Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:62/17.1BEBJA
Secção:CA-2º, JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:LEI N.º 98/2009, D.L. N.º 503/99, MORTE EM SERVIÇO, ACIDENTE DE TRABALHO, PENSÃO, CADUCIDADE DO DIREITO
Sumário:I. Não obstante o acidente de trabalho ter ocorrido com trabalhador em funções públicas, considerando a natureza jurídica da entidade ao qual se encontrava a exercer funções, uma entidade pública empresarial, a ULSLA, segundo o regime aprovado pelo D.L. n.º 283/2012, de 31/10, tem aplicação o regime de acidentes de trabalho previsto no Código de Trabalho, por expressa indicação do D.L. n.º 503/99, de 20/11.
II. O D.L. n.º 238/2012, de 31/10, criou a ULSLA, por integração do H. L. A., E.P.E. e do ACES A. L., sendo a ULSLA uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial nos termos do regime do setor empresarial do Estado e das empresas públicas.
III. Segundo o disposto no n.º 1 do 179.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, o direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano.
IV. Os prazos fixados nas normas relativas a acidentes de trabalho contam-se nos termos do CPC (artigo 180.º).
V. Proferida decisão de absolvição da instância, aproveitam-se os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos (n.º 2 do artigo 279.º do CPC).
VI. A natureza irrenunciável dos direitos invocados não obsta à caducidade do direito de ação, atenta a diferença entre a titularidade e o exercício do direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

M. L. M. R. D. S. e J. R. D. S., devidamente identificadas nos autos, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 05/07/2017, que no âmbito da ação administrativa instaurada contra a U. L. S. L. A. (ULSLA) – H. L. A. e a C. G. de A., julgou verificada a exceção de caducidade do direito de acção e absolveu as Entidades Demandadas da instância.

Formulam as aqui Recorrentes nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1. O Tribunal a quo absolveu as Recorridas com o fundamento de ter caducado o direito das Recorrentes;

2. Fundamenta a decisão pelo facto de não ter sido proposta nova acção nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da incompetência do Tribunal de Trabalho de Sines,- nos termos dos artºs 179º e 180º da lei 98/2009, artº 279º, 331 e 332º do Código Civil;

3. As Recorrentes consideram que deveria o Tribunal a quo ter dado com facto assente que a Recorrida ULSLA reconheceu os direitos das Recorridas pelo menos desde 11.06.2014, conforme documentação junta aos autos;

4. Face aos documentos juntos, nomeadamente pela Recorrida ULSLA deveria ter sido considerado como facto assente o seguinte: “Por despacho da Dra M. J. M., Presidente do Conselho de Administração da ULSLA a qual declarou, por despacho de 11.06.2014, como acidente de trabalho o acidente que vitimou o sinistrado e instruir o processo com carácter de urgência, para salvaguardar o valor maior que a lei quis proteger: os direitos dos herdeiros da vitima.

5. E deveria o Tribunal a quo ter dado como assente “A Recorrida ULSLA. após inúmeras solicitações por parte da Recorrente víuva, nunca satisfez o pagamento referente à pensão por morte.

6. A morte do sinistrado ocorre a 12.12.2012 e a participação do acidente é efectuada ao Tribunal de Trabalho de Sines a 20.12.2012;

7. O Tribunal do Trabalho de Sines declara-se incompetente em 20 de Novembro de 2013 e a decisão transita a 27 de Janeiro de 2014.

8. O conselho de administração da Recorrida ULSLA reconhece que os direitos das Recorrentes por despacho de 11.06.2014 declarando como acidente de trabalho o acidente que vitimou o sinistrado e instruir o processo com carácter de urgência, para salvaguardar o valor maior que a lei quis proteger: os direitos dos herdeiros da vítima.

9. Aliás, nas informações internas junto aos autos pela Recorrida ULSLA datadas de 2014, em momento algum foi suscitada a questão da caducidade, antes assumem ser devida a pensão.

10. Sucedem-se inúmeras comunicações internas entre as Recorridas para apurar quem devia proceder ao pagamento, sem nunca por em causa o direito ao pagamento.

11. A Recorrente viúva interpõe uma acção contra as Recorridas em 05.03.2015 formulando distintos pedidos contra cada Recorrida.

12. No âmbito da acção proposta em 05.03.2015 a Recorrida CGA é absolvida da obrigação de pagar a pensão por morte por se considerar aplicável a Lei 98/2009 e na mesma acção a Recorrida USLA é condenada a pagar à Recorrente viúva o subsídio por morte, valor esse que a Recorrida ULSLA regulariza, sem nunca invocar a caducidade.

13. A sentença da acção com o nº 88/15.0BEBJA transitou em 26 de Janeiro de 2017.

14. Em 13.02.2017 as Recorrentes dão entrada da presente acção com vista a obter o pagamento da prestação por morte nas proporções respectivas;

15. Consideram as Recorrentes, não ter aplicação o disposto no artº 327 nº 2 do Código Civil pelo facto de nenhum das Recorridas ter sido absolvida no âmbito do processo que correu no Tribunal de Trabalho de Sines, e consequentemente não se aplica o previsto no artº 332º nº1 do Código Civil.

16. O prazo de caducidade de 1 ano, previsto no artº 179º da LAT não se aplica porque foi interrompido com a participação do acidente a 20.12.2012

17. Tal como decorre do art° 26°, nº 3 do CPT, nas acções emergentes de acidentes de trabalho a instância inicia-se com o recebimento da participação do sinistro.

18. “O regime constante do nº 2 do artº 332 do Código Civil, que prevê um aforma de sancionamento da inércia processual, é inaplicável às acções cujo curso é oficiosa, como sucede com as acções emergentes de acidente de trabalho”, vide http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0f0e18f3c5d4d79f8025789900496152?OpenDocument

19. O que marca o início da instância não é a apresentação da petição inicial mas a apresentação da participação do acidente, pelo que não estavam as Recorrentes obrigadas as apresentar nova participação.

20. Por isso, o momento a atender para efeito da caducidade do direito de acção, quer da vítima, quer dos seus beneficiários legais no caso de acidente mortal, não é o data do início da fase contenciosa mediante a apresentação da petição inicial, mas o da data da participação do acidente com a qual se deu início à instância.

21. Perante o exposto, não existem dúvidas que o início da instância gerador da interrupção da caducidade foi a participação do acidente, que ocorreu a 20.12.2012 no Tribunal de Trabalho de Sines.

22. O acto impeditivo da caducidade é assim a participação do acidente no tribunal de trabalho competente - cfr., entre outros, os Ac. do STJ de 6/2/2008 e 18/5/2011, in www.dgsi.pt, citando-se no último abundante doutrina e jurisprudência sobre a matéria.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/06496fcee913b237802580cf005aba55?OpenDocument http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0f0e18f3c5d4d79f8025789900496152?OpenDocument http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/309f74d3cb884a2d802573e80051e170?OpenDocument http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0f0e18f3c5d4d79f8025789900496152?OpenDocument

23. “No âmbito dos processos emergentes de acidente de trabalho somente releva para efeitos de caducidade do direito de acção, o prazo decorrido entre a cura clinica ou morte do sinistrado e a data de participação, no tribunal, do acidente, a qual marca o exacto início da instância. A partir dessa data, os processos emergentes de acidente de trabalho correm oficiosamente, jamais podendo reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção.

24. No caso presente, tendo a morte do sinistrado ocorrido em 12 de Dezembro de 2012, e tendo a participação do acidente entrado no dia 20 de Dezembro do mesmo ano no Tribunal do Trabalho de Sines, concluímos que a instância se iniciou muito antes de se ter completado o prazo de um ano estabelecido no artigo 179º da LAT.

25. A partir da participação do acidente mortal, a qual interrompeu a caducidade, inicia-se um prazo de prescrição.

26. Tendo a acção em causa como objectivo pagamento de prestações reconhecidas, em consequência do acidente de trabalho que causou a morte, a acção não está sujeita ao regime de caducidade previsto no artº 179º da LAT mas apenas limitado ao exercício do direito à indemnização pela prescrição dos três anos prevista no artº 498 nºs 1 e 2 do Código Civil, veja-se Acordão do Tribunal Central Administrativo Norte

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/0/ea69ee91d491a5178025793d00394aca?OpenDocument

27. “Com efeito, esta acção urgente, e assim especial, não afasta, cremos, o regime geral da responsabilidade civil por conduta ilícita e culposa, pois, se assim fosse, tal regime jurídico, pretensamente proteccionista dos direitos do trabalhador sinistrado, antes fragilizaria, ao menos em termos de prazo de caducidade, o seu direito a indemnização.

28. Assim, não se aplicando às acções emergentes de acidentes de trabalho o princípio do impulso processual por iniciativa das partes, também, correlativamente, se lhes não pode aplicar aquele regime sobre a caducidade do direito de acção.

29. Não se trata de um direito sucessório, mas de um direito pessoal e irrenunciável dos familiares e equiparados (art.º 57.º e 78.º da LAT), em função da dependência presumida – cônjuges, pessoas em união de facto e filhos (n.º 1, alíneas a), e c)) ou da dependência real – ascendentes e outros parentes sucessíveis e enteados (n.º 1, alíneas b), d), e e), e n.º 2) para cujo sustento à data do acidente, o sinistrado tinha de contribuir com regularidade.

30. Constituindo o pedido reclamado na presente acção um direito irrenunciável das Recorrentes e tendo a participação sido efectuada em tempo ao Tribunal, não pode jamais considerar-se caducado o direito de acção.

31. Considera-se, pois, que a sentença recorrida além de não ter incluindo nos factos assentes factos essenciais que podem alterar a decisão final, recorrida violou por erro de interpretação e aplicação as seguintes normas: artºs 26º nº 3 e 99º do CPT, artº 57º, 78º e 179º da LAT, artº 331 nº 2 do Código Civil, artº 53º e 59º da CRP

32. Face a este enquadramento jurídico, que temos por correcto, e pelas razões apresentadas, deverá proceder o erro de julgamento imputado à sentença.

33. Deve, pois, ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão judicial proferida.”.


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A ora Recorrida, U. L. S. L. A. EPE notificada da admissão do recursão, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

“A) As autoras deduzem na presente ação pedidos de condenação contra a Ré ULSLA no pagamento de pensões por morte e juros ao abrigo da LAT- Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, por virtude do falecimento do sinistrado J. J. D. S., ocorrido em 12/12/2012;

B) Até à data da propositura da presente ação em Fevereiro de 2017, as Autoras não participaram o óbito do sinistrado a Tribunal do Trabalho, nem a Tribunal do foro Administrativo, limitando-se a Autora M. L. M. R. D. S. a intentar em 05/03/2015 processo judicial que correu termos sob o número 88/15.0BEBJA por este Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no qual não reclamou da Ré ULSLA o pagamento de pensão por morte, fazendo-o apenas relativa à Ré C. G. A. (CGA);

C) Antes do processo referido em B) apenas a Seguradora A. participou o acidente de trabalho que vitimou o sinistrado J. J. D. S.;

D) Quanto à Autora J. R. D. S., até à propositura da presente ação em 2017, não reclamou judicialmente da ULSLA o pagamento de qualquer pensão por morte do sinistrado;

E) A ULSLA, desde a data do acidente (12/12/2012) até ao presente, nunca se reconheceu como devedora às Autoras de pensões por morte do sinistrado, tendo sempre considerado que tais pensões eram da responsabilidade da C. G. A.;

F) A sentença produzida em 20/11/2013 no processo nº 730/12.4T2SNS do Tribunal de Trabalho de Sines, que se julgou incompetente para apreciar o presente acidente de trabalho, em razão da matéria, transitou em julgado em Dezembro de 2013, não tendo as Autoras não requerido, nos trinta dias seguintes a este trânsito, o envio do processo ao Tribunal competente, que era e é o Tribunal Administrativo de Beja, não o tendo feito até à propositura da presente ação, sendo certo que a remessa da ação do Tribunal de Trabalho para o Tribunal Administrativo não é automática, dependendo de requerimento das partes interessadas efetuado no referido prazo de trinta dias, nos termos do disposto no artigo 279º do CPC;

G) A LAT impõe, para o reconhecimento de direitos emergentes de acidentes de trabalho, a propositura de ação judicial no prazo de um ano a contar da morte do sinistrado (artº 179º nº 1);

H) Contando-se o prazo indicado em G) nos termos do disposto no artigo 1802 da LAT, conclui-se que a presente ação foi intempestiva, porquanto, foi interposta depois do decurso do prazo do ano em que as Autoras podiam formular os pedidos na mesma enunciados;

I) A participação de acidente de trabalho elaborada pela seguradora A. não pode aproveitar à Autoras para efeito de interromper o prazo de caducidade da ação, porquanto, para além de não ter sido elaborada por estas, foi dirigida a Tribunal declarado, por decisão transitada em julgado, absolutamente incompetente para a apreciar, em razão da matéria, não tendo as Autoras no prazo legal previsto no artigo 279º do CPC requerido a remessa do processo ao Tribunal Administrativo competente, sendo certo que esta remessa não é oficiosa, mas, depende de pedido das interessadas efetuado no referido prazo (trinta dias);

J) Assim sendo, o Tribunal é obrigado a considerar inexistente tal participação de sinistro, para efeitos de interrupção do prazo legal de caducidade do direito de ação das Autoras;

K) Assim, atentas as disposições conjugadas dos artigos 179º e 180º da LAT, 279º do CPC, 331º e 332º do CC, atento o facto de ter sido invocada pela Ré ULSLA, sendo certo que é conhecimento oficioso (artº 333º do CC), deve esta Ré ser absolvida da instância na presente ação, com todas as legais consequências (artigos 89º números 1, 2 e 4 alínea k) do CPTA - Código de Processo nos Tribunais Administrativos - e artigo 278º nº 1 e) do CPC - código de processo civil - aplicável por força do disposto no artigo 1º do CPTA), sendo tal absolvição apreciada em sede de despacho saneador, como foi o caso da decisão recorrida (artigo 88º nº 1 a) e nº 4 do CPTA);

L) O despacho recorrido, com o valor de sentença, deve, pois, ser mantido, absolvendo­ se a Ré ULSLA da instância, com as legais consequências, tendo o mesmo feito correta interpretação e aplicação da lei por si invocada, seguindo a jurisprudência firmada pelos Tribunais Administrativos;

M) Nem se diga, em contrário que o facto de a LAT denominar como inalienáveis e irrenunciáveis os créditos provenientes do direito à reparação prevista na mesma (artº 78º), impõe solução diversa da adotada pela sentença recorrida;

N) Na verdade, a natureza inalienável e irrenunciável dos créditos não contradiz o disposto nos seus artigos 179º e 180º da mesma LAT que, no caso, conduzem à caducidade do direito de ação das Autoras;

O) Com efeito, a natureza dos direitos é uma questão posterior à prévia questão da sua existência;

P) Ora, concluindo-se, como não pode deixar de ser, no sentido da caducidade do direito de ação, os direitos das Autoras não chegam a nascer na sua esfera jurídica, não se colocando a questão de saber se os mesmos são inalienáveis e irrenunciáveis;

Q) Assim, tal natureza não obsta à decretada absolvição da instância da Ré ULSLA;

R) À mesma conclusão (absolvição da instância da Ré ULSLA) se chega se se fizer uso das considerações expendidas no artigo 6º das presentes alegações, face ao disposto no artigo 48º do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no Âmbito da Administração Pública aprovado pelo Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro, como a ULSLA sempre defendeu;

S) Só assim não seria se estivesse demonstrado que a ULSLA tinha reconhecido como devedora às Autoras de qualquer pensão por morte, e que estávamos em presença de direitos disponíveis (artº 331º nº 2 do CC);

T) Todavia, como as Autoras reconhecem nas suas alegações de recurso, os créditos provenientes do direito à reparação prevista LAT são inalienáveis e irrenunciáveis (artº 78º), pelo que o normativo referido em 5) não tem aplicação;

U) Por outro lado, é manifestamente insuficiente para considerar reconhecidos os créditos invocados na presente ação pelas Autora o facto de a Ré ULSLA ter qualificado o acidente como de trabalho, mais propriamente, reproduzindo os termos utilizados, como acidente "em serviço";

V) Com efeito, o reconhecimento pela ULSLA da obrigação de pagar pensões por morte às Autoras implicaria uma declaração expressa nesse sentido ou a prática de atos dos quais com toda a probabilidade se concluísse que a Ré tinha a intenção de pagar às Autoras pensões por morte do sinistrado;

W) Ora, compulsando o processo administrativo junto aos autos e atenta a posição tomada pela ULSLA na contestação apresentada na ação correu termos sob o número 88/15.0BEBJA por este Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, conclui-se que, a ULSLA sempre considerou ser da única responsabilidade da CGA o pagamento de tais pensões, não assumindo para si tal dever e encargo;

X) No sentido da decisão recorrida, pode, finalmente invocar-se a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo, designadamente, os doutos acórdãos referidos em 26º destas alegações;

V) Nestes termos, deve manter-se a decisão recorrida, absolvendo-se a Réu ULSLA da instância com todas as legais consequências, julgando-se totalmente improcedente o presente recurso.”.


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O Ministério Público, notificado para emitir parecer, nos termos do disposto no artigo 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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As Recorrentes pronunciaram-se sobre o parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, do mesmo discordando.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pelas Recorrentes resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de facto, por não incluir nos factos assentes factos essenciais que podem alterar a decisão final;

2. Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação dos artigos 26.º, n.º 3 e 99.º do Código de Processo do Trabalho, artigos 57.º, 78.º e 179.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, artigo 331.º, n.º 2 do Código Civil e artigos 53.º e 59.º da Constituição.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A) Em 12/12/2012, J. J. D. S. prestava serviço no C. S. O., vinculado por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (cfr. doc. n.º 8 junto com a p.i.);

B) Em 12/12/2012, faleceu J. J. D. S.

(cfr. docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial (PI));

C) Na data do óbito, o falecido J. J. D. S. encontrava-se a prestar funções no S. U. O., tendo a causa da sua morte sido um traumatismo crânio meningo-encefálico por queda (cfr. doc. n.º 3 junto com a PI);

D) Em 20/12/2012, deu entrada no Tribunal de Trabalho de Sines a participação de acidente mortal apresentada por A. P., C. de S., S.A. (cfr. fls. 96 a 108 do PA);

E) Em 20/11/2013, no âmbito do processo n.º 730/12.4T2SNS, que correu termos no Juízo de Trabalho e Família e Menores de Sines – Comarca de Alentejo Litoral, foi proferida decisão de incompetência em razão da matéria ( cfr. fls. 144 a 147 do PA e documento n.º 1 junto com a contestação da ULSLA);

F) Em 05/03/2015, a 1.ª Autora M. L. M. R. D. S. intentou neste Tribunal Administrativo de Beja contra a C. G. A. e a U. L. S. L. A. ação administrativa, que deu origem ao processo n.º 88/15.0BEBJA e na qual formulou os seguintes pedidos

«a) Ser a 1.ª R. condenada a liquidar à A. uma pensão por morte calculada sobre os valores ilíquidos globais auferidos pelo falecido, em média nos últimos 12 meses anteriores ao sinistro, incluindo retribuição por trabalho por trabalho suplementar e subsídios anuais;

b) Apuramento do valor da pensão por morte para efeitos de remissão e isenção de tributação, sendo a 1.ª R condenada a proceder a esse pagamento;

c) Ser a 1ª R condenada ao pagamento do excedente de pensão de sobrevivência, caso se apurem valores diferenciais (ou seja, se o valor da pensão de sobrevivência for superior a € 3 413,50, ou, a partir dos 66 anos de idade da sucessora, se for superior a € 4 551,312);

d) Ser a 2.ª R. condenada ao pagamento das despesas de funeral efetuadas cumuláveis com o pagamento do subsídio por morte (até ao limite de 1676,88€, ou 4 x 419,22€);

e) Ser a 2.ª R. condenada no pagamento de um subsídio por morte de valor superior àquele que lhe foi pago em 2013: 5030,64€ (12 vezes o IAS de 419,22), nos termos do artigo 18º do DL nº 503/99, e não apenas de 2515,32€ - ou seja, ao diferencial devido e não pago de 2515,32€;

f) Serem as RR condenadas a liquidar uma indemnização por danos morais a liquidar em execução de sentença;

g) Serem as RR condenadas a liquidar juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.»

(cfr. documento n.º 2 junto com a contestação da ULSLA);

G) Em 12/12/2016, foi proferida sentença no processo n.º 88/15.0BEBJA, no qual se decidiu:

a) Julgo procedente a exceção dilatória inominada de inadmissibilidade de pedido genérico de indemnização por danos morais e, em consequência, absolvo as Entidades Demandadas da instância;

b) Condeno a ULSLA no pagamento do diferencial devido e não pago do subsídio por morte, no valor de € 3.018,38, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento;

c) No demais, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo as Entidades Demandadas CGA e ULSLA dos pedidos (cfr. documento n.º 2 junto com a contestação da ULSLA);

H) Em 13/02/2017, as Autoras remeteram, por correio registado, a petição inicial da presente ação (cfr. fls. 1 a 50 dos autos).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento de facto, por não incluir nos factos assentes factos essenciais que podem alterar a decisão final

Alegam as Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter dado como assente que a Recorrida ULSLA reconheceu os direitos das Recorridas pelo menos desde 11/06/2014, o que resulta da documentação junta aos autos, pelo que deveria ter sido dado esse facto como assente, assim como que, após inúmeras solicitações, a Recorrida nunca satisfez o pagamento referente à pensão por morte.

Vejamos.

De imediato se impõe dizer que não assiste razão às Recorrentes quanto à censura que dirigem à sentença recorrida no respeitante à matéria de facto assente.

Pretendem as Recorrentes que o Tribunal ad quem, dê como facto assente que: “Por despacho da Dra M. J. M., Presidente do Conselho de Administração da ULSLA a qual declarou, por despacho de 11.06.2014, como acidente de trabalho o acidente que vitimou o sinistrado e instruir o processo com carácter de urgência, para salvaguardar o valor maior que a lei quis proteger: os direitos dos herdeiros da vítima.”.

Pedem ainda que seja dado como assente que “A Recorrida ULSLA, após inúmeras solicitações por parte da Recorrente viúva, nunca satisfez o pagamento referente à pensão por morte.”.

Porém, essa matéria encontra-se expressamente impugnada na contestação, como resulta do alegado no seu artigo 18.º, com o seguinte teor: “A Ré nunca reconheceu dever às Autoras qualquer importância a título de pensões por morte do sinistrado J. J. D. S..”.

A par, embora as Recorrentes aleguem que constam dos autos documentos que atestam os factos por si alegados, não só se abstém de identificar tais documentos, como não se vislumbra quaisquer documentos que tenham sido juntos aos autos que demonstrem a assução da responsabilidade por parte da Recorrida.

Acresce que no que respeita a dar-se como provado que “A Recorrida ULSLA, após inúmeras solicitações por parte da Recorrente viúva, nunca satisfez o pagamento referente à pensão por morte.”, não só tal matéria factual não releva para a concreta decisão a proferir, como constitui uma decorrência da existência do próprio litígio e da instauração da acção em juízo.

Nestes termos, quer como não foi feita prova do facto alegado pelas Recorrentes, relativamente ao reconhecimento pela Recorrida dos direitos das Recorrentes, além de ter sido expressamente impugnado na contestação da Recorrida, quer porque o facto relativo à falta de pagamento pela Recorrida da pensão de morte é irrelevante para a questão decidida e objecto do presente recurso, nenhum erro de julgamento de facto há a apontar à sentença recorrida.

Pelo que, improcedem nesta parte as conclusões do recurso, por não provadas.

2. Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação dos artigos 26.º, n.º 3 e 99.º do Código de Processo do Trabalho, artigos 57.º, 78.º e 179.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, artigo 331.º, n.º 2 do Código Civil e artigos 53.º e 59.º da Constituição

No demais insurgem-se as Recorrentes contra a sentença recorrida com o fundamento em erro de julgamento em relação à procedência da exceção de caducidade do direito de acção, invocando a violação, por erro de interpretação, dos preceitos legais indicados.

Alega que a morte do sinistrado ocorreu em 12/12/2012 e a participação do acidente ao Tribunal de Trabalho de Sines ocorreu em 20/12/2012.

Esse Tribunal veio a declarar-se incompetente em razão da matéria em 20/11/2013, ocorrendo o trânsito em julgado em 27/01/2014.

Defendem que a Recorrida declarou como acidente de trabalho o acidente que vitimou o sinistrado, mas que se sucederam inúmeras comunicações internas entre as Recorridas para apurar quem devia proceder ao pagamento, sem nunca ser posto em causa o direito a esse pagamento.

A Recorrente viúva instaurou uma ação contra as Recorridas em 05/03/2015, sob n.º 88/15.0BEBJA, formulando pedidos distintos contra cada Recorrida e no âmbito dessa acção a Recorrida C. G. A. foi absolvida da obrigação de pagar a pensão por morte por se considerar ser aplicável a Lei n.º 98/2009 e a Recorrida USLA foi condenada a pagar à Recorrente viúva o subsídio por morte.

Essa sentença transitou em julgado em 26/01/2017 e em 13/02/2017 as ora Recorrentes dão entrada da presente acção com vista a obter o pagamento da prestação por morte nas proporções respectivas.

Defendem as Recorrentes que não se aplica o artigo 327.º, n.º 2 do CC, pelo facto de nenhuma das Recorridas ter sido absolvida no âmbito do processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Sines e, consequentemente, não se aplica o artigo 332.º, n.º 1 do Código Civil.

Invocam que não se aplica o prazo de caducidade de um ano, previsto no artigo 179.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, porque foi interrompido com a participação do acidente em 20/12/2012.

Mais alegam que de acordo com o artigo 26.º, n.º 3 do Código de Processo de Trabalho, nas acções emergentes de acidentes de trabalho a instância inicia-se com o recebimento da participação do sinistro e não com a apresentação da petição inicial.

Assim, sustentam que a interrupção da caducidade foi a participação do acidente no Tribunal de Trabalho.

Mais entendem que tendo a acção como objecto o pagamento de prestações reconhecidas em consequência de acidente de trabalho que causou a morte, a acção não está sujeita ao regime de caducidade previsto no artigo 179.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, mas apenas sujeita ao limite do prazo de prescrição, de três anos, previsto no artigo 498.º, n.º 1 e 2 do CC.

Apresentados, em súmula, os principais argumentos das Recorrentes vejamos agora os contornos fáctico-jurídicos do litígio em presença.

Nos termos do julgamento de facto encontra-se apurado que em 12/12/2012, enquanto se encontrava ao serviço no S. U. O., no C. S. O., vinculado por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, faleceu o marido e pai das ora Recorrentes.

Em 20/12/2012 foi apresentada no Tribunal de Trabalho de Sines a participação de acidente mortal, apresentada por A. P., C. S., SA e em 20/11/2013 o Tribunal de Trabalho de Sines proferiu decisão de incompetência em razão da matéria.

Em 05/03/2015 a ora primeira Autora intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja contra a C. G. A. e a U. L. S. L. A., acção administrativa, que correu termos sob n.º 88/15.0BEBJA e na qual formulou os pedidos a que se refere a alínea F) dos factos assentes.

Em 12/12/2016 foi proferida sentença neste processo que, de entre o mais decidido, julgou improcedentes os pedidos de condenação da CGA ao pagamento de uma pensão por morte e pensão de sobrevivência.

Transitada em julgado tal sentença, as Autoras instauraram a presente acção em juízo em 13/02/2017.

Explanada a factualidade relevante para a decisão a proferir, vejamos agora o enquadramento de direito.

Tal como decidido na sentença recorrida, tem aplicação ao caso configurado em juízo a Lei n.º 98/2009, de 04/09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02.

O D.L. n.º 503/99, de 20/11, que aprova o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública prevê expressamente no seu n.º 4 do artigo 2.º que “Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho (…) devendo as respectivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código.”.

Assim, não obstante o acidente de trabalho ter ocorrido com trabalhador em funções públicas, considerando a natureza jurídica da entidade ao qual se encontrava a exercer funções, uma entidade pública empresarial, como é o caso da ULSLA, segundo o regime aprovado pelo D.L. n.º 283/2012, de 31/10, tem aplicação o regime de acidentes de trabalho previsto no Código de Trabalho, por expressa indicação do D.L. n.º 503/99, de 20/11.

O D.L. n.º 238/2012, de 31/10, criou a ULSLA, por integração do H. L. A., E.P.E. e do ACES A. L., sucedendo aquela em todos os direitos e obrigações das unidades de saúde destes últimos.

Nos termos do artigo 4.º do D.L. n.º 238/2012, a ULSLA é uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial nos termos do regime do setor empresarial do Estado e das empresas públicas, regendo-se pelo regime jurídico aplicável a este sector.

A ULSLA integra-se, portanto, na administração indireta do Estado e na rede de prestação de cuidados do S. N. de S., para os efeitos do disposto no Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, nos termos do qual, se regem “pelo respectivo diploma de criação, pelos seus regulamentos internos e pelas normas em vigor para os hospitais do SNS que não sejam incompatíveis com a sua natureza jurídica e subsidiariamente, pelo regime jurídico geral aplicável às entidades públicas empresariais” (artigo 18.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2002, de 08/11).

De acordo com o disposto no artigo 11.º do citado D.L. n.º 238/2012, os trabalhadores da ULSA estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, estabelecido no Código de Trabalho, bem como ao regime legal de carreira de profissões de saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamento interno.

Do que resulta que, tal como decidido pelo Tribunal a quo, cuja fundamentação ora se acolhe, “foi intenção expressa e clara do legislador afastar deste regime legal os trabalhadores das entidades públicas empresariais e aplicar-lhes o regime de acidentes de trabalho previstos no Código de Trabalho, independentemente de as funções serem desempenhadas por aqueles ao abrigo de um contrato individual de trabalho ou de um contrato de trabalho em funções públicas. Compreende-se este entendimento como sendo reflexo da vontade do legislador de submeter os trabalhadores das entidades públicas empresariais a um regime comum no que concerne aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, em homenagem, aliás, ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).”.

Os trabalhadores em funções públicas que à data de entrada em vigor do D.L. n.º 238/2012, pertenciam ao mapa de pessoal do H. L. A., E.P.E. e do ACES A. L., prevê o artigo 14.º que transitam para a ULSLA “sendo garantida a manutenção integral do respetivo estatuto jurídico”, sem prejuízo de poderem, a todo o tempo, optar pela celebração de contrato de trabalho com a ULSLA, individual e definitivamente, nos termos do Código de Trabalho e demais legislação laboral, mediante acordo escrito com o conselho de administração, sem sujeição a período experimental.

O sinistrado, à data do acidente, 12/12/2012, era titular de uma relação jurídica de emprego público no regime do contrato de trabalho em funções públicas com a ULSLA, na qualidade de pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, por ter optado pelo regime do contrato de trabalho.

À data do sinistro, encontrava-se em vigor o disposto no n.º 4 do artigo 2.º do D.L. n.º 503/99, de 20/11, pelo que é aplicável o regime dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 04/09, que regulamenta o artigo 284.º do Código do Trabalho.

É à luz deste diploma que se encontrará o regime sobre o exercício dos direitos emergentes de acidente de trabalho, designadamente no regime de caducidade do direito de acção.

Segundo o disposto no n.º 1 do 179.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, “O direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.”.

Esclarece o artigo 180.º do citado diploma que os prazos fixados nas normas relativas a acidentes de trabalho se contam nos termos do Código de Processo Civil (CPC).

Daí ter aplicação o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 279.º do CPC, segundo os quais, “a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto” (n.º 1), “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância” (n.º 2).

Com aplicação, estipula o n.º 1 do artigo 332.º do Código Civil (CC) que “Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º”.

Assim, segundo o n.º 3 do artigo 327.º, “Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”.

As Autoras, ora Recorrentes, perante a decisão de absolvição da instância, por incompetência em razão da matéria do Tribunal de Trabalho de Sines, não só não requereram a remessa dos autos ao tribunal competente, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 99.º do CPC, como não propuseram nova ação no prazo de trinta dias.

Tal como decidido na sentença recorrida, no tocante à filha do falecido, segunda Autora e ora Recorrente, tendo a morte ocorrido em 12/12/2012, senão com a instauração da presente acção, em 13/02/2017, veio exercer o direito emergente do falecimento do seu pai, pelo que é manifesta a procedência da exceção de caducidade do direito de acção, nos termos conjugados nos artigos 179.º e 180.º da Lei n.º 98/2009 e do artigo 279.º do CPC.

Já no tocante à primeira Autora, decorre dos autos que a participação do acidente foi efectuada pela C. S. (vide alínea D) do probatório) e que senão com a instauração da presente acção deduziu o pedido que ora está em juízo contra a Recorrida.

Anteriormente, quer nos termos do processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Sines, quer nos termos da acção que antes correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sob processo n.º 88/15.0BEBJA, não deduzira contra a Recorrida qualquer pedido relativo à condenação ao pagamento de uma pensão por morte.

Acresce que tendo sido intentada ação no Tribunal de Trabalho de Sines dentro do prazo, após a decisão de absolvição da instância, por incompetência material, não foi deduzida a ação no tribunal competente no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão de incompetência em razão da matéria, o que apenas sucedeu com a presente ação em 13/02/2017, decorridos mais de três anos.

Quer a primeira, quer a segunda Autora, apenas com a instauração da presente acção, em 13/02/2017, vieram deduzir tais pretensões contra a ora Recorrida, não tendo antes deduzido tais pedidos contra ela, decorridos mais de três anos após a sentença de incompetência material proferida pelo Tribunal de Trabalho de Sines.

Não só as ora Recorrentes não se podem aproveitar da salvaguarda dos efeitos civis advenientes da interposição da acção no Tribunal de Trabalho, pois que não deduziram nova acção em tempo oportuno, como para esse efeito não pode relevar a ação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sob o n.º 88/15.0BEBJA, por não terem sido formulados os mesmos pedidos, conforme demonstrado nas alíneas F) e G) do probatório.

Tal como decidido pela sentença recorrida, na parte que ora se transcreve:

A teoria propugnada pelas Autoras de que a participação do acidente interrompeu o prazo de caducidade, que não se voltou a reiniciar, não merece acolhimento à luz do disposto no artigo 279.º, n.º 2 do CPC. Retomando o disposto neste preceito legal, os efeitos civis derivados da proposição da primeira ação apenas são salvaguardados quando for intentada uma nova ação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, o que, claramente, não sucedeu no caso dos autos, tendo decorrido mais de três anos desde a decisão de incompetência material prolatada pelo Tribunal de Trabalho de Sines (alíneas F) a H) do probatório).

Neste sentido, e com interesse, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 13763/16, de 03/11/2016, no qual se sumariou que «Nos termos do artigo 279º nº 2 do CPC, o efeito impeditivo da caducidade decorrente da propositura da primeira ação, que tenha culminado com decisão de absolvição da instância, mantém-se se for proposta nova dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da primeira».”.

Em termos similares, num caso de acidente de trabalho ocorrido com trabalhador ao serviço da ora Recorrida, cfr. Acórdão deste TCAS, de 03/11/2016, processo n.º 13673/16, nele também se tendo concluído quanto à procedência da exceção de caducidade do direito de acção.

Por outro lado, o direito que ora se mostra peticionado em juízo além de nunca antes ter sido exigido judicialmente à Recorrida, também não resulta demonstrado que a Recorrida o tenha reconhecido perante as Recorrentes ou reconhecido ser devedora perante as ora Recorrentes do crédito relativo ao pagamento da pensão que ora é peticionada em juízo.

Ainda que a Recorrida tenha diligenciado pela instauração de procedimento administrativo adveniente de acidente de trabalho, tal não consubstancia um reconhecimento da obrigação pelo pagamento da pensão ou de quaisquer créditos que as ora Recorrentes se arroguem titulares.

Por último, a natureza irrenunciável dos direitos invocados não obsta à caducidade do direito de ação, atenta a diferença entre a titularidade e o exercício do direito.

Nestes termos, tal como decidido pelo Tribunal a quo, nenhuma censura há a extrair em relação à sentença recorrida, a qual efectuou uma correta interpretação e aplicação dos normativos de direito, não incorrendo nos erros de julgamento de direito invocados no presente recurso, mantendo-se a decisão de procedência da exceção de caducidade do direito de ação, por ter sido instaurada muito depois do prazo de um ano previsto e sem que se aproveitem os efeitos decorrentes de anterior ação judicial, nos termos do disposto nos artigos 179.º e 180.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, artigo 279.º do CPC e artigos 331.º e 332.º do Código Civil.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não obstante o acidente de trabalho ter ocorrido com trabalhador em funções públicas, considerando a natureza jurídica da entidade ao qual se encontrava a exercer funções, uma entidade pública empresarial, a ULSLA, segundo o regime aprovado pelo D.L. n.º 283/2012, de 31/10, tem aplicação o regime de acidentes de trabalho previsto no Código de Trabalho, por expressa indicação do D.L. n.º 503/99, de 20/11.

II. O D.L. n.º 238/2012, de 31/10, criou a ULSLA, por integração do H. L. A., E.P.E. e do ACES A. L., sendo a ULSLA uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial nos termos do regime do setor empresarial do Estado e das empresas públicas.

III. Segundo o disposto no n.º 1 do 179.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, o direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano.

IV. Os prazos fixados nas normas relativas a acidentes de trabalho contam-se nos termos do CPC (artigo 180.º).

V. Proferida decisão de absolvição da instância, aproveitam-se os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos (n.º 2 do artigo 279.º do CPC).

VI. A natureza irrenunciável dos direitos invocados não obsta à caducidade do direito de ação, atenta a diferença entre a titularidade e o exercício do direito.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida.

Custas pelas Recorrentes.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão)


(Helena Canelas)