Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2197/11.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS DE VALORES MOBILIÁRIOS REPRESENTATIVOS DE DÍVIDA.
RETENÇÃO NA FONTE.
REEMBOLSO.
Sumário:
1. Não resulta do Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida qualquer limitação à isenção de tributação ali consagrada em razão do período de tempo da titularidade dos títulos.

2. A isenção de tributação abrange a totalidade do valor dos juros devidos e pagos no momento do vencimento.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório


H...............PLC apresentou impugnação judicial da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa deduzida contra o acto de retenção na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, do ano de 2007.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 109 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 02 de Abril de 2019, julgou procedente a impugnação.
A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional contra a sentença em apreço. Nas alegações de fls. 141 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), formula as conclusões seguintes:
«I - A douta sentença a quo entendeu que tendo sido pagos à Impugnante, na altura do vencimento do cupão, os rendimentos devidos nessa altura, ou seja, os juros devidos por força de tal vencimento, em virtude de a Impugnante ser a beneficiária efectiva dos valores mobiliários em causa e por não resultar do regime previsto no Decreto-Lei nº 193/2005, de 7/11, qualquer limitação em termos de isenção, resulta que esta abrange todos os rendimentos devidos no momento do vencimento do cupão.
II – Com efeito, consistindo os rendimentos em causa em juros, entendeu a douta sentença a quo, que a distinção estabelecida pela AT entre os juros atinentes ao período de detenção dos títulos – relativamente aos quais o titular beneficiaria de isenção – e aqueles que correspondem a um período antecedente a essa titularidade, os quais já não beneficiariam daquela detenção, não encontra no regime jurídico em causa previsão legal.
III – Sustentou então a douta sentença a quo que no momento do vencimento do título (cupão), foram pagos à impugnante os juros que deveriam ser pagos naquele momento, independentemente da data de aquisição dos títulos.
IV – Por conseguinte, entendeu a douta sentença a quo não decorrer do regime jurídico em causa que a isenção de tributação não abranja a totalidade dos juros vencidos, por ali não se prever uma isenção proporcional à titularidade efectiva do valor mobiliário.
V – Destarte, assentou a douta sentença a quo que na data do vencimento do cupão, era a Impugnante a titular efectiva dos rendimentos, pelo que tinha o direito à isenção da tributação incidente sobre a totalidade dos juros percebidos.
VI – Dissente esta RFP da decisão e respectiva fundamentação em que se baseou a douta sentença a quo, porquanto, em face ao regime legal aplicável, verifica-se que, contrariamente ao ali decidido, ficam apenas abrangidos pela isenção de tributação os juros corridos, isto é, os juros que o titular percebeu relativamente ao período em que deteve os títulos de dívida pública, in casu, o valor correspondente a € 143.657,72.
VII – Com efeito, o que está em causa no Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida, aprovado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7/11 não é uma isenção objectiva (do rendimento em si), mas sim uma isenção subjectiva (atendendo às características particulares dos beneficiários dos rendimentos), pelo que só o beneficiário efectivo do rendimento pode beneficiar da referida isenção.
VIII – Ora, o beneficiário efectivo será o que detém a titularidade dos valores mobiliários representativos da dívida, razão pela qual, os juros são contabilizados dia a dia e pagos no momento da transmissão dos títulos ao cedente, sendo ele o beneficiário efectivo do rendimento relativamente ao período em que foi o titular dos valores mobiliários.
IX – Assim, no momento da maturação dos valores mobiliários ou do vencimento de juros, o titular que recebe os rendimentos só é o beneficiário efectivo dos rendimentos relativos ao período em que deteve os valores mobiliários, recebendo os restantes rendimentos por conta dos anteriores detentores dos valores mobiliários, uma vez que já pagou esses rendimentos aos mesmos, incluído no preço de aquisição dos valores mobiliários.
X - Nestes termos, a entidade requerente apenas é beneficiária efectiva dos rendimentos relativos ao período de tempo compreendido entre a data de aquisição dos títulos e o respectivo vencimento dos juros, e, como tal só deveria ter direito ao reembolso do imposto relativo aos rendimentos correspondentes a esse lapso temporal.
XI - Razão pela qual, e levando em linha de conta que, de acordo com o disposto no Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida aprovado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7/11, a isenção de tributação de tais rendimentos apenas beneficia o juro corrido, ou seja, o sujeito passivo representado pelo requerente apenas pode beneficiar da isenção de tributação relativamente aos juros que recebeu correspondentes ao período de tempo em que deteve os títulos de dívida, o que, no caso em apreço corresponde ao reembolso no valor de € 143.657,72.
XII - É certo que o imposto retido na fonte na data do pagamento dos juros no presente caso incidiu sobre a totalidade dos juros pagos à entidade requerente (ora impugnante), apesar da mesma ter sido detentora dos valores mobiliários entre 2007.01.31 e 2007.04.16, razão pela qual a mesma requer a restituição da totalidade do imposto.
XIII – Acontece, porém que o regime criado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7/11, prevê que o reembolso ou a liquidação do imposto vá ocorrendo sempre que há uma transmissão dos títulos, levando-se em linha de conta o estatuto dos intervenientes da transacção (artigo 11º), o qual é eficaz se os intervenientes tiverem estatuto diferente, mas se acontecer que os valores mobiliários sejam alienados por um beneficiário do regime de isenção a outro beneficiário do mesmo regime, não haverá nem retenção, nem reembolso.
XIV - O mesmo poderá ocorrer no caso de aplicação do disposto no artigo 17º daquele regime legal, uma vez que a Central de Liquidação Internacional se compromete a não efectuar serviços de registo a entidades não isentas.
XV - Ora, numa situação destas, se não for efectuada a prova do estatuto de entidade isenta pelo titular dos valores mobiliários no momento do pagamento dos juros há lugar à retenção do imposto sobre a totalidade dos rendimentos, acabando por ser este último titular a suportar a totalidade do imposto apesar dos anteriores detentores dos valores também terem beneficiado do regime de isenção.
XVI - Nestes casos, até seria legítima a pretensão do titular dos valores mobiliários de que lhe seja restituída a totalidade do imposto retido na fonte, uma vez que não era só ele que beneficiava do estatuto de entidade isenta, mas também os anteriores detentores dos valores mobiliários.
XVII - Mas, para tanto, tornar-se-ia indispensável que fosse efectuada a prova de que durante todo o período que decorreu desde a emissão dos valores mobiliários ou desde o último vencimento de rendimentos e a data em que ocorre a retenção na fonte, os titulares dos valores mobiliários foram sempre sujeitos passivos beneficiários do regime de isenção.
XVIII - Porém, não se afigurando ter sido efectuada esta prova nos autos, isto é, de que os anteriores detentores dos valores mobiliários geradores do rendimento também beneficiavam do regime de isenção, mostra-se legalmente correcta a decisão da AT de autorizar apenas o reembolso do montante de € 143.657,72, correspondente ao período de detenção dos títulos por parte da ora Impugnante.
XIX – Motivo pelo qual, não padecendo a decisão administrativa de indeferimento do pedido da ora impugnante, proferida em sede de procedimento de reclamação graciosa, de qualquer ilegalidade, deverá a mesma manter-se na ordem jurídica.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências….»

X


Nas contra-alegações de fls. 155 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), o recorrido H...............PLC, formulou as conclusões seguintes:
«1 - A argumentação apresentada pela Recorrente assentou na ideia de que a Recorrida apenas tinha direito, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 195/2005, de 7 de Novembro, ao reembolso de imposto indevidamente retido na fonte no momento do pagamento de juros decorrentes de títulos de dívida abrangidos por aquele diploma calculado apenas durante o período em que a Recorrida deteve os títulos.
2 - Nos termos do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de Novembro, aqueles rendimentos estavam isentos de tributação em Portugal, de acordo com o disposto nos art.ºs 4.º e 5.º daquele diploma, uma vez que a Impugnante é uma entidade não residente, das referidas neste art.º 5.º e que, só por insuficiência de informação, não ficou enquadrada no regime de isenção aí previsto (cfr. n.º 5 do art.º 9.º).
3 - O âmbito objetivo da isenção prevista no Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos (adiante “Regime”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, abrange, para o que aqui releva, todos os rendimentos qualificados como rendimentos de capitais para efeitos de IRS (cfr. art.º 4.º do Regime, cuja epígrafe é “Âmbito objectivo da isenção”).
4 - Nos termos do Regime, na data da transmissão dos títulos, três situações poderiam ter ocorrido:
a) A transmitente era titular de uma conta de entidade sujeita a retenção na fonte de IRS ou de IRC e, então, teria havido lugar a retenção na fonte calculada sobre o “juro decorrido” (a que se refere o n.º 5 do art.º 5.º do CIRS) até à data da transmissão [cfr. alínea a) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime];
b) A transmissária era titular de uma conta de entidade sujeita a retenção na fonte e, então, seria reembolsado o imposto relativo ao “juro decorrido” (a que se refere o n.º 5 do art.º 5.º do CIRS), até à data da transmissão [cfr. alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime];
c) A transmitente e a transmissária eram titulares de uma conta de entidade não sujeita a retenção na fonte, caso em que não teria havido lugar a qualquer retenção ou reembolso de imposto relativo ao “juro decorrido” até à data da transmissão.
5 - No caso da Recorrida, só as situações descritas nas alíneas a) e c) do número anterior poderiam ter ocorrido, uma vez que, à data da transmissão, a Recorrida (então transmissária) era titular de uma conta de entidade não sujeita a retenção na fonte, pelo que a situação descrita na alínea b) nunca se aplicaria.
6 - Ou seja, na data do vencimento dos títulos, ou já tinha ocorrido retenção na fonte sobre o “juro decorrido” [nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime] e o imposto relativo a esta retenção não seria mais devido, ou não tinha ainda ocorrido qualquer retenção na fonte (face à não sujeição a imposto da transmitente e da transmissária) e, nesse caso, não seria devido qualquer imposto relativo ao pagamento dos juros.
7 - A ora Recorrida sofreu indevidamente retenção na fonte sobre o imposto referente a todo o período de pagamento dos juros apenas porque, na data de pagamento dos juros, por insuficiência de informação, não foi enquadrada como entidade não sujeita a retenção.
8 - O juro que a Recorrida recebeu não é o mesmo juro que pagou à transmitente, incluído no preço de compra dos títulos.
9 - O “juro implícito” no preço é devido à transmitente pelo hipotético direito desta a receber o juro a final (no vencimento ou reembolso dos títulos), o qual (o juro devido a final), aliás, pode até nunca vir a ser pago (pense-se no caso de a emitente dos títulos incumprir a obrigação de pagamento ou reembolso dos títulos).
10 - Foi por esse motivo que o legislador assimilou o rendimento pago no momento da transmissão dos títulos a “juros”, aquando da introdução do atual n.º 5 do art.º 5.º do CIRS, sendo certo que, até então, se discutia se aquele rendimento deveria ser tratado como rendimento de capitais ou de mais-valias.
11 - É evidente a distinta natureza dos “juros” pagos no momento da transmissão relativamente aos “juros” pagos no vencimento ou reembolso dos títulos; sendo certo que, no caso, a Recorrida é a beneficiária efetiva de todos os rendimentos no momento do vencimento dos títulos.
14 - Também no caso de não ter havido qualquer retenção no momento da transmissão, a retenção na fonte do imposto é ilegal, visto que a Impugnante é uma entidade isenta para efeitos do Regime e não deveria ter sofrido qualquer retenção na fonte de imposto.
15 - A interpretação feita pela Recorrente é, salvo o devido respeito, contra legem e, por isso, inadmissível.
16 - Num caso análogo ao dos presentes autos, em que a então Impugnante era também a ora Recorrida, este Tribunal veio a dar-lhe razão, tendo julgado improcedente o recurso então interposto pela Fazenda [cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 2.º Juízo – 2.ª Secção (Contencioso Tributário) de 18 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 08456/15, disponível em www.dgsi.pt].
17 - Pelo que, o ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa, com base na argumentação aduzida pela Fazenda, é ilegal. // Termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida».
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«1. A Impugnante tem domicílio fiscal no Reino Unido e tem, naquele país, o número de identificação fiscal ........... - cf. facto não controvertido e declarações a fls. 8 a 10 do processo administrativo apenso;
2. A Impugnante deteve, através do intermediário financeiro «E............», na conta n.º ............, no B............, S.A., a titularidade de 8,000,000,000 títulos representativos de dívida pública, com o código ISIN…………….., designados por «República Portuguesa – 4.1% 15-04-2037», entre 31/01/2007 e 16/04/2007 - cf. declarações a fls. 8 a 10 do processo administrativo apenso;
3. Em 16/04/2007 a Impugnante recebeu juros decorrentes da titularidade dos títulos representativos de dívida referidos no ponto anterior no valor de €3.495.671,20, sobre os quais foi retido imposto no valor de €699.134,25 - cf. declarações a fls. 8 a 10 do processo administrativo apenso;
4. Em 21/05/2007, o B............, S.A. entregou nos cofres do Estado o valor de €699.134,25 referido no ponto anterior – cf. guia n.º .................... e declaração a fls. 11 e 12 do processo administrativo apenso;
5. A Impugnante apresentou reclamação graciosa da retenção na fonte de IRC referida no ponto anterior e requereu a restituição do valor de €699.134,25 – cf. petição de reclamação a fls. 5 a 7 do processo administrativo apenso;
6. Por despacho de 31/10/2011 da directora de finanças adjunta de Lisboa a reclamação graciosa referida no ponto anterior foi parcialmente deferida com os seguintes fundamentos: «6. (…) no presente caso, estavam reunidos os requisitos formais para que pudesse ser decidido o pedido de restituição do imposto. 7. (…) de acordo com o disposto no Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida aprovado pelo Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de Novembro, a isenção de tributação de tais rendimentos apenas beneficia o juro corrido, ou seja, o sujeito passivo (…) apenas pode beneficiar da isenção de tributação relativamente aos juros que recebeu correspondentes ao período de tempo em que deteve os títulos de dívida, propusemos a restituição do imposto retido na fonte no seguinte montante: Nº Títulos: 8.000.000.000; Data Aquisição: 31-01-2007; Data Vencimento: 16-04-2007; Nº dias de detenção: 75; Rendimento: 3.495.671,20€; Imposto retido: 699.134,25€; Imposto reembolsar: 143.657,72€» - cf. despacho e informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 68 a 72 e 92 a 97 do processo administrativo apenso.»
Consta ainda que «[n]ada mais se provou com interesse para a decisão da causa» e que «[o] Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos e da posição assumida pelas partes nos articulados, conforme identificado nos factos provados.»
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2.2. De Direito
2.2.1. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Alega erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Afirma, em síntese, que, «de acordo com o disposto no Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida aprovado pelo Decreto-Lei nº 193/2005, de 7/11, a isenção de tributação de tais rendimentos apenas beneficia o juro decorrido, ou seja, o sujeito passivo representado pelo requerente apenas pode beneficiar da isenção de tributação relativamente aos juros que recebeu correspondentes ao período de tempo em que deteve os títulos de dívida, o que, no caso em apreço corresponde ao reembolso no valor de € 143.657,72».
Por seu turno, a este propósito, na sentença ponderou-se que
«Dos pontos 2., 3. e 4. dos factos provados decorre que a Impugnante recebeu, na data do vencimento, o valor correspondente aos juros que era devido naquela data, pela detenção dos 8,000,000,000 títulos representativos de dívida pública, conhecidos como obrigações do Tesouro, com o código ISIN…………….., designados por «República Portuguesa – 4.1% 15-04-2037», tendo sido retido na fonte IRC no valor de €699.134,25. // Da conjugação do disposto nos artigos 2º, alínea a), 5º, n.º 1, e 4º, n.º 1 e n.º 2, do [Decreto-Lei n.º 193/2005, de 07 de Novembro, veio estabelecer o Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos da Dívida (RTRVM)], não resulta que a isenção de tributação ali consagrada dependa do período de tempo durante o qual a entidade que obtém rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida (no caso, juros de títulos representativos de dívida pública) foi titular desses valores mobiliários. // O regime jurídico consagrado no Regime Especial não consagra uma isenção de tributação proporcional ao período de tempo de detenção da titularidade dos valores mobiliários em causa. // Do estipulado nos artigos 2º, alínea a), 5º, n.º 1, e 4º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Especial e para o que é pertinente nos presentes autos, resulta que, para efeitos de aplicação da isenção de tributação ali consagrada, é relevante que, no momento do vencimento do cupão dos títulos representativos da dívida pública, a Impugnante seja a entidade que obtém os respectivos rendimentos (os juros) por conta própria».
2.2.2. Apreciação. Está em causa a questão de saber se a isenção de tributação dos juros percebidos por entidade não residente implica o preenchimento da condição da titularidade dos títulos subjacentes ao rendimento assim obtido durante o período de vencimento dos juros, ou seja, se a isenção em causa incide apenas sobre os juros decorridos, isto é, sobre os juros percebidos pela recorrida desde a data da transmissão dos títulos até à data do vencimento dos juros, ou se abrange todo o rendimento percebido pela recorrida, na data vencimento dos juros. E, por outras palavras, ainda, se o direito ao reembolso da recorrida incide sobre a totalidade do imposto retido na fonte em relação aos rendimentos em causa ou se tal direito ao reembolso se limita ao imposto retido em relação aos juros decorridos.
A este propósito, o Decreto-Lei n.º 193/2005, de 07 de Novembro, veio estabelecer o Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos da Dívida (RTRVM), o qual é aplicável aos valores mobiliários representativos de dívida pública e não pública, incluindo as obrigações convertíveis em acções, independentemente da moeda em que essa dívida seja emitida, integrados em sistema centralizado reconhecido nos termos do Código dos Valores Mobiliários (artigo 3.º/1, do RTRVM). De acordo com o regime em apreço, são isentos de IRC e de IRS, os rendimentos considerados obtidos em território português, nos termos dos Códigos do IRS e do IRC, dos valores mobiliários em causa, incluindo os rendimentos qualificados como rendimentos de capitais ou como mais-valias para efeitos de IRS, incluindo, nomeadamente … os devidos no momento do vencimento do cupão ou na realização de operações de reporte, mútuos ou equivalentes (artigo 3.º/1 e 4.º/ 1 e 2, do RTRVM). A isenção em exame aplica-se aos beneficiários efectivos que, em território português, não tenham residência, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável ao qual os rendimentos possam ser imputáveis e desde que não sejam entidades residentes em território com regime de tributação privilegiada (artigo 5.º/1/b), do RTRVM).
Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) A impugnante é uma entidade não residente, com sede no Reino Unido (n.º 1).
ii) A impugnante deteve, através do intermediário financeiro «E............», na conta n.º ............, no B............, S.A., a titularidade de 8,000,000,000 títulos representativos de dívida pública, com o código ISIN……………., designados por «República Portuguesa – 4.1% 15-04-2037», entre 31/01/2007 e 16/04/2007 (n.º 2).
iii) Em 16/04/2007 a Impugnante recebeu juros decorrentes da titularidade dos títulos representativos de dívida referidos no ponto anterior no valor de €3.495.671,20, sobre os quais foi retido imposto no valor de €699.134,25 (n.º 3).
iv) A Impugnante apresentou reclamação graciosa da retenção na fonte de IRC referida no ponto anterior e requereu a restituição do valor de €699.134,25 (n.º 5).
v) Por despacho de 31/10/2011 da directora de finanças adjunta de Lisboa a reclamação graciosa referida no ponto anterior foi parcialmente deferida com base na asserção de que «o sujeito passivo (…) apenas pode beneficiar da isenção de tributação relativamente aos juros que recebeu correspondentes ao período de tempo em que deteve os títulos de dívida, propusemos a restituição do imposto retido na fonte no seguinte montante: (…) Imposto reembolsar: 143.657,72€» (n.º 6).
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a de que «[n]o referido Regime Especial [aprovado pelo Decreto-Lei n.º 193/2005 de 7 de Novembro - RTRVM,] o campo de aplicação da isenção ai prevista (“valores mobiliários representativos de dívida pública e não pública, incluindo as obrigações convertíveis em acções, independentemente da moeda em que essa dívida seja emitida, integrados em sistema centralizado reconhecido nos termos do Código dos Valores Mobiliários e legislação complementar, incluindo o sistema centralizado gerido pelo Banco de Portugal” – artigo 3.º) mostra-se densificado através da consagração simultânea de uma “isenção objectiva” (são isentos de IRS ou IRC os rendimentos obtidos em território português, nos termos dos Códigos do IRS e do IRC, dos valores mobiliários referidos no artigo anterior “) e de uma “isenção subjectiva” (“beneficiários efectivos que, em território português, não tenham residência, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável ao qual os rendimentos possam ser imputáveis e desde que não sejam entidades residentes em país, território ou região com regimes de tributação privilegiada, constante de lista aprovada por portaria do Ministro de Estado e das Finanças”). // Tendo o legislador definido como “Beneficiário” para efeitos do referido regime «qualquer entidade que obtenha rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida por conta própria e não na qualidade de agente ou mandatário» [artigo 2.º al. a)], carece de fundamento legal a subtracção dessa qualidade a uma entidade que recebeu em nome próprio rendimentos daquela natureza, fundada no facto de esta apenas ter adquirido os títulos no mês anterior ao do percebimento dos mesmos rendimentos. // Por força do preceituado conjugadamente nos artigos 3.º e 4.º n.º 2 do Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida, anexo ao DL n.º 193/2005 de 7 de Novembro e 5.º n.º 2 do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, são de considerar como rendimentos isentos de tributação os juros decorrentes de valores mobiliários representativos de dívida»(1).
No caso em exame, a recorrida obteve rendimentos de valores mobiliários, em 16/04/2007, no valor de €3.495.671,20, sobre os quais foi retido imposto no valor de €699.134,25; a AT apenas reconhece o direito ao reembolso da recorrida em relação ao montante de 143.657,72€, dado que o imposto retido remanescente não corresponde a retenção relativa a juros decorridos ou contáveis, isto é, juros percebidos pela recorrida, correspondentes ao período de detenção dos títulos. A questão que se suscita consiste em saber a isenção de tributação e o direito ao reembolso pode ser sujeita a tal restrição.
No caso em exame, trata-se de juros obtidos em virtude da titularidade de títulos de dívida pública. A isenção de tributação abrange todos os juros devidos no momento do vencimento do cupão (artigo 4.º/2, do RTRVM). Nos termos do artigo 5.º/5, do CIRS, «compreendem-se nos rendimentos de capitais o quantitativo de juros contáveis desde a data do último vencimento ou da emissão, primeira colocação ou endosso, se ainda não houver ocorrido qualquer vencimento, até à data em que ocorreu alguma transmissão dos respectivos títulos, bem como a diferença, pela parte correspondente àqueles períodos, entre o valor de reembolso e o preço de emissão, no caso de títulos cuja remuneração seja constituída, total ou parcialmente, por esse diferença».
A impugnante é beneficiária efectiva do rendimento para efeitos do regime instituído pelo DL n.º 193/2005 de 7 de Novembro (artigo 5.º do diploma), dado que obteve rendimentos de valores mobiliários representativos de títulos de dívida pública por conta própria. (artigo 2.º/a), do diploma). Mais se refere que se os anteriores detentores dos títulos receberam rendimentos, nomeadamente, a título de juros ou a título de ganhos obtidos com a transmissão onerosa de valores mobiliários, tais rendimentos assumem entidade diversa daqueles que foram recebidos pela recorrida no momento do vencimento do cupão. A eventual tributação ou isenção de tributação de tais rendimentos não é susceptível de produzir efeitos na esfera jurídica da recorrida. «[E]xistem duas relações jurídico-tributárias. Uma estabelecida entre os anteriores detentores dos títulos e a AT, cujo objecto são os rendimentos obtidos pela alienação dos títulos ou pelo recebimento dos juros corridos. Outra, é a relação jurídica, em causa nos autos, estabelecida entre a impugnante e a AT, a qual tem por objecto os rendimentos obtidos no momento do vencimento do cupão»(2).
Pelo que se impõe concluir que, «[t]endo sido pagos à Impugnante, na data do vencimento, os juros devidos nesse momento, por ser a beneficiária efectiva dos valores mobiliários em causa, e não resultando do Regime Especial qualquer limitação à isenção de tributação ali consagrada em razão do período de tempo durante o qual a Impugnante foi titular daqueles títulos, verifica-se que a mesma abrange a totalidade do valor dos juros devidos e pagos no momento do vencimento»(3). Ou seja, a impugnante tem direito à isenção da tributação em relação à totalidade dos juros percebidos em resultado da titularidade dos títulos de dívida pública, aquando do seu vencimento, pelo que tem direito à restituição do imposto indevidamente retido sobre os rendimentos em causa. Pelo que a restrição ou limitação imposta pela AT, não se pode manter, como se decidiu na sentença sob escrutínio.
Ao decidir no sentido referido a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)




(1º. Adjunto)

(2º. Adjunto)


_____________________
(1) Acórdão do TCAS, de 18.06.2015, P. 08456/15.
(2)Parecer do ilustre Procurador da República, junto do TT Lisboa.
(3) Sentença recorrida.