Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3179/12.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO; ILEGITIMIDADE; PROVA; GERÊNCIA EFECTIVA.
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A…, citada na qualidade de responsável subsidiária da sociedade “F…, Ldª.”, deduziu oposição na sequência da reversão efetuada no processo de execução fiscal com o n.º 1... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Torres Vedras,, com vista à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS e Imposto de Selo, referente ao ano de 2011, e de IVA referentes aos anos de 2011 e 2012, no montante de € 60.463,46, em consequência, deduziu oposição com fundamento na ilegitimidade da pessoa citada no processo executivo e pela impossibilidade de prosseguimento da referida reversão, em virtude do estado de insolvente.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 29 de Julho de 2021, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a fazenda pública, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida por A… à execução fiscal n.º 1… e apensos, contra si revertida e instaurada originariamente contra a sociedade “F… LDA”, NIPC 5…para cobrança de dívidas provenientes de IVA e IRS, no valor global de €60.463,46, pedindo, em síntese, a extinção das execuções fiscais, em face da sua ilegitimidade e pela impossibilidade de prosseguimento da reversão, em virtude do estado de insolvente da oponente.

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT.

III. Na verdade, da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente ou administrador resulta a presunção legal de que é gerente/administrador de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência/administração (cfr. art.º 11.º do Código do Registo Comercial).

IV. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa.

V. Ou seja, não resulta dos autos, qualquer incapacidade legal da oponente para o exercício das suas funções, pelo que, a sua responsabilidade inicia-se qua a sua nomeação para o exercício do cargo e da sua livre aceitação do cargo de gerente/administrador.

VI. Relativamente à gerência, na esteira da Douta sentença do 2.º Juízo Cível do Circulo de Santa Maria da Feira, sentença A. Ordinária n.º 237/2002 “os gestores ou administradores estatutários, ainda que não o sejam na prática, encontram-se numa posição legal de garante em relação aos credores sociais, com vista a que os “gerentes de facto” adoptem métodos de um “gestor criterioso”, impondo-se-lhes um dever de vigilância quanto aos procedimentos de gestão adoptados por este último”.

VII. “No caso da omissão desse dever de vigilância e se os “gestores ou administradores de facto” não actuarem de modo diligente no exercício dessas funções de direcção, os dirigentes societários estatutários respondem civilmente perante os credores sociais pelos danos causados por aqueles outros “dirigentes de facto”.

VIII. A recorrida no exercício das suas funções na sociedade executada tinha como dever zelar pelo cumprimento das obrigações legais da mesma, nomeadamente, em sede de obrigações fiscais.

IX. Assim, a alegação de que não teve intervenção nos destinos da sociedade, como era seu dever, apenas reforça a posição passiva que norteou a sua actuação, enquanto gerente da sociedade por condutas omissivas, ou seja, que se demitiu dos seus deveres, designadamente, de vigilância e diligência de gerência.

X. Como nos ensina Lima Guerreiro in Lei Geral Tributária, anotada, pág.144/145: “(…)a culpa na insuficiência do património societário pode, hoje, resultar não apenas de condutas comitivas, como omissivas, em particular o não exercício, por desinteresse, das funções de administração e gerência. Nenhum obstáculo legal impede que seja fundamento de responsabilidade tributária essa conduta, já que o abandono legitimo dessas funções configura um facto ilícito e culposo para efeitos do regime da responsabilidade subsidiária (…)”. (destaques nossos)

XI. Ora a nomeação do gerente de uma sociedade, baseada na experiência comum, resulta que o mesmo exercerá as suas funções, por ser conatural de que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade.

XII. “ (...) a jurisprudência tem vindo a entender que a lei não exige, apara responsabilização dos gerentes pelas dívidas fiscais da sociedade, que estes exerçam uma administração continuada, nem em todas as áreas que se desenvolve a actividade da sociedade”- acórdão do TCA Norte, processo n.º 00129/98 de 06 de Julho.

XIII. Ora, em bom rigor, não se percebe o alcance pretendido com a aquisição onerosa de uma participação na sociedade – pela recorrida – a subsequente designação, nesse mesmo momento, da qualidade de gerente para, logo de seguida, se demitir das suas obrigações e responsabilidades.

XIV. Afigura-se-nos algo impercetível como pode a recorrido afirmar e a sentença proferida confirmar que nunca exerceu a gerência de facto atendendo ao facto de que a sua assinatura, tinha a autoridade legal para vincular a devedora originaria no giro comercial.

XV. Antes do mais se diga que a lei não faz qualquer distinção, para efeitos de responsabilidade subsidiária, entre actos de gestão ou de gerência técnica e actos de natureza administrativa ou financeira. Mais se discorda, ainda, com a sentença recorrida na parte em que desconsidera, por completo e reduz a insignificante a prova da participação do Recorrido nas assembleias gerias da devedora originária.

XVI. Mais curioso, ainda, é o facto de a recorrida afirmar que sempre foi dona de casa e apenas assumiu a gerência da sociedade por “cortesia” ao marido para depois admitir que “…foi devido a graves problemas de tesouraria que não foi liquidada a dívida exequenda…a sociedade exerceu a atividade com grande sucesso durante muitos anos, tendo sido afetada pela crise económica e pela falta de colaboração da ultima marca que representava”.

XVII. Afigura-se-nos, assim, pouco crível a versão apresentada de um total alheamento e ignorância da situação financeira e fiscal da devedora original. Igualmente pouco crível - até porque nenhuma explicação é dada para o facto - de que a recorrida tenha adquirido onerosamente uma quota da sociedade, tenha sido designada como sócia gerente, para nada. Afinal não geria, não tinha lucros, apenas “tomava conta dos filhos” enfim, a sua entrada para a sociedade é apresentada como um acto totalmente inútil, a nível de órgão societário.

XVIII. Ora, não descuramos que não estamos perante qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê o efetivo exercício da função de gerente ou administrador. Tanto que, a Fazenda Pública tendo o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, veio carrear toda a prova necessária e possível.

XIX. E perante tal factualidade, mostra-se sólida a conclusão, extraída por presunção judicial, de que a oponente/recorrida exerceu a gerência da devedora originária em período concomitante com o da dívida ou seu pagamento.

XX. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT.

XXI. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:

«Podendo concluir-se que, não existindo qualquer prova nos autos que conduza a que a Oponente ora Recorrida tivesse exercido a respectiva gerência de facto e não tendo a Administração Pública logrado demonstrá-lo conforme exposto, cabendo a esta o ónus da prova, deverá considerar-se a Oponente parte ilegítima no processo executivo em causa e, em consequência, determinar-se a procedência da Oposição relativamente à mesma apresentada.

Concluindo-se, pelo facto, pela procedência da oposição em tempo deduzida com todos os seus fundamentos, devendo declarar-se a Oponente ora Recorrida parte ilegítima no processo de execução fiscal 1… e apensos, com a consequente extinção do mesmo em relação à ora Oponente, mantendo-se, assim, a Douta Sentença recorrida, devendo extinguir-se o processo de execução fiscal, com a consequente anulação da liquidação em questão e necessidade de ser mantida a Douta Sentença recorrida.»
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


«1) A “F…, Ld.ª” é uma sociedade comercial por quotas, com o CAE principal 45110-R3, cujo objecto social é a compra e venda de veículos automóveis novos e usados (certidão do registo comercial de fls. 43 a 46 do SITAF).


2) Da inscrição 1 da AP. 3…/… do registo comercial da sociedade referida no número anterior, consta o registo da sua constituição, bem como a identificação dos detentores de participações sociais: A… e a Oponente, ambos designados gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente (certidão permanente do registo comercial de fls. 43 a 46 do SITAF).


3) Em 03/11/1994 a sociedade referida em 1) adquiriu a propriedade do prédio urbano sito no C…, composto por dois barracões para comércio ou indústria e logradouro, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São Pedro, concelho de Torres Vedras, sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de 30.618.000$00, registada a seu favor sob as inscrições G…, G… e G… das AP. 23, 24 e 25, respectivamente (certidão do registo predial de fls. 18 a 21, 37 a 41, 57 a 60 e 95 a 99 do SITAF).

4) Sobre o prédio urbano referido no número anterior encontra-se registada, pela AP. 12 de 30/05/1997, inscrição C… e Av. 1, hipoteca voluntária, para garantia do capital máximo de 70.000.000$00 e acrescido, a favor da Caixa … (certidão do registo predial de fls. 18 a 21, 37 a 41, 57 a 60 e 95 a 99 do SITAF).

5) Pela AP. 32 de 30/11/2005, inscrição C-2, encontra-se registada hipoteca voluntária, para garantia do capital máximo de 225.000,00€ e acrescido, a favor da Caixa … (certidão do registo predial de fls. 37 a 41, 57 a 60 e 95 a 99 do SITAF).

6) Pela AP. 4722 de 29/11/2010, encontra-se registada penhora, para garantia da quantia exequenda de 67.400,08€, a favor da Companhia de Seguros … (certidão do registo predial de fls. 37 a 41, 57 a 60 e 95 a 99 do SITAF).

7) Pela AP. 920 de 27/10/2011, encontra-se registada hipoteca voluntária, para garantia da quantia de 100.000,00€, a favor do Banco …, SA (certidão do registo predial de fls. 37 a 41, 57 a 60 e 95 a 99 do SITAF).

8) Pela AP. 582 de 23/03/2012, encontra-se registada penhora, para garantia da quantia exequenda de 41.902,34€, a favor de P… (certidão do registo predial de fls. 37 a 41, 57 a 60 e 95 a 99 do SITAF).

9) Pela AP. 2631 de 24/05/2012, encontra-se registada hipoteca legal, para garantia da quantia exequenda de 54.275,09€, a favor da Fazenda Pública (certidão do registo predial de fls. 37 a 41, 57 a 60 e 95 a 99 do SITAF).

10)Corre termos contra a Oponente, no Serviço de Finanças de Torres Vedras, o processo de execução fiscal n.º 1…, instaurado em 29/11/2011, originariamente contra a sociedade referida em 1), com base na certidão de dívida n.º 2011/…, relativa a IVA, referente ao ano de 2011, no valor de 1.705,09€, cujo prazo para pagamento voluntário terminou no dia 10/11/2011 (autuação de oposição e certidão de dívida de fls. 2 e 34 do SITAF).

11)Ao processo de execução fiscal referido no número anterior, foram apensados os seguintes processos de execução fiscal (autuação de oposição e certidões de dívida de fls. 2, 71, 75, 76, 79 a 84, 101, 102, 105 e 106 do SITAF):


«Imagem no original»

12)Por requerimento datado de 28/12/2011, no âmbito do processo de execução fiscal referido em 10), A… requereu, em nome da sociedade referida em 1), o pagamento da dívida em prestações mensais (requerimento de fls. 35 do SITAF).

13)Por requerimento de 16/02/2012, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1… referido em 11), A… requereu, em nome da sociedade referida em 1), o pagamento da dívida em prestações mensais (requerimento de fls. 72 do SITAF).

14)Por requerimentos de 29/03/2012, no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs 1… e 1…, referidos em 11), A… requereu, em nome da sociedade referida em 1), o pagamento das respectivas dívidas em prestações mensais (requerimentos de fls. 77 e 87 do SITAF).

15)Por despacho de 26/04/2012, o pedido referido no número anterior foi deferido (informação e despacho de fls. 89 a 91 do SITAF).

16)Em 18/05/2012 foi lavrado auto de diligências, por funcionário do Serviço de Finanças de Torres Vedras, do qual consta que “não pude cumprir o presente mandado, em virtude de se verificar que o executado “F…, Ld.ª” (…) não possui quaisquer bens penhoráveis” e que “o prédio já está onerado com várias hipotecas e penhoras, inclusive uma hipoteca legal do Serviço de Finanças de Torres Vedras” (auto de diligências de fls. 36 do SITAF).

17)Por requerimento de 08/06/2012, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1… referido em 11), A… requereu, em nome da sociedade referida em 1), o pagamento da dívida em prestações mensais (requerimento de fls. 103 do SITAF).

18)Por sentença proferida em 14/09/2012, no âmbito do processo n.º 2519/12.1TBTVD, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, foi declarada a insolvência da sociedade referida em 1) (sentença de fls. 15 a 17 do SITAF).

19) Pela AP. 2/20120918 do registo comercial da sociedade referida em 1), foi efectuado o registo provisório da sentença referida no número anterior (certidão do registo comercial de fls. 43 a 46 do SITAF).

20)Em 21/09/2012 foi proferido despacho para audição prévia à de decisão de reversão, contra a Oponente (despacho para audição (reversão) de fls. 47 e 48 do SITAF).

21)Por ofício n.º 7548, da mesma data, enviado à Oponente por correio postal registado com a referência RD…, recebido em 25/09/2012, foi-lhe dado conhecimento do despacho referido no número anterior para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 (dez) dias (notificação para audição prévia e comprovativo de entrega dos CTT de fls. 49 e 56 do SITAF).

22)Em 09/10/2012, a Oponente pronunciou-se sobre o despacho referido em 20), alegando a sua ilegitimidade por falta de exercício de facto da gerência, que apesar da declaração de insolvência da sociedade referida em 1), esta tem bens suficientes para pagamento da quantia exequenda e que a Oponente se apresentou à insolvência singular (requerimento de fls. 51 a 54 do SITAF).

23)Por edital com a referência 11162087, de 10/10/2012, foi publicitada a sentença, proferida na referida data, que declarou a insolvência da Oponente, no âmbito do processo n.º 7716/12.7TBOER, que correu termos no 4.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras (cópia de edital de fls. 22 do SITAF).

24)Em 18/10/2012, foi emitida informação, no sentido da prossecução para a reversão contra a Oponente (informação de fls. 63 e 64 do SITAF).

25)Em 19/10/2012 foi proferido despacho a determinar a reversão contra a Oponente, com vista a cobrança de dívida no valor de 60.463,46€, do qual constam os seguintes fundamentos (despacho de reversão de fls. 65 e 66 do SITAF):

“Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].”

26)Por ofício n.º 8…, de 22/10/2012, o Serviço de Finanças de Torres Vedras enviou à Oponente, em 24/10/2012, por correio postal registado com a referência RD…, cujo aviso de recepção foi assinado em 26/10/2012, por A…, uma comunicação denominada “CITAÇÃO (Reversão)”, através da qual foi-lhe dado conhecimento que contra si corre o processo de execução fiscal referido em 10) e apensos, com vista a cobrança de dívida no valor de 60.463,46€, para pagar ou apresentar oposição, da qual constam os seguintes fundamentos (citação, aviso de recepção e ofício de fls. 67 a 70 do SITAF):

“Inexistência oi insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23.º/n.º 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].”.

27)A presente oposição deu entrada, no Serviço de Finanças de Torres Vedras, no dia 26/11/2012 (petição de oposição de fls. 3 a 9 do SITAF).

28)Em 18/10/2018 foi publicitado o encerramento do processo de insolvência referido em 23).


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II. 3 - Factos não provados

«Não foram considerados provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da presente causa.»


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II. 3 – Motivação

«A convicção do Tribunal fundou-se no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos, conforme indicado em cada um dos factos provados, os quais, não foram impugnados.

Em relação ao facto provado 28), a convicção do Tribunal baseou-se na consulta oficiosa da publicidade dos actos em processos de insolvência, disponível para consulta pública na ligação https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/ConsultasCire.aspx.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso, verifica-se que as questões a apreciar e decidir são as de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela ilegitimidade da Oponente, ora Recorrida, por ter entendido que a AT não logrou provar, como lhe competia, que a Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente tais funções no período de tempo que releva nos autos.

A sentença recorrida, proferida pelo TT de Lisboa, julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida pela ora Recorrida, revertida na qualidade de devedora subsidiária, por ter entendido que a AT não logrou demonstrar e provar que a Recorrida, para além de ser gerente de direito, exerceu, de facto, aquela função.

Depois de enquadrar, detalhadamente, o regime legal aplicável, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição, com base na seguinte fundamentação:

“(…)Resulta dos factos considerados provados que a Oponente foi designada gerente da sociedade devedora originária desde a sua constituição, em 1989, juntamente com o seu marido, A…, não tendo renunciado ao referido cargo (vd. factos provados 1) e 2)).

Mais ficou provado que a reversão contra a Oponente foi determinada por despacho datado de 19/10/2012, recepcionado pela Oponente em 26/10/2012, com fundamento, além do mais, no exercício do cargo de gerente da sociedade devedora originária no termo do prazo de pagamento ou entrega da dívida e não ter provado que não lhe era imputável a respectiva falta de pagamento em conformidade, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT (vd. facto provado 25)).

Tal asserção foi efectuada com base na circunstância de a Oponente constar do registo comercial como gerente da sociedade devedora originária no período acima referido.

Ora, efectivamente assim foi, porém não se pode concluir que a Oponente tenha exercido o cargo de gerente de facto na sociedade devedora originária, porquanto não ficou provado nenhum acto praticado pela Oponente, muito menos um qualquer acto que se possa reconduzir ao conceito de actos de gerência relevantes para este efeito, ou seja, que se materialize em actos verbais ou escritos, através dos quais a Oponente tivesse de “dar a cara” em representação da sociedade devedora originária, externamente, perante terceiros com quem aquela lidasse no seu giro comercial, designadamente trabalhadores, fornecedores, entidades bancárias ou outros.

Por outro lado, o registo da Oponente como gerente, apenas permite concluir que a mesma era gerente de direito da sociedade devedora originária, mas não constitui prova do exercício de facto dessa gerência, nem existe qualquer outro elemento que, associado a este, permita alcançar tal conclusão, nem mesmo por presunção judicial.

Acresce que, na sua petição de oposição, a Oponente nega que tenha exercido a gerência de facto na sociedade devedora originária e nenhuma prova foi carreada para o processo, pela Fazenda Pública, de que alguma vez a Oponente tenha praticado algum acto próprio da condução do dia-a-dia da sociedade devedora originária.

Ora, como se referiu, cabia à administração tributária a prova e devida fundamentação do despacho de reversão contra a Oponente, mas neste nada consta quanto à prática de actos de gestão pela Oponente na sociedade devedora originária.

Aliás, conforme resulta da informação oficial emitida pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras, apoiando-se exclusivamente na circunstância de o nome da Oponente constar como gerente no registo comercial da sociedade devedora originária, reconhece que efectivamente, após realizadas várias pesquisas a várias bases de dados, não conseguiu carrear elementos que pudessem demonstrar o exercício da gerência de facto pela Oponente, informação para a qual a Fazenda Pública remete a contestação, o que é contraditório com a manutenção do acto de reversão pela administração tributária.

Conclui-se, assim, que quer a administração tributária, quer a Fazenda Pública, não lograram preencher o ónus probatório que sobre si impendia, pelo que a presente oposição tem que forçosamente proceder.(…)”

Adiante-se que a sentença decidiu com acerto.

Não vindo questionado o regime de responsabilidade aplicado na sentença recorrida (o previsto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária), vejamos, então, se assiste razão à Recorrente, analisando o regime de responsabilidade subsidiária aí instituído.

O regime legal da responsabilidade subsidiária aplicável é, pois, o que decorre do artigo 24.º da LGT, nos termos do qual os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si :

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

À luz do regime da responsabilidade subsidiária descrito, em qualquer uma das suas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência - neste sentido, entre muitos outros, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10.

No que diz respeito ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, é ao exequente, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência efectiva como pressuposto da responsabilidade subsidiária.

Relativamente a esta matéria afirmou-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no âmbito do processo n.º 1132/06, que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência.

É sabido que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade da sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, quem toma decisões sobre o destino das suas receitas e quem dá ordens de pagamento em nome e no interesse dela, exteriorizando, por essa via, a vontade da sociedade e vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros (conforme estipula o artigo 260.º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais -CSC-).

Não oferece dúvida que gerência nominal (de direito) da Oponente não vem questionada, contudo, como já afirmamos, inexiste disposição legal que estabeleça que a titularidade da qualidade de gerente faz presumir o exercício efectivo do respectivo cargo.

Regressando ao caso dos autos, e considerando a matéria de facto provada, não se pode concluir que assista razão à Fazenda Pública, já que concordamos com a apreciação efectuada na sentença recorrida, no sentido de não ter sido feita a prova da gerência efectiva da Recorrida.

Não vindo posta em causa a matéria de facto dada como provada, constata-se que nenhum facto se provou que pudesse comprovar, nem mesmo indiciar, que a Recorrida tenha exercido efectivamente a gerência da devedora originária.

Dito isto, perante o circunstancialismo fáctico provado (e não impugnado), temos assim que concluir não ter a Fazenda Pública produzido prova demonstrativa de que a Recorrida tenha exercido a gerência de facto, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a Fazenda Pública que recaía o ónus de provar o exercício da mesma.

De referir que foi já proferido Acórdão, por este TCAS, no âmbito do processo nº 3177/12, em que estava em causa a mesma questão, e as mesmas partes, tendo também concluído pela ilegitimidade da Recorrida em virtude de a AT não ter logrado provar o exercício efectivo da gerência por parte daquela.

Atento o exposto, será de negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida, que bem decidiu.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Hélia Gameiro Silva)