Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:23/16.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:PRAZO DE ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ATO
Sumário:I. Não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para a revogação e anulação administrativas dos atos tributários, hão de acolher-se as regras constantes dos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

II. Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão – artigo 168/1 CPA.

III. Salvo nos casos previstos nos n.ºs 3 a 7, do artigo 168º CPA, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão - artigo 168º, n.º 2, do CPA.

IV. A falta de audiência prévia à decisão administrativa, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do ato (artigo 163/1 CPA).

V. A preterição do direito de audiência prévia, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de atividade administrativa vinculada.

VI. A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do ato deve ser apreciada casuisticamente pela análise das circunstâncias particulares do caso concreto, aferindo-se se a decisão do procedimento não poderia de forma alguma ser influenciada pela participação do contribuinte no procedimento.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

J... veio apresentar recurso da sentença proferida a 14.10.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2013.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formula as seguintes conclusões:

a) O deferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Recorrente investiu este num direito, ou, dito de outro modo, tal deferimento representou um acto constitutivo de direitos na esfera do Recorrente, direito esse ao reembolso do imposto pago em excesso, tudo isto por força do artigo 30°, n° 1, alínea c) da LGT.
b) Direito esse que, precisamente, se consumou/materializou com o reembolso ao Recorrente e a anulação administrativa, por se estar perante um acto constitutivo de direitos, obedecia a prazos para o efeito.
c) A LGT prevê, efectivamente, a possibilidade legal de revogação de actos administrativos em matéria tributária no seu art. 79° fazendo, também a distinção daquela em relação à possibilidade legal de revisão dos actos tributários consagrada no art. 78° do mesmo diploma, revisão que se reporta a actos de liquidação ou a actos de fixação da matéria colectável, e que, sendo da iniciativa da Administração Tributária por erro imputável aos serviços, pode ter lugar no prazo de 4 anos após a liquidação se o tributo tiver sido pago ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago.
d) Sucede que nem a LGT nem o CPPT contém qualquer norma sobre o prazo para a aludida revogação o que apenas permite a conclusão de que tal prazo só pode ser o constante das regras do CPA, e que, precisamente por força de tal, devem ser aplicadas no direito tributário de acordo com a natureza do caso omisso, concretamente as regras que directamente regulam a revogação e anulações dos actos administrativos.
e) Assim, o prazo para a revogação de tal acto administrativo de deferimento da reclamação graciosa só pode ser o constante nas normas do CPA e não o relativo ao prazo previsto para a revisão do acto de liquidação do imposto.
f) A Douta Sentença, e de modo a procurar justificar a aplicação do artigo 78° da LGT, lavra num outro equívoco pois o que o que foi alvo de anulação administrativa não foi qualquer acto de liquidação mas sim a decisão de anterior reclamação graciosa.
g) É que aqui há que fazer a distinção entre o acto tributário stricto sensu (o acto de liquidação) e os actos administrativos em matéria tributária ou actos administrativos relativos a questões tributárias e só em relação ao acto de liquidação é que seria passível de aplicação o artigo 78° da LGT, já não o sendo em relação a uma decisão da reclamação graciosa que se integra na categoria de acto administrativo em matéria tributária ou relativo a questão tributária.
h) Pelo que ao assim não ter entendido errou grosseiramente a Douta Sentença e violou o aludido artigo 78° da LGT.
i) O instituto do aproveitamento do acto não é nem jamais pode ser algo que sirva para desculpabilizar os vícios da AT nos procedimentos administrativos sendo notório, e isso resulta provado, que o Recorrente exerceu tempestivamente o seu direito de audição, assim como também é notório, e isso só não vê quem não quer, que a AT o desconsiderou porque tinha plena consciência que se aproximava o prazo que dispunha para consumar a anulação administrativa.
j) Como resulta sobejamente documentalmente provado nos autos não só os tribunais como a própria AT já haviam decidido em sentido favorável à pretensão do Recorrente, e decisões essas que haviam formado casos resolvidos administrativos.
k) Perante isto não se afigura intelectualmente honesto sustentar-se que a decisão da AT não podia ser outra pois que os autos demonstram que tal afirmação é falsa e se destrói a si própria.
l) Como é generalizadamente entendido o instituto do aproveitamento do acto apenas logra aplicação nas situações em que com toda a segurança a decisão administrativa não poderia ser outra que não aquela que veio a ser tomada e que juridicamente o único caminho passível de ser seguida seria aquela que a decisão trilhou.
m) Ora tal não é manifestamente o caso dos presentes autos como a prova documental nos mesmos incorporada o demonstra.
n) É por tudo isto que o instituto do aproveitamento do acto deve apresentar uma feição de excepcionalidade na sua aplicação e nunca pode ser uma regra que se aplica de forma quase que acrítica e a roçar a irracionalidade.
o) A questão substantiva não é assim tão linear e simplista como abordado no libelo decisório e não podendo a doutrina que emana do Douto Aresto do Supremo Tribunal Administrativo ser transposta de forma acrítica para os presentes autos.
p) É que cumpre compaginar o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em que a Douta Sentença se alcandora, com o contrato que a Douta Sentença interpretou de forma incorrecta.
q) Do aludido contrato retira-se que o Recorrente poderia efectuar o resgate ao perfazer 60 anos de idade, ou 65 anos conforme opção tomada, e foi isso, e em tal momento temporal, que aquele o fez;
r) E que a entrega dos valores ao Recorrente tem por fundamento a perda de licença de voo após perfazer 60 anos de idade.
s) Não consta, e bem pois o Recorrente a elas não aderiu, do probatório fixado a adesão do Recorrente às condições particulares do contrato que estabeleciam a data do vencimento como sendo aos 65 anos (apenas se refere no ponto 3 dos factos dados como provados a adesão do Recorrente ao contrato, a menção da existência das referidas condições particulares mas não resulta provado que o Recorrente aceitou estas últimas) e só se tal se tivesse dado como provado é que se poderia considerar aplicável a doutrina que emana do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
t) Pelo que, e bem ao contrário do decidido, a correcta leitura do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, quando no mesmo se faz alusão às condições particulares e aos 65 anos como sendo a data do vencimento, só faria sentido se do probatório fixado constasse tal facto mas não só não consta como o que consta do texto do contrato diverso, é o de que o resgate podia ser feito quando o Recorrente atingisse os 60 anos de idade.
u) Ora se o podia fazer nessa idade e não constando do probatório fixado a adesão, por parte dos Recorrente, a quaisquer condições particulares, então o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo lido a contrario leva à conclusão que o Recorrente defende, ou seja, só se estivesse provada uma antecipação no recebimento em relação à data prevista, que não está, é que o raciocínio da Douta Sentença seria passível de sustentação, pois que de outro modo não a é.
v) Como numa situação exactamente igual à presente neste aspecto já o decidiu Tribunal Superior em Douto Aresto citado no corpo alegatório
w) Violou a Douta Sentença os artigos 60° e 78° da LGT, 163°, n° 5 do CPA e 2°, n° 3, b) 3) do CIRS, bem como fez uma errada interpretação do teor do contrato de seguro subjacente aos presentes autos, o que deve levar à sua revogação e substituindo-se a mesma por uma decisão que dê provimento à pretensão do Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença e substituída a mesma por uma decisão que dê provimento à pretensão do Recorrente no sentido de ser ordenada a anulação do acto de liquidação aqui questionado, em concreto no segmento atinente às retenções na fonte efectuadas ao Impugnante, bem como revogada a decisão de anulação da anterior decisão da reclamação graciosa que assim não entendeu, com o reembolso de tais valores, tudo o mais com as consequências legais.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se incorre em erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respeitante ao ano de 2013, quanto às retenções na fonte que foram efetuadas ao Impugnante, bem como sobre a legalidade do ato de revogação da decisão de deferimento, antes proferida em sede de reclamação graciosa, efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. O Impugnante, J..., foi piloto de aviação civil ao serviço de TAP-AIR PORTUGAL, S.A.

2. Entre G... Seguros de Vida, S. A., e o Sindicato de Pilotos da Aviação Civil foi celebrado, antes de 1 de janeiro de 1991, um contrato «seguro de vida - grupo» que contém as seguintes cláusulas:
«Art° 1 – DEFINIÇÕES
[…]
e) COMPLEMENTO DE REFORMA - Renda vitalícia a pagar à Pessoa Segura nos termos do art.10°;
f) DATA DE VENCIMENTO DO CERTIFICADO INDIVIDUAL - 1° dia do trimestre civil seguinte ao da data em que a Pessoa Segura atinge os 60 ou 65 anos, consoante opção efetuada na data da adesão ao contrato.
[…]
Art° 2 - OBJETO DO CONTRATO
O presente contrato tem por objeto garantir: se a pessoa segura for viva na data de vencimento do seu Certificado Individual, o pagamento do complemento de reforma [...].
Art° 5 - CONDIÇÕES DE ADMISSÃO
5.1. Podem ser admitidos no presente contrato, desde que na data da adesão tenham menos de 60 ou 65 anos, consoante opção efetuada nesta data [...]:
a) os sócios do Tomador do Seguro e os elementos do seu pessoal [...].
Art° 12 - OPÇÃO NA DATA DE VENCIMENTO DO CONTRATO
[…]
12.2 - OPÇÃO DE CAPITAL
Na data de vencimento do Certificado Individual, a Pessoa Segura tem a faculdade de renunciar ao recebimento do complemento de reforma, podendo optar por receber o montante da poupança constituída até essa data.
Art° 17 - RESGATE
Desde que o prémio referente ao 1° ano esteja pago, o Tomador do Seguro tem o direito de pedir, a qualquer momento, e até à data do vencimento do Certificado Individual (data início do complemento de reforma), o pagamento por parte da Companhia do valor de resgate, sendo este igual ao montante da poupança constituída e inscrita na conta da Pessoa Segura. [...]».

3. O Impugnante aderiu ao contrato mencionado no ponto anterior no dia 28 de novembro de 2005, através da apólice n° ..., de cujas condições particulares consta: «forma de pagamento: único» e «data de vencimento do certificado individual: 1 ° dia do trimestre civil seguinte ao da data em que cada Pessoa Segura atinge os 65 anos».

4. Em data concretamente não apurada o tomador do seguro titulado pelo contrato referido no ponto 2. passara a ser TAP-AIR PORTUGAL, S. A.

5. Tendo atingido 60 anos de idade durante o ano de 2013, em data concretamente não apurada o Impugnante procedeu ao resgate de € 178.439,19, conforme a cláusula 17 referida no ponto 2.

6. Sobre a quantia referida no ponto anterior, processada a 10 de janeiro de 2014, procedeu G... Seguros de Vida, S. A., a uma retenção na fonte no valor de € 60.024,42, o que o Impugnante e sua mulher fizeram constar da declaração de rendimentos para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [«rendimentos do trabalho dependente» - quadro 4a anexo A], que apresentaram, em 28 de abril de 2014, à Administração Tributária.

7. O Impugnante apresentou reclamação graciosa [a que coube o n°1546201404..., no Serviço de Finanças de Mafra] da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares que lhe viria a ser elaborada, com o n° [2014]40025..., relativa ao ano de 2013, de 18 de maio de 2014, onde questionava a legalidade da retenção na fonte referida no ponto anterior, a qual foi deferida por despacho de 29 de setembro de 2014, considerando que:

«a tributação em sede de IRS [...] não foi efetuada corretamente, concluindo-se que é de dar razão ao reclamante, restituindo o valor de €60.024,42 [...], correspondente à retenção na fonte efetuada de forma incorreta. [...] sendo que tal quantia irá sair da rubrica 101 da guia de retenção na fonte [,..][e] Deve eliminar-se do quadro 4, código 401 do Anexo “A" o montante de € 166.734,49 referente ao sujeito passivo A, bem como as retenções na fonte de €60.024,42 da declaração de rendimentos de 2013; do anexo “H" deve eliminar-se do quadro 4, código 404 o montante de rendimentos isentos de €11.704,70 do sujeito passivo A [...]».

8. Com base no documento de correção nessa sequência elaborado, viria a ser- lhe então elaborada a liquidação n° [2014]40053..., da qual resultou o reembolso da quantia retida na fonte, conforme descrito no ponto 6.

9. Porém, a 9 de setembro de 2015 a Administração Tributária remeteu ao Impugnante e ao seu Mandatário, pelo seguro do correio, o projeto de decisão de anulação daquela decisão, para efeitos de exercício do direito de audição prévia no prazo de 15 dias.

10. E em 28 daquele mês viria a ser proferido despacho que anulou o despacho do ponto 7., «nos termos do n°2 do artigo 165º do Código do Procedimento Administrativo», indeferindo o pedido do Impugnante com os fundamentos expostos na informação de suporte a tal decisão.

11. E a informação em que se baseia esta nova decisão tem, no essencial, o seguinte teor:

«Por ter sido feita uma consideração dos factos divergente da tomada por um órgão superior (Direção de Serviços de IRS), sou de parecer que se deve proceder à anulação do despacho proferido em 29.09.2014, atento o disposto no n°2 do art°165° do Código de Procedimento Administrativo.
Nestes termos procede-se à reapreciação da reclamação graciosa.
[...] a última parte do n° 3 da alínea b) do n° 3 do art° 2 do CIRS, considera como rendimentos da categoria A, o recebimento em capital, como se pode verificar: “... ou, em qualquer caso, o recebimento em capital (sublinhado nosso), mesmo que estejam reunidos os respetivos requisitos exigidos para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.”
O reclamante procedeu ao resgate total de conformidade com o art° 17° das Condições Gerais da Apólice 0... [...].
Não tendo sido tributadas na esfera dos seus beneficiários as importâncias com seguros ramo “Vida”, quando despendidas pela entidade patronal, quer por estarmos perante “meras expetativas” quer tratando-se de “direitos adquiridos” abrangidos pela isenção prevista no art° 18° do Estatuto dos Benefícios Fiscais aquando do seu recebimento, a componente capital enquadra-se na Categoria A - n° 3 da alínea b) do n° 3 do art° 2°, e a componente rendimento é tributada na categoria E- n°3 do art° 5°, ambos do CIRS.
Nos termos do n° 3 do art. 18° do EBF, verificando-se o disposto na parte final do n° 3 da alínea b) do n° 3 do art° 2° do CIRS, beneficia da isenção o montante correspondente a um terço das importâncias pagas ou colocadas à disposição, com o limite de € 11.704,70.
Assim, a componente capital enquadra-se na categoria A, beneficiando de isenção o montante correspondente a um terço das importâncias pagas com o limite de €11.704,70 (art.° 18 n°3 do EBF). A componente rendimento é tributada na categoria E nos termos do n°3 do art°5°do CIRS.
Em resumo, o que releva para a liquidação do imposto é o período em que o sujeito passivo teve tal incremento patrimonial, sendo irrelevante tratar-se de um contrato duradouro, firmado há vários anos, já que tem direta subsunção na norma do art.° 2°, n° 3, alínea b), n° 3 do CIRS [...]. Um dos princípios orientadores do nosso ordenamento jurídico fiscal, com ressalva dos casos das presunções ou de substituição tributária, assenta no entendimento de que a obrigação de imposto se constitui na efetiva receção dos rendimentos tributáveis. [...]
O que significa que o que releva para o efeito da obrigação do imposto é o momento em que nasce o rendimento ou utilização do rendimento, uma vez que só aí existe e se manifesta a capacidade contributiva.
O facto jurídico relevante para efeitos fiscais não é o da constituição do seguro, no caso, mas o do recebimento do capital. [...].
Em consequência deverão proceder-se aos atos necessários com vista à reposição da situação anterior à apreciação feita em 29.09.2014, nomeadamente para serem repostos os valores restituídos € 60.024,42 e € 30.893,67 proveniente de acerto de contas com base na liquidação n° 2014 40053... num total de € 90.918,09 [...]».

12. No dia 29 de setembro de 2015 a Administração Tributária comunicou ao Impugnante e ao seu mandatário esta nova decisão, data em que por sua vez o Impugnante, pelo seguro do correio, lhe remeteu manifestação da sua discordância com o projeto de decisão, na sequência da notificação referida no ponto 8.

13. Esta expressão de audição prévia foi considerada extemporânea pela Administração Tributária, do que foi dado conhecimento ao mandatário do Impugnante em meados de outubro de 2015, informando-o ainda de que não iria ser analisada.

14. Na sequência da decisão do ponto 10., sob novo documento de correção, a Administração Tributária elaboraria ao Impugnante nova liquidação do imposto, referente a 2013, com o n° [2015]40055..., em que reintegrou ambas importâncias referidas nos pontos 5.-6., como auferida e retida, bem como nela liquidou complementarmente, juros compensatórios, no valor de € 1.195,11, cifrando-se a dívida de imposto e juros num total de € 92.125,32.

15. No dia 4 de janeiro de 2016 o Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não há outros factos provados com relevo para a decisão e, com esse relevo, inexistem factos não provados, para além de que não se provou:

1. Que a declaração de rendimentos apresentada pelo Impugnante e mulher, na origem da liquidação originária, ponto 6. contivesse erros que tivessem dado origem a um retardamento da possibilidade prática de a Administração Tributária proceder à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativamente ao ano de 2013.
2. Entre que datas/factos e valores foram considerados vencidos os juros compensatórios liquidados, conforme referido no ponto 14. da matéria de facto provada.
3. Que o Impugnante haja procedido ao pagamento dos juros compensatórios liquidados, referidos no ponto 14. da matéria de facto provada.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

A convicção do Tribunal para julgar provados os factos elencados formou-se a partir da prova reunida, de natureza documental, não impugnada e que dúvida não oferece sobre a sua fidedignidade, arts. 369° n°1, 370° n°1 e 370° n°1 do Código Civil, quanto aos de natureza pública, arts. 373° n°1, 374° n°1 e 376° n°1 do mesmo corpo de normas, quantos aos particulares, tento ainda presente a posição consensual das partes sobre os factos - apesar de discrepante e, mesmo, oposta quanto ao seu significado justributário. Assim, o vertido sob os pontos 1. e 3.-5. extraiu-se do teor dos documentos, constantes de fls.31-32 da reclamação graciosa adjunta; o consignado sob o ponto 2., de fls.33-40 da reclamação graciosa; sob o ponto 6., os factos que se extraíram de fls.16 e fls.24-25 da reclamação graciosa; sob o ponto 7., o que se extraiu de fls.43-45 da reclamação graciosa; o vertido no ponto 8. retirou-se de fls.50-60 da reclamação graciosa; o que provado se acha sob o ponto 9., do exame de fls.74-78 da reclamação graciosa; sob o ponto 10., de fls.79 da reclamação graciosa; sob o ponto 11., do exame de fls.80-83 da reclamação graciosa; sob o ponto 12., do exame de fls.84-90 e fls.91-119 da reclamação graciosa; sob o ponto 13., do exame de fls.120-121 da reclamação graciosa; sob o ponto 14., do exame de fls.123 ss. da reclamação graciosa; e, sob o ponto 15., da aposição da data de envio, por meios eletrónicos, da petição inicial.
Já os factos não provados mereceram esse juízo negativo dada a absoluta falta de prova sobre eles.


II.2 Do Direito

Antes de entrarmos na apreciação do mérito do presente recurso propriamente dito, vamos fazer uma brevíssima incursão sobre as circunstâncias do caso.

O Impugnante, ora Recorrente, era piloto aviador e trabalhava para uma companhia aérea nacional (cf. alínea 1 dos factos provados).

Acolhendo as diretivas e recomendações da Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO), agência especializadas das Nações Unidas, foi publicado o Decreto Regulamentar nº 46/77, de 4 de julho, o limite de idade para um piloto de linha aérea exercer serviços de voo em transporte público é de 60 anos.

O Decreto-Lei nº 392/90, de 10 de dezembro, veio possibilitar que os pilotos de aeronaves que, nos termos do artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 46/77, de 4 de julho, fiquem impedidos de continuar o exercício da sua atividade em transporte público a partir dos 60 anos de idade podiam requerer a atribuição de pensão de reforma por velhice (cf. artigo 1º do Decreto-Lei citado).

O Impugnante, ora Recorrente, subescreveu/aderiu ao contrato de seguro identificado na alínea 2) dos factos provados e quando atingiu os 60 anos de idade resgatou o prémio de seguro. Sobre esse montante foram retidos na fonte € 60 024,42 (cf. alíneas 2 a 6 do probatório).

O ora Recorrente apresentou reclamação contra a liquidação de IRS efetuada e num primeiro momento a reclamação foi deferida. Posteriormente, a Autoridade Tributária e Aduaneira anulou a aquela decisão de deferimento da reclamação graciosa invocando para o efeito o artigo 165/2 do Código de Procedimento Administrativo e proferiu decisão nova decisão, agora, de indeferimento da reclamação apresentada.

É contra esta nova decisão que se insurge o Recorrente, alegando, em suma, que ao contrário do decidido na sentença recorrida, não era aplicável ao caso o prazo de revisão do ato tributário previsto artigo 78º CPPT, por não se estar já perante um ato tributário stricto sensu, mas sim as regras aplicáveis à revogação de ato administrativo, por se tratar, agora, da revogação de ato administrativo em matéria tributável.

Desde já adiantaremos que mesmo a aceitar-se a tese do Recorrente de que se trata de ato administrativo em matéria tributável, este carece de razão quanto à questão. Porquanto, é consabido que a revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no artigo 79º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2.c) LGT. Nesse mesmo sentido, aliás, se pronuncia o Recorrente nas conclusões d) e e) das alegações de recurso.

A questão colocada pelo Recorrente, de saber qual é o prazo de revogação de decisão de deferimento de reclamação graciosa interposta contra um ato de liquidação de IRS, na qual foi deferida a pretensão do contribuinte, não é nova, tendo sido apreciada pela jurisprudência da qual citamos os Ac. STA de 2017.03.15, Processo nº 0449/14, e deste TCAS, de 2017.10.26, Proc nº 08028/14, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, muito embora tenham sido apreciadas à luz do antigo CPA, mantêm no que aqui agora interessa atualidade, e dos quais passamos a citar:

(…) Não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para tal revogação, é incontroverso que hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que directamente regulam a revogação dos actos administrativos [sendo que o CPA constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário — arts. 2º, al. c), da LGT e 2º, al. d), do CPPT (Cfr., por todos, o ac. desta Secção do STA, de 15/5/2013, proc. nº 0566/12; bem como Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 1 ao art. 79º, p. 724 e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 350, nota 7.)].

Ora, nos termos do nº 1 do art. 136º do CPA (Regime da anulabilidade) «O acto administrativo anulável pode ser revogado nos termos previstos no artigo 141°» e de acordo com o disposto neste art. 141º, tal acto que seja inválido só pode ser revogado com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso (um ano, se a impugnação for promovida pelo Ministério Público, ou três meses, nos restantes casos – cfr. as als. a) e b) do nº 2 do art. 58º do CPTA) ou até à resposta da entidade recorrida.

E havendo prazos diferentes, atender-se-á ao que terminar em último lugar (n° 2 do art. 141° do CPA).

Assim, o prazo para a revogação do acto administrativo de deferimento da reclamação graciosa que anteriormente fora apresentada pelos impugnantes, só pode ser o constante das normas do CPA, (…)”.


No caso em análise, o Impugnante, ora Recorrente, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n° 40025..., relativa ao ano de 2013, a qual foi deferida por despacho de 29 de setembro de 2014 (cf. ponto 7 dos factos provados).

A 9 de setembro de 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou por via postal ao Impugnante, ora Recorrente, o projeto de decisão de anulação daquela decisão, para efeitos de exercício do direito de audição prévia.

E em 28 de setembro de 2015 foi proferido o despacho que anulou a decisão/despacho e indeferiu a reclamação apresentada pelo Impugnante, ora Recorrente.

Nos termos do artigo 168º CPA com a epígrafe Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa:
1 - Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.
2 - Salvo nos casos previstos nos números seguintes, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão.
(…)

Defende o Recorrente que há muito que se tinha esgotado o prazo de 6 meses para a anulação administrativa.

Vejamos:

Com a reforma de 2015, no que respeita aos atos administrativos em matéria tributária, importa agora distinguir os casos em que haja lugar à impugnação do ato junto dos tribunais, dos demais.

Quanto a estes últimos introduziu-se também uma diferença no regime de anulação administrativa dos atos administrativos, em que o prazo de anulação, por iniciativa da Administração, é de seis meses, contados do conhecimento do vício ou da cessação do erro do agente, com um limite máximo de cinco anos, e o dos atos constitutivos de direitos, em que o prazo de anulação será de um ano a contar da respetiva emissão, salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente - artigo 168/4.c) do CPA.

À luz do novo CPA o regime da anulação administrativa, consagra uma multiplicidade de prazos nos quais um ato administrativo pode ser anulado pela Administração, que variam consoante uma diversidade de fatores, como sejam (i) o vício que inquina o ato, (ii) o facto de estarmos (ou não) perante um ato constitutivo de direitos, (iii) a circunstância de o ato ter ou não sido impugnado jurisdicionalmente ou (iv) a boa ou má fé do beneficiário do ato (1).

Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão – artigo 168/1 CPA.

Salvo nos casos previstos nos n.ºs 3 a 7, do artigo 168º CPA, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão - artigo 168º, n.º 2, do CPA.

Nos termos do artigo 167/3 CPA, consideram-se atos constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagens ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições.

Anote-se que apesar de defender que ao caso era aplicável o prazo de seis meses, o Recorrente nada alega sobre qual a data de conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade ou sobre o momento da cessação do erro do agente, mas que, se bem compreendemos o alegado, o termo inicial (dies a quo) do prazo de seis meses deveria ser o da emissão do ato.

Entendemos, porém, no caso concreto, que independentemente da data de conhecimento da causa invalidante ou da data de cessação do erro do agente, estamos perante um ato administrativo constitutivo de conteúdo pecuniário e logo que a anulação administrativa da decisão de deferimento da reclamação apresentada pelo contribuinte podia ser operada dentro do prazo de um ano, a contar da respetiva emissão, por aplicação do disposto no artigo 168/2 CPA.

Da factualidade dada como provada que resulta que a segunda decisão, de anulação administrativa do anterior deferimento da reclamação, foi proferida em 2015.09.28: em prazo, portanto.

De todo o modo, certo é que o projeto de decisão, com a qual se não conforma agora o Impugnante, ora Recorrido, foi –lhe notificada em 9 de Setembro de 2015, data em que, na falta de outros elementos, terá de ser havida como o momento do conhecimento da invalidade. Assim se concluindo que o prazo de 6 meses foi igualmente respeitado.

Assim, a sentença recorrida que decidiu que em 28 de setembro de 2015 a Administração Tributária estava ainda em tempo de, a sua iniciativa, rever o ato de liquidação em sentido amplo, abarcando portanto a decisão de indeferimento que, pela sua já assinalada natureza a justo título se constitui num ato tributário, não merece, pois, neste segmento, a censura que lhe foi dirigida e será de manter, embora com a presente fundamentação.

Alega, depois, o Recorrente que tendo a sentença recorrida julgado verificada a preterição do direito de audiência prévia do contribuinte, antes da tomada da decisão, deveria ter anulado o ato, e não julgar verificados os pressupostos de que depende a aplicação do princípio do aproveitamento dos atos.

Em regra, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada, por aplicação do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo.

No caso, a sentença recorrida julgou verificado que o Impugnante, ora Recorrido exerceu tempestivamente o direito de audição prévia. Apesar disso, a decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira foi proferida em data anterior ao termo do prazo, em 28 de setembro, quando o prazo para o exercício do direito de audiência prévia de que dispunha o contribuinte terminava no dia 29 de setembro (cf. alínea 12 dos factos provados).

A questão a decidir aqui reconduz-se, pois, a decidir sobre se a preterição desta formalidade tem efeito invalidante ou se se degrada em mera irregularidade, podendo o ato praticado ser aproveitado.

Na sentença recorrida entendeu-se que não tinha efeito invalidante, por aplicação do princípio do aproveitamento do ato, decisão com a qual não se conforma agora o Impugnante, ora Recorrente.

Vejamos então se, por aplicação do princípio do aproveitamento dos atos, a respetiva irregularidade pode degradar-se em formalidade não essencial, tratando-se, como se trata de vício formal e procedimental.

O princípio do aproveitamento do ato administrativo, hoje consagrado no artigo 163/5 CPA, tem ínsito a demonstração, inequívoca, nas concretas circunstâncias do caso, que o vício de que padece não implicaria uma alteração do seu conteúdo essencial, ou seja, quando seja seguro afirmar que o novo ato a emitir, isento desse vício, não poderia deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o ato impugnado.

Como tem sido jurisprudência frequente, da qual se cita o Ac STA de 2007.05.22, Proc. nº 0161/07, à face deste princípio não se justifica a anulação de um acto, (…), quando a existência desse vício não se veio a traduzir numa lesão em concreto para o interessado cuja proteção a norma visa, designadamente, no caso de um vício procedimental, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no procedimento administrativo

Chamamos ainda à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 2014.01.22, onde se decidiu: a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do ato – utile per inutile non viciatur.”
O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso.

Assim, quando num juízo de prognose póstuma, for possível e seguro afirmar que o novo ato, isento desse vício, não poderia deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o ato impugnado, não se justificará a anulação do ato, por aplicação do princípio do aproveitamento dos atos.

Todavia, no caso concreto em análise, foram invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, novos fundamentos, que levaram à revogação da decisão anterior e sobre os quais o contribuinte ainda não se tinha pronunciado.

Assim, apesar de a sentença recorrida ter analisado a questão relativa ao resgate de contrato de seguro em causa, e se pode ou não ser qualificado como rendimento do trabalho dependente e sujeito a tributação de IRS, como rendimento na Categoria A., e que serviram para sustentar a decisão final tomada no sentido do aproveitamento do ato, consideramos que não se podia concluir, com absoluta segurança, que a decisão tomada era a única possível, e, logo, não se poderia lançar mão do princípio do aproveitamento dos atos administrativos.

Com efeito, para a formulação do juízo de prognose póstuma, no âmbito de aplicação do princípio do aproveitamento do ato tributário, é irrelevante a procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação judicial.

Mais além, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira tinha já, anteriormente, decidido a mesma questão em sentido favorável à pretensão do Impugnante, ora Recorrido, o que, de per si, arreda a premissa de estarmos perante caso em que a intervenção do interessado no procedimento tributário era inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final, o que, regra geral, apenas sucede nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de atividade administrativa vinculada.

Sempre que exista a possibilidade de os interessados, através da audiência prévia, influírem na determinação do sentido da decisão final, não haverá que retirar efeitos invalidantes ao vício de preterição da referida formalidade.

Como assim não procedeu, o despacho que revogou a anterior decisão de procedência da reclamação graciosa é inválido por padecer de vício formal.

Procedem, pois, nesta parte, as alegações do Recorrente

A sentença, no segmento impugnado, que assim não decidiu, irá ser revogada.

Em face do exposto, resulta assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas [artigo 608/2 CPC aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT].


Sumário/Conclusões:

I. Não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para a revogação e anulação administrativas dos atos tributários, hão de acolher-se as regras constantes dos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
II. Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão – artigo 168/1 CPA.
III. Salvo nos casos previstos nos n.ºs 3 a 7, do artigo 168º CPA, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão - artigo 168º, n.º 2, do CPA.
IV. A falta de audiência prévia à decisão administrativa, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do ato (artigo 163/1 CPA).
V. A preterição do direito de audiência prévia, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de atividade administrativa vinculada.
VI. A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do ato deve ser apreciada casuisticamente pela análise das circunstâncias particulares do caso concreto, aferindo-se se a decisão do procedimento não poderia de forma alguma ser influenciada pela participação do contribuinte no procedimento.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e em consequência julgar procedente a impugnação judicial, anulando o ato impugnado.

Custas pela Recorrida, que decaiu, com dispensa do pagamento da taxa de justiça por não ter contra-alegado.

Lisboa, 14 de outubro de 2021

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora

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(1) GOMES, Carla Amado, NEVES, Ana Fernanda, SERRÃO, Tiago (Coord.) COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 656 657