Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:103/07.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO RIT
DESPESAS INSUFICIENTEMENTE DOCUMENTADAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I-Da interpretação conjugada do teor da liquidação da qual consta uma menção expressa conforme “fundamentação já remetida”, com o teor do ofício de notificação do Relatório de Inspeção Tributária no qual é feita alusão que “será a breve prazo, notificado da liquidação pelos competentes Serviços da DGCI onde constará indicação dos prazo e meios de defesa contra a liquidação” é possível discernir que a fundamentação do ato de liquidação radica no respetivo Relatório Inspetivo, não existindo a apelidada “fundamentação por dedução”, mas antes uma fundamentação remissiva, por adesão às conclusões de um Relatório de Inspeção (artigos 63.º, n.º 1 do RCPIT e 77.º, n.º 1 da LGT).

II-Assim, depreendendo-se que qualquer declaratório normal teria objetivamente estabelecido aquela relação e retratando o respetivo Relatório Inspetivo, não só os pressupostos de facto, mas também de direito que legitimaram as correções aritméticas e posterior emissão de ato de liquidação adicional, ter-se-á de concluir que não se verifica a arguida falta de fundamentação formal das liquidações.

III-As despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas não beneficiam da presunção de veracidade, logo a sua comprovação recai, necessariamente, sobre a Impugnante.

IV-Se os documentos apresentados são parcos e manifestamente insuficientes, não permitindo fazer qualquer controle ou verificação sobre as despesas incorridas, ou seja, a que título é que as despesas foram realizadas, o local, e o motivo a elas inerente, tal inviabiliza, naturalmente, a assunção do inerente nexo com a empresa e o seu escopo societário, donde, a indispensabilidade das mesmas.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

R... - ..., Lda, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida do indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos Juros Compensatórios (JC), relativa ao exercício de 1999.


***

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Quanto à falta de fundamentação invocada, entende a ora Recorrente que, salvo o devido respeito, na douta Sentença se verifica um manifesto erro de julgamento, porquanto da nota de liquidação impugnada não resulta qualquer fundamentação, nem qualquer remissão para qualquer acto passível de fundamentar o acto praticado.

B. Apenas resulta do mesmo foi praticado conforme “fundamentação já remetida”, em manifesta violação do art.° 77.° da LGT.

C. Contudo, não refere qual foi a fundamentação já remetida, apesar de ser outro o entendimento expresso na sentença recorrida, porquanto ali entende-se que “Aliás, no caso, da própria notificação da liquidação consta a remissão para a fundamentação já notificada, evidenciando a já referida fundamentação por remissão.’' - cfr. douta sentença.

D. Ora, depreende a Recorrente que entende o Tribunal a quo que, pelo simples facto de ter sido esta alvo de uma acção inspectiva e de ter sido notificada das suas conclusões expressas no relatório de inspecção, tem a obrigação de deduzir que a expressão “fundamentação já remetida” ínsita na nota de liquidação é suficiente para que se conclua que a fundamentação resulta do relatório de inspecção notificado.

E. Será então que esta fundamentação, "por dedução”, satisfaz a exigência constitucional de “fundamentação expressa e acessível (dos actos administrativos) quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos” - v.g. n.° 3 do artigo 268.° da CRP?

F. Entende a Recorrente que não, pois que, apesar da fundamentação poder ser efectuada por remissão, como bem aventa a douta sentença, tem de o ser para fundamentações, pareceres, informações ou propostas concretas, que não deixem qualquer margem de dúvida ao notificado, o que não sucedeu no caso sub judice.

G. Principalmente quando foi a Recorrente notificada de um relatório de inspecção referente ao exercício de 1999 e de dois actos de liquidação referentes a IRC de 1999!

H. Poderá seriamente exigir-se à Recorrente que alcançasse que também esta liquidação teve por fundamentação o mesmo relatório de inspecção?

I. A fundamentação tem de ser explícita, não bastando que resulte implicitamente do procedimento administrativo, pois apenas assim serão obtidas as vantagens visadas pelo dever de fundamentação: transparência e racionalidade do procedimento administrativo; garantias para o contribuinte; controlo hierárquico e judicial do acto.

J. A fundamentação tem de ser contextual: deverá acompanhar o conteúdo da decisão, constando do mesmo como um seu pressuposto racional e legal, desde logo, por se tratar de um dever de a Administração Pública - neste caso, a Tributária - fornecer os fundamentos e não, de um direito de os particulares os virem a exigir após conhecimento do acto.

K. Ora, do acto impugnado terá forçosamente que se concluir que não resulta qualquer fundamentação, o que o inquina de nulidade.

L. Ao assim não ter julgado, incorreu a sentença de que ora se recorre, nesta parte, de manifesto erro de julgamento, e que aqui se deixa expressamente invocado.

M. Também nesta quanto ao invocado erro de qualificação, a Recorrente entende que a douta sentença incorreu em manifesto erro de julgamento, para além de omissão de pronúncia.

N. Com efeito, no que respeita ao invocado, pela Impugnante, erro na qualificação, entendeu o Tribunal a quo dar como não provado o seguinte facto: “Os valores mencionados em 1) foram efectivamente incorridos pela impugnante para suportar despesas relacionadas com deslocações de seus trabalhadores em 1999.", porquanto entendeu não atribuir credibilidade ao depoimento da única testemunha ouvida nos autos, pelo facto de esta ter sido gerente da Impugnante até há poucos dias antes da sua inquirição “(...) o que implica que a decisão da presente causa não seja irrelevante para a testemunha, com consequências em termos de credibilidade do depoimento." - cfr. douta sentença.

O. Ora, a coincidência ocorrida - pois que mais não foi que uma mera coincidência - consubstanciada no facto de ter, a testemunha, deixado de ser gerente, apenas lhe permitiu ser arrolado como tal, sem prejuízo de, mesmo que assim não fosse, poder ser recolhido o seu depoimento na qualidade de parte, porquanto, à data da inquirição de testemunhas (28/11/2013), era tal admissível à luz das normas processuais.

P. A testemunha afirmou, peremptoriamente, que o facto de ter sido sócio gerente da Impugnante não o impedia de dizer a verdade - cfr. registo da audiência de inquirição de testemunhas, referente ao depoimento da testemunha Haresh R... , gravada em suporte digital, na passagem do minuto 00:02:20 a 00:02:40.

Q. Pois que, de facto, a testemunha tem interesse na reposição da verdade material, mas também a testemunha era a única pessoa com conhecimento directo dos factos em crise, atento o tempo volvido desde o facto tributário (cerca de quinze anos!).

R. Pois as deslocações ao estrangeiro associadas às ajudas de custo pagas pela Impugnante foram, invariavelmente, realizadas pela testemunha - cfr. prova gravada, ao minuto 00:03:30 a 00:07:45.

S. Sendo que tais viagens, com duração de cerca de 25/30 dias, eram justificadas pela necessidade da Impugnante de aquisição do material que vendia, composto por artigos de decoração e utilitários para o lar, que comprava em vários países, nomeadamente índia, Bangladesh, Sri Lanka, Tailândia entre outros. - cfr. prova gravada, ao minuto 00:03:30 a 00:08:22.

T. Mais aventou a testemunha, com todo o pormenor, que as despesas associadas às referidas deslocações prendiam-se com as passagens de avião, reservas de hotéis, alimentação, despesas com deslocação dentro dos países, entre outras - cfr. prova gravada, ao minuto 00:08:22 a 00:10:11.

U. Mais referiu a testemunha que a maioria das despesas era titulada por documentos de suporte (facturas, recibos), mas que outras havia em que, atenta a sua natureza (refeições de rua, aquisição de amostras em mercados de rua), não havia possibilidade de lhe facultarem tais comprovativos, mas que eram aceites pelos sócios e devidamente comunicadas à contabilidade da sociedade impugnante para efeitos de pagamento de ajudas de custo - cfr. prova gravada, ao minuto 00:10:11 a 00:13:13.

V. Também referiu a testemunha que havia necessidade de outros trabalhadores da Impugnante efectuarem deslocações por força da presença, da sociedade Impugnante, em feiras do ramo em Portugal - cfr. prova gravada, ao minuto 00:13:13 a 00:16:29.

W. O depoimento da testemunha revelou-se, assim, coerente e consistente com a demais prova produzida nos presentes autos, tendo resultado demonstrada a existência de deslocações ao estrangeiro por força do próprio escopo da sociedade - Importação e Exportação, justificada a necessidade de incorrer em despesas durante essas deslocações e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos da Impugnante, revelada a natureza dessas despesas e a razão pela qual, algumas delas tinham um suporte documental deficitário e identificado quem incorria nessas despesas, justificando- se, assim, a razão pela qual eram pagas, pela Impugnante, as ajudas de custo.

X. Pelo que, através da prova testemunhal, foi possível complementar a considerada insuficiência dos documentos de suporte existentes na contabilidade para titular as ajudas de custo pagas pela Impugnante e, por conseguinte, a indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos pela sociedade Impugnante.

Y. Acresce que a AT, no âmbito do procedimento inspectivo, não apurou que não haveria suporte documental para os custos incorridos pela Impugnante - ao contrário do muitas vezes referido na douta sentença - mas antes que os mesmos não se encontravam documentados através de boletins de itinerário que suportassem as despesas com as ajudas de custo pagas - cfr. pág. 4 do relatório de inspecção junto aos autos.

Z. Ora, como bem foi constatado na douta sentença, à data em que foram realizadas tais despesas - 1999 - inexistiam quaisquer regras específicas sobre a documentação das ajudas de custo, sendo que o ordenamento fiscal à data bastava-se com a documentabilidade das mesmas.

AA. Razão pela qual, à Impugnante, assistia apenas o ónus de demonstrar a necessidade da realização das despesas tituladas nos - ainda que insuficientes - documentos que serviram de suporte ao pagamento de ajudas de custo e que as mesmas concorreram para a realização dos proveitos da Impugnante.

BB. E não, como entendeu o Tribunal a quo, o ónus de demonstrar que essas despesas foram realizadas, porquanto se encontra demonstrado, na contabilidade da Impugnante - contabilidade que não ofereceu dúvidas quanto à sua veracidade, como resulta do relatório de inspecção - que as mesmas foram suportadas pela Impugnante.

CC. Em face do exposto, dúvidas não deveriam existir sobre a natureza dos montantes pagos a título de ajudas de custo, assim como a sua necessidade para a formação do lucro da Impugnante.

DD. Com efeito, a AT ficou longe de demonstrar que as importâncias que corrigiu são complementos de remuneração e não ajudas de custo pagas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais da Impugnante.

EE. Também, ao longo dos presentes autos, não pôs em causa a qualificação dessas despesas nem a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou manutenção da fonte produtora nos termos do artigo 23.° do CIRC.

FF. Antes o que considera é que elas não podem ser aceites como tal por falta de um dos requisitos do suporte documental das mesmas, a saber, o facto de não estarem as mesmas “devidamente documentadas” através de um boletim de itinerário.

GG. Ou seja, a AT apenas desconsiderou - mal - o suporte documental existente, o que não significa que o mesmo não existisse, ao contrário do entendimento que se retira da douta sentença.

HH. Jamais pondo em causa a existência efectiva das despesas e deslocações que motivaram o pagamento das ajudas de custo aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais.

II. Nem tão pouco desconsiderou a existência de pagamentos, independentemente da designação dada, pelo que não alcança a Impugnante porque o fez o Tribunal a quo.

JJ. Pois que, acaso se tivesse demonstrado - o que não se concebe - que tais pagamentos eram feitos a título de complementos remuneratórios, sempre abonaria a favor da Impugnante a dúvida razoável sobre o facto tributário, previsto no art.° 100.° do CPPT.

KK. Por outro lado, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se admita que não se tratam de ajudas de custo mas sim de atribuições patrimoniais efectuadas pela Impugnante aos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais, sempre teriam tais atribuições que qualificar (para efeitos fiscais) como rendimentos do trabalho dependente.

LL. O que sempre seria um custo da Impugnante e, como tal, dedutível para efeitos de IRC, facto invocado pela Recorrente sobre o qual o Tribunal omitiu em absoluto a sua pronúncia.

MM. Pelo que mal andou o Tribunal a quo, violando o disposto nos artigos 17.°, 23.° e 42.° n.° 1, al. h) do CIRC (redacção à data), 77.° da LGT, 100.° do CPPT e 268.° da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença e substituída, tudo o mais com as consequências legais.”


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A impugnante, no exercício de 1999, registou na sua contabilidade importâncias relativas a ajudas de custo, no valor de 30.386,12 Eur. (cfr. fls. 59 e 60, do processo administrativo).

2) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento da Ordem de Serviço (OS) n.º 13.512, pela Direção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 78).

3) Sobre a OS mencionada em 2) foi aposta, no campo para preenchimento pelo sujeito passivo, data de 21.07.2003 e assinatura, com a indicação de entrega a representante de pessoa coletiva (cfr. fls. 78).

4) Da ação inspetiva referida em 2), resultou um Relatório de Inspeção Tributária, datado de 12.09.2003, do qual advieram correções de IRC, relativas ao exercício de 1999, em parte respeitantes a ajudas de custo, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“ (…)


«Imagem no original»

(…)

…” (cfr. fls. 44 a 58, do processo administrativo).

5) Sobre o RIT mencionado em 4) e após parecer de concordância, foi proferido despacho de concordância, a 24.09.2003, por C... , por subdelegação do Diretor de Finanças (cfr. fls. 44, do processo administrativo).

6) Na sequência do RIT mencionado em 4), foi remetido ofício, via correio postal registado com aviso de receção, pelos serviços de inspeção tributária, dirigido à impugnante, datado de 26.09.2003, com o assunto: “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária”, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“Fica (…) por este meio notificado(s) (…) do Relatório de Inspecção Tributária e do teor do(s) despacho(s) que sobre ele recaiu(ram) (…).

As correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou ao imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do Relatório de Inspecção Tributária, que se anexa, como parte integrante da presente notificação, será a breve prazo, notificado da liquidação pelos competentes Serviços da DGCI onde constará indicação dos prazo e meios de defesa contra a liquidação…” (cfr. fls. 41 a 43, do processo administrativo, e fls. 41 e 42, do processo administrativo – reclamação graciosa).

7) No aviso de receção mencionado em 6), no campo para preenchimento pelo destinatário, foram apostas assinatura e a data 06.10.2003 (cfr. fls. 42, do processo administrativo, e fls. 42, do processo administrativo – reclamação graciosa).

8) Na sequência do RIT mencionado em 4), foi emitida, a 30.10.2003, pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IRC n.º 8310018673 e a dos respetivos juros compensatórios, relativa ao ano de 1999, no valor de 12.658,02 Eur., constando do respetivo documento de cobrança remetido à impugnante designadamente o seguinte:

“…


«Imagem no original»

(cfr. fls. 90, dos autos, junto pela impugnante, fls. 29 e 30, do processo administrativo, e fls. 28 e 29, do processo administrativo – reclamação graciosa).

9) Através de documento que deu entrada, no serviço de finanças de Loures 3, a 10.03.2004, a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em 8) (cfr. fls. 2 a 24, do processo administrativo – reclamação graciosa).

10) Na sequência do mencionado em 9), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º 3158-04-400029.3 (cfr. fls. 1, do processo administrativo – reclamação graciosa).

11) No âmbito do procedimento mencionado em 10), foi elaborada informação, a 29.12.2006, na divisão de justiça administrativa, da direção de finanças de Lisboa, no sentido do indeferimento do mesmo (cfr. fls. 53 a 57, do processo administrativo – reclamação graciosa).

12) Na sequência da informação mencionada em 11) e de parecer de concordância, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, a 22.01.2007 (cfr. fls. 52, do processo administrativo –reclamação graciosa).


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Ficou consignado como factualidade não provada o seguinte:

Dá-se como não provado o seguinte facto, com interesse para a decisão:

A) Os valores mencionados em 1) foram efetivamente incorridos pela impugnante para suportar despesas relacionadas com deslocações de seus trabalhadores em 1999.


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Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

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A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:

“A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

No tocante ao facto não provado, a prova produzida revelou-se vaga e pouco esclarecedora. Em termos de prova documental, a impugnante nada demonstrou, como sucedera em sede administrativa (cfr. o ponto VIII do RIT, bem como o termo de declarações constante de fls. 58, do processo administrativo, de onde decorre que, em sede administrativa, a impugnante invocou não ter outro documento que não recibos das pessoas que receberam os valores, não tendo qualquer documento que descreva o local, serviços e datas). Por outro lado, a prova testemunhal produzida não foi suficiente para suprir as faltas de prova documental. Com efeito, o depoimento da única testemunha, H... , que é sócio e foi gerente da impugnante desde 1990/91 até novembro de 2013, foi muito vago e amplo, no sentido de que a impugnante, sendo importadora de artesanato e artigos para o lar, tinha de fazer-se representar em feiras no estrangeiro, e que havia igualmente deslocações dentro do país, sendo que, no entanto, estas referências foram feitas genericamente, sem ser possível aferir que viagens em concreto estiveram inerentes aos específicos custos do ano em causa. Não é de descurar ainda o facto de a testemunha ter sido até há poucos dias, face à data da sua inquirição (cfr. ata de fls. 108 e 109 e documento constante de fls. 135 a 137), gerente da impugnante, o que implica que a decisão da presente causa não seja irrelevante para a testemunha, com consequências em termos de credibilidade do depoimento.


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC do exercício de 1999.

Ab initio, em termos de delimitação da lide recursiva, importa relevar que a Recorrente interpôs recurso apenas quanto ao vício formal da falta de fundamentação e à errónea qualificação e desconsideração enquanto custo da quantia contabilizada como ajudas de custo, porquanto encontram-se consolidadas na ordem jurídica todas as outras questões analisadas na decisão recorrida, concretamente, preterição de formalidades essenciais na prática do ato impugnado.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo:

Ø Incorreu em omissão de pronúncia;

Ø Perpetrou erro de julgamento de facto na valoração da prova testemunhal, porquanto a mesma era credível, e devidamente substanciada;

Ø Ajuizou, erradamente, que a liquidação impugnada não padecia do vício formal da falta de fundamentação;

Ø Decidiu, com desacerto, quanto à dedutibilidade fiscal dos custos contabilizados como ajudas de custo, incorrendo em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.

Comecemos pela nulidade por omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (1).

Apreciando.

A Recorrente defende que a decisão recorrida é nula, porquanto não apreciou a, eventual, requalificação como atribuições patrimoniais efetuadas pela Impugnante aos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais, as quais sempre seriam de qualificar como rendimentos do trabalho dependente, donde custo fiscalmente dedutível.

Porém, não lhe assiste razão.

Desde logo, porque contrariamente ao expendido pela Recorrente o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a aludida questão, é certo que não lhe conferiu a relevância e o efeito por si almejado, mas tal em nada determina qualquer nulidade por omissão de pronúncia, quando muito, a proceder, determina erro de julgamento, mas nunca a arguida nulidade.

Com efeito, atentando na decisão recorrida verifica-se que a mesma relevou claramente que: “Por outro lado, a questão em causa não tem a ver com a qualificação dos custos em causa como ajudas de custo ou como rendimentos de trabalho dependente, que não é aventada pela AT, estando a questão colocada pela administração situada a montante, na não documentação dos custos em causa, que, como já referido, não foi ultrapassada, motivo pelo qual não releva o alegado pela impugnante quanto à qualificação dos valores como rendimentos de trabalho dependente.”

Em face de todo o exposto, e sem necessidade de outros considerandos dimana inequívoco que não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão sub judice, visto que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da Recorrente (2).

Face ao exposto, improcede, assim, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

Neste particular, defende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, no atinente à desconsideração do depoimento da testemunha ouvida, visto que a mesma, contrariamente ao ajuizado na decisão recorrida, tinha credibilidade, conhecimento direto das matérias e substanciou, devidamente, as realidades em contenda.

Releva, neste âmbito, que é sintomático do supra aludido o juramento que prestou no início da audiência e bem assim, por intermédio a trechos áudio que convoca, que do depoimento da testemunha resulta demonstrada a existência de deslocações ao estrangeiro por força do próprio escopo da sociedade, justificada a necessidade de incorrer em despesas durante essas deslocações e a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos da Impugnante, e quem as incorria, tendo, inclusive, avançado a razão pela qual algumas delas tinham um suporte documental deficitário.

Vejamos, então.

De relevar, desde já, que cotejando, articuladamente, as alegações com as respetivas conclusões, retira-se, desde logo, que a Recorrente, não requer, expressamente, qualquer aditamento por complementação, nem qualquer supressão em termos fáticos.

De todo o modo retira-se que refuta a realidade fática contemplada como não provada, face ao depoimento da prova testemunhal, convocando, para o efeito, os respetivos registos áudios que permitiam asseverar no sentido da efetiva demonstração das despesas e da sua concreta natureza, razão pela qual entendemos que se encontram reunidos-pelo menos em termos de exigência mínima-os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC.

Vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu no arguido erro de julgamento, concretamente na valoração da respetiva prova testemunhal relevando, desde já, que o Tribunal ad quem procedeu à audição integral do depoimento da testemunha e não se afigura, de todo, que, por um lado, o depoimento da testemunha tenha sido devidamente pormenorizado e substanciado em termos espácio-temporais como se exigia e, por outro lado, que com base nele tivesse existido um erro na assunção da factualidade não provada.

Expliquemos, porque assim o entendemos.

De salientar, ab initio, que em nada pode relevar, em termos de ponderação e efetiva credibilidade, o facto de a testemunha afirmar, de forma expressa, que o facto de ter sido gerente não o impede de dizer a verdade. Aliás, conforme dimana do disposto no artigo 459.º do CPC antes de começar o depoimento, o tribunal faz sentir ao depoente a importância moral do juramento que vai prestar e o dever de ser fiel à verdade, advertindo-o ainda das sanções aplicáveis às falsas declarações, exigindo, de seguida, que preste juramento legal, sendo que a recusa da sua prestação equivale à recusa a depor.

Logo, como é bom de ver, em nada poderá relevar, neste e para este efeito, o facto de a testemunha ter referenciado o expendido em P), ademais o próprio reconhece, expressamente, que “tem interesse pessoal enquanto sócio”. E, de facto, na linha do ajuizado na decisão recorrida não pode ser descurada a circunstância de ter deixado de exercer o cargo poucos dias antes da inquirição, anuindo-se com o salientado pelo Tribunal a quo no sentido de que tal “[i]mplica que a decisão da presente causa não seja irrelevante para a testemunha, com consequências em termos de credibilidade do depoimento.”.

Mais importa ressalvar que, não tem, outrossim, o efeito almejado pela Recorrente a possibilidade, em abstrato, de prestar declarações de parte, na medida em que o âmbito e extensão dessa prestação não é equiparável e não tem, naturalmente, o mesmo alcance de uma inquirição de testemunhas.

Mais importa salientar que pese a prova testemunhal possa relevar para efeitos de assunção de um custo, desde que coadjuvada com demais elementos documentais que alicercem a efetividade e as caraterísticas essências das despesas visadas, a verdade é que, in casu, do depoimento de uma só testemunha e mais ainda de uma testemunha que desempenhou funções como sócio gerente, não é possível concluir-se no sentido apontado pela Recorrente. Até porque, conforme evidenciado em V) existiam diversos trabalhadores que também realizariam as alegadas deslocações -o que, de resto, contraria, desde logo, o aduzido na parte final da alínea Q)- logo é manifestamente insuficiente por intermédio desse depoimento pretender-se colmatar uma clara e notória insuficiência documental.

Neste concreto particular, e tendo por reporte os registos áudio convocados pela Recorrente, importa aduzir que contrariamente ao expendido em S), o depoimento não foi, devidamente, circunstanciado, conforme se exigia, corroborando-se o sufragado pelo Tribunal a quo no sentido de que o depoimento “[f]oi muito vago e amplo, no sentido de que a impugnante, sendo importadora de artesanato e artigos para o lar, tinha de fazer-se representar em feiras no estrangeiro, e que havia igualmente deslocações dentro do país, sendo que, no entanto, estas referências foram feitas genericamente, sem ser possível aferir que viagens em concreto estiveram inerentes aos específicos custos do ano em causa.”

De sublinhar, igualmente, que é débil para efeitos de assunção da demonstração da prova da efetividade, da natureza e da inerente indispensabilidade a mera alegação de que as despesas associadas às referidas deslocações se prendiam com as passagens de avião, reservas de hotéis, alimentação. O mesmo se diga quanto ao alegado em U), no sentido de que havia despesas que eram insuscetíveis de comprovação, na medida em que -no limite e a ocorrer da forma alegada- teriam de ser elaborados os respetivos documentos internos que pudessem atestar a sua realização. De resto, neste concreto particular, a testemunha reconheceu, expressamente, que “não se preocupava em titular as despesas”.

Pelo que, contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, do depoimento da testemunha não resulta demonstrada a existência de deslocações ao estrangeiro, logo, não se verifica o aludido erro de julgamento da matéria de facto, razão pela qual se mantém inalterada a matéria de facto nos moldes fixados pelo Tribunal a quo, mantendo-se, por conseguinte, o facto não provado, com a asserção de que “Os valores mencionados em 1) foram efetivamente incorridos pela impugnante para suportar despesas relacionadas com deslocações de seus trabalhadores em 1999.”


***


Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, ora, no erro de julgamento quanto à falta de fundamentação das liquidações.

A Recorrente aduz que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento ao ter entendido que a liquidação impugnada não padecia de falta de fundamentação, porquanto da nota de liquidação impugnada não resulta qualquer fundamentação, nem qualquer remissão para qualquer ato passível de fundamentar o ato praticado, não sendo para tal suficiente a menção conforme “fundamentação já remetida”, em clara violação do artigo 77.° da LGT.

Mais sublinhando que não é pelo simples facto de ter sido alvo de uma ação inspetiva e de ter sido notificada das suas conclusões expressas no Relatório de Inspeção, que a Recorrente tem a obrigação de deduzir que a expressão “fundamentação já remetida” ínsita na nota de liquidação é suficiente para que se conclua que a fundamentação resulta do relatório de inspeção notificado, na medida em que esta fundamentação, "por dedução”, não satisfaz a exigência constitucional de “fundamentação expressa e acessível”.

O Tribunal a quo, assim o não entendeu tendo relevado, expressamente, que “[n]ão se verifica qualquer irregularidade em virtude de a fundamentação do ato constar do RIT. Com efeito, o nosso ordenamento permite a fundamentação por remissão (cfr. art.º 77.º, n.º 1, da LGT), pelo que o autor do ato pode, por essa via, fazer sua a fundamentação elaborada por outrem, sem que isso consubstancie qualquer irregularidade. Aliás, no caso, da própria notificação da liquidação consta a remissão para a fundamentação já notificada, evidenciando a já referida fundamentação por remissão. Como tal, carece de razão o alegado pela impugnante nesta parte.”

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento na análise e valoração do vício formal da falta de fundamentação, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e acertadamente o regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente.

Mas, expliquemos porque assim o entendemos.

Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (3).

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (4).

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (5)”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09) (6)” (destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

In casu, conforme dimana inequívoco do acervo fático dos autos, a liquidação impugnada tem na sua génese uma ação inspetiva, a qual, como visto, constatou diversas irregularidades e com base nelas materializou um conjunto de correções meramente aritméticas, permitindo, numa primeira fase, que a Recorrente se pronunciasse sobre o projeto de Relatório de Inspeção Tributária, mediante o exercício do correspondente direito de audição prévia, e ulteriormente, que procedesse à elaboração do respetivo Relatório Definitivo e consequente liquidação adicional. Aliás, todo esse circunstancialismo resulta, devidamente, evidenciado no seu articulado inicial.

Pelo que, contrariamente ao expendido pela Recorrente, face à menção constante no ato de liquidação e o procedimento inspetivo que a originou era, perfeitamente, plausível e razoável a assunção de que a fundamentação da liquidação radicava no Relatório Inspetivo, até porque, tem um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do aludido Relatório.

Note-se que, conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, a nota de liquidação corporiza uma fundamentação por remissão, legalmente admissível, dela constando a menção clara e expressa conforme “fundamentação já remetida”.

Mas mais, no ofício de notificação do Relatório de Inspeção Tributária, plasmado no ponto 6) do probatório consta, expressamente, a seguinte menção:

“Fica (…) por este meio notificado(s) (…) do Relatório de Inspecção Tributária e do teor do(s) despacho(s) que sobre ele recaiu(ram) (…).

As correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou ao imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do Relatório de Inspecção Tributária, que se anexa, como parte integrante da presente notificação, será a breve prazo, notificado da liquidação pelos competentes Serviços da DGCI onde constará indicação dos prazo e meios de defesa contra a liquidação…”

Ora, tais realidades fáticas -interpretadas, necessária e naturalmente, no seu conjunto- permitem discernir que a fundamentação do ato de liquidação radica no respetivo Relatório Inspetivo, não existindo a apelidada “fundamentação por dedução”, mas antes uma fundamentação remissiva, por adesão às conclusões de um Relatório de Inspeção (artigos 63.º, n.º 1 do RCPIT e 77.º, n.º 1 da LGT), o qual retrata, não só os pressupostos de facto, mas também de direito que legitimaram as correções e posterior emissão de ato de liquidação adicional, o qual, como visto, já havia advertido, expressamente, a emissão de tal ato. Carecendo, por conseguinte neste e para este efeito, de relevância o aduzido em 22 a 24 das alegações, quanto à existência do processo nº102/07 e inerentes consequências e cominações.

Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0921/15.6, de 16 de setembro de 2020: “[d]aquela demonstração de liquidação (i. e., do acto de liquidação) não constava a referência expressa ao relatório de inspecção tributária, mas, como se concluiu – e bem – na sentença recorrida, a notificação do relatório de inspecção (onde a “Administração Tributária identificou cabalmente os factos tributários, os montantes sobre os quais incidia o imposto, a taxa a aplicar, sustentando a sua decisão na legislação aplicável”) que pré-anunciava a emissão daquele acto e a sua posterior notificação, com um conteúdo em tudo correspondente ao que resulta do relatório, constituem elementos bastantes para que se considere preenchido, in casu, o dever de fundamentação do acto de liquidação. É que, nestes casos, o acto de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o relatório de inspecção e, como também se afirma na sentença recorrida, o “cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem reflectir na validade do acto comunicando”. Ora, no caso, a existir alguma irregularidade (mera irregularidade), ela atem-se à falta de referência expressa no acto de liquidação aos elementos identificativos do relatório de inspecção; irregularidade que não prejudicou a correcta compreensão pelo sujeito passivo da relação entre ambos (como atesta a presente acção), não sendo sequer necessário mobilizar: i) primeiro, o princípio da razoabilidade para sustentar que, atento o conteúdo de ambos (do relatório de inspecção, cuja notificação antecedeu a do acto tributário), qualquer declaratório normal teria objectivamente estabelecido aquela relação e, com isso, teria tido acesso à fundamentação da liquidação; ou ii) subsidiariamente, a aplicação do regime do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º do CPPT no quadro de uma relação de colaboração leal e de boa-fé nas relações tributárias, para concluir que não existe a alegada falta de fundamentação.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, face a todo o exposto, estando o ato de liquidação suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae (artigo 487.º nº 2 do Código Civil) possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação-e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato- aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual, ter-se-á de concluir, face a todo o exposto que, in casu, inexiste a arguida falta de fundamentação.

Face ao exposto, nenhuma censura merece o ajuizado pelo Tribunal a quo, neste concreto particular.


***


Analisemos, ora, o sindicado erro de julgamento no atinente à dedutibilidade dos custos, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, desde logo, porque a AT não pôs em causa a qualificação das visadas despesas nem a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou manutenção da fonte produtora nos termos do artigo 23.° do CIRC.

Mais sustenta que, contrariamente ao aduzido pelo Tribunal a quo, a questão não se pauta por uma total falta de prova documental, mas sim por uma insuficiência documental, mormente, por inexistirem os boletins itinerários, sendo certo que, à data, inexistiam quaisquer regras específicas sobre a documentação das ajudas de custo.

Logo, a AT ficou longe de demonstrar que as importâncias que corrigiu são complementos de remuneração e não ajudas de custo pagas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, razão pela qual, competia, tão-só, à Impugnante, ora, Recorrente demonstrar a necessidade da realização das despesas tituladas nos - ainda que insuficientes - documentos que serviram de suporte ao pagamento de ajudas de custo e que as mesmas concorreram para a realização dos proveitos da Impugnante.

Vejamos, então.

O Tribunal a quo, neste particular, esteou a procedência com base no seguinte:

“Não havendo à época regras definidas sobre tal forma de documentação, cumpriria à impugnante determinar uma forma de documentar esse custo. Essa insuficiência documental invocada pela AT, relacionada com as caraterísticas principais dos custos em causa, não posta em causa pela impugnante e suprível por esta, não foi colmatada por meios complementares de prova (documental ou testemunhal), nem em sede administrativa, nem na presente sede.

Ora, in casu, em sede administrativa, a própria impugnante refere não ter qualquer documento de suporte que descreva o local onde os serviços foram prestados, o dia e o tipo de serviços, não tendo esta insuficiência documental, como já referido, sido suprida na presente sede, dado o cariz vago da prova testemunhal produzida.

Como tal, face ao exposto, conclui-se que os custos com ajudas de custo não se encontram devidamente comprovados, não respondendo às exigências do então art.º 41.º, n.º 1, al. g), do CIRC, improcedendo a pretensão da impugnante neste domínio.”

E, de facto, não se afigura que a decisão recorrida mereça a censura que lhe é gizada. Senão vejamos.

Comecemos por atentar no Respetivo Relatório inspetivo, e definir a fundamentação que assentou a correção em contenda.

Com efeito, da fundamentação nele gizada resultam as seguintes asserções:

Foram identificadas despesas contabilizadas como ajudas de custo, no valor de €30.386,12, sendo que da análise aos descritivos dos documentos de suporte do pagamento verifica-se que os mesmos não mencionam o local e o dia onde o serviço foi prestado, nem o serviço que foi prestado.

Relevando que, para a assunção da dedutibilidade fiscal os custos têm de estar, devidamente, documentados e serem indispensáveis para a obtenção dos proveitos, pelo que conclui que “[e]stamos perante custos não devidamente documentados nos termos do artigo 42.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), e que não se provam que sejam indispensáveis à formação dos proveitos, nos termos do artigo 23º do CIRC.”

Ora, face ao exposto resulta que os normativos que legitimaram a correção são o artigo 23.º, e o artigo 42.º, nº1, alínea f), ambos do CIRC, razão pela qual importa atentar no teor dos mesmos, estabelecendo os devidos considerandos de direito atinentes ao efeito.

Importa, evidenciar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.

Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que:

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes (…)
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;”

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo ou perda apenas desenha o conceito numa vertente finalística, traduzida, tão-somente, numa certa relação de causalidade com as componentes positivas do resultado.

De todo o modo, o citado artigo 23.º do CIRC permite aferir da existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (7)”.

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (8).

No atinente à documentabilidade do custo, consignava, à data, o 41.º, nº1, alínea h), do CIRC, renumerado depois (9) para 42.º, nº1, alínea g), que não são dedutíveis fiscalmente “Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.”

Sendo que, a densidade de suporte documental em termos de IRC é distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio.

Ora, aqui chegados, atentando na fundamentação jurídica da decisão recorrida, e tendo por base o recorte probatório dos autos, não se afigura que a mesma tenha incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado.

E isto, desde logo, porque não é correta a afirmação da Recorrente no sentido de que não foi colocada em causa a indispensabilidade das despesas contabilizadas enquanto ajudas de custo, com efeito, conforme resulta do Relatório Inspetivo, a mesma foi sindicada assim como a falta de suporte documental-suficiente e idóneo-das mesmas.

Por outro lado, também não resulta da decisão recorrida e ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente que o Tribunal a quo tenha interpretado erradamente a questão atinente à falta de suporte documental, porquanto foi, clara e fundamentadamente, explanado que “no caso dos autos, como resulta do RIT, a AT considerou que os documentos de suporte às ajudas de custo não se encontravam suficientemente densificados, porquanto não mencionavam o local o dia e o tipo de serviço prestado (…) entendeu a AT que os encargos não estavam suficientemente documentados, não se demonstrando em consequência que os mesmos fossem comprovadamente indispensáveis à formação dos proveitos.”

É certo que não se descura que a possibilidade de rejeição liminar do custo por parte da AT é naturalmente maior quando o documento, de todo, não existe. Mas é, igualmente, certo, que as despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas não beneficiam da presunção de veracidade, logo a sua comprovação recai, necessariamente, sobre a Impugnante, ora Recorrente (10).

Com efeito, o sujeito passivo pode comprovar o respetivo custo pela demonstração da efetividade das despesas, da sua natureza, função e interligação com o escopo social, e consequente indispensabilidade, podendo recorrer, para o efeito, a outros meios de prova (mormente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) tendentes a demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correção que a AT tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação, mas a verdade é que tal não sucedeu, de todo, no caso vertente.

No caso os parcos e manifestamente insuficientes documentos não permitem fazer qualquer controle ou verificação, ou seja, a documentação não permite discernir e aferir a que título é que as despesas foram realizadas, o local, e o motivo a elas inerente, inviabilizando, naturalmente, a assunção do inerente nexo com a empresa e o seu escopo societário, donde, a indispensabilidade das mesmas.

Não granjeando, igualmente, mérito o aduzido quanto aos boletins itinerários, porquanto pese embora a AT tenha relevado que os mesmos não existiam, a verdade é que daí não retirou uma consequência no sentido de inviabilizar qualquer outro tipo de prova, com efeito, e como já expendido, a Recorrente é que nada carreou, sublinhando e reconhecendo, expressamente, no termo de declarações que não tem qualquer documento que descreva o local, serviços e datas. Logo, como é bom de ver, e resulta expresso do seu articulado inicial a Recorrente nunca pôs em causa a inexistência de elementos contendo as informações referidas pela AT, limitando-se a fundar a sua defesa na circunstância de não ser obrigatória a existência de boletins itinerários, a qual é manifestamente insuficiente para legitimar a dedução dos encargos.

Aliás, a decisão recorrida sublinha, igualmente, que “[independentemente de, à época, não haver regras específicas sobre a documentação das ajudas de custos, as regras gerais, quer de organização contabilística, quer de demonstração da efetividade dos custos (cfr. artº 17.º, do CIRC), implicam que, preferencialmente, os custos sejam eles quais forem, incluindo os com ajudas de custo estejam documentados.”

Logo, o que diz e propugna é que, não obstante à data da prática do facto tributário inexistirem regras definidas sobre a forma de documentação do custo, a verdade é que sempre cumpriria à Recorrente encontrar e carrear uma forma de documentar-suficiente e devidamente circunstanciada- esse custo.

Com efeito, “[a]s exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.”(11).

Sendo que, in casu, face a todo o expendido, nada foi demonstrado e provado-conforme resulta da factualidade não provada- seja pela via documental ou via complementar da prova testemunhal, que permita percecionar a que título as despesas foram contraídas, e se as mesmas eram feitas para a prossecução do objeto da empresa e para a obtenção de proveitos. Significa isto que, o custo não devidamente documentado não pode relevar fiscalmente porquanto a Recorrente não logrou provar, por qualquer meio admissível, os elementos essenciais dos gastos e que permitam a subsunção normativa no artigo 23.º do CIRC.

De salientar, in fine, que em nada releva a questão atinente à alegada requalificação das despesas como rendimentos de trabalho dependente, porquanto, no caso vertente, como visto e ajuizado, e bem, na decisão recorrida a questão é a montante, ou seja, a questão radica na insuficiência da documentação dos custos-não ultrapassada- carecendo, por isso, de qualquer relevo o aduzido em DD) e bem assim o alegado em JJ), sendo certo que, in casu, não é, de todo, passível de subsunção e provimento o artigo 100.º do CPPT, na medida, em que da prova produzida não resultou a “fundada dúvida”.

E porque assim é, não tem a Recorrente direito a fazer refletir negativamente esses custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável, nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, tendo, por isso, de ser confirmada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 10 de fevereiro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)



(1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(2) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01109/12, de 07 de novembro de 2012 e bem assim Aresto do mesmo Tribunal proferido no processo nº 829/12.7 BELRA.
(3) cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
(4) neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
(5) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
(6) Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
(7) TOMÁS TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, C.T.F. n.º 396, página 135
(8) Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.
(9) Decreto-lei 198/2001, de 3 de julho.
(10) Vide, neste âmbito Acórdãos deste TCAS, prolatados no âmbito dos processos nºs 00340/05, 755/09 e 2265/13, datados de 16.03.2005, 05.11.2020 e 14.01.2021, respetivamente.
(11) In Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0658/11, de 05.07.2012. Vide, também, Aresto do TCAS, proferido no processo nº 06483/13, de 23.04.2015.