Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2/07.6BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
HERANÇA INDIVISA
AUDIÇÃO PRÉVIA
APROVEITAMENTO DO ATO
Sumário:I) Nos termos do artigo 60.º da LGT, deve ser assegurado aos sujeitos passivos o direito de audição antes da elaboração de uma liquidação efetuada com base em correções à matéria coletável declarada;
II) Essa audição é, porém, dispensada se o contribuinte tiver sido ouvido anteriormente em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1 desse artigo;
III) Não se mostra cumprida tal formalidade relativamente ao sujeito passivo da relação tributária impugnada cujos rendimentos declarados foram alterados por força de rendimentos oriundos de herança indivisa em consequência do que viu efetuada liquidação adicional de IRS, a tal não obstando a notificação, no procedimento, do cabeça de casal.
IV) O princípio do aproveitamento do ato apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do ato, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão;
V) A omissão de tal audiência conduz à anulação do ato a que se reporta.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por J….. e A….., tendo por objeto o despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respetivos Juros Compensatórios (JC) relativos aos anos de 1996 e 1999, no valor global de €3.773,84.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 31/03/2020, o qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação dos actos tributários de liquidação oficiosa de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante, IRS) e dos respectivos juros compensatórios n.ºs ….. e …..referentes aos períodos de tributação de 1996 e 1999, respectivamente, mais julgando improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pelos Impugnantes.

B. Antes de mais, com a devida vénia, estamos em crer que tal factualidade constante dos pontos H), J), L) e N) dos factos provados na douta Sentença exarada padece de erros de escrita, porquanto os factos supra transcritos se encontram em contradição com a prova documental que lhes serve de fundamento, pelo que, e ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 614.º do CPC, aplicável do processo tributário por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT, solicita-se ao Tribunal “a quo” a correcção de tais erros de escrita, previamente à subida do presente recurso.

C. No que respeita ao ponto H) da factualidade provada, consta expressamente da acta n.º 248, elaborada na sequência do procedimento de revisão da matéria colectável que quem deduziu tal meio foi J….., na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa, e não o ora Impugnante.

D. No que respeita aos pontos J) e L) da factualidade provada, consta expressamente do procedimento de reclamação graciosa que os actos de liquidação oficiosa de IRS em que são sujeitos passivos os ora Impugnantes referentes aos períodos de 1996 e 1999 assumem os números 2001 ….. e ….., respectivamente.

E. No que respeita aos pontos J), L) e N) da factualidade provada, consta expressamente do procedimento de reclamação graciosa que os actos de liquidação oficiosa de IRS em que são sujeitos passivos os ora Impugnantes, referentes aos períodos de 1996 e 1999, assumem os números ….. e ….., respectivamente, e que a reclamação graciosa foi apresentada no dia 29/04/2002.

F. Por outro lado, salvo o devido respeito que a douta Sentença nos merece, e que é muito, a Fazenda Pública entende que a mesma padece de erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto, que se encontram demonstrados com base na prova documental produzida nos autos de primeira instância que respectivamente se identifica de seguida:

a. No dia 08 de Outubro de 2001 foi elaborada pelos Serviços de Inspecção Tributária, informação oficial, em complemento ao relatório de inspecção elaborado na sequência do procedimento inspectivo legitimado com base na Ordem de Serviço n.º ….., com o seguinte teor:

“Conforme relatório em anexo, foram efectuadas correcções para a categoria C de IRS, nos anos de 1996, 1998, 1999 e 2000, no montante de 17.310.529$00, com recurso a métodos indirectos, relativamente a herança indivisa, da qual o contribuinte J….., NIF ….., é o cabeça de casal.

A herança indivisa é considerada, para efeitos de tributação, como uma situação de contitularidade.

Assim, cada herdeiro é tributado relativamente à sua quota parte dos rendimentos por ela gerados, que se presumem iguais quando indeterminados, consoante o disposto no art.º 18.º do CIRS.

Deste modo, a quota parte nos rendimentos gerados pela herança indivisa do contribuinte herdeiro A….., NIF ….., é o constante do quadro seguinte:

Porto, 8 de Outubro de 2001

O Inspector Tributário,

Eurico Fernando Portela Mendes” – Cfr. cópia certificada da informação oficial, a fls. 44 dos elementos juntos aos autos de primeira instância em 30/11/2009, pelo Serviço de Finanças de Lisboa -2, através do ofício n.º …...

b. Através do ofício ….., de 05/09/2001, remetido por correio postal registado sob o n.º …..para o domicílio fiscal do cabeça de casal J….., sito na ….., no Porto, foi o mesmo notificado do projecto de relatório elaborado no âmbito do procedimento inspectivo legitimado com base na Ordem de Serviço n.º ….., para, querendo, exercer o direito de audição prévia, nos termos do disposto nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT – Cfr. cópia certificada, a fls. 3 e 4 dos elementos juntos aos autos de primeira instância em 18/01/2010, pelo Serviço de Finanças de Lisboa -2, através do ofício n.º …...

c. Em 23/10/2001, J….., foi notificado pessoalmente, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de A….., no seu domicílio fiscal, sito na ….., no Porto, do teor do ofício n.º ….., emitido pela Repartição de Finanças do Concelho do Porto – 1.º Serviço, e assinado pelo Adjunto do Chefe de Repartição, em delegação de competências, cujo teor se transcreve:

“Fica(m) V. Exa.(s) NOTIFICADO(S nos termos dos artºs 67.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), ou 53.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e 82.º do Código do IVA, de que a MATÉRIA TRIBUTÁVEL (IRS/IRC) e/ou IMPOSTO (IVA) do(s) ano(s) infra lhe foi(rem) fixado(s) o(s) montantes(s) a seguir indicado(s):

IRS = 1996 - 6.754.207$; 1998 – 4.657.248$; 1999 – 3.576.137$; 2000 – 3.738.173$.

Os fundamentos da(s) fixação(ões) são os que constam das fotocópias anexas quatro.

Daquela matéria tributável, base do imposto, poderá, RECLAMAR, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do Aviso de Recepção, através de requerimento devidamente fundamentado, dirigido ao Director de Finanças do Porto, nos termos do art. 91.º da Lei Geral Tributária (…).

Fica(m) igualmente notificado(s) que na qualidade de cabeça de casal lhe compete representar toda a herança e o património comercial e industrial, sendo o resultado imputável aos herdeiros na proporção da sua quota na herança” – Cfr. cópia certificada, a fls. 5 e 8 dos elementos juntos aos autos de primeira instância em 18/01/2010, pelo Serviço de Finanças de Lisboa -2, através do ofício n.º …...

d. O cabeça de casal J….. apresentou pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do disposto no art. 91.º da LGT, com base, em suma, nos seguintes fundamentos: a) discordância do enquadramento fiscal dos rendimentos resultantes das vendas dos lotes de terreno, efectuado pela Administração Tributária, entendendo que a operação de loteamento não resulta da prática habitual de uma actividade, devendo os rendimentos ser tributados como categoria G, a título de mais valias; b) inexistência de recusa de exibição escrita e inexistência de fundamento para recurso a métodos indirectos; c) discordância quanto aos proveitos apurados pela Administração Tributária, considerando que os mesmos deveria ser os constantes das escrituras públicas; d) discordância quanto ao valor dos rácios aplicados pela Administração Tributária para apurar os custos – Cfr. cópia certificada do Laudo do Perito da Administração Tributária, a fls. 38 a 41 dos elementos juntos aos autos de primeira instância em 30/11/2009, pelo Serviço de Finanças de Lisboa -2, através do ofício n.º …...

G. Os factos constantes do relatório de inspecção e respectivos documentos que o acompanham, bem como do teor das cópias autenticadas juntas aos autos de primeira instância pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, supra identificadas, encontram-se provados nos autos através de documentos que possuem força probatória plena, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115.º do CPPT e art. 371.º do Código Civil, encontrando-se o princípio da livre apreciação da prova limitado na medida em que estamos perante um meio de prova cuja força probatória se encontra pré-estabelecida na lei (vide n.º 5 do art. 607.º do CPC).

H. A herança indivisa, não obstante carecer de personalidade jurídica, é sujeito passivo da relação jurídica tributária, na medida em que constitui património ou organização de facto ou de direito vinculada ao cumprimento de uma prestação tributária (vide art. 15.º e n.º 3 do art. 18.º, ambos da LGT), sendo os direitos e deveres da mesma exercidos pelo cabeça de casal nomeado, sendo que este que intervém em representação da herança no procedimento tributário, como forma de lhe conferir capacidade tributária (vide n.º 3 do art. 16.º da LGT, art. 8.º do CPPT e art. 2087.º do Código Civil, este último aplicável por força do disposto no n.º 2 do art. 11.º e da alínea d) do art. 2.º, ambos da LGT).

I. Assim, as notificações realizadas previamente à emissão dos actos de liquidação sindicados nos presentes autos – nomeadamente i) a notificação para o exercício do direito de audição prévia no decurso do procedimento inspectivo, nos termos do disposto nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT; ii) a notificação da fixação dos rendimentos tributáveis em IRS, efectuada nos termos do disposto no art. 67.º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos; iii) a notificação da decisão proferida no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável –, efectuadas ao cabeça de casal da herança indivisa, na qualidade de administrador e representante da mesma, da qual foi herdeira a Impugnante e ora recorrida A….., de acordo com as disposições legais supra mencionadas, produziram efeitos não só na esfera jurídica da herança indivisa, mas, necessariamente, nos herdeiros daquela, pois são estes os titulares das quotas indivisas que a compõem.

J. Com efeito, de acordo com o disposto no actual art. 19.º do Código do IRS (que corresponde ao art. 18.º da LGT, na versão em vigor à data dos factos constitutivos do imposto), os herdeiros são contitulares, ou seja, detêm em regime de comunhão, dos rendimentos auferidos pela herança indivisa.

K. Assim, não existe, nestes casos, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, uma verdadeira mudança de sujeito passivo da relação jurídica tributária, para efeitos do disposto no art. 60.º da LGT, pois o que se constata é apenas e tão só a necessidade de, acautelando os abrigo dos princípios da universalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material , consagrados nos art. 12.º, 13.º e 20.º da CRP, bem como nos artigos 5.º e 8.º da LGT e no arts. 3.º, 4.º, 6.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro (doravante CPA), efectuar a tributação de forma progressiva do imposto sobre o rendimento pessoal tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar (vide art. 104.º da CRP e art. 6.º da LGT), imputando aos herdeiros, na proporção das suas quotas indivisas, os rendimentos da herança indivisa (vide art. 64.º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos), rendimentos esses de que os herdeiros já eram titulares anteriormente, embora em contitularidade ou comunhão.

L. Pelo exposto, tendo a Impugnante, ora recorrida, sido notificada enquanto herdeira da herança indivisa, através do representante da mesma, o cabeça de casal nomeado, para exercer o direito de audição prévia em sede do procedimento inspetivo supra identificado, nos termos do disposto no art. 60.º da LGT e 60.º do RCPIT, bem como do acto de fixação da matéria tributável para efeitos de IRS, nos termos do disposto no art. 67.º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos, considera a Representação da Fazenda Pública que se encontrava dispensada a realização de notificação para o exercício do direito de audição prévia aos actos de liquidação sindicados nos presentes autos, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 60.º da LGT, na versão em vigor à data dos factos, por verificação das situações previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 da mesma disposição legal.

M. Ainda que assim não se entenda e se julgue verificado no caso concreto o vício de preterição do exercício do direito de audição prévia, sancionado com mera anulabilidade, o que apenas por mera hipótese académica se concede, dever-se-á considerar que o artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio de prossecução do interesse público, pautado por uma actuação administrativa racional, eficiente e célere, enquanto afloração implícita do princípio, sendo o referido princípio desenvolvido num conjunto alargado de normas no CPA, como o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (artigo 4.º) e o novo princípio da boa administração (artigo 5.º), que apela a critérios de eficiência, economicidade e celeridade da Administração (vide art. 55.º da LGT).

N. A economia de meios constitui, também em si, um valor jurídico, correspondendo a uma das dimensões indispensáveis do interesse público, valor esse que aponta claramente no sentido de que não devem ser tomadas decisões que não possuam alcance real em especial e sobretudo quando gerem medidas que de outro modo seriam desnecessárias ou dispensáveis.

O. O princípio do aproveitamento do acto administrativo apenas ganhou expressão legal própria no nosso Direito com a aprovação do CPA, sendo que, até a sua consagração legal expressa no n.º 5 do art. 163.º do referido Diploma Legal, este princípio foi acolhido pela doutrina e pela jurisprudência.

P. O princípio do aproveitamento do acto é de aplicação jurisprudencial, uma vez que, atenta e redacção do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, consagrou-se o efeito ope legis ou por mera decorrência da lei, de não se produzir o efeito anulatório do acto administrativo nas circunstâncias que a própria lei define.

Q. Ora, no caso concreto, e com base na factualidade e nas disposições legais supra expostos, dever-se-á entender que o fim visado pelo princípio da audição prévia na esfera jurídica dos Impugnantes, ora recorridos -o da participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito - foi acautelado, na medida em que os direitos dos herdeiros da herança indivisa (como é a Impugnante A…..) foram exercidos no procedimento tributário (de inspecção e de liquidação) pelo cabeça de casal, a quem legalmente incumbe a representação da herança no referido procedimento (vide n.º 5 do art. 267.º da CRP).

R. Assim sendo, através do representante da herança indivisa no procedimento tributário, a Impugnante A….., ora recorrida, participou: i) no procedimento inspetivo supra identificado, exercendo o direito de audição prévia nos termos do disposto nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT e assim reagindo às correcções propostas no projecto de relatório de inspecção; ii) no procedimento de liquidação, requerendo, previamente aos actos de liquidação, e uma vez conhecendo a decisão de fixação da matéria tributável para efeitos de IRS através de métodos indirectos, nos termos do disposto no art. 67.º do CIRS, o pedido de revisão da matéria tributável nos termos do disposto no art, 91.º da LGT.

S. Por outro lado, não se poderá deixar de denotar que, no libelo inicial, à excepção da causa de pedir relacionada com a caducidade do direito à liquidação e que naturalmente apenas poderá ser invocada após o próprio acto de liquidação e, portanto, não relevará para a questão em apreciação, os argumentos aduzidos pelos Impugnantes, ora recorridos, correspondem àqueles que foram trazidos pelo cabeça de casal no âmbito do procedimento inspectivo e do procedimento de revisão da matéria tributável.

T. Ora, tal facto é revelador de que, ainda que os Impugnantes, ora recorridos, tivessem sido notificados para exercer o direito de audição prévia aos actos de liquidação supra discriminados, o cumprimento de tal formalidade legal, sancionada com anulabilidade, não teria qualquer influência na decisão da Administração Tributária na prática dos referidos actos, na exacta medida em que foram praticados, uma vez que, atento o teor do libelo inicial, se demonstra que os Impugnantes não dispunham de qualquer elemento novo que pudesse ter influenciado a decisão, além dos que foram invocados pelo cabeça de casal no procedimento tributário e devidamente apreciados pela Administração Tributária.

U. Assim sendo, dever-se-á considerar que, no caso concreto, a formalidade em causa (essencial) deverá degradar-se em não essencial (não invalidante da decisão), uma vez que: i) da violação do direito de audição prévia aos actos de liquidação sindicados em primeira instância não resultou uma lesão efectiva dos valores e interesses protegidos pelo referido preceito formal violado, na medida em que esses valores e interesses foram suficientemente protegidos através da participação do cabeça de casal no procedimento tributário (vide alínea b) do n.º 5 do art. 163.º do CPA); ii) o vício gerador de invalidade é improdutivo no caso concreto, na medida em que se encontra demonstrado, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, os actos de liquidação teriam sido praticados com o mesmo conteúdo (vide alínea c) do n.º 5 do art. 163.º do CPA).

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”


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A Recorrida apresentou contra-alegações, pronunciando-se: “[n]o sentido da adesão à sentença recorrida, louvando-se na mesma, em virtude de a sentença se encontrar em conformidade com as normas legalmente previstas e se afigurar a melhor solução jurídica para o caso submetido ao escrutínio judicial, não merecendo qualquer censura.

A presente adesão à sentença recorrida é feita nos termos do n.º 3 do artigo 632.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) procederam a ação inspetiva relativamente a herança indivisa da qual o Impugnante é o cabeça de casal, a coberto da ordem de serviço n.º ….. de 17/07/2001 (conforme resulta de fls. 81 do PAT em apenso);

B) A ação inspetiva, com início em 27/07/2001 e fim em 03/09/2001, incidiu sobre os exercícios de 1996 a 2000 (conforme resulta de fls. 81 do PAT em apenso);

C) Os SIT elaboraram o relatório de fls. 79 e segs. do PAT em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

D) Resulta do RIT a que se refere a alínea anterior:

«(…) IV - Motivos e exposição dos factos que implicaram o recurso a métodos indiretos.

O contribuinte (cabeça de casal) e suas irmãs, que adquiriram a título gratuito, por óbito de seu pai, A….., em 1975, um imóvel (terreno), sito em lugar da ….., concelho de Gondomar, procederam ao loteamento do mesmo (alvará de loteamento n.º 100/81 da Câmara Municipal de Gondomar).

A venda dos lotes resultantes da divisão do prédio está a ser feita pelo contribuinte e suas irmãs. Assim, estamos perante um caso de exploração de loteamento e prestação de serviços conexos.

A venda de terrenos precedida de uma operação de loteamento, na medida em que pressupõe uma prática intencional de atos de valorização dos mesmos, retira aos ganhos assim obtidos a natureza fortuita característica dos ganhos de mais valias, configurando uma atividade comercial ou industrial, suscetível de gerar rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria C, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 4º do CIRS, ainda que tal loteamento tenha sido iniciado e aprovado antes da entrada em vigor do CIRS (01/01/1989).

Desenvolvendo uma atividade de natureza comercial o contribuinte estava obrigado a cumprir todas as obrigações previstas no código do IRS, designadamente:

- Entregar a declaração de inicio de atividade conforme o disposto no art.º 105° do CIRS;

- Adotar os livros de registo obrigatórios nos termos do disposto no art.º 11.º do CIRS;

- Declarar os rendimentos obtidos com a venda dos lotes.

Verificou-se que o contribuinte não deu cumprimento a nenhuma das referidas obrigações.

Assim, foi o mesmo notificado, em 27/07/2001, para apresentar a sua escrita devidamente organizada no dia 21/08/2001.

Não tendo o contribuinte dado cumprimento ao estabelecido na notificação, houve recusa de exibição de escrita, pelo que, nos termos do disposto no art.º 39° do CIRS, o apuramento do lucro tributável será feito por aplicação de métodos indiretos.

E) Mais resulta do RIT:

“V - Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos:

1. Critério adotado

1.1. Proveitos

O 1º Serviço de Finanças de Gondomar não aceitou para efeito de liquidação do Imposto Municipal da Sisa os valores declarados, relativos aos lotes n.ºs 126-A, 140-A, 175, 160-A e 12, tendo procedido á sua correção para os valores de 5.300.000$00, 9.415.000$00, 5.278.000$00, 1.512.000$00 e 3.160.900$00, respetivamente.

Face ao exposto, considera-se que os proveitos obtidos em 1996 ascendem a 14.715.000$00 (lotes 126-A e 140-A), em 1998 ascendem a 5.278.000$00 (lote 175), em 1999 ascendem a 1.512.000$00 (lote 160-A) e em 2000 ascendem a 3.160.900$00 (lote 12).

1.2. Custos

Tendo o contribuinte declarado que não possui quaisquer documentos relativos aos custos do loteamento, os mesmos vão ser determinados com base nos rácios disponíveis para o CAE 45212 “Construção e Engenharia Civil” (Fonte: rácios do IRC, rácios nacionais, média do setor, ano de 1995), aplicando-se o mesmo rácio utilizado para a correção ao exercício de 1995 (70,18%), na justa medida em que os custos de loteamento já tinham sido anteriormente suportados aquando do respetivo loteamento em 1981.

2. Apuramento do lucro tributável

F) Em matéria de direito de audição consta do RIT:

«(…)

O contribuinte foi notificado em 05/09/2001 para exercer o direito de audição, nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária e do artigo 60° do RCPIT.

O contribuinte exerceu o seu direito de audição, por via de petição escrita, que deu entrada nos serviços em 21/09/2001, no qual limitou-se a tecer meras considerações de enquadramento jurídico/fiscal, apresentando, em síntese, os seguintes fundamentos:

- A sua atividade não se enquadra no âmbito de exploração de loteamentos, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 4o do código do IRS, pelo contrário, os ganhos decorrentes da venda de lotes de terreno para construção enquadra-se no art.º 10°, n.º 1, al. a), do Código do IRS (categoria G);

- A infração prevista e punida pelo art.º 113° do RGIT enferma de erro pois devia ser considerado inexistência de escrita;

- O critério adotado para a consideração dos proveitos não podia deixar de ser os preços constantes das escrituras de compra e venda.

Relativamente ao enquadramento, a Circular 16/92 da DGCI, vem firmar doutrina uniforme sobre a exploração de loteamentos, onde assevera inequivocamente que a exploração de loteamentos configura uma atividade comercial ou industrial, sujeita a tributação em IRS no âmbito da categoria C, sendo de realçar que o alvará de loteamento n.º 100/81 da Câmara Municipal de Gondomar contempla 174 lotes.

Quanto à contestação da aplicação do art° 113° do RGIT, é de referir que o n.º 2 do art.º 120° do RGIT prevê a sujeição á coima do art.º 113° do RGIT, mediante a notificação ao contribuinte para proceder à sua organização no caso de inexistência de escrita.

Finalmente, em relação ao critério adotado para a desconsideração dos valores das escrituras de compra e venda, foi tido em conta o art.º 90°, n.º 1, alínea d), ou seja, os elementos e informações declarados à Administração Tributária, incluindo os relativos a outros impostos.

Face ao exposto, e não tendo sido apresentados elementos novos capazes de infirmar os factos veiculados no projeto de relatório, não se vê razão para alterar a posição inicialmente adotada.»

G) Sobre o RIT recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 79 do PAT em apenso.

H) Na apreciação do pedido de revisão da matéria tributável apresentado pelo Impugnante, na sua qualidade de cabeça de casal da herança indivisa recebida por morte de (…) A….., relativa aos exercícios de 1996, 1998, 1999 e 2000, não foi possível o acordo com o perito do contribuinte, conforme ata n° 248 de 5 de dezembro (conforme resulta de fls.85 do PAT em apenso);

I) Resulta da decisão de fls. 93 do PAT em apenso:

«DECISÃO DO ORGÃO COMPETENTE

(Art.º 92.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária)

Na reunião para o procedimento de revisão da matéria tributável do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 05/12/01, não foi encontrado acordo entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da Administração Tributária, pelo que, com delegação do Senhor Diretor de Finanças do Porto, cumpre-me decidir, nos termos do n° 6 do art° 92° da Lei Geral Tributária.

Assim, tendo em conta o relatório do procedimento de inspeção, a reclamação do contribuinte e as posições dos peritos do contribuinte e da administração tributária, a nossa decisão é tomada com base nos seguintes fundamentos:

A operação de loteamento e venda de terrenos, configura o exercício de uma atividade de natureza comercial ou industrial expressamente prevista na alínea g) do n.º 1 do art. 4° do código do IRS. Assim sendo, a inexistência dos elementos da escrita e o não cumprimento das obrigações declarativas, nomeadamente as relacionadas com os atos praticados, impossibilitam a qualificação direta da matéria tributável.

De facto, por terem sido confirmadas no procedimento de revisão as anomalias e/ou incorreções que concorreram para a qualificação e quantificação indireta da matéria tributável, verifica-se estarem reunidos os requisitos para a sua aplicação, nos termos dos art.º 87° e 88° da LGT.

Nestas circunstâncias, atendendo aos factos descritos e, por nos pareceres elaborados pelos peritos presentes no procedimento de revisão, não terem sido apresentados elementos que, de forma objetiva, permitam concluir por valores diversos dos propostos no relatório do procedimento de inspeção, decido fixar para os exercícios de 1996, 1998, 1999 e 2000 o rendimento líquido total do IRS nos montantes de, respetivamente, 6.754.207$ (seis milhões setecentos e cinquenta e quatro mil duzentos e sete escudos), 4.657.248$ (quatro milhões seiscentos e cinquenta e sete mil duzentos e quarenta e oito escudos), 3.576.137$ (três milhões quinhentos e setenta e seis mil cento e trinta e sete escudos) e 3.738.173$ (três milhões setecentos e trinta e oito mil cento e setenta e três escudos). Porto, 2001-12-07»

J) A AT emitiu a liquidação adicional de IRS e respetivos juros compensatórios, n.º ….., referente ao ano de 1996, no valor de €3.592,07 (conforme resulta de fls. 71 do processo de reclamação graciosa em apenso);

K) O prazo para pagamento voluntário terminou em 06/02/2002.

L) Em 27/03/2002, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º ….., referente ao ano de 1999, no valor de €181,77(conforme resulta de fls. 72 do processo de reclamação graciosa em apenso);

M) O prazo para pagamento voluntário terminou em 13/05/2002.

N) Em 26/04/2002 foi apresentada a reclamação graciosa (conforme resulta de fls. 72 do processo de reclamação graciosa em apenso);

O) Em apreciação da reclamação graciosa foi elaborada a informação de fls. 146 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para decisão:

«II - ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

A presente reclamação graciosa é legal (art.º 68° do CPPT), tempestiva (n.º 2 art.º 70° CPPT) e o reclamante tem legitimidade (art.º 65° LGT e art.º 9o do CPPT), pelo que é necessário apreciar do mérito da sua pretensão.

Com base em declaração o Serviço de Administração do Imposto sobre o Rendimento procedeu à liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) n.º(s) ….. - ….. efetuada(s) em 15-12-2001 e 27-03-2002, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação da Direção Geral dos Impostos, verifica-se que as alegações da reclamante, não têm fundamento, dado que:

Após análise dos autos, e tendo em consideração que o sujeito passivo alega que a venda de lotes resultantes do loteamento de um prédio rústico configura, em principio, o facto tributário tipificado na alínea a) do n° 1 do Art° 10° do CIRS, a não ser que os respetivos ganhos sejam considerados rendimentos comerciais ou industriais, tem-se que a Circular n° 16, de 14/09/1992 da Direção de Serviços do IRS, determina que a venda de terrenos, precedida de uma operação de loteamento, na medida em que pressupõe uma prática intencional de atos de valorização dos mesmos, retira aos ganhos assim obtidos a natureza fortuita caracterizadora dos ganhos de mais valias, configurando outros sim um ou mais atos de natureza comercial ou industrial, suscetíveis de gerar rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da Categoria C, de acordo com o disposto no Art° 4.º, n° 1 alínea e), atual alínea g), do CIRS.

Nestes termos, o apuramento do lucro tributável dos exercícios de 1996 e 1999, efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária, por aplicação de métodos indiretos nos termos do Art° 38° do CIRS (atual Art° 39° do CIRS), mostra-se correto.

Quanto à alegada caducidade do direito à liquidação relativamente ao exercício de 1996, tal não se verificou, tendo em consideração que a liquidação do IRS do exercício de 1996 ocorreu dentro do prazo de 5 (cinco ) anos previsto no Art° 84° do CIRS, não havendo lugar a aplicação com relação ao exercício de 1996, do prazo de 4 (quatro) anos estabelecido pelo Art° 45° da LGT, visto que este prazo de 4 (quatro) anos só se aplica aos factos tributários ocorridos a partir de 01-01-1998, de conformidade com o n° 5 do Art° 5º do DL n° 398/98 de 17/12 da LGT.

Em face do exposto, e porque o alegado não se comprova, propõe-se o indeferimento do presente processo de reclamação graciosa.

III - PARECER / PROJETO DE DECISÃO

Assim sendo, constata-se que a situação tributária do contribuinte não carece de correção, pelo que se propõe que a presente reclamação graciosa seja INDEFERIDA, pelos motivos antes expostos notificando-se o reclamante para, querendo, exercer o direito de audição prévia, consignado na participação da formação da decisão, a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art.º 60° da Lei Geral Tributária.»

P) O Impugnante não exerceu o direito de audição e por despacho de 30/11/2006 foi indeferida a reclamação graciosa (conforme resulta de fls. 151 do processo de reclamação graciosa em apenso).

Q) O despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado ao Impugnante em 12 de dezembro de 2006 (conforme resulta de fls. 153 do processo de reclamação graciosa em apenso).

R) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada 02/01/2007 (conforme resulta de fls. 2).

S) Foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs ….. (com instauração em 08.06.2002) e ….. (com instauração em 22.08.2002), relativos às liquidações adicionais de IRS de 1996 e 1999, respetivamente (conforme resulta de fls. 54 e 61 do PAT em apenso).

T) Em 07/10/2004 foi efetuado o pagamento da dívida exequenda a que se refere o processo de execução fiscal n.º ….. (conforme resulta de fls. 65 do PAT em apenso).

U) Em 30/09/2004 foi efetuado o pagamento da dívida exequenda a que se refere o processo de execução fiscal n.º ….. (conforme resulta de fls. 60 do PAT em apenso).


***

Foi consignado como factualidade não provada o seguinte:

“Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.”


***

Mais ficou consignado que a motivação da matéria de facto “[r]esultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

***

Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.[1]

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

A) Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) procederam a ação inspetiva relativamente a herança indivisa da qual J….., é o cabeça de casal, a coberto da ordem de serviço n.º ….. de 17/07/2001 (conforme resulta de fls. 80 do PAT em apenso);

H) Na apreciação do pedido de revisão da matéria tributável apresentado por J….., na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa recebida por morte de (…) A….., relativa aos exercícios de 1996, 1998, 1999 e 2000, não foi possível estabelecer o acordo com o perito do contribuinte, conforme ata n° 248 de 5 de dezembro (cfr. fls.85 do PAT em apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

J) A AT emitiu a liquidação adicional de IRS e respetivos juros compensatórios, n.º ….., referente ao ano de 1996, no valor de €3.592,07 (conforme resulta de fls. 71 do processo de reclamação graciosa em apenso);

L) Em 27/03/2002, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º ….., referente ao ano de 1999, no valor de €181,77 (conforme resulta de fls. 72 do processo de reclamação graciosa em apenso);

N) Em 29/04/2002 foi apresentada a reclamação graciosa (conforme resulta de fls. 72 do processo de reclamação graciosa em apenso);


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

V) J….., foi notificado em 05 de setembro de 2001, do projeto de relatório e para, querendo, exercer o direito de audição, faculdade que exerceu em 21 de setembro de 2001, tendo, em consequência, sido emitido o competente relatório definitivo, melhor evidenciado em D) a F) (facto não controvertido e corroborado pelo teor de fls. 79 a 84 do PAT apenso);

U) A 5 de dezembro de 2001, e na sequência da notificação das conclusões da ação inspetiva, J….., apresentou pedido de revisão, na qualidade de cabeça de casal de herança indivisa, na qual peticionou o seguinte:

“Nestes termos, concluímos que:
a) Não existe fundamento legal para a tributação dos rendimentos derivados da venda de lotes de terrenos no âmbito da categoria C;
b) É irreal o pressuposto utilizado para o recurso aos métodos de avaliação indirecta, havendo a impossibilidade legal de serem considerados proveitos resultantes da venda de imóveis diferentes dos preços constantes das escrituras públicas de compra e venda sem prévia decisão judicial;
c) É inadequado o método e o critério de quantificação dos custos, pelo que deve a entidade competente para a decisão, atender o pedido de revisão, abstendo-se de fixar uma qualquer matéria tributável.”

 (cfr. fls. 89 e 90 do PAT apenso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações oficiosas de IRS, respeitantes aos anos de 1996 e 1999.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso importa analisar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, cumprindo aferir se:
- A matéria de facto padece de erros e incorreções que reclamam a sua alteração;
- Se o Tribunal a quo, valorou erradamente a prova constante dos autos e face a esse erro de julgamento, decidiu incorretamente a questão atinente à violação do direito de audição prévia, competindo, para o efeito, apurar se:
o A Autoridade Tributária (AT) incorreu em preterição de formalidade essencial por omissão de audição prévia antes da emissão das liquidações oficiosas;
o Concluindo-se pelo acerto da decisão recorrida relativamente à existência de preterição de formalidade essencial por omissão de audição prévia, se é possível a sua degradação em formalidade não essencial;

Apreciando.

A Recorrente começa por defender que tem de ser alterada a matéria de facto, mormente, as alíneas H), J), L) e N), visto que essa factualidade padece de erros de escrita, porquanto se encontram em contradição com a prova documental que lhes serve de fundamento.

Neste particular, importa relevar que as incorreções e subsequentes alterações aduzidas quanto à alínea H), relativamente à identificação do cabeça de casal, e bem assim as respeitantes à enumeração das liquidações, contempladas em J) e L), e a concernente à data de entrada da reclamação graciosa, contemplada em N), encontram-se prejudicadas atenta a alteração oficiosa supra realizada.

Ainda em termos de matéria de facto, e face ao teor da alínea G) das conclusões da Recorrente, e não obstante inexistir qualquer cominação a ela, diretamente, associada, cumpre salientar que pese embora o Relatório de Inspeção Tributária seja um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objetivas, nele atestadas, com base na perceção direta do seu autor[2], a verdade é que os factos têm/devem ser sempre atestados pelos respetivos suportes documentais.

Como doutrina José Maria Fernandes e outros, baseando-se no n.º 4 do artigo 76.º LGT: “Para além da prova em contrário quanto aos factos relatados, também a prova em contrário quanto aos elementos da sua fundamentação, ou quanto à objetividade dos critérios utilizados, será apta a abalar a presunção de fidelidade constante deste normativo”[3].

Portanto, não se vislumbrando do teor do acervo fático dos autos, qualquer desconformidade, para além das já supridas, que careça de eliminação, nada há a relevar neste concreto particular quanto ao Relatório Inspetivo e respetiva factualidade com relevo para o caso vertente.

Feito este introito e análise, atentemos, então, se o Tribunal a quo, incorreu no erro de julgamento que lhe é assacado.

A Recorrente alega que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar que existiu preterição de formalidade essencial por omissão do direito de audição antes da emissão das liquidações oficiosas.

Aduz que, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, é suficiente a notificação do projeto de Relatório da Inspeção Tributária que determina a aplicação dos métodos indiretos, e ulterior relatório definitivo na pessoa do cabeça de casal, visto que sendo a herança indivisa desprovida de personalidade jurídica, mas dispondo de personalidade tributária a sua representação cabe às pessoas que legalmente ou de facto, efetivamente as administrem, ou seja, ao cabeça de casal, conforme resulta da interpretação conjugada dos artigos 16.º, nº 3 da LGT, e 8.º, nº1 do CPPT.

In fine, sustenta que a concluir-se pela necessidade de notificação da Impugnante no âmbito do direito de audição, sempre tal preterição de formalidade não consubstanciaria uma preterição essencial, com efeitos invalidantes do ato final, porquanto mesmo que não tivesse sido cometida sempre esse ato assumiria o mesmo conteúdo.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo fundamentado a sua posição da seguinte forma:

“É certo que o cabeça de casal da herança indivisa que originou os rendimentos com base na aplicação de métodos indiretos foi notificado do relatório da inspeção efetuada pela AF, tendo, inclusive, requerido a revisão da matéria tributável, nos termos do artigo 91.º da LGT.

Só que a liquidação de IRS impugnada não tem como sujeito passivo a herança indivisa nem o seu cabeça de casal, mas sim os herdeiros.

E estes no âmbito deste procedimento não foram notificados para, querendo, exercer o seu direito de audição.”

De forma a alicerçar o seu raciocínio convoca o Acórdão do STA, proferido no processo n° 489/08, datado de 24 de setembro de 2009, em situação em tudo idêntica à do caso vertente, concluindo, ainda, que não há lugar ao aproveitamento do ato.

Apreciando.

Como visto, a decisão recorrida entendeu que face ao consignado no artigo 60.º da LGT e à titularidade da relação jurídica, a AT tinha preterido formalidade essencial.

Para apreciação da bondade e acerto da posição defendida pelo Tribunal a quo, importa, desde já, convocar o regime jurídico que para os autos releva.

Vejamos, então.

O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT.

De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunham os seus números 1 a 3, o seguinte:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.

2 - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.

3 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.”

Neste particular, importa ter presente que a Lei nº 16-A/2002, de 31 de maio, conferiu nova redação ao nº3, do citado artigo 60.º da LGT, passando este a contemplar que: “3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.”, o qual, não obstante ser posterior à ação inspetiva e às liquidações impugnadas, atenta a natureza interpretativa conferida pelo artigo 13.º, nº2 da aludida le,i é inteiramente aplicável ao caso vertente[4].

Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente e na parte que para os autos releva que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo tal formalidade dispensada quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento de inspeção, que culminou nos atos de liquidação, quando a liquidação se efetue com base na declaração do contribuinte ou quando a decisão lhe seja favorável.

Com efeito, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objeto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Daí que, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da mesma, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita[5].

Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada[6], podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.

Mais importa ter presente que face ao regime previsto no artigo 67.º do CIRS, na sua redação inicial, era exigível a notificação da decisão de alteração da matéria tributável antes da liquidação.

Sendo de convocar, outrossim, o disposto no, à data, artigo 18.º, do CIRS que sob a epígrafe de “contitularidade de rendimentos” dispunha que: “Os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados a estas na proporção das respetivas quotas, que se presumem iguais quando indeterminadas.”

Aqui chegados, vistos os considerandos de direito que relevam para o caso dos autos, façamos, então, a devida transposição para o acervo fático dos autos.

Atentando na factualidade assente resulta que:
Ø J….. ocupou o cargo de cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de seu pai, A….., da qual, entre outros, a Impugnante, era herdeira.
Ø Foi realizada ação de inspeção de âmbito parcial ao cabeça-de-casal, relativamente à herança indivisa, por referência aos anos de 1996 a 2000, tendo sido elaborado o respetivo relatório de inspeção tributária, no âmbito do qual se propôs correções, com recurso a métodos indiretos, ao resultado apurado/declarado para a categoria C de IRS dos anos de 1996, 1998, 1999 e 2000, pelo cabeça de casal e irmãs, no montante global de 17.310.529$00;
Ø As aludidas correções tiveram na génese a existência de uma, alegada, atividade comercial decorrente da venda de terrenos precedida de uma operação de loteamento, suscetíveis de gerar rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria C.
Ø J….., foi notificado em 05 de setembro de 2001, do projeto de relatório e para, querendo, exercer o direito de audição, faculdade que exerceu em 21 de setembro de 2001, tendo, em consequência, sido emitido o competente relatório definitivo;
Ø Nessa sequência, J….. apresentou um pedido de revisão da matéria tributável ao abrigo do artigo 91.º da LGT, tendo sido prolatada a competente decisão de indeferimento da qual foi, igualmente, notificado.
Ø Em resultado das correções por recurso a métodos indiretos, foram emitidas as liquidações impugnadas as quais foram notificadas aos, ora, Recorridos.

Ora, atento o supra expendido e não obstante não se revelar correta a asserção realizada pelo Tribunal a quo, conforme aduzido pela Recorrente, no sentido de que o Recorrido J….. assumia a qualidade de cabeça de casal da herança indivisa, donde tinha sido notificado do Relatório Inspetivo e deduzido, nessa conformidade e ulteriormente, o competente pedido de revisão da matéria coletável, a verdade é que tal incorreção em nada permite alterar o sentido da decisão, bem pelo contrário, permitindo reforçar a ilegalidade dos atos impugnados.
E isto porque, contrariamente ao defendido pela Recorrente sendo os titulares da relação jurídica os Impugnantes, ora, Recorridos tinham os mesmos de ser notificados dos atos que precederam e fundamentaram a emissão dos atos de liquidação impugnados.
Para dirimir o litígio em questão, e uma vez que no âmbito do processo nº 1801/06, datado de 21 de maio de 2020, foi tratada questão em tudo idêntica à da presente lide, e a Relatora é a mesma, adere-se à sua fundamentação que se transcreve nos trechos que se reputam relevantes para o efeito:
“[a] questão foi tratada pelo STA no Acórdão proferido no processo nº 0489/08, de 24 de setembro de 2009-Aresto aliás, convocado, pela decisão recorrida- e uma vez que a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, tendo sido prolatada relativamente a uma decisão proferida quanto a outro dos herdeiros concretamente a M…..,  e tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no citado Acórdão, segundo o qual:

“O artigo 60.º, n.º 1 da LGT concretiza, depois, essa directiva constitucional, estabelecendo que essa participação, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, deve ser assegurada por uma das formas aí indicadas, entre as quais se inclui o direito de audição antes da liquidação.

De realçar que, já à face do regime previsto no artigo 67.º do CIRS, na sua redacção inicial, era exigível a notificação da decisão de alteração da matéria tributável antes da liquidação.

Nos termos do n.º 2 do citado artigo 60.º da LGT, é dispensada, porém, a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.

Também de acordo com o que dispõe o n.º 3 do mesmo artigo, essa audição é dispensada se o contribuinte tiver sido ouvido anteriormente em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1 desse artigo.

Ora, no caso em apreço, não há dúvida que a recorrente enquanto sujeito passivo da liquidação impugnada não foi ouvida antes desta.

É certo que o cabeça de casal da herança indivisa que originou os rendimentos que determinaram a alteração dos rendimentos declarados pela recorrente em sede de IRS foi notificado do relatório da inspecção efectuada pela AF, tendo usado, inclusive, do direito de pronúncia que a lei lhe conferia.

Só que a liquidação de IRS impugnada não tem como sujeito passivo a herança indivisa nem o seu cabeça de casal mas sim a ora recorrente.

E esta no âmbito deste procedimento não foi notificada para, querendo, exercer o seu direito de audição.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, face ao exposto, aderindo à aludida fundamentação dimana inequívoco que nos encontramos perante uma preterição de uma formalidade essencial a qual comina o ato de anulabilidade.

De relevar, neste particular, que não logra provimento a convocação do artigo 154.º do CPPT, porquanto o mesmo se reporta ao processo de execução fiscal, donde sem aplicação no caso vertente.

Mais importa sublinhar que não subverte a ótica de entendimento propugnada pela decisão recorrida e, como visto, perfilhada em Aresto do STA, a circunstância da herança indivisa não ter personalidade jurídica e de o cabeça de casal ter poderes de representação dos demais herdeiros para, designadamente, apresentar pedidos de revisão da matéria coletável, visto que tal não desonera a Administração Tributária de notificar os herdeiros, enquanto sujeitos passivos da relação jurídica tributária, dos atos de instrução e de procedimento que culminaram nos atos de liquidação impugnados.

De relevar, outrossim, que a convocação do citado artigo 57.º do CIRS também não permite concluir em sentido distinto, visto que tal normativo apenas se reporta ao processo de determinação do rendimento coletável, não se podendo inferir do seu teor que os atos lesivos, como sejam, os procedimentos tendentes à fixação do rendimento e à liquidação não tenham de ser notificados aos herdeiros.

Sublinhe-se que, como devidamente enfatizado no Aresto citado, a liquidação de IRS impugnada não tem como sujeito passivo a herança indivisa, nem o seu cabeça de casal, mas sim os ora Recorridos.

De relevar, in fine, que não assiste, igualmente, razão à Recorrente quando convoca o princípio do aproveitamento do ato administrativo, requerendo que, no limite, a preterição seja degradada em não essencial.

E isto porque, só em casos em que essa intervenção no processo de formação da decisão se afigura, com segurança, totalmente desnecessária, por inútil, se poderá admitir a sua dispensa.

Com efeito, é entendimento unânime jurisprudencial[7], que a omissão da audição do contribuinte constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão, a menos que, ao abrigo do princípio do aproveitamento do ato administrativo, seja manifesto que a decisão tributária, em abstrato, não podia ser outra da que foi tomada no caso concreto, e por isso se impunha, o seu aproveitamento.

Noutra formulação, dir-se-á que o Tribunal tem o poder de não anular um ato inválido quando a decisão administrativa não puder assumir outro conteúdo, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o ato inválido, embora sem o vício que determinou a anulação[8].

Note-se, neste particular, que o princípio do aproveitamento do ato administrativo, se encontra, atualmente, consagrado no artigo 163.º, nº5 do CPA, segundo o qual:

“5 - Não se produz o efeito anulatório quando:

a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;

b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;

c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

Ora, atentos os considerandos de direito supra expendidos e fazendo a apreciação casuística que se impõe, apelando, por isso, às circunstâncias concretas da realidade em apreço, e já devidamente materializadas anteriormente, resulta que não é possível concluir-se, inexoravelmente, que a audição do contribuinte no procedimento não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, conduzindo a um resultado diferente.

Chamando, novamente, à colação o Aresto citado e que vimos acompanhando atenta, como referido, a identidade fática jurídica, convoca-se o que, nesta sede, aí se decidiu:

“[a] jurisprudência deste STA tem vindo a decidir que, não obstante a audiência prévia constituir uma importante manifestação do princípio do contraditório e visar associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final e permitir-lhe participar e influenciar a formação da vontade da Administração, a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornar inútil - v., neste sentido, o acórdão de 3/3/04, no recurso 1240/02.

Ou seja, como se disse no acórdão de 24/10/2007, proferido no recurso 429/07, “… nem sempre a omissão da audiência conduz à anulação do acto a que se reporta.

Designadamente, deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar.”.

No entanto, como se acrescenta no aresto citado, “o princípio do aproveitamento do acto apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão.”.

Por isso, aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciado pela intervenção do interessado e não haja outros valores constitucionalmente relevantes que se lhe contraponham.

Neste caso, é manifesto que não se está perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento de liquidação ser influenciada pela audição da impugnante.” (fim de citação)

Ora, face a todo o expendido anteriormente e atenta a já aludida similitude fático-jurídica, adere-se à sua fundamentação, concluindo-se, nessa medida, que os atos impugnados padecem, efetivamente, de ilegalidade, por preterição da formalidade essencial de audição prévia.

Uma nota final, para relevar que o entendimento propugnado não viola princípios constitucionais basilares, mormente, os evidenciados em K), donde não se vislumbra qualquer violação dos normativos 12.º, 13.º e 20.º da CRP, bem como dos artigos 5.º e 8.º da LGT e dos artigos 3.º, 4.º, 6.º e 8.º do CPA, porquanto o que está na génese é a violação de um direito de participação que, in casu, assume especial acuidade e não poderia ser preterido, em nada relevando, neste e para este efeito, o aduzido S), porquanto não permite estabelecer, com segurança e como se impõe, o juízo de prognose para efeitos de aproveitamento do ato.

Destarte, impõe-se concluir que nos encontramos, por um lado, perante a preterição de uma formalidade essencial porquanto o direito de audiência não poderia deixar de ser assegurado e, por outro lado, tal preterição não é suscetível de ser degradada em não essencial, não podendo, assim, considerar-se sanada a falta de notificação para o exercício do mesmo, nos termos exigidos pelo citado artigo 60.º da LGT.

E por assim ser, improcedem, na íntegra, as alegações da Recorrente com a inerente confirmação da decisão recorrida e consequente manutenção do juízo anulatório dos atos impugnados.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 11 de Março de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires


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[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] Vide, designadamente, Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 07165/13, de 22.03.2018.
[3] Lei Geral Tributária, anotada, Almedina, 2015, p. 827.
[4] Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário, no âmbito do processo nº 0131/07, de 24.10.2007.
[5] Cfr.Ac. STA, proferidos nos processos nº.21244; rec.684/03, datados de 25.1.00 e 2.7.03; Ac TCAS, processo nº 1510/06, de 17.09.2013 Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.
[6] Cfr.artº.135, do CPA, então em vigor; Acórdãos TCAS processo nº 9810/16 e 5428/12, de 27.10.2016 e 9.03.2017.; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437
[7] Vide, por todos, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 22.01.2014.
[8] Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo n.º 017/12, de 31/01/2012.