "Farmácia …….." foi adjudicado, em sede de partilha extrajudicial, a João ……………………….., então casado com Maria …………………………., no regime de comunhão geral de bens, a qual era, desde 1986, também aluna de Farmácia (cfr. doc. a fls. 328 a 333 do PA, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
F) João ……………………………… foi inscrito nas disciplinas de Matemática I, Química Analítica I, Biologia Celular I e Técnicas de Laboratório do curso de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Lisboa, no ano lectivo de 1988/1989 (cfr. doc. a fls. 322 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
G) João ………………. requereu, em 29 de Março de 1989, ao Director-Geral dos Assuntos Farmacêuticos, o averbamento da propriedade da Farmácia ………….. a seu favor (cfr. doc. a fls. 306 a 308 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
H) Esse pedido foi indeferido, com o fundamento de o Autor não ser abrangido pela Base III da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965 (cfr. doc. a fls. 303 a 309 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
I) O Autor interpôs recurso contencioso deste despacho ao qual foi negado provimento, por irrecorribilidade do acto (cfr. docs. a fls. 295 a 337 e 262 a 277 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
J) Por despacho de 17 de Setembro de 1991 do Director Geral de Assuntos Farmacêuticos, exarado sobre a Informação n.º 44/91, foi autorizado que, "a título excepcional e por um ano se mantenha válido o alvará da farmácia. Após este prazo o (interessado) terá de demonstrar aproveitamento que lhe tenha permitido passar ao 2º ano da Licenciatura em Ciências Farmacêuticas, caso contrário o alvará caducará de imediato" (cfr. docs. a fls. 185 a 188 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
K) Esta decisão foi comunicada ao Autor através de carta registada expedida a 8 de Novembro de 1991 (cfr. docs. a fls. 184 a 188 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
L) Mostram-se juntas ao processo administrativo, a fls. 180 a 183, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, declarações em papel com timbre da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, pelas quais se declara, designadamente:
a. "João …………………….. frequentou no ano lectivo 1991/92 as aulas de ensino prático e laboratorial da disciplina de Química Analítica I";
b. "João ………………………….. frequentou com aproveitamento as aulas práticas das disciplinas de Matemática I e Matemática II e as aulas práticas laboratoriais da Cadeira de Química Analítica II, tendo sido admitido a exame final nestas três disciplinas";
c. "João ………………….. frequentou com aproveitamento a disciplina de Biologia Celular I do curso de Ciências Farmacêuticas desta Faculdade no ano lectivo de 1991/92";
d. "João …………………………….. frequentou no ano lectivo 91/92 as aulas de ensino prático e laboratorial da disciplina de Botânica Farmacêutica";
M) Em 1 de Maio de 1997, a Dra. Maria do …………………………. requereu o seu averbamento como Directora Técnica da Farmácia Grave (cfr. docs. a fls. 161 a 160 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
N) O Gabinete Jurídico do INFARMED produziu a Informação n.º GJU/131, de 26 de Agosto de 1997, junto a fls. 133 do p.a., que aqui se dá por inteiramente reproduzido, a qual foi ordenada notificar aqui Requerente, por despacho do Presidente do Conselho de Administração do INFARMED, de 01/09/1997, e na qual se concluiu:
a. "O alvará da Farmácia ……………. está caducado desde 1976";
b. "Ainda que não estivesse caducado teria caducado em 1987";
c. "A farmácia não dispõe por isso, de título que legitime o seu funcionamento, pelo que deve ser encerrada";
d. "A farmácia labora sem alvará, contrariando o disposto no n° 1 da Base II da Lei 2125";
e. "A farmácia labora ilegalmente";
O) O Autor foi notificado da informação e do despacho referidos na alínea anterior por ofício do Réu datado de 15/10/1997, do qual se extrai que: “[…] a fim de que no prazo de 10 (dez) dias a contar da data de recepção deste ofício se pronuncie por escrito relativamente à última alínea (E-Proposta) […]” (cfr. doc. a fls. 127 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
P) Através de ofício n.º 2253, de 10 de Janeiro de 2002, foram os herdeiros de Mário ………………… notificados para, em 15 dias, apresentarem cópia da escritura de trespasse da farmácia a favor de farmacêutica, sob pena da cassação do alvará e encerramento imediato, e para apresentarem cópias autenticadas das escrituras de habilitação de herdeiros e de partilhas do proprietário falecido (cfr. doc. a fls. 88 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
Q) Através de ofício n. ° 30054, de 11 de Julho de 2003, repetiu-se a notificação aos herdeiros de Mário ……….. para, em 10 dias úteis, apresentarem cópia autenticada da escritura de trespasse da farmácia a favor de farmacêutico sob pena de caducidade do alvará e respectiva cassação e encerramento imediato da farmácia (cfr. doc. a fls. 87 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
R) Em parecer dos serviços do Réu, datado de 20/07/2005, sob o assunto «Farmácia …………….., Castelo Branco» conclui-se que: “[…] Assim, poderá optar-se por uma das seguintes soluções: a) Declarar a caducidade do alvará e proceder-se ao encerramento da Farmácia; ou b) Reiterar a notificação para a regularização pela via do trespasse a favor de farmacêutico, sob pena de encerramento […]” (cfr. doc. a fls. 80 a 81 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
S) O Vice-Presidente do Conselho de Administração, por despacho de 27 de Setembro de 2005, e com fundamento no parecer referido na alínea anterior, decidiu “[…] pela última vez, que seja notificado para regularizar pela via do trespasse a favor de farmacêutico […]” (cfr. doc. a fls. 79 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido);
T) Em conformidade com o despacho referido na alínea anterior, através dos ofícios n.º s 57526 e 57527, de 16 de Novembro de 2005, procedeu-se a nova notificação dos herdeiros da Farmácia …………. e do Requerente João ……………… para, em 10 dias úteis, trespassar a farmácia sob pena de caducidade do alvará e da respectiva cassação (cfr. docs. a fls. 77 a 78 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos);
U) A petição inicial da presente acção foi expedida pelo Advogado do Autor para este Tribunal através de correio registado remetido em 14.12.2005.
*
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação.
Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.”
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2.2. Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº2 e 146º, nº1, do CPTA, e dos artigos 5º, 608º, nº2, 635º,nºs 4 e 5, e 639º, todos do novo Código de Processo Civil (CPÇ), ex vi o disposto nos artigos 1º e 140º do CPTA pelo que, na senda do douto parecer do EPGA, in casu e perante o teor das conclusões supra transcritas, cumpre apreciar se a sentença padece dos erros que lhe são imputados pelo recorrente visando a fundamentação jurídica com base na qual julgou improcedente a presente acção administrativa especial centrada na apreciação da validade do acto administrativo consubstanciado na decisão do Sr. Vice-presidente do INFARMED, datado de 27.09.2005, que determinou que o Autor deveria proceder ao trespasse da farmácia que lhe havia sido adjudicada em sede de partilha (cfr. alínea «S» da matéria de facto assente).
Foi o seguinte o discurso jurídico adoptado para a solução concretizada na decisão recorrida:
“Há que estabelecer um ponto prévio quanto à resolução da presente questão.
Assim, quando os presentes autos deram entrada neste Tribunal e quando foi praticado o acto ora recorrido estava ainda em vigor a Lei n.º 2125. Ora, no decurso do presente processo veio a ser aprovado o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto. Este último diploma revogou expressamente a referida Lei n.º 2125, sem que tivesse sido expressa ou implicitamente estabelecido qualquer regime transitório aplicável a situações semelhantes à dos presentes autos.
Por isso, para apreciação do acto ora impugnado, terá o mesmo que ser analisado à luz do quadro normativo vigente à data em que o mesmo foi propalado, de acordo com o princípio tempus regit actus (art.º 12.º do CC).
Em primeiro lugar, o Autor refere que o acto impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de violação de lei. Estriba a sua argumentação no facto de o Autor não ter concluído o curso de farmácia em que estava inscrito por ter padecido de «doenças congénitas, limitativas da sua capacidade de deslocação e da sua disponibilidade mental» (art.º 14.º da p.i), acrescentando que «situação foi agravada pela sucessão de dois divórcios» (art.º 15.º da p.i) e tendo-lhe sido dada a «indicação médica e clínica de que não tinha condições mínimas para frequentar as aulas ou para continuar a tirar o curso de Farmácia» (art.º 16.º da p.i.).
No presente caso, ao Autor foi-lhe adjudicada em sede de partilha uma farmácia cujo titular inicial era, inicialmente, seu pai. Ora, a data dos referidos acontecimentos o Autor não era ainda sequer aluno universitário tendo só depois frequentando o curso de farmácia, pelo que a sua concreta situação apenas posteriormente se veio a enquadrar no vertido no n.º 4 da Base III, da Lei n.º 2125, que dispunha em matéria de sucessão da propriedade de uma farmácia por óbito do seu titular inicial, que: “Se o interessado farmacêutico, ou aluno de Farmácia, se opuser à adjudicação ou não aceitar o valor fixado, ou se a adjudicação for feita a aluno de Farmácia e este, por facto que lhe seja imputável, não vier a concluir o curso no prazo de seis anos, a contar da primeira inscrição, aplicar-se-á o disposto na base seguinte.” (sublinhado nosso). Assim, a Base IV da dita Lei, impunha, entre outras, como consequência a necessidade de, no prazo de dois anos, a Farmácia herdada ter que ser obrigatoriamente sujeita a trespasse ou de cessão de exploração a favor de farmacêutico, sob pena de caducidade do alvará.
Desta forma, considerando o dito quadro normativo, o Autor defende que há erro sobre os pressupostos de facto quanto ao acto impugnado uma vez que não foi por culpa sua que não terminou o curso de farmácia no prazo de seis anos previsto na lei. No entanto, a alegação factual do Autor nesta matéria é algo insuficiente e genérica. Assim, este apenas afirma que padecia de «doenças congénitas, limitativas da sua capacidade de deslocação e da sua disponibilidade mental» (art.º 14.º da p.i), não concretizando quais as ditas doenças (esclareça-se que o conceito de doenças congénitas é um conceito vago que pode incluir uma infindável miríade de doenças). Ora, cabia ao Autor alegar concretamente quais as doenças que padecia para que o Tribunal pudesse aferir se as mesmas eram impeditivas ao ponto de impedir aquele de frequentar e concluir o curso de farmácia, uma vez que, pela alegação do Autor, até lhe permitiam gerir outros aspectos da sua via pessoal e profissional.
Por isso, não ficou demonstrado que o acto ora em apreço padecesse de qualquer erro sobre os pressupostos de facto, assim como não ofendeu o n.º 4 da Base III, da Lei n.º 2125.
Em segundo lugar, o Autor afirma, igualmente, que a Base II, n.º 2 e, por inerência, as Bases III e IV (consequências directas daquela) da Lei nº 2125, de 20 de Março de 1965, revelam-se incompatíveis e inconciliáveis com o art.º 62.º, n.º 1 da CRP.
Assim, estatuem a Base II, III e IV da Lei n.º 2125 que:
“BASE II
1. As farmácias só poderão funcionar mediante alvará passado pela Direcção-Geral de Saúde. O alvará é pessoal, só pode ser concedido a quem é permitido ser proprietário de farmácia e caduca em todos os casos de transmissão, salvo nas hipóteses previstas na lei.
2. O alvará apenas poderá ser concedido a farmacêuticos ou a sociedades em nome colectivo ou por quotas, se todos os sócios forem farmacêuticos e enquanto o forem.
BASE III
1. Falecendo o proprietário de qualquer farmácia, se algum dos interessados directos na partilha for farmacêutico ou aluno do curso de Farmácia, ser-lhe-á, salvo oposição sua, adjudicada a farmácia pelo valor acordado ou, na falta ou impossibilidade legal de acordo, pelo valor fixado no competente inventário, podendo, neste último caso, qualquer interessado requerer segunda avaliação da farmácia.
Se concorrerem à partilha mais do que um farmacêutico ou mais do que um aluno do curso de Farmácia ou interessados de uma e outra categoria, abrir-se-á licitação entre eles.
2. Idêntico regime se aplicará nos casos de divórcio, separação de pessoas e bens ou ausência judicialmente decretada.
3. O inventário facultativo ou a acção de arbitramento serão requeridos no prazo de um ano, se antes não tiver sido feita a partilha por acordo, sob pena de caducar desde logo o alvará.
4. Se o interessado farmacêutico, ou aluno de Farmácia, se opuser à adjudicação ou não aceitar o valor fixado, ou se a adjudicação for feita a aluno de Farmácia e este, por facto que lhe seja imputável, não vier a concluir o curso no prazo de seis anos, a contar da primeira inscrição, aplicar-se-á o disposto na base seguinte.
BASE IV
1. Se a farmácia integrada na herança ou nos bens do casal vier a ser adjudicada a cônjuge ou herdeiro legitimário que não seja farmacêutico ou aluno de Farmácia, deverá, no prazo de dois anos, ser objecto de traspasse ou de cessão da exploração a favor de farmacêutico, sob pena de caducidade do alvará.
Este prazo conta-se da abertura da herança, salvo se houver inventário obrigatório.
Se o adjudicatário não for cônjuge ou herdeiro legitimário, a farmácia deverá ser traspassada em igual prazo, sob a mesma cominação.
2. A cessão da exploração não prejudica a posição do arrendatário, ainda que haja convenção expressa, e será livremente estipulada, excepto quanto à prestação devida, que será sempre em quantia certa, e quanto ao prazo, que não poderá ultrapassar dez anos no total, nem dividir-se em períodos superiores a cinco anos cada um.
A farmácia deverá ser objecto de traspasse no decurso deste prazo, sob pena de caducidade do alvará, salvo se o cônjuge ou qualquer dos herdeiros legitimários tiver entretanto adquirido o diploma de farmacêutico, caso em que terão direito à propriedade plena da farmácia, por via de licitação se concorrerem dois ou mais interessados.
3. O proprietário não poderá recusar-se a efectuar o traspasse ou cessão da exploração nas condições fixadas em contrato-promessa, sob pena de caducidade do alvará.
4. Quando o proprietário não conseguir transaccionar a farmácia no prazo do n.º 1, comunicará o facto à entidade competente, a qual indicará comprador idóneo para a aquisição pelo valor fixado por acordo ou arbitramento, ou prorrogará o alvará por períodos anuais, até que a venda seja possível ou se adopte qualquer das providências da base VI.
Se o proprietário não fizer, no devido tempo, a referida comunicação ou recusar a transferência da farmácia pelo preço fixado no arbitramento, caducará o alvará.
5. Se o proprietário da farmácia herdada comunicar à Direcção-Geral de Saúde que não encontrou gerente técnico diplomado ou que o rendimento da farmácia não comporta o respectivo encargo, aplicar-se-á o disposto na base VIII.
6. O facto de uma farmácia se encontrar em condições de ser transmitida nos termos do n.º 1 desta base deve ser comunicado ao Sindicato Nacional dos Farmacêuticos e anunciado no Diário do Governo e em dois jornais da região.”
Por sua vez estipula no n.º 1 do art.º 62.º da CRP que: “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.”
Sobre a matéria da compatibilidade das ditas normas da Lei n.º 2125 com o n.º 1 do art.º 62.º da CRP, já se pronunciou o Tribunal Constitucional no Ac. n.º 187/2001, a que aderimos, e que se pronunciou no sentido na não inconstitucionalidade das normas invocadas pelo Autor como ofendendo o n.º 1 do art.º 62.º da CRP. Assim, no referido Aresto, escreveu-se que: “O artigo 62º da Constituição não é, pois, obstáculo a restrições legais ao acesso ao direito de propriedade, salvaguardado o mínimo de conteúdo útil da liberdade de iniciativa económica privada, se existir norma constitucional que dê cobertura suficiente a tais limitações.
E, de entre as normas constitucionais relevantes para tal, no domínio específico que ora nos interessa – o das farmácias –, impõe-se considerar aquela da qual resultam incumbências no domínio da protecção da saúde, incluindo a incumbência de disciplinar e controlar a distribuição e comercialização de produtos farmacêuticos (artigo 64º, n.º 3, alínea e), da Constituição). Tal controlo e disciplina há-de, pois, poder envolver um regime legal limitativo da liberdade de iniciativa económica privada ou de apropriação de estabelecimentos de comercialização de produtos farmacêuticos– regime que pode, evidentemente, ser pré-constitucional, como é o caso.
No Acórdão n.º 76/85 o Tribunal Constitucional entendeu – e neste ponto sem opiniões dissidentes – que as normas ora em apreço não violavam o direito de propriedade privada, nestes termos:
"Pergunta-se: ao disciplinar e controlar a comercialização e o uso dos produtos farmacêuticos, como meio de assegurar o direito à protecção da saúde, está vedado à lei ordinária pelos artigos 61º, n.º 1, e 62º, n.º 1, da Constituição estabelecer as limitações que constam da Lei 2125 em matéria de acesso à propriedade das farmácias?
Por tudo quanto se deixou dito [e a que nos referiremos infra] a respeito das vantagens que se mostram no princípio da indivisibilidade da propriedade e da direcção técnica das farmácias, a resposta tem de ser negativa.
A conclusão atingida não encontra obstáculo na circunstância de se considerar o direito de propriedade privada e a liberdade de iniciativa privada como direitos fundamentais de natureza análoga, beneficiando do regime de direitos, liberdades e garantias."
É esta última afirmação – mesmo admitindo, pois, por hipótese, que a dimensão do direito de propriedade em questão beneficiaria do regime dos direitos, liberdades e garantias – que cumpre, porém, apreciar de seguida, uma vez que, segundo o requerente, as normas constantes das bases II, n.º 2, III, e IV, n.º 1 a 4, da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, e dos artigos 71º e 75º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48547, de 27 de Agosto de 1968 implicariam um excesso de restrição do direito de propriedade. Aliás, também quem considere que, embora o direito de propriedade, na dimensão em questão, não beneficie do regime dos direitos, liberdades e garantias, configurando-se como mero direito económico, as suas limitações se encontram ainda – designadamente, por aplicação do princípio geral do Estado de Direito – vinculadas a exigências de proporcionalidade, não dispensará a apreciação das normas em questão à luz deste princípio.
Importa, assim, considerar – não nos preocupando com eventuais sentidos diversos do princípio, consoante esteja em causa a aferição da legitimidade constitucional de restrições a direitos, liberdades e garantias ou apenas a limitação a direitos económicos – as normas em questão à luz do princípio da proporcionalidade, conjugado com o direito de propriedade, nas dimensões afectadas (bem como, como referimos, com a liberdade de profissão, a que aludimos).”
Conclui-se, por isso, que o acto ora impugnado não padece do vício de violação de lei, uma vez que não assenta em normas que sejam de declarar inaplicáveis por serem inconstitucionais.
Em terceiro lugar, o Autor defende que o acto ora impugnado viola as normas e princípios da concorrência previstos na Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho.
No entanto, o Autor não concretiza em que medida é que o dito regime legal aplicável à matéria da concorrência é, ou pode ser, afectado pelo acto impugnado. Assim, a obrigação que impende sobre o Autor decorrente do acto recorrido no sentido de proceder ao trespasse da farmácia em causa, não se vislumbra que possa afectar a estabilidade e/ou a livre concorrência no mercado em que o dito estabelecimento se insere.
Assim, improcede aquele vício de violação de lei atribuído pelo Autor ao acto recorrido.
O Autor alega, em quarto lugar, que o acto impugnado afronta as regras em matéria de concorrência e de livre estabelecimento previstas no Tratado da União Europeia, designadamente nos seus artigos 43.º a 48.º e 81.º a 82.º.
Os artigos 43.º a 48.º do TUE estipulam as regras que dizem respeito ao direito de estabelecimento de uma pessoa de um Estado-membro noutro Estado membro dentro do espaço da União. Por outro lado, as regras contidas nos artigos 81.º e 82.º do TUE versam sobre as regras da concorrência dentro do mercado europeu.
Ora, nos presentes autos o que está em causa não é uma qualquer restrição do direito do Autor de se estabelecer noutro Estado-membro da União Europeia que não seja o seu Estado-membro de origem, sendo este o vértice fundamental onde assenta o âmbito da aplicabilidade das ditas normas de fonte internacional.
Por isso, o acto em apreço não viola as regras contidas nos artigos 43.º a 48.º do TUE.
Também, não se vislumbram razões factuais e/ou legais que nos permitam concluir que a actuação concreta do Réu plasmada no acto impugnado, por alguma forma tenha lesado as regras da livre concorrência relativas ao grande mercado europeu.
Desta forma, não foram ofendidos os artigos 81.º a 82.º do TUE.
Por último, o Autor refere que a aplicação das referidas normas comunitárias não pode levar a que os cidadãos de um Estado Membro pudessem ficar sujeitos a restrições em relação inexistentes para cidadãos de outros Estados membros.
No entanto, tal questão nem sequer se põe uma vez que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em Ac. recente veio defender que é lícito à luz do TUE que os Estados-membros imponham que a exploração de farmácias esteja atribuída a farmacêuticos. Assim, no Ac. de 19.05.2009, proferido no Proc. n.º C-531/06, foi proferida decisão relativamente à referida matéria tendo sido declarada improcedente a acção intentada pela Comissão Europeia contra a República Italiana (apoiada por outros Estados-membros) em que aquela alegou que, “[…] mantendo em vigor uma legislação que reserva o direito de explorar as farmácias de oficina privadas às pessoas singulares diplomadas em farmácia ou às sociedades compostas exclusivamente por sócios farmacêuticos e mantendo em vigor disposições legislativas que impedem as empresas de distribuição de produtos farmacêuticos (a seguir «empresas de distribuição») de adquirirem participações nas sociedades que exploram farmácias municipais, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 56.° CE”.
Por isso, o acto ora impugnado não padece dos vícios que lhe são assacados pelo Autor.
Antecipe-se que, a nosso ver, na senda das alegações do recorrido e do Parecer do EPGA, que não se verifica o erro que a recorrente assaca à decisão recorrida.
Decorre da fundamentação de facto e de direito exarada na decisão censurada que, na verdade, o punto saliens da questão a decidir assenta, no fundamental, na determinação da lei aplicável no caso em apreço e, na senda do acórdão sub judice não poderá deixar de ser a aplicada a Lei n° 2125 de 20.03.65.
Com efeito e como bem denota a EPGA, relativamente à aplicação no tempo da lei administrativa, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes mas não possui eficácia retroactiva - artigo 12°, n°2 do CC.
A situação em análise afere-se, pois, pela lei vigorante ao tempo da prática do acto; estamos, pois, no domínio do princípio “tempus regit actum”, por força do qual aquela Lei nº2125 se aplica ao presente caso.
Segundo a hermenêutica que reputamos mais correcta e perfilhamos, o que o normativo do CC determina é a aplicação imediata da lei nova às relações processuais pendentes e não às relações subjectivas materiais que sejam objecto de cognição do próprio processo e cuja regulação pode ser feita por normas substantivas insertas em outros compêndios legais.
Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata mas com respeito pela validade dos actos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12º do Ccivil.
Na parte final do nº 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».
Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cfr. artºs. 277º e 207º da Constituição da República).
Seguindo essa linha de raciocínio a Lei Nova só seria aplicável aos actos constituídos antes da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador.
Essa vontade está inequivocamente afirmada, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroactividade constante do nº 1 do artº 12º do Ccivil.
Coloca-se aqui a questão de saber quando é que se entendem produzidos pelos factos que a lei visa regular os efeitos jurídicos, a que o Prof. J. Baptista Machado dá resposta na sua obra «Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil», pág. 125:
«Um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou os factos que, de acordo com a respectiva hipótese legal da LA, o desencadeiam».
Assim e ainda de acordo com Baptista Machado, in ob. cit., págs. 99, 100 e Introdução. pág. 234, a lei nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas «ex lege », por força da verificação de certos factos. Por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do nº 1, também se acha englobada na previsão do nº 2 , primeira parte, do referido artº 12º do C. Civil.
Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal a partir do início da sua vigência.
Do que vem dito resulta que remontando a acção a 2005 é inaplicável o disposto no DL n° 307/2007.
Por assim ser, há que atentar na Base IV da Lei 2125 que estabelecia a necessidade de, no prazo de dois anos, a Farmácia herdada ter que ser obrigatoriamente sujeita a trespasse ou cessão e exploração a favor de farmacêutico, sob pena de caducidade do alvará.
Do probatório resulta insofismavelmente que este prazo, atenta a data do óbito e a abertura da herança, não foi cumprido pelo que o alvará caducou em 76.
E não releva em sentido contrário e como pretende o recorrente a inscrição deste como aluno de farmácia em 1981 e, consequentemente as circunstâncias referentes à falta de culpa no aproveitamento que invoca.
Noutra vertente que tem a ver com a compatibilidade das normas da Lei n° 2125 com o n°1 do artigo 62° da CRP já se pronunciou o TC pela não inconstitucionalidade no douto Ac. n° 187/2001 a cujos fundamentos também aderimos, dando aqui por reproduzidos por constarem da decisão recorrida e supra transcritos, bem como em referência ainda ao Acórdão n.º 76/85 o Tribunal Constitucional, cuja doutrina também ficou exposta no acórdão censurado.
Resta-nos aderir a tudo quanto se expendeu no acórdão objecto do presente recurso no que tange à violação dos princípios da concorrência previstos na Lei 18/2003 de 11-6 e demais normas comunitárias pois de acordo com o n°1 do artigo 46° do Tratado da EU é permitido aos Estados Membros elaborar restrições aos princípios gerais do livre estabelecimento e prestação de serviços.
Daí que a limitação do respectivo acesso a farmacêutico, com fundamento na defesa da saúde pública e dos consumidores revela-se legal.
Improcedem, pois e in totum,as conclusões recursivas, devendo confirmar-se o Acórdão recorrido e manter-se na ordem jurídica o acto impugnado
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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acorda-se, em conferência, os Juízes do 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

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Lisboa,16-02-2017

(José Gomes Correia) ___________________
(António Vasconcelos) _____________________________________
(Pedro Marchão) ________________________