Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:552/10.7 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ATIVO CIRCULANTE
ATIVO IMOBILIZADO
ÓNUS DA PROVA
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES ESSENCIAIS
Sumário:I-Se resulta dos elementos declarados pela Impugnante, inativa desde 1982, que determinados imóveis integram o seu ativo imobilizado, ainda que os mesmos tenham sido adquiridos, nas décadas de 60 e 70 do século XX, com intenção de revenda, não fica demonstrado que tais imóveis, em 2004, integrassem o seu ativo circulante, apenas com base na prova de tal intenção de revenda.

II-Competia à Impugnante demonstrar, de forma clara e inequívoca, o tratamento dos bens imóveis sub judice como ativo circulante o que não realizou, bem pelo contrário, bastando, para o efeito, recordar que já em 1999 e 2000, nas declarações anuais, registou tais imóveis como imobilizado corpóreo.

III-Inexiste qualquer preterição de formalidade essencial, atinente ao desfasamento da data de notificação da liquidação com o respetivo prazo de pagamento voluntário, se na prática a Impugnante usou do correspondente e idóneo expediente processual não lhe sendo coartada qualquer garantia.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

V…, LDA (doravante Recorrente), com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de indeferimento do Recurso Hierárquico que por sua vez indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao IRC do exercício de 2004.

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“Termos em que requer a V. Exa. sejam as presentes alegações aceites, por estarem em tempo, concedendo a douta decisão do Tribunal ad quem provimento ao recurso, por provado, determinado assim a revogação da decisão produzida em 1.ª Instância substituindo-a por outra favorável à pretensão da recorrente, ordenando assim a anulação da liquidação que dá causa à presente ação, devidamente identificada nos autos, na medida em que

A - Resulta da factualidade dada como provada na douta sentença recorrida que foram os imóveis adquiridos com destino à revenda pelo sócio D… que os pagou com o seu dinheiro e nunca os afetou ao exercício da atividade.

B - Vista a prova produzida, documental e testemunhal, cujos depoimentos foram considerados pela douta sentença recorrida relevantes, objetivos, isentos e credíveis,

C - Entende a recorrente ter sido feita prova bastante de que os imóveis integravam o ativo circulante da sociedade, destinados à comercialização não havendo outra prova que demonstre coisa diferente, designadamente, capaz de sustentar a perspetiva vertida na douta sentença recorrida, ademais, vista a inexistência de mapas de amortizações, facto que ficou provado.

D - Mais, em resultado do facto provado em L) teria sido fácil demonstrar a inspeção tributária, havendo mapas de amortizações, que aproveitou a impugnante os valores das amortizações anuais em seu benefício como custos de exercício, prova que de todo não fez.

E - Não cumpriu a AT com o que estabelece a lei a respeito do prazo de 30 dias que deve ser concedido ao contribuinte para efeitos de pagamento voluntário.

F - A nota de cobrança (documento que indica o prazo para pagamento voluntário) foi notificada já depois de apresentada a petição de reclamação graciosa, o que necessariamente tem o tribunal ad quem de valorizar, na medida em que, caso não tivesse a ora recorrente obtido informação por outras vias bem que podia ter ficado comprometido o seu direito de defesa.

G - Visto tudo o que fica dito e provado pela ora recorrente, deve a douta decisão do Tribunal ad quem determinar a anulação da liquidação impugnada pois só assim se fará a costumada justiça.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A) Em 15/06/1965, foi constituída a sociedade “V…, Lda.”, com o objecto social de “exploração agrícola e pecuária e qualquer outra actividade de livre exercício em que os sócios acordem”, com o capital social de 250.000$00 (€ 1.246,99), dividido por duas quotas, no valor de 748,20€ e 498,79€, pertencentes, respectivamente, a D… e J…, aquele como sócio de capital e este como sócio de indústria - Cfr. Relatório de Inspecção tributária (RIT), a fls. 44 do Processo de Reclamação apenso aos Autos, complementado com o depoimento da testemunha V…;

B) O Senhor D… era toureiro e quando regressou de África pretendeu investir na actividade avícola - Cfr. depoimentos das testemunhas V… e D…;

C) A actividade da Impugnante era desenvolvida numa exploração agrícola em Olival de Basto - cfr. depoimento das testemunhas V… e D…;

D) Em 1965, a Impugnante adquiriu, pelo valor de € 84,80, um prédio rústico inscrito sob o artigo …, secção …, da freguesia de S. Julião do Tojal, concelho de Loures - cfr. Relatório da Inspecção;

E) Em 14/07/1967, o sócio Júlio Beja Hipólito cedeu a sua quota a favor de D... e Di…, ficando aquele com duas quotas no valor de 748,20€ e 473,86€ e esta com uma quota no valor de 24,94€ - cfr. Relatório da Inspecção;

F) Entre 1970 e 1972, a Impugnante adquiriu os seguintes prédios rústicos inscritos na matriz, da freguesia de S. Julião, concelho de Loures, sob os artigos:

Ø … secção …, pelo valor de € 830,00;

Ø … secção …, pelo valor € 124,70;

Ø … secção …, pelo valor de € 99,76;

Ø … secção …, pelo valor € 124,70 - cfr. Relatório da Inspecção;

G) Os prédios referidos na alínea antecedente foram adquiridos pela Impugnante, com dinheiro do sócio D…, para investimento e com a intenção de revenda -cfr. depoimentos das testemunhas V… e Di…;

H) Nenhum dos referidos prédios foi utilizado no exercício da actividade da Impugnante - cfr. depoimentos das testemunhas V… e Di…;

I) Até 1982, a Impugnante desenvolveu a actividade de criação de aves, para venda, ficando, a partir dessa data, inactiva - cfr. Relatório da Inspecção;

J) Em 27/09/1989, os sócios realizaram um aumento de capital no valor de €748,19, que foi dividido da seguinte forma: Di…, com €99,76, V…, com €673,38 e D…, com duas quotas, no valor de € 748,20 e € 473,86 - Cfr. Relatório da Inspecção;

K) Nas declarações de rendimento modelo 22 referentes aos anos de 1999 e 2000, a Impugnante registou os referidos imóveis no campo “imobilizações corpóreas”, pelo valor de € 29.903,50 - Cfr. prints a fls. 165 dos Autos;

L) Até 2000, a Impugnante apresentou as declarações anuais de rendimentos (modelo 22) com regularidade - Cfr. Relatório da Inspecção;

M) Em 26/01/2001, por óbito de D…, as suas quotas foram distribuídas pelas suas filhas Di… e V… e pela sua mulher Y… - Cfr. Relatório da Inspecção;

N) Em 26/03/2002, as sócias fizeram um novo aumento de capital no valor de €3.004,81, de forma a totalizar o montante de € 5.000,00, ficando o mesmo distribuído por: Di…, com € 250,00, V…, com € 1.687,50, e duas quotas comuns, no valor de € 1.187,50 e € 1.875,00 (cfr. Relatório da Inspecção;

O) Em 17/09/2004, a Impugnante vendeu a Y… o prédio rústico inscrito sob o artigo …, secção …, da freguesia de Fanhões, concelho de Loures, pelo valor de € 5.000,00 - cfr. Relatório da Inspecção;

P) Na mesma data, as sócias cederam as quotas que detinham na Impugnante a D… e A..., da seguinte forma:

- Del… adquiriu a quota de V…, com o valor nominal de € 1.687,50, pelo valor de € 1.144.741,17, e a quota comum, com o valor nominal de € 1.875,00, pelo valor de € 1.271.934,64, correspondente a 71,25% do capital social;

- A…, pelo valor de € 169.591,09, a quota de Di…, no valor nominal de € 250,00 e pelo valor de € 805.558,60, a quota comum, com o valor nominal de € 1.187,50, correspondente a 28,75% do capital social - cfr. Relatório da Inspecção;

Q) Na mesma data, a Impugnante, representada pelos seus novos sócios-gerentes, vendeu à B… os prédios rústicos inscritos sob os artigos …, …, … da secção … e artigo … da secção …, da freguesia de S. Julião do Tojal, concelho de Loures, pelo valor global de € 3.990.383,17 - cfr. Relatório da Inspecção;

R) Por escritura de 17/03/2005, a nova gerência da sociedade deliberou a mudança da sede da Impugnante para o Edifício …, 1.º …, em Porto Alto, Samora Correia, Benavente - cfr. Relatório da Inspecção;

S) Em 28/03/2005, a Impugnante entregou no Serviço de Finanças de Benavente uma declaração de alterações referente à mudança de sede - facto alegado e não impugnado;

T) Em 04/05/2007, constatando que a Impugnante não se encontrava registada no cadastro da DGCI, o TOC, J…, por indicação do Serviço de Finanças de Odivelas, apresentou uma declaração de início de actividade, reportada a 1965 -cfr. depoimento da testemunha J…;

U) De forma a submeter as declarações, o novo TOC da Impugnante teve de recolher os elementos patrimoniais, activos e passivos da sociedade, mas não teve acesso ao mapa de amortizações - cfr. depoimento de J…;

V) Em 31/05/2007, a Impugnante submeteu as declarações modelo 22 de IRC, referentes aos exercícios de 2001, 2002 e 2003 - cfr. Relatório da Inspecção;

W) Em 18/03/2008, a Impugnante submeteu as declarações modelo 22 de IRC referentes aos exercícios de 2004 e 2005, com enquadramento no regime geral de determinação do lucro determinável - cfr. Relatório da Inspecção;

X) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ……….., os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém, desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente aos exercícios de 2004, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável em sede de IRC no montante de 980.794,43€ ao ano de 2004, com recurso a correcções meramente aritméticas - cfr. fls. 43 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

Y) Em 21/08/2008, foi elaborado o relatório de fiscalização junto a fls. 43 a 54 do Processo de Reclamação apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções ao ano de 2004;

Z) Em 7/04/2008, foi emitida pela Administração Fiscal em nome da Impugnante a nota de cobrança n.º ………….., referente ao IRC de 2004, no valor de 248.343,53€ - cfr. fls. 14 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

AA) Em 16/09/2008, foi emitida pela Administração Fiscal em nome da Impugnante a nota de cobrança n.º ……….., referente ao IRC de 2004, no valor de 188.537,26€ - cfr. fls. 14, 19 e 28 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

BB) Em 10/09/2008 a Impugnante apresentou reclamação graciosa constante a fls. 2 a 12 do Processo de Reclamação apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e qual foi indeferida por despacho de 29/12/2008 do Director de Finanças de ……….. – cfr. fls. 72 do Processo de Reclamação;

CC) Em 04/03/2009, a Impugnante apresentou recurso hierárquico contra o acto referido na alínea anterior, o qual foi indeferido por despacho de 19/11/2009 da Directora de Serviços do IRC - cfr. fls. 2 e 22 do Processo de Recurso apenso aos Autos;

DD) A PI deu entrada no TAF de Leiria, por correio registado de 17/03/2010 - cfr. fls. 28 dos Autos.


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Para além disso, o Tribunal valorou os depoimentos das testemunhas arroladas, nomeadamente da testemunha V… e Di…, não obstante o seu interesse na causa, revelaram ter um conhecimento directo dos factos e os seus depoimentos foram relevantes para demonstrar o interesse do sócio Di… ao adquirir os referidos imóveis.

A testemunha M…, inspectora tributária, confirmou, no essencial, os factos constantes do Relatório da Inspecção.

A testemunha J…, na qualidade de TOC da Impugnante, demonstrou ter um conhecimento directo dos factos e o seu depoimento revelou-se objectivo, isento e credível.”


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Ficou ainda consignado na decisão recorrida que:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1).

Nesse seguimento, passam a ter a seguinte a redação os factos elencados em K), Y) e Z):

K. Nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal referentes aos anos de 1999 e 2000, a Impugnante registou os referidos imóveis no campo “imobilizações corpóreas”, pelo valor de € 29.903,50 (cfr. docs. de fls. 163 e 181 dos autos);

Y) A 21 de agosto de 2008, no âmbito da ação de Inspeção Tributária referida em X) foi elaborado o Relatório definitivo de Inspeção Tributária, do qual resulta, designadamente, o seguinte:

“(…) II - 3.2 – Obrigações fiscais e contabilísticas
(…)
Ora, constata-se assim, que o sujeito passivo reúne as condições previstas no nº 1 do artigo 53º do Código do IRC, para tributação pelo regime simplificado, desde o exercício de 2001, pois, não efectuou a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, nem em 2001, nem em 2004.
Sendo assim, e apesar de o sujeito passivo ser uma sociedade inactiva há mais de 20 anos, não obsta a que não haja lugar à aplicação do regime simplificado de determinação do lucro tributável, segundo despachos exarados na informação n.º778/2005, da Direcção de Serviços de IRC, tendo por base o Parecer do Centro de Estudos Fiscais nº 58/2006 Fiscais, respeitante ao processo de IRC n.º546/2005, pelo que o sujeito passivo deverá ser tributado pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável no exercício de 2004.
Por força do disposto no n.º10 do mesmo artigo, no exercício de 2005, o sujeito passivo será tributado pelo regime geral de determinação do lucro tributável, em face dos proveitos apurados no exercício de 2004, que ascenderem ao montante de € 3.965.479,67.
II - 3.3 - Diligências efectuadas e procedimentos adoptados no âmbito do procedimento inspectivo
Como já foi anteriormente referido, a sociedade V… não exerce actividade desde 1982. No entanto pela análise dos registos contabilísticos de 2004, a sociedade tinha registado no seu imobilizado corpóreo, bens cujo valor de aquisição totalizava o montante de € 29.903,50.
Tendo-se solicitado o mapa de amortizações do exercício de 2004, o mesmo não foi apresentado, porque, segundo o TOC à data, o Sr. J…, o mesmo não foi elaborado, informando que quando aceitou ser TOC da sociedade, em 2004, as declarações modelo 22 encontravam-se em falta desde o exercício de 2001, e os elementos relativos a exercícios anteriores eram escassos, e que quando recebeu os elementos relativos à sociedade, já não existiam mapas de amortizações pelo que desconhecia quais os bens que integravam o imobilizado corpóreo.
Referiu ainda, que tinha conhecimento dos imóveis que foram objecto de alienação no exercício de 2004, até porque são bens sujeitos a registo e como tal, possíveis de identificar. Pelo que assumiu que o valor de € 29.903,5 que já vinha registado nos elementos contabilísticos da sociedade, respeitava integralmente aos imóveis alienados.
Verificou-se, assim, que no exercício de 2004, a sociedade vendeu os seguintes imóveis:
«Imagem no original»
É de referir que na escritura do dia 17/09/2004, relativa à venda do imóvel identificado pelo artigo … secção …, denominado de “A …“, compareceram, na qualidade de únicas sócias e representantes da sociedade a Srª. Di…; a Srª. V… e a Srª. Y…. 1 [Cfr. Anexo 2.]
No que respeita à escritura de venda dos restantes imóveis à B…, também esta do dia 17/09/2004, compareceram na qualidade de únicos sócios e representantes da sociedade o Sr. Del… e a Sra A…. pelo que se conclui, que a escritura de 17/09/2004, de cessão de quotas, foi efectuada após a venda da propriedade denominada de “…”, e antes da venda dos restantes imóveis à …. 2 [2Cfr. Anexo 3.]
Pela análise dos extractos da contabilidade, constatou-se que as únicas rubricas das contas de balanço que apresentavam saldos de exercícios anteriores, eram : “2419 – pagamento especial por conta”; “421- terrenos”; 5113 – M……..”; “5114 – Di……..”; “5115 – Quota Comum”; “ 5116 – Quota Comum”; “591- Resultados Transitados”.
II - 3.3.1 - Exercício de 2004
No exercício de 2004, e pela análise da contabilidade verificou-se o seguinte:
Proveitos
Os únicos proveitos registados neste exercício respeitam à alienação dos imóveis supra identificados.
Custos
Os custos verificados neste exercício respeitam a Fornecimentos e Serviços Externos, Custos com o Pessoal e Custos Financeiros.
Activo
No final do exercício de 2004 o activo da sociedade encontrava-se consubstanciado nas seguintes contas:
- Saldo de caixa no valor de € 498.476,12
- Saldo devedor das contas de sócios no montante de € 3.338.850,24. (…)
III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)
III . 1 - Exercício de 2004
No exercício de 2004, como aliás já foi referido no ponto II – 3.3, o sujeito passivo alienou os seguintes imóveis:
«Imagem no original»
Desta alienação, cujo valor de realização ascendeu ao montante de € 3.995.383,17, o sujeito passivo apurou na sua contabilidade uma mais valia contabilística -“79.4 – Proveitos e Ganhos Extraordinários em Imobilizações”, no montante de €3.965.479,67 (€ 3.995.383,17 – € 29.903,5 ).
Será de referir que o valor de € 29.903,5 corresponde ao saldo de exercícios anteriores, registado na contabilidade na conta “421 – Terrenos”. No entanto, os únicos imóveis que se detectaram como sendo propriedade da sociedade V…, foram os indicados no quadro anterior. Com base nas escrituras de aquisição desses imóveis 3 [3Cfr. Anexo 4.], com excepção do imóvel denominado de “…….” (artigo … – secção …) cujo documento comprovativo da sua aquisição se consubstancia numa declaração de recebimento emitida pelo vendedor4 [4Cfr. Anexo 5.], verifica-se que o valor total de aquisição dos mesmos, ascende apenas ao montante de € 1.263,95, valor inferior ao registado na contabilidade. Desconhecendo-se a que bens correspondem o valor de € 29.903,5, bem como desconhecendo-se o motivo pelo qual o valor registado na contabilidade na conta “421 – terrenos” apresenta um saldo superior ao valor de aquisição dos terrenos identificados como propriedade da V…, propõe-se a correcção do montante de €3.965.479,67 (mais valia contabilística) apurado na contabilidade.
Assim, o valor correcto da mais valia contabilística será calculado considerando como valor de aquisição dos referidos imóveis, o montante de € 1.263,95 e não o valor de € 29.903,5.
O valor da mais valia contabilística corrigida ascende ao montante de € 3.994.119,22.
Os únicos proveitos registados neste exercício, correspondem a estes Proveitos Extraordinários.
Em obediência ao disposto no art.º 53.º, n.º 4 do CIRC, a determinação do rendimento colectável no âmbito do regime simplificado é feita aplicando o coeficiente de 20% ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,45 ao valor dos restantes proveitos, com exclusão da variação da produção e dos trabalhos para a própria empresa, com o montante mínimo igual ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado.
Deste modo o Lucro Tributável do exercício de 2004, será determinado pela aplicação do coeficiente de 0,45 ao montante de € 3.994.119,22, ou seja, € 1.797.353,65. (0,45 x € 3.994.119,22).
Apuramento do Lucro Tributável
Na declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2004, entregue já no decurso do procedimento inspectivo, o sujeito passivo, declarou um lucro tributável no montante de € 816.559,22, apurado pelo regime geral de determinação do lucro tributável previsto no art.º 17º do CIRC, o que não está correcto, em face do exposto no ponto II – 3.2 desta informação. No entanto, o lucro tributável do exercício de 2004 terá que ser apurado pelo Regime Simplificado, previsto no artigo 53º do Código do IRC.
Assim, a correcção proposta para o exercício de 2004, é a seguinte:
«Imagem no original»
(…)”. (cfr. fls. 43 a 54 do Processo de Reclamação apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

Z) A 19 de março de 2008, foi emitida pela AT em nome da Impugnante a nota de liquidação nº 2310008327, com a identificação de compensação n.º ………., referente ao IRC de 2004, no valor de 248.343,53€, com data limite de pagamento voluntário de 14 de maio de 2008 (cfr. fls. 14 do Processo de Reclamação apenso aos utos);


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

EE) A liquidação referida na alínea Z), foi objeto de expedição postal registada com indicação alfanumérica RY………. para a sede da Recorrente, e recebida a 23 de abril de 2008 (cfr. fls. 21 a 25 do Processo de reclamação graciosa apenso);

FF) A 04 de junho de 2008, foi extraída certidão de dívida nº ……, referente ao ato de liquidação referido em Z) (cfr. fls. 27 do Processo de reclamação graciosa apenso);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de indeferimento do Recurso Hierárquico que por sua vez indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IRC do exercício de 2004.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo:

Ø Incorreu em erro de julgamento de facto, por não ter ponderado factualidade reputada relevante para a presente lide e bem assim por ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos, competindo, nessa medida, aferir do preenchimento dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC;

Ø Cometeu erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que ficou provada a aquisição dos imóveis com intenção de revenda, que os mesmos nunca foram utilizados no exercício da atividade da Recorrente e a ausência de mapa de amortizações, devendo, nessa medida, ser considerados como ativo circulante.

Ø Analisou, erradamente, a questão inerente à preterição da formalidade essencial atinente ao prazo de pagamento voluntário do ato de liquidação.

Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente, in casu, impugna o facto constante na alínea L), requer o aditamento de um facto atinente à notificação da liquidação, e bem assim a alteração do facto provado consignado em AA), por a data se revelar incongruente com a própria apresentação da reclamação graciosa.

Para o efeito, importa, então, começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida(2).

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

In casu, conforme se extrai do teor das alegações recursivas e suas conclusões, a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita.

Senão vejamos.

A Recorrente começa por evidenciar que impugna o facto constante na alínea L), mas a verdade é que não convoca qualquer alteração ao mesmo, mediante a apresentação de uma redação alternativa, nem, tão-pouco, requer a sua supressão, nada alvitrando no atinente ao respetivo meio probatório, limitando-se a dizer, de forma absolutamente genérica e conclusiva, que impugna o facto constante na alínea L).

Sendo que não são permitidos recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo(3).


Ademais, se atentarmos no teor das suas alegações e não obstante refira, expressamente, que impugna o seu teor, o que verdadeiramente advoga é uma errónea interpretação por parte do Tribunal a quo, o que, como é bom de ver, representa, tão-só um erro de julgamento de facto, o qual, sendo caso disso, será apreciado enquanto tal e em sede de própria.

No concernente à impugnação inerente à notificação da liquidação, a mesma resulta prejudicada, porquanto este Tribunal ao abrigo dos seus poderes de cognição já procedeu às alterações que reputou pertinentes para o efeito, sendo certo que, de todo o modo, a Recorrente não havia, igualmente, cumprido os requisitos atinentes ao citado artigo 640.º do CPC.

Por último no respeitante à alteração da factualidade contemplada em AA), a Recorrente convoca, se bem se interpretamos as suas alegações, uma modificação na data do procedimento, no entanto, não só não materializa o concreto erro incorrido, no fundo a data reputada acertada, donde, a aditar, como não indica qual o meio probatório em que funda a visada alteração, logo, mais uma vez, se conclui que a impugnação não foi realizada em conformidade com os requisitos contemplados na lei.

Face a todo o expendido anteriormente, rejeita-se a impugnação da matéria de facto realizada pela Recorrente.


***


Uma vez dirimida a questão e estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à natureza do ativo, concretamente por errónea assunção como ativo imobilizado.

A Recorrente sustenta que da conjugação da prova testemunhal com a prova documental produzida nos autos, foi produzida prova bastante de que os imóveis integravam o ativo circulante da sociedade, destinados à comercialização não havendo outra prova que demonstre coisa diferente, designadamente, capaz de sustentar a perspetiva vertida na douta sentença recorrida até porque não foram apresentados mapas de amortizações.

Por seu turno, o Tribunal a quo esteou a improcedência relevando, desde logo, que “[n]ão obstante a intenção inicial do sócio fundador da Impugnante ter sido a aquisição destes imóveis com o propósito de revenda, o certo é que na respectiva contabilidade os mesmos foram registados como fazendo parte do activo imobilizado da empresa. E essa contabilização, diga-se, é a mais ajustada face à situação de inactividade da empresa.”

Mais sublinhando que “[a]o classificar determinados bens como “existências”, a intenção de revenda não deve ser meramente hipotética ou eventual, mas sim inserir-se no quadro da normal actividade da empresa.”

Concluindo, assim, que não é defensável que “[a] inscrição destes bens no activo imobilizado se deveu a um mero lapso no registo contabilístico. Aliás, o próprio TOC da Impugnante reconheceu que esse registo foi feito com base na análise dos elementos patrimoniais, activos e passivos da sociedade, apenas não tendo tido acesso ao mapa de amortizações.”

Ora, face ao supra aludido, entende-se que a decisão recorrida não merece a censura que lhe é endereçada, tendo interpretado adequada e acertadamente o quadro normativo vigente com a devida transposição para a realidade fática.

Vejamos, porque assim o entendemos.

Como visto, o cerne da questão coaduna-se com a natureza do ativo, entendendo a Recorrente que o mesmo deve ser entendido como ativo circulante e não como ativo imobilizado, o que releva face, desde logo, ao consignado no artigo 53.º do CIRC, segundo o qual:

“1 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável os sujeitos passivos residentes que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com exceção dos que se encontrem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30000000$00 ((euro) 149639,37) e que não optem pelo regime de determinação do lucro tributável previsto na secção II do presente capítulo.
(…) 3 - O apuramento do lucro tributável resulta da aplicação de indicadores de base técnico-científica definidos para os diferentes sectores da atividade económica, os quais devem ser utilizados à medida que venham a ser aprovados.
4 - Na ausência de indicadores de base técnico-científica ou até que estes sejam aprovados, o lucro tributável, sem prejuízo do disposto no nº 11, é o resultante da aplicação do coeficiente 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente 0,45 ao valor dos restantes proveitos, com exclusão da variação de produção e dos trabalhos para a própria empresa, com o montante mínimo igual a (euro) 6250.”.

Razão pela qual se impõe, desde já, ter presente as próprias noções contabilísticas atinentes ao efeito, convocando, nessa medida, o regime constante no POC (aprovado pelo DL n.º 410/89, de 21 de novembro), à data em vigor.

Com efeito, o ativo imobilizado integra por definição “os bens patrimoniais activos, corpóreos ou incorpóreos, que a empresa utiliza como meios para a realização dos seus objectivos económicos. Representam um conjunto variado de elementos cuja característica agrupadora reside não na natureza do bem em si, mas na possibilidade de permanecerem na empresa por prazos mas ou menos longos, servindo quer como meios de produção, quer como fonte de rendimento ou de condições de trabalho, ou seja, são geradores de valor económico futuro…” (4)

Por seu turno, o ativo circulante respeita ao ativo permutável, que se espera que seja usado no normal ciclo operacional da empresa. Com efeito, o ativo circulante representa as disponibilidades financeiras, donde os bens e direitos que deverão ser convertidos em dinheiro, vendidos ou consumidos em um determinado ciclo de operações, razão pela qual no âmbito das contas do ativo é ponderado e entendido como realizável a curto prazo.

Delimitados os conceitos que subjazem para o caso vertente, importa transpor os mesmos para o acervo fático dos autos, e aferir se, efetivamente, dele dimana uma asserção enquanto ativo circulante, como propugna a Recorrente.

Do probatório resulta, desde logo, que a Recorrente foi constituída em 1965 por D… e J…, tendo adquirido, entre 1965 e 1972, cinco prédios rústicos, melhor identificados em D) e F) que, à época, foram adquiridos com dinheiro de D…, para investimento e com intenção de revenda (G).

Resultou, outrossim, provado que a partir de 1982, a Recorrente ficou inativa, tendo, no entanto, sucedido diversas alterações societárias em termos de titularidade de quotas e melhor retratadas, designadamente, em J), M), N) e P).

Promanando, igualmente, do probatório que nos anos de 1999 e 2000, os prédios rústicos supra evidenciados foram declarados como imobilizado corpóreo nas declarações anuais apresentadas pela Recorrente (K).

Mais se retirando que, no decurso de novas alterações societárias, mormente um aumento de capital, em 2004, ocorreu a alienação de um dos prédios rústicos a Y… e uma cessão de quotas das então sócias da Impugnante a Del… e A…. Ato subsequente e na mesma data, a Recorrente vendeu os demais prédios rústicos à B….

Resultando, outrossim, provado que do ponto de vista declarativo e contabilístico, a Recorrente até 2000, apresentou de forma regular as declarações modelo 22, sendo certo que após o decurso de um hiato de vários anos sem as apresentar, a partir de 2007 foram efetuadas quer submissões de declarações de rendimentos em falta, quer a própria reconstituição da contabilidade.

Ulteriormente, foi desencadeada ação inspetiva tendo a mesma considerado aplicável o regime simplificado de tributação, e relevado o tratamento como imobilizado corpóreo e apurado na sua contabilidade uma mais-valia contabilística.

Ora, face ao supra expendido e contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, não se retira do supra expendido que o ativo em contenda deva ser entendido como ativo circulante, desde logo, porque nada ficou provado no sentido de os mesmos terem sido tratados como existências por parte da Recorrente.

Note-se que não pode relevar, per se e no sentido almejado pela Recorrente, o consignado em G), porquanto independentemente de, num primeiro momento, os prédios terem sido adquiridos para revenda, a verdade é que não pode ser descurado-tendo, necessariamente, de ser valorado em conformidade-que decorreu uma distância de mais de 30 anos entre a data da aquisição dos prédios e a respetiva alienação, sendo certo que, como já evidenciado anteriormente, nada ficou provado no sentido de os mesmos terem sido tratados como existências por parte da Recorrente.

Acresce que, conforme supra expendido a sociedade deixou de ter atividade no ano de 1982, não sendo, nessa medida, concebível e plausível com o próprio ciclo temporal em causa. Aliás, as próprias regras da experiência propugnam uma interpretação nesse sentido.

Mais importa reter que foi a própria que declarou e tratou tais bens enquanto tal, não demonstrando, de todo, o aduzido erro contabilístico que advoga e cujo ónus se circunscrevia na sua esfera jurídica.

Com efeito, competia à Recorrente demonstrar, de forma clara e inequívoca o tratamento dos bens imóveis sub judice como ativo circulante o que não executou, bem pelo contrário, bastando, para o efeito, recordar que já em 1999 e 2000, nas declarações anuais, a Recorrente registou os imóveis como imobilizado corpóreo. Pelo que, é manifestamente insuficiente, neste e para este efeito, a prova da intenção de revenda, ainda para mais, como visto, 30 anos antes sobre a data da alienação.

De relevar, in fine, que não granjeia, outrossim, o efeito por si almejado o atinente à falta de mapa de imobilizado, porquanto da sua inexistência apenas é possível retirar a existência de uma falha contabilística e documental por parte da Recorrente, não podendo, de todo, levar à conclusão de que os imóveis integravam o seu ativo circulante. Igual asserção se retira quanto ao aduzido em H).

Este foi, também, o sentido seguido por este Tribunal no âmbito do processo nº 1487/10, datado de 07 de dezembro de 2021, similar ao dos presentes autos, no qual a, ora, Relatora interveio como 2ª Adjunta e se doutrinou, designadamente, que: “[o] que se extrai da factualidade é que, contabilística e documentalmente, a Recorrente tinha diversas lacunas, mas que não conduzem à conclusão de que os imóveis integravam o seu ativo circulante. Considerando o tratamento dado pela própria Impugnante, no sentido de os imóveis em causa integrarem o imobilizado, cabia a si e não à AT a demonstração do que alegou no sentido de integrarem o ativo circulante, o que, nos termos já explanados, não logrou fazer.”

E por assim ser, improcedem, na íntegra, as alegações concernentes à errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à natureza do ativo, inexistindo, nessa medida, o apontado erro de julgamento assacado ao Tribunal a quo.

Atentemos, ora, na preterição de formalidade essencial inerente à falta de cumprimento do prazo legal de trinta dias para efeitos de pagamento voluntário.

Neste âmbito, defende a Recorrente que tendo a liquidação impugnada sido objeto de notificação em 23 de abril de 2008, tal determina mediante confronto com a data limite de pagamento voluntário, uma preterição de formalidade essencial.

De relevar, desde já, que a aludida preterição em nada poderia acarretar a invalidade do ato de liquidação, desde logo, porque não comprometeu qualquer direito de defesa, note-se que é a própria Recorrente que assim o atesta, de forma expressa, na alínea H) das suas conclusões, relevando-a enquanto “prognose”, e no sentido de que “podia ter ficado comprometido o seu direito de defesa”.

Com efeito, se na prática a Recorrente usou do correspondente e idóneo expediente processual não lhe foi coartada qualquer garantia, logo, no limite, a existir a aludida preterição a mesma encontrar-se-ia sanada. Ademais, não resulta, tão-pouco, alegado e demonstrado que a Recorrente tenha procedido ao pagamento da liquidação e que tal circunstância possa ter acarretado qualquer prejuízo, e em caso afirmativo a sua concreta mensuração.

É certo, outrossim, que o decurso do prazo de pagamento voluntário pode relevar para efeitos de extração de certidão de dívida, conforme resulta, expressamente, do consignado no artigo 88.º, nº1 do CPPT, mas a verdade é que também nesse âmbito a aduzida preterição resultaria inócua, na medida em que a mesma só foi extraída em 04 de junho de 2008, ou seja, decorridos quarenta e dois dias após a notificação do ato de liquidação à Recorrente e vinte dias após o respetivo prazo de pagamento voluntário.

Pelo que, face a todo o expendido anteriormente, improcede o arguido erro julgamento.

Uma nota final, para evidenciar que carece de qualquer relevância o expendido em 64) das suas alegações, por não traduzir qualquer erro de julgamento suscetível de levar ao provimento do recurso nem ter sido arguido enquanto tal.

Destarte, tudo visto e ponderado e sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcede na íntegra o presente recurso, mantendo-se, por conseguinte, a decisão recorrida.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 24 de fevereiro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


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(1) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
(2) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(3) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31 de maio de 2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07 de junho de 2018.
(4) António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, 23.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2006, p. 487.