Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:339/19.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FEDER
REGULAMENTO (CE, EURATOM) 2988/95
DIES A QUO
IRREGULARIDADES CONTINUADAS
PRESCRIÇÃO
CAUSAS DE INTERRUPÇÃO
Sumário:I-Estando em causa a reposição de fundos de incentivo de matriz comunitária, mormente, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)-Quadro Comunitário de Apoio-III, é aplicável o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) 2988/95.
II-O prazo de prescrição é de 4 anos, e no caso de irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade
III-Encontramo-nos perante irregularidades continuadas se, por um lado, existe violação/incumprimento do mesmo contrato consubstanciado nas diversas obrigações dele dimanantes e que determinou a rescisão unilateral e subsequente Resolução publicada a 04 de novembro de 2014, e por outro lado, se é respeitada a relação cronológica temporal pela qual as irregularidades têm de estar ligadas, ou seja, se o período que separa cada irregularidade da anterior é inferior ao prazo de prescrição de quatro anos.
IV-A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade.
V-Ato de instrução para efeitos de interrupção do prazo prescricional, ter-se-á de coadunar como ato tendente a solicitar elementos por forma a averiguar, no sentido de detetar alguma irregularidade suscetível de vir a instruir ou instaurar algum procedimento por irregularidade, ou seja, obtenção e exame de elementos por forma a aquilatar ou mesmo esclarecer da existência de irregularidades.
VI-Se a Recorrente foi citada em data posterior ao decurso do prazo de quatros a contar do último ato tendente a esclarecer sobre a existência de alguma irregularidade, donde, com efeito interruptivo, encontra-se prescrito o procedimento.
VII-Nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (CE/Euratom) 2988/95, o prazo de execução da decisão que aplica a sanção ou medida administrativa é de três anos, contado desde o dia em que a decisão se torna definitiva.
VIII-Encontra-se prescrito o direito de executar o ato que corporiza a dívida exequenda, se o processo de execução fiscal foi instaurado após o decurso do prazo de três anos a contar do dia em que a decisão se tornou definitiva.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


G….., SA, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, datado de 20 de dezembro de 2018, que indeferiu o pedido de reconhecimento de prescrição da dívida objeto de cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal nº …...

A decisão recorrida foi proferida na sequência de Acórdão prolatado por este Tribunal datado de 30 de setembro de 2019, que anulou a sentença de improcedência proferida a 31 de maio de 2019, e ordenou a baixa dos autos à primeira instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova e competentes diligências instrutórias.

A Recorrente apresentou alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO

A. Em face da prova documental produzida, por se mostrar relevante à aplicação do direito face às soluções jurídicas plausíveis, designadamente no que concerne ao juízo sobre o momento em que foram praticadas as irregularidades e à sua qualificação, impõe-se aditar à matéria dos factos provados os seguintes factos:

a. O contrato de investimento na origem da dívida exequenda impunha à entidade beneficiária/promotora – a C….., S.A – o cumprimento de objectivos (valores de prestação de serviços; valor acrescentado e criação de postos de trabalho) e obrigações (entre as quais a reembolso, a partir de Janeiro de 2013, do montante do incentivo reembolsável), cf. 2.1.2 a 2.1.5 da cláusula segunda e 11.2 da cláusula décima primeira do contrato de investimento (Contrato de investimento - Documento n.º 3 junto à p.i.);

b. Nos termos da cláusula segunda do contrato de investimento, os objectivos deveriam ser cumpridos com o seguinte calendário:

i. Criação de 191 postos de trabalho, sendo:
Ø  164 até 31.12.2009 e
Ø  27 postos de trabalho adicionais até 31.12.2011,
ii. Prestações de serviços no valor acumulado desde 2006 inclusive de:
Ø  €17.437.627 em 31.12.2009;
Ø  €54.964.853 em 31.12.2011;
Ø  €97.909.611 em 31.12.2013;
Ø  €143.028.448 em 31.12.2015.
iii. Valor acrescentado acumulado desde o ano de 2006 inclusive:
Ø  €5.624.530 em 31.12.2009;
Ø  €24.650.210 em 31.12.2011;
Ø  €49.793.575 em 31.12.2013;
Ø  €77.012.433 em 31.12.2015.

c. Nos termos do contrato de investimento, o reembolso do incentivo financeiro deveria ocorrer em semestralidades sucessivas, vencendo-se a primeira prestação nos seis meses após o termo do período de carência de três anos (cfr. 11.2 da cláusula décima primeira do contrato de investimento).

d. Constituía causa de resolução do contrato o incumprimento dos objectivos e obrigações fixados nos termos, prazos e condições do contrato de investimento e seus anexos [cf. alínea a) da cláusula 22.1. do contrato de investimento].

e. Para avaliação do disposto na acima referida alínea a) da cláusula 22.1. do contrato de investimento, seriam de se considerar incumpridos os objectivos previstos no contrato quando o grau de cumprimento contratual (GCC), apurado nos termos da cláusula décima quinta do contrato de investimento, fosse inferior a 60% (cf. 22.2 da cláusula vigésima segunda do contrato de investimento), podendo, neste caso, haver lugar à rescisão do contrato.

f. O contrato de investimento previa a prestação de uma garantia bancária emitida a favor da AICEP para garantia da obrigação de reembolso do incentivo financeiro (cfr. cláusulas décima terceira, décima quarta e anexo VI do contrato de investimento).

g. Em 10 de Dezembro de 2013 a AICEP executou a garantia bancária no valor de €2.835.822,04 (cf. documento n.º 17 junto pela AICEP após despacho do Tribunal Recorrido de 18.12.2019).

B. Os pontos 9 e 13 da matéria de facto dada como provada têm natureza conclusiva na medida em que não concretizam exactamente quando, em que circunstâncias e termos foram mantidas as aí referidas conversações. Por esta razão entende a Reclamante, ora Recorrente que tais pontos devem ser eliminados da matéria de facto dada como provada.

C. Apesar de não o fazer constar no elenco dos factos dados como provados, o Tribunal a quo na pág. 16 da sentença recorrida faz o seguinte juízo de facto “(…) as outras duas sociedades tiveram informalmente conhecimento da intenção da AICEP de instruir e instaurar procedimento por causa dessas mesmas irregularidades e (…) em finais de julho tiveram elas conhecimento formal de ser intenção da AICEP a de resolver o contrato por causa de todas as irregularidades até então iniciadas ou ocorridas”. Este juízo não apenas consubstancia um juízo conclusivo sem indicação concreta das circunstâncias (como, quando e em que termos) em que tal conhecimento ocorreu, como não colhe fundamento em qualquer dos elementos de prova juntos aos autos, razões pelas quais tal juízo deve ser eliminado.

D. O juízo sobre a matéria de facto que ficou por provar foi condicionado pela interpretação que o Tribunal Recorrido fez do direito aplicável, designadamente, “por ser conforme com os termos do contrato, em que as notificações a levar a efeito o seriam à «sociedade», isto é, à C….., SA” (cf. pág. 13 da sentença recorrida). Tal juízo é patente no ponto 1 do elenco da matéria de facto que ficou por provar, no qual, não apenas o Tribunal a quo qualifica juridicamente o procedimento em causa “procedimento contratual”, como restringe a factualidade não provada a qualquer forma de notificação dirigida pela AICEP à Reclamante no sentido de dar a conhecer a esta última as razões por que intendia (promovia/considerava?) vir a resolver o contrato. A prova documental produzida nos presentes autos impõe, pois, com relevância para a aplicação do direito, que seja substituído o facto constante do ponto 1 da matéria de facto que ficou por provar pelo seguinte:

a. Que a Reclamante tenha sido pessoalmente notificada pela AICEP de qualquer acto de instrução ou da instauração de procedimento por irregularidade no cumprimento do contrato de investimento.

E. Considerando a prova produzida, impõe-se ainda aditar à matéria de facto que ficou por provar o seguinte facto relevante na decisão da presente causa:

a. Que tenham sido dirigidas pela AICEP às partes no contrato quaisquer notificações de actos decorrentes de reabertura do procedimento por irregularidades ou da instauração de novo procedimento.

F. Deverá também ser eliminado o ponto 2. da matéria de facto que ficou por provar por inexistir na prova junta aos autos evidência de que tenha sido realizada qualquer avaliação ao grau de cumprimento do contrato de investimento por referência a datas entre 31.12.2009 e 31.12.2011 e a datas posteriores a 31.12.2011 que permita concluir (seja em que sentido for) qual a evolução de tal grau de cumprimento.

G. Razões pelas quais entende a Recorrente dever o Tribunal ad quem aditar, substituir e eliminar os factos identificados supra à matéria de facto dada como provada e não provada nos termos expostos.

ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO

DO MOMENTO DA PRÁTICA DAS IRREGULARIDADES – INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO

H. As irregularidades praticadas pela entidade beneficiária do incentivo financeiro atribuído, com recurso a fundos comunitários (FEDER), com base no contrato de investimento verificaram-se quer quanto ao grau de cumprimento dos objectivos contratuais, quer quanto ao (in)cumprimento das obrigações pecuniárias.

I. Os objectivos definidos no contrato deveriam ser cumpridos por referência às datas melhor identificadas na Conclusão A.b. supra.

J. Já o reembolso do incentivo financeiro deveria ocorrer em semestralidades sucessivas, vencendo-se a primeira prestação nos seis meses após o termo do período de carência de três anos, i.e. a 1 de janeiro de 2013.

K. Nos termos do contrato, o incumprimento de qualquer um dos objectivos ou obrigações acima identificados era susceptível de determinar a sua resolução unilateral por parte da AICEP e, logo, a obrigação de devolução dos fundos comunitários aqui em causa, integrando, portanto, o conceito de irregularidade relevante para determinação do início da contagem do prazo de prescrição de tal obrigação, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 1.º do Regulamento n.° 2988/95.

L. Quer os objectivos quer as obrigações impostas à sociedade promotora (C…..) estavam definidos por referência a datas concretas, razão pela qual cada irregularidade consubstanciada no incumprimento de cada um dos concretos objectivos deverá reportar-se a tais datas, as quais se fixam, de acordo com a factualidade provada, em 31.12.2009, 31.12.2011 (incumprimento de objectivos), 01.01.2013 e 01.17.2013 (incumprimento da obrigação de reembolso).

M. Por se fixarem em datas precisas tais irregularidades não consubstanciam uma irregularidade continuada, na acepção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 [i.e. “Quando um operador, com o fim de retirar uma vantagem económica, efetua várias operações semelhantes que violam a mesma disposição de direito da União, há que considerar que essas operações formam uma única e mesma irregularidade continuada ou repetida” (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 66).

N. Neste sentido, haverá que concluir que o prazo de prescrição aqui em causa teve o início em 31.12.2009.

Sem prescindir,

O. Não é clara a data em que o Tribunal a quo entende ter tido início o prazo de prescrição já que refere no primeiro parágrafo da pág. 16 da sentença recorrida que o mesmo ocorreu no termo do ano de 2013 e no segundo parágrafo da mesma pág. que “é desde o final de julho de 2013 que se inicia o renovado prazo de prescrição de quatro anos”. Ainda que se entendesse estarmos perante uma irregularidade repetida (ou continuada como entende o Tribunal Recorrido), o que não se concede e apenas se concebe por zeloso dever de patrocínio, ainda assim haveria que concluir que o prazo de prescrição se iniciou a 1 de janeiro de 2013.

Vejamos, pois.

P. De acordo com o artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, no caso de irregularidades repetidas, o prazo de prescrição corre a contar do dia em que cessou a irregularidade, sendo que para estes efeitos “o conceito «cessou a irregularidade» previsto nessa disposição deve ser interpretado no sentido de que se refere ao dia em que cessou a última operação constitutiva de uma mesma irregularidade repetida”, ou seja, a data em que teve lugar a última acção ou omissão que consubstancia uma irregularidade (incumprimento) (cf. Acórdão Pfeifer & Langen do TJUE no processo C-52/14).

Q. O Tribunal recorrido fez uma errada aplicação do direito ao considerar (ainda que de forma não completamente clara) que o prazo de prescrição não poderia iniciar-se enquanto não se verificasse o cumprimento dos objectivos previstos no contrato de investimento, vacilando, ainda assim, entre identificar o seu início no termo de 2013 e a sua renovação em data anterior no final de julho do mesmo ano.

R. Atentos os factos provados, terá de se concluir que o último incumprimento ocorreu a 01.01.2013, data em que deixou de ser paga a primeira prestação de reembolso do incentivo financeiro. E isto considerando que os últimos incumprimentos são relativos a obrigação (reembolso do incentivo financeiro), com prazo certo, a liquidar em prestações, pelo que a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas (cf. artigo 781.º do código Civil).

S. Não tendo assim decidido o Tribunal a quo fez uma errada aplicação da regra constante dos §1 e §2 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro.

DA INTERRUPÇÃO OU SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO

T. “A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.” (§3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95).

U. Tal “(…) ato deve circunscrever com suficiente precisão as operações sobre as quais recaem suspeitas de irregularidades para constituir um «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento», (…)” (cfr. § 41 e §43, Acórdão do TJUE no Processo C-52/14 -“Pfeifer & Langen GmbH & Co. KG” sublinhado nosso).

V. A Recorrente nunca foi notificada de qualquer «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento» por irregularidade tendente à aplicação da medida administrativa de reposição de fundos comunitários. Tal acto apenas foi levado ao conhecimento da C….., por carta datada de 29.07.2013.

W. Tratando-se aqui de um procedimento administrativo, para que tal obrigação lhe fosse exigível era necessário que, antes de transcorrido o respectivo prazo de prescrição, tivesse sido levado ao conhecimento da Recorrente qualquer acto tendo em vista instruir ou instaurar tal procedimento, com cumprimento das demais garantias dos administrados perante a administração, legal e constitucionalmente previstas, designadamente o direito ao contraditório. O que não sucedeu.

X. Ainda que no contrato de investimento se tenha convencionado que as notificações a realizar nos termos do mesmo seriam todas realizadas à sociedade C….., tal regra, de natureza convencional, não é aplicável no caso em apreço, porquanto a norma do §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95, impõe-se directamente na ordem jurídica portuguesa, tendo o Estado Português relativamente à mesma o dever de lealdade, e, acima de tudo porque tem, como antes visto, natureza garantística.

Y. Por estas razões tal norma não é susceptível de derrogação por via convencional, mais a mais, em matéria de procedimento administrativo, domínio no qual se impõe que o início do procedimento seja notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser desde logo nominalmente identificadas (cfr. n.º 1 do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo).

Z. Admitir tal possibilidade consubstancia uma violação das garantias dos administrados, corolário do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade esta que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

AA. Antes de 31.07.2018, não foi levado ao conhecimento da Reclamante, qualquer acto emanado da AICEP “tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade”. A sua responsabilização, por parte da AICEP, pela obrigação de reposição dos fundos comunitários que integra a dívida exequenda (que veementemente se recusa e está a ser objecto de contestação em sede própria) só foi conhecida com a citação a 31.07.2019.

BB. Nem a notificação da C….. por carta datada de 29.07.2013, nem “(…) a intenção manifestada por dois administradores da C….. (…) em Fevereiro de 2014, reiterada em julho de 2015 por outros dois administradores (…), de procederem ao pagamento extrajudicial da dívida (…)” têm a virtude de interromper a prescrição relativamente à ora Reclamante, porquanto, as causas de interrupção do prazo de prescrição de uma dívida da responsabilidade solidária de vários devedores têm de se verificar em relação a cada devedor.

CC. As causas de suspensão ou interrupção da prescrição relativamente a um devedor não produzem evidentemente efeitos em relação aos demais devedores solidários por serem pessoais de cada devedor (cfr. artigo 521.º do Código Civil).

DD. Conclui-se, pois, que entre a data da prática da irregularidade – 01.01.2013 – e a data da citação – 31.07.2018 – não se verificaram, em relação à Recorrente quaisquer causas interruptivas da prescrição, pelo que a sentença recorrida ao ter decidido diferentemente padece de erro de julgamento.

EE. A 31.07.2018, data da citação, não só estava definitivamente decidido o procedimento por irregularidade, como tinha já transcorrido o prazo de prescrição do procedimento por irregularidade em relação à Recorrente (alegada responsável solidária), nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95. Razões pelas quais a dívida exequenda não lhe é exigível.

Acresce que,

FF. Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95, “O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torne definitiva”. Este prazo de três anos é igualmente aplicável aos casos em que a decisão administrativa conduz à aplicação de uma medida, como é o caso da ordem de reposição de quantias indevidamente recebidas.

GG. A obrigação de reembolso do incentivo financeiro (que nos termos do contrato deveria ocorrer semestralmente a partir de 1 de Janeiro de 2013) estava assegurada por garantia bancária prestada a favor da AICEP, a executar em caso de incumprimento.

HH. Esta garantia foi executada a 10 de Dezembro de 2013, o que significa que àquela data não só estava, de facto, decidido o procedimento por incumprimento, como tinha já sido aplicada a medida correspondente, via execução da garantia.

II. Ainda que assim não se entenda, haverá que considerar que a decisão administrativa que aplica a medida de reposição dos fundos comunitários tornou-se definitiva a 4 de Novembro de 2014, data em que foi publicada a deliberação de resolução do contrato.

JJ. Aplicando a regra prevista no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95, haverá que concluir que o prazo de prescrição para a execução da decisão que aplicou a medida administrativa completou-se a 4 de Novembro de 2017 e que, em consequência, estava já esgotado à data em que a Reclamante foi citada – 31.07.2018.

KK. Constituindo a prescrição uma questão de conhecimento oficioso, a falta de conhecimento desta questão consubstancia um erro de julgamento de direito que impõe a anulação da sentença recorrida

LL. Por estas razões deve a decisão recorrida ser anulada e substituída por decisão que declare a prescrição da dívida exequenda.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente declaração da prescrição da dívida exequenda, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA”


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A Recorrida apresentou contra-alegações as quais foram julgadas extemporâneas e objeto de ulterior desentranhamento.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Decorrendo do recenseado que a questão colocada é a de saber se prescreveu ou não a dívida exequenda, segundo o regime comunitário aplicável identificado pelo douto acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, que faz força nestes autos, sobre tal questão é a seguinte a factualidade que resulta provada, com interesse para a decisão:

1. Entre a Agência para o Investimento e Comércio Externo, E. P. E, AICEP Portugal Global, em representação do Estado Português, por uma parte, e A….., S. A., G….., S. A. – a ora Reclamante – e C….., S. A., por outro, foi em 6 de fevereiro de 2009 celebrado um contrato de investimento para um projeto da citada C….., de um novo hotel […..] anexo ao casino de Troia, na península do mesmo nome, no termo de Carvalhal, concelho de Grândola, a efetivar entre 2 de outubro de 2006 e 30 de setembro de 2008.

2. O contrato de investimento referido no número anterior consagra, designadamente, no preâmbulo e nas cláusulas que infra se enumeram, designadamente, o seguinte:

Preâmbulo: celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº203/2003, de 10 de setembro, e do Decreto-Lei nº245/2007, de 25 de junho.

Cláusula primeira item 1.6: “despesas elegíveis para incentivo financeiro” que: «Consideram-se relevantes para efeito de cálculo do INCENTIVO FINANCEIRO as aplicações efetuadas pela SOCIEDADE em conformidade com os requisitos estabelecidos na Portaria nº130/2006, de 14 de fevereiro, publicada no Diário da República, 1ª série, nº32,da mesma data.»

Cláusula, item 1.10: «O incentivo a conceder pelo Estado Português à SOCIEDADE para aplicação na execução do PROJETO expresso em numerário, nos termos e condições constantes da Portaria nº130-A/2006, de 14 de fevereiro, publicado no Diário da República 1ª série-B, nº32, da mesma data, e do presente CONTRATO.» [1 Este ponto 2. da matéria de facto (provada) tem a redação conferida pelo acórdão proferido pelo Tribunal Superior.]

3. O incentivo financeiro concedido pelo Estado Português foi financiado através de fundos provenientes da União Europeia, designadamente do Fundo Europeu do Desenvolvimento Regional (FEDER). [Este ponto 3. da matéria de facto (provada) foi aditado pelo acórdão proferido pelo Tribunal Superior, como seu ponto 12. de matéria de facto provada.]

4. Ali, através da Agência o Estado Português comprometeu-se a conceder incentivos fiscais e financeiro e, este, sob a forma de €6.700.053,55 reembolsáveis (para além de um prémio eventual).

5. Para além de várias cláusulas relativas às obrigações das partes, prestação do incentivo e seu cálculo e do aludido prémio, bem como de acompanhamento e de desenvolvimento do projeto e de deveres conexos, ficou igualmente clausulado que em caso de resolução do contrato pelo Estado por incumprimento dos termos da execução acordados, teria aquele direito à devolução do incentivo financeiro e à restituição do incentivo fiscal.

6. Nesse caso, o incentivo financeiro teria um prazo de 60 dias para ser devolvido, a partir da notificação da resolução, acrescido de juros a contar do recebimento de cada uma das parcelas por que tivesse sido entregue.

7. A AICEP Portugal Global endereçou uma carta à C….., S. A., subordinada ao assunto «Contrato de Investimento assinado com a AICEP:C….., S. A., candidatura nº….., com o seguinte teor:

Para efeitos do Contrato de Investimento celebrado em 6 de fevereiro de 2009 entre a AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E. P. E., a A….., S. A., a G….., S. A. e a C….., S. A., comunica-se a V. Exas., nos termos do art.100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, ser intenção da AICEP resolver unilateralmente referido Contrato com os seguintes fundamentos:

1. Nos termos do referido Contrato a C….., a G….. e a A….. obrigaram-se à realização de um projeto de investimento, no montante de 41.715.654,00 Euros, para a construção de um hotel de 5 estrelas, na zona de Troia, H….., fazendo parte integrante de um conjunto de infraestruturas interdependentes de alojamento, restauração, lazer e bem-estar e animação turística.

2. No âmbito deste contrato, que contempla incentivos financeiros e benefícios fiscais, foram pagos à C….. 5.671.644,08 Euros a título de incentivo financeiro ao projeto em causa.

3. O Grau de Cumprimento do Contrato, apurado em 2009 (9%), e em 2011 (27%) é inferior a 60%, o que, nos termos do nº22.2 da Cláusula Vigésima Segunda, fundamenta a rescisão do Contrato de Investimento por incumprimento dos objetivos contratuais.

4. O promotor não procedeu ao pagamento das prestações de reembolso do incentivo financeiro, vencidas em janeiro deste ano, no montante de 630.182,68 Euros, nem apresentou um plano de reestruturação da dívida, o que permite considerar, não como mora, mas sim como definitivo o incumprimento das obrigações pecuniárias a que está adstrito e rescindir o Contrato com base no disposto na alínea a) do nº22.1 da Cláusula Vigésima Segunda.

5. O promotor não alcançou o objetivo de criação de postos de trabalho contratualmente estabelecido, o que configura o incumprimento da condição de acesso a benefícios fiscais consagrada na alínea c) do nº1 do artigo 2º do DL nº409/99 e constitui causa de rescisão do Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais anexo ao Contrato de Investimento.

A resolução do Contrato de Investimento determina a devolução pela C….. do montante do incentivo financeiro pago e dos benefícios fiscais que tenham sido utilizados, acrescidos de juros, nos prazos e condições legal e contratualmente fixados.

De forma a assegurar a devolução dos incentivos financeiros, a AICEP procederá ainda à execução das garantias prestadas no âmbito deste projeto.

Ficam V. Exas. notificadas para, no prazo de 10 dias úteis contados da receção deste ofício, apresentarem, querendo, as vossas alegações.

A consulta do processo poderá ser efetuada na AICEP, na Av. 5 de Outubro, nº101 em Lisboa, mediante vossa comunicação prévia com antecedência mínima de 48 horas e indicação do dia e horário pretendidos.” (cfr. doc.4 junto com a p. i.[A redação deste ponto 7. foi fixada pelo acórdão proferido pelo Tribunal Superior, então como seu ponto 6. de matéria de facto provada]).

8. Antes de julho de 2013 – mês em cujos finais aquela missiva foi enviada –, já a AICEP havia verificado ocorrer o referido incumprimento dos objetivos no grau de execução do projeto, na avaliação contida no relatório de acompanhamento (a efetuar após o decurso dos anos de 2009, 2011, 2013 e 2015) para além de que então a prestação de reembolso vencida a 1 de janeiro de 2013 não fora cumprida (ao que se sucederia o incumprimento da então vincenda a 1 de julho de 2013), na omissão de apresentação de qualquer pedido para reestruturação do pagamento desse(s) reembolso(s).

9. Porém, pelo menos durante 2013 e até àquele mês, a AICEP e a A….., S. A. e a C….., S. A., estavam em conversações sobre como deveriam ser restituídos os incentivos e pagos os juros associados.

10. Em 26 de fevereiro de 2014, a C….., S. A., propusera à AICEP, por dois dos seus administradores, um plano de pagamento da mesma dívida, na quantia de €2.835.822,04, mas sem vencimento de juros, com início em julho de 2014.

11. A 4 de novembro de 2014 foi publicado no Diário da República, I série nº213, a Resolução do Conselho de Ministros nº….., da qual se extrai, na parte que para os autos releva, o seguinte:

3- Declarar, nos termos do artigo 13º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei nº249/2009,de 23 de setembro, a resolução dos seguintes contratos celebrados com o Estado Português:

c) contrato de investimento e respetivos anexos, celebrado em 6 de fevereiro de 2009, com a A….., SGPS, S.A., a G….., S. A., e a C….., S. A., na sequência da Resolução do conselho de Ministros nº….., de 19 de fevereiro.(cfr. doc.11 junto com a p. i.[ A redação deste ponto 11. é a conferida pelo acórdão proferido pelo Tribunal Superior, então como seu ponto 7. de matéria de facto provada]).

12. Em julho de 2015 a C….., S. A., enviou à AICEP uma declaração, em forma de proposta, enviada por dois dos seus administradores, pela qual se propunha reconhecer-se-lhe devedora da restituição dos montantes que recebera ao abrigo do contrato mencionado, em especial, nos pontos 1.-7., na quantia de €2.805.822,04, bem como €880.244,82 a título de juros e demais encargos então já vencidos, propondo ainda outras cláusulas sobre o pagamento de juros e outras obrigações.

13. Aquelas propostas mencionadas no ponto anterior e no ponto 10. surgiram na sequência de diversos contactos informais e formais entre a AICEP e a A….., S. A., e a C….. S. A., no sentido de alcançar de modo consensual uma solução para colmatar o incumprimento do contrato e a obrigação de reposição dos fundos recebidos pela C….., S. A., com juros, de acordo com o contrato supra-descrito.

14. Contudo, no dia 15 de janeiro de 2018 seria instaurado o processo de execução fiscal nº….., visando a cobrança coerciva do incentivo financeiro e seu acrescido às referidas sociedades, sendo a dívida à data quantificada em €3.951.377,60.

15. No dia 31 de julho de 2018 a Reclamante foi citada, como devedora solidária, para os termos da execução.

16. No dia 3 de dezembro de 2018 a Reclamante apresentou ao Órgão de Execução Fiscal um pedido de reconhecimento de prescrição da dívida exequenda, que aquele indeferiu por despacho de 20 desse mês.

17. Notificada a 28 de dezembro de 2018 daquela decisão, no dia 7 de janeiro seguinte apresentou a Reclamante a petição com que se iniciam os presentes autos.


***

O Tribunal a quo consignou como matéria de facto não provada o seguinte:

“Não há outra matéria provada relevante para apreciação e decisão do mérito da causa. Ficou por provar, contudo:

1. Que ao longo do procedimento contratual que conduziu à resolução do contrato, tal como descrito na matéria de facto provada, a Reclamante haja sido de alguma forma notificada, por parte da Agência, para conhecer as razões por que intendia vir a resolver o contrato.

2. Que os motivos na base da rescisão, mencionados no ponto 7., designadamente 3., 4. e 5., da matéria de facto provada, hajam sido suprimidos ou minorados, por recuperação dos atrasos na execução do projeto, por diminuição ou supressão do deficit na criação e/ou manutenção de postos de trabalho, ou por entrega tardia das prestações devidas, apesar de além dos prazos fixados.

3. Que as propostas referidas nos pontos 12. e 11., da matéria de factos provada, ou outras, hajam sido aceites pela AICEP, E. P. E.”


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A motivação da matéria de facto da decisão recorrida assentou no seguinte:

“A convicção do Tribunal assentou na análise da prova documental em que se constituem os autos executivos, quanto aos atos nele levados a efeito e, no mais, atendendo à documentação apresentada pela Reclamante, nomeadamente o contrato, as comunicações no âmbito e para resolução da iniciativa pela Agência, bem como por esta, no âmbito das conversações com a Agência e propostas que lhe forma feitas para suprir o incumprimento. Tendo presente a prova plena que a execução manifesta, enquanto documentos por natureza autênticos, art.369ºnº1 do Código Civil, atendendo ainda ao especificamente estatuído no art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, num contexto em que dúvidas não se suscitam sobre a demais documentação e sua fidedignidade, o Tribunal não teve dúvidas em ajuizar como supra-elencado ficou.

Os factos não provados ficaram a dever o juízo negativo sobre a sua ocorrência à invocação de tanto pela Reclamante, não refutada pela Exequente, quanto ao ponto 1. desta secção, bem como perante a ausência de prova sobre a sua ocorrência e, ainda por ser conforme com os termos do contrato, em que as notificações a levar a efeito o seriam à «sociedade», isto é, à C….., S. A.. Os demais ficaram a dever tal juízo à absoluta falta de prova sobre eles.”


***

Os poderes decisórios deste Tribunal, no âmbito da apreciação da decisão fática, encontram expressão no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, o qual dispõe que se deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto caso os factos considerados assentes, a prova produzida ou um documento superveniente imponham decisão diversa e bem assim quando a factualidade fixada contemple conceitos de direito e juízos valorativos ou conclusivos.

A seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

 “[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.[1]

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”[2].

Assim, ao abrigo do citado normativo o Tribunal ad quem dá por não escrito o ponto 8 da factualidade provada por o mesmo assumir um juízo conclusivo, não contemplando a roupagem de um facto, ou seja, não descreve, com a devida circunscrição espácio-temporal, uma ocorrência da vida real.

Com efeito, reconduz-se à formulação de um juízo de valor que -a assumir relevo- se deve extrair de factos concretos, objeto de alegação e prova, e contemplados no probatório. In casu, o que tem de constar no probatório é factualidade concatenada com a ocorrência das irregularidades, para depois, sendo caso disso, discorrer sobre a aquiescência pela AICEP Portugal Global das mesmas e daí extrapolar as competentes conclusões e enquadramento.


***

Atento o já citado artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.[3]

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

2. O contrato de investimento referido no número anterior, do qual faz parte integrante o contrato de benefícios fiscais, consagra, designadamente, o seguinte:



(…)
(…)




(…)

(…)

(…)

(…)

(…)

(…)


(...)



(cfr. contrato junto aos autos a fls. não numeradas cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

18. A 15 de julho de 2013, foi emitido parecer pelo técnico responsável do AICEP Portugal Global relativamente à proposta de rescisão do contrato de investimento referido em 2) e execução das respetivas garantias de cujo enquadramento se extrai, designadamente, o seguinte:
“1. Projecto n° …..: C….., SA
Regime Contratual (SIME D), financeiros e fiscais, com medição de objetivos para Prémio em 2009, 2011, 2013 e 2015.
GCC em 2009: 9%
GCC em 2011: 27%
Existe incumprimento dos objetivos e com GCC inferior a 60%, o Contrato só permite recuperação do Prémio na medição final de 2015 se o n° de postos de trabalho for mantido acima dos 70% do Objetivo contratado, o que também não se verifica. Assim, o Prémio até agora está definitivamente perdido.
Adicionalmente a empresa tem duas prestações de reembolsos em dívida (1.1 2013 e 1.7.13 no valor de 630.182,71 €
(…)
Assim, estamos perante um incumprimento das obrigações de reembolso que fundamentam a rescisão dos contratos, bem como dos objetivos dos dois contratos.
C….. - Rescisão do contrato ao abrigo das cl. 22.1 e 22.2 tendo em conta o incumprimento da obrigação de reembolso do incentivo e dos objetivos (valores do GCC supra referidos), devendo a sociedade devolver o incentivo financeiro pago (5,671,644.08 €) e respetivos juros devidos. Relativamente ao contrato de benefícios fiscais, temos um incumprimento da obrigação do contrato de investimento de reembolso de prestações, bem como incumprimento de objetivos fixados no contrato concessão benefícios fiscais, com GCC inferior a 60% (cl. Sétima c) contrato BF’s).
Conclusão
Propõe-se assim a rescisão dos contratos identificados com devolução do incentivo pago e respetivos juros, mas uma vez que considero existirem justificadas incertezas sobre a capacidade financeira da empresa, proponho que desde já sejam executadas as garantias associadas aos projetos como foi referido à empresa nas cartas enviadas a 27.3.2013
(…)
Projecto n° …..- C….., SA
O presente projecto de investimento teve como objectivo a construção de um Hotel de 5 estrelas, na Zona de Troia, fazendo parte integrante de um conjunto de infraestruturas interdependentes de Alojamento, restauração, lazer e Bem estar e animação turística (incluindo casino não objeto deste contrato).
O contrato de concessão de incentivos foi assinado em 6 de Fevereiro de 2009, prevendo um investimento total de 41.715.654,00 euros, correspondente a um investimento elegível de 39.548.654,00 euros, a realizar pelo período compreendido entre 2 de Outubro de 2006 e 30 de Setembro de 2008.
Foi realizado um investimento total de 33.963.330,88 euros, tendo sido aceite o montante de 33.461.325,37 euros, o que corresponde a um grau de execução de 81,42% do investimento total e de 84,61% do investimento elegível, tendo sido homologado em 01-06-2009 através da informação n° …...
De acordo com o contrato, este contrato tinha como objectivos:
1)               Prestação de serviços
a)               31-12-2009: 17.437.627 euros
b)              31-12-2011: 54.964.853 euros
2)              Valor Acrescentado
a)               31-12-2009: 5.624.530 euros
b)              31-12-2011: 24.650.210 euros
3)               Postos de trabalho: criação e manutenção de 191 postos de trabalho
De acordo com o Relatório de Acompanhamento, nenhum deste objectivos se encontra cumprido, a saber:
c)               Prestação de serviços
c)               31-12-2009: 2.054.000 euros (12% do previsto)
d)              31-12-2011: 12.354.000 euros (22% do previsto)
d)              Valor Acrescentado
c)               31-12-2009: -830.000 euros
d)              31-12-2011: 2.363.000 euros (10% do previsto)
e)              Postos de trabalho: em 31-12-2011 estes ascendiam a 131 pt, ou seja, 68,6% do previsto.
O prémio de realização estava previsto ser avaliado em 2009, 2011, 2013 e 2015, sendo que de acordo com o Relatório de Acompanhamento, o GCC em 2009 e 2011, ascende a 9% e 27%, respectivamente.
Por outro lado, a empresa encontra-se em mora, nas prestações de reembolso, sendo que as prestações de reembolso vencidas (2 prestações) ascendem a 630.182,68 euros e sendo as prestações de capital vincendas no montante de 5.041.461,40 euros.
Deste modo, face aos diversos incumprimentos, de acordo com a Clausula Vigésima Segunda do Contrato de Investimento, a AICEP poderá proceder à resolução unilateral do contrato, pelo facto da empresa não estar a cumprir os objectivos e obrigações estabelecidas no contrato.
A rescisão do contrato implica a devolução do incentivo recebido no prazo de 60 dias a contar da data de notificação da rescisão, acrescido de juros desde a data de pagamento até à sua reposição, à taxa Euribor a 6 meses na data da notificação da resolução acrescido de 3 p.p.
Este projecto tem a seguinte garantia bancária associada:
Banco Banco Popular                                      Nr.Garantia        …..        
Montante 3,350,026.78€                                Beneficiário       AICEP
Data 2009-06-23                                                Validade             2022-06-23
Cujo o valor actual da mesma é de 2,835,822.04, ou seja, 50% do incentivo total pago.
Em conclusão, é meu entendimento que a AICEP deverá enviar cartas aos promotores de intenção de rescisão dos respectivos contratos”
(cfr. documentação- fls. não numeradas-junta pela Recorrida aquando da instrução ordenada judicialmente);

19. A 16 de julho de 2013, e com base no parecer evidenciado no número anterior, foi proferida decisão pelo Presidente do Conselho de Administração do AICEP Portugal Global, com o seguinte teor:
“Aprovação da rescisão dos Contratos de Investimento do Grupo A…..-candidatura …..da C….., SA e candidatura …..da P….., SA e execução das respetivas garantias.
Aprovação para que se comunique a intenção de rescisão com os 10 dias para o direito de audição do promotor e se execute de seguida as garantias, porque tal já foi comunicado à empresa por carta de 27.3.2013”
(cfr. documentação- fls. não numeradas-junta pela Recorrida aquando da instrução ordenada judicialmente);
20. Na sequência da notificação do ofício referido em 7), a sociedade A….., SA, expediu a 23 de janeiro de 2014, carta endereçada à AICEP Portugal Global, reportada, designadamente, ao assunto “Contratos da C….., SA” e da qual extrai no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:



(…)

(…)
(cfr. documentação- fls. não numeradas-junta pela Recorrida aquando da instrução ordenada judicialmente);

21. A 06 de fevereiro de 2014, e face à carta referida no número antecedente, AICEP Portugal Global emitiu ofício de resposta dele se extratando, designadamente, o seguinte:
“Na sequência da análise de carta de 23 de janeiro de 2014 enviada pela A….. e pela O….., e tendo presente o que foi acordado na última reunião realizada, a 16 de Janeiro de 2013, no Gabinete de S.Exa o Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade, Dr. Pedro Gonçalves, cuja Ata vos foi enviada por email de 17 de Janeiro 2014, vimos informar o seguinte:
Relativamente ao V/ pedido de declarar sem efeito a deliberação tomada pelo Conselho de Administração da AICEP, em 16 de Julho de 2013, de resolução dos contratos de investimento da P….. e C….., vimos comunicar que esta possibilidade não será aceitável, porque ainda que a dívida fosse paga integralmente à AICEP, os referidos contratos de investimento mantem-se em incumprimento dos seus objetivos, prevendo os próprios contratos consequências diretas de rescisão para estes casos, tal como vos foi comunicado nas nossas cartas de 26 de julho de 2013 (RePs AICEP …..e AICEP S…..).
O tema que ainda estava passível de ser enquadrado mediante uma nova decisão do Conselho de Administração da AICEP e da sua aprovação pelo Compete e pela Tutela, restringia-se às condições de pagamento da dívida no âmbito de uma reestruturação do Grupo A….. (…)”
(cfr. documentação- fls. não numeradas-junta pela Recorrida aquando da instrução ordenada judicialmente);

22. A 12 de março de 2014, o Conselho de Administração da AICEP Portugal Global, deliberou a apresentação à apreciação do Compete da proposta da C….. de devolução dos incentivos pagos e bem assim a submissão em CICIFI da proposta de rescisão do contrato da C….., bem como do contrato anexo de concessão de benefícios fiscais.
(cfr. documentação- fls. não numeradas-junta pela Recorrida aquando da instrução ordenada judicialmente);

23. A 19 de outubro de 2017, a AICEP Portugal Global, emitiu certidão de dívida da qual se extrai no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:
“[n]o âmbito do contrato de investimento, celebrado em 6 de fevereiro de 2009, com a empresa (…) G….., SA, (…) rescindido pela Resolução do Conselho de Ministros nº ….., publicada em 04 de novembro de 2014, se encontra em dívida em 19 de outubro de 2017, o montante geral de €3.951.377,60 (…)”
(cfr. documentação- fls. não numeradas-junta pela Recorrida aquando da instrução ordenada judicialmente);


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do órgão da execução fiscal datado de 20 de dezembro de 2018, que não lhe reconheceu a prescrição da dívida exequenda no processo de execução fiscal nº ….., na qual é executada como responsável solidária, e no valor global de €3.951.377,60.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, em face de, por um lado, ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, ter omitido factualidade reputada fundamental para a presente lide. Estabilizada a matéria de facto, importa apreciar se a decisão incorreu em erro de julgamento de direito, competindo para o efeito analisar qual o dies a quo, o cômputo em concreto do prazo prescricional e o dies ad quem, ponderando todas as causas interruptivas ou suspensivas do prazo prescricional;

Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos[4].

No caso vertente, encontramo-nos perante aditamentos por substituição e por complementação e bem assim face a pedidos de eliminação de factualidade fixada, quer no âmbito da factualidade provada, quer no âmbito da factualidade não provada.

Vejamos, então.

O Recorrente começa por propugnar o aditamento dos seguintes factos provados:

“a. O contrato de investimento na origem da dívida exequenda impunha à entidade beneficiária/promotora – a C….., S.A – o cumprimento de objetivos (valores de prestação de serviços; valor acrescentado e criação de postos de trabalho) e obrigações (entre as quais a reembolso, a partir de Janeiro de 2013, do montante do incentivo reembolsável), cf. 2.1.2 a 2.1.5 da cláusula segunda e 11.2 da cláusula décima primeira do contrato de investimento (Contrato de investimento - Documento n.º 3 junto à p.i.);

b. Nos termos da cláusula segunda do contrato de investimento, os objectivos deveriam ser cumpridos com o seguinte calendário:

i. Criação de 191 postos de trabalho, sendo:
Ø  164 até 31.12.2009 e
Ø  27 postos de trabalho adicionais até 31.12.2011,
ii. Prestações de serviços no valor acumulado desde 2006 inclusive de:
Ø  €17.437.627 em 31.12.2009;
Ø  €54.964.853 em 31.12.2011;
Ø  €97.909.611 em 31.12.2013;
Ø  €143.028.448 em 31.12.2015.
iii. Valor acrescentado acumulado desde o ano de 2006 inclusive:
Ø  €5.624.530 em 31.12.2009;
Ø  €24.650.210 em 31.12.2011;
Ø  €49.793.575 em 31.12.2013;
Ø  €77.012.433 em 31.12.2015.

c. Nos termos do contrato de investimento, o reembolso do incentivo financeiro deveria ocorrer em semestralidades sucessivas, vencendo-se a primeira prestação nos seis meses após o termo do período de carência de três anos (cfr. 11.2 da cláusula décima primeira do contrato de investimento).

d. Constituía causa de resolução do contrato o incumprimento dos objectivos e obrigações fixados nos termos, prazos e condições do contrato de investimento e seus anexos [cf. alínea a) da cláusula 22.1. do contrato de investimento].

e. Para avaliação do disposto na acima referida alínea a) da cláusula 22.1. do contrato de investimento, seriam de se considerar incumpridos os objectivos previstos no contrato quando o grau de cumprimento contratual (GCC), apurado nos termos da cláusula décima quinta do contrato de investimento, fosse inferior a 60% (cf. 22.2 da cláusula vigésima segunda do contrato de investimento), podendo, neste caso, haver lugar à rescisão do contrato.

f. O contrato de investimento previa a prestação de uma garantia bancária emitida a favor da AICEP para garantia da obrigação de reembolso do incentivo financeiro (cfr. cláusulas décima terceira, décima quarta e anexo VI do contrato de investimento).

g. Em 10 de Dezembro de 2013 a AICEP executou a garantia bancária no valor de €2.835.822,04 (cf. documento n.º 17 junto pela AICEP após despacho do Tribunal Recorrido de 18.12.2019).”

O aditamento das alíneas a) a f) supra identificadas representam uma súmula do que se encontra clausulado no contrato de investimento em análise, o que, per se, não representa a melhor técnica jurídica em termos de asserção fática, a qual se deve compadecer com a transcrição-nas partes relevantes para a lide- do teor do contrato, ou no limite face, designadamente, à sua extensão dar por integralmente reproduzido o seu teor.

De todo o modo, atenta a reestruturação do ponto 2, realizada pelo Tribunal ad quem e no âmbito dos seus poderes de cognição por forma a traduzir fielmente- nas partes que se reputam relevantes- o que nele se encontra clausulado, o aludido aditamento encontra-se prejudicado, porquanto satisfeito ainda que com uma redação distinta da propugnada pela Recorrente.

No respeitante ao ponto g) supra elencado, o Tribunal ad quem admite o seu aditamento, pese embora, com o seguinte teor:

24. A 10 de dezembro de 2013, a AICEP, executou a garantia bancária associada ao contrato melhor evidenciado no facto elencado em 2) supra, no valor de €2.835.822,04 (facto não controvertido e expressamente reconhecido pela Recorrida; cfr. documentação-fls. não numeradas- junta na sequência da instrução ordenada judicialmente);

Prosseguindo.

A Recorrente pretende que o Tribunal ad quem elimine os factos contemplados nos pontos 9 e 13 da matéria de facto dada como provada, porquanto revestirem natureza conclusiva.

Comecemos por atentar na redação dos aludidos factos.

O Facto elencado como ponto 9 apresenta a seguinte redação:

“Porém, pelo menos durante 2013 e até àquele mês, a AICEP e a A….., S. A. e a C….., S. A., estavam em conversações sobre como deveriam ser restituídos os incentivos e pagos os juros associados.”

Ora, atentando no seu teor entende-se, efetivamente, que a mesma apresenta uma redação com cariz conclusivo, não revestindo, por conseguinte, a roupagem de um facto, porquanto não se coadunar com a descrição de uma ocorrência da vida real. Ademais, não se vislumbra que as “aludidas conversações” -menção, de resto, absolutamente genérica faltando-lhe substrato e substanciação espácio-temporal - assumam relevo para a presente lide.

Face ao exposto, procede o requerido pela Recorrente, decretando-se, nessa medida, a sua supressão do acervo probatório.

Atentemos, ora, no facto elencado no ponto 13.

O número 13 apresenta o seguinte teor:

“Aquelas propostas mencionadas no ponto anterior e no ponto 10. surgiram na sequência de diversos contactos informais e formais entre a AICEP e a A….., S. A., e a C….., S. A., no sentido de alcançar de modo consensual uma solução para colmatar o incumprimento do contrato e a obrigação de reposição dos fundos recebidos pela C….., S. A., com juros, de acordo com o contrato supra-descrito.”

Relativamente a este ponto e pese embora se aquiesça que o mesmo não tenha uma roupagem de cariz, eminentemente, conclusivo, desde logo porque descreve a circunstância fática em que surgiram as propostas, a verdade é que o seu teor é absolutamente genérico, sem uma clara circunscrição temporal. É certo que o Tribunal ad quem, pode e deve reformular a factualidade no sentido que pondere mais eficaz, porém só o deve fazer na exata medida em que entenda que a ocorrência da vida real nela retratada possa revestir relevância para a presente lide, o que não sucede no caso em apreço. Com efeito, como veremos, as conversações, informações não assumem acuidade para efeitos do cômputo do prazo prescricional.

Nessa medida, face ao supra expendido, procede a requerida eliminação da factualidade provada.

Na alínea C) das conclusões, não se aquilata a impugnação nela contida, pois por um lado, evidencia a existência de um juízo de facto com pendor conclusivo constante na fundamentação de direito da decisão recorrida e por outro lado, de forma absolutamente genérica, referencia que esse juízo não colhe fundamento.

Ora, como é bom de ver tais alegações em nada consubstanciam uma errada valoração da matéria de facto que careça de qualquer supressão ou complementação, pois os juízos conclusivos podem e devem ser consagrados na fundamentação de direito, só não podendo, como visto, integrar a fundamentação de facto e, por outro lado, porquanto o facto de um juízo não lograr provimento já se coaduna com o erro de julgamento de direito por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, a ser apreciado, naturalmente, em sede própria.

De todo o modo, e mesmo que se equacione que a Recorrente, de forma pouco clara, propugne que o raciocínio expendido pelo Tribunal a quo não está alicerçado em factualidade que a suporte e devidamente elencada no acervo probatório dos autos, a verdade é que, também por aqui, não colhe mérito a pretensão da Recorrente porquanto se atentarmos na expressão que é sindicada pela mesma, concatenada com o excerto que identifica constante na página 16 da sentença, dimana perentório que tal fundamentação e juízo valorativo se obtém mediante uma interpretação conjugada da factualidade constante do probatório. Ademais, a Recorrente não propõe qualquer aditamento, nem, tão-pouco, explica, conforme legalmente se exige, a relevância do seu juízo de entendimento, o qual, como já dissemos, não é minimamente claro.

E por assim ser carece de relevância, improcedendo a alegação da Recorrente.

Atentamos, ora, na impugnação da matéria de facto dimanante da factualidade não provada.

Analisando.

A Recorrente entende, desde logo, que deve ser substituído o ponto 1 da factualidade não provada passando o mesmo a contemplar a seguinte redação:

“a. Que a Reclamante tenha sido pessoalmente notificada pela AICEP de qualquer acto de instrução ou da instauração de procedimento por irregularidade no cumprimento do contrato de investimento.”

Ora, fazendo um confronto com a redação constante na factualidade não provada, cuja alteração se requer, verifica-se que a Recorrente pretende que seja expurgada, desde logo, a menção “procedimento contratual que conduziu à resolução do contrato” passando, outrossim, a contemplar a menção “pessoalmente notificada” e fazendo expressa alusão a atos de instrução ou de instauração de procedimento por irregularidade no cumprimento do contrato de investimento.

De facto, a menção procedimento contratual implica, desde logo, uma qualificação jurídica a qual não deve constar na factualidade provada, mas por essa mesma razão e por se coadunar, outrossim, com o thema decidendum não poderá ser acolhida a menção inerente “a atos de instrução ou da instauração de procedimento por irregularidade”.

Assim, admite-se reestruturar o ponto 1 da matéria de facto não provada ficando a constar a seguinte redação:

Na sequência do incumprimento contratual descrito em 7), 11), 18) a 21), a Reclamante tenha sido, pessoalmente, notificada pela AICEP Portugal Global de qualquer ato tendente a apurar e obter elementos relativamente à existência das irregularidades conducentes à resolução do contrato melhor evidenciado em 1) e 2).

Entende, outrossim, que seja aditada à matéria de facto não provada o seguinte:

“Que tenham sido dirigidas pela AICEP às partes no contrato quaisquer notificações de actos decorrentes de reabertura do procedimento por irregularidades ou da instauração de novo procedimento.”

Admite-se, face a todo exposto, e uma vez expurgados todos os juízos e asserções de direito o aditamento da seguinte factualidade:

 Que a AICEP Portugal Global, tenha remetido às partes contraentes melhor evidenciadas no contrato identificado em 1) e 2), quaisquer notificações tendentes à reabertura de procedimentos tendentes a apurar e esclarecer irregularidades ou à instauração de novos.

Por fim, peticiona que seja eliminado o ponto 2 da matéria de facto não provada, por ajuizar que inexiste qualquer prova documental que permita alicerçar a existência de qualquer avaliação ao grau de cumprimento do contrato de investimento por referência a datas posteriores a 31 de dezembro de 2011 que permita concluir no sentido de qual a evolução de tal grau de cumprimento.

Vejamos.

O ponto 2 da matéria de facto não provada tem o seguinte teor:

“Que os motivos na base da rescisão, mencionados no ponto 7, designadamente 3, 4 e 5 da matéria de facto provada, hajam sido suprimidos ou minorados, por recuperação dos atrasos na execução do projeto, por diminuição ou supressão do deficit na criação e/ou manutenção de postos de trabalho, ou por entrega tardia das prestações devidas, apesar de além dos prazos fixados.”

Atendendo ao teor da aludida alínea, ainda que por razões não coincidentes com as alvitradas pela Recorrente, mas sim por se entender que decorre da matéria de facto fixada que o incumprimento foi definitivo, procede a arguida eliminação.

Assim, face ao exposto, admite-se a seguinte alteração, aditamento e supressão à matéria de facto:

Aditamento

Matéria de Facto Provada:

24.A 10 de dezembro de 2013, a AICEP, executou a garantia bancária associada ao contrato melhor evidenciado no facto elencado em 2) supra, no valor de €2.835.822,04 (facto não controvertido e expressamente reconhecido pela Recorrida-cfr. documentação-fls não numeradas-. Junta na sequência da instrução ordenada judicialmente);

Matéria de Facto não Provada:

Que a AICEP Portugal Global tenha remetido às partes contraentes melhor evidenciadas no contrato identificado em 1) e 2), quaisquer notificações tendentes à reabertura de procedimentos tendentes a apurar e esclarecer irregularidades ou à instauração de novos (facto que se extrai mediante consulta à documentação carreada aos autos e face à posição das partes);

Alteração

Ponto 1 da Matéria de Facto Não Provada:

Na sequência do incumprimento contratual descrito em 7), 11), 18) a 21), a Reclamante tenha sido, pessoalmente, notificada pela AICEP Portugal Global de qualquer ato tendente a apurar e obter elementos relativamente à existência das irregularidades conducentes à resolução do contrato melhor evidenciado em 1) e 2).

Eliminação dos pontos 9 e 13 da factualidade provada e do ponto 2 da Matéria de Facto não provada.


***

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto vejamos, então, se assiste o apontado erro de julgamento de direito.

A Recorrente defende que as irregularidades praticadas pela entidade beneficiária do incentivo financeiro atribuído, com recurso a fundos comunitários (FEDER), com base no contrato de investimento verificaram-se quer quanto ao grau de cumprimento dos objetivos contratuais, quer quanto ao (in)cumprimento das obrigações pecuniárias, em datas específicas e concretas, não se podendo equacionar uma infração continuada, como propugnou o Tribunal a quo. Logo, ter-se-á de considerar que o prazo de prescrição em contenda teve o início em 31 de dezembro de 2009.

De todo o modo, sustenta que mesmo se equacione a existência de irregularidades continuadas, a decisão recorrida fez uma errada aplicação do direito ao considerar que o prazo de prescrição não poderia iniciar-se enquanto não se verificasse o cumprimento dos objetivos previstos no contrato de investimento.

Aduzindo, para o efeito, que atenta a factualidade provada, ter-se-á de concluir que o último incumprimento ocorreu a 01 de janeiro de 2013, data em que deixou de ser paga a primeira prestação de reembolso do incentivo financeiro, porquanto sendo os últimos incumprimentos relativos a obrigação, com prazo certo, a liquidar em prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

Mais defende um erro de julgamento quanto à interrupção e suspensão dos prazos prescricionais, uma vez que não foi notificada de qualquer ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade tendente à aplicação da medida administrativa de reposição de fundos comunitários com as inerentes garantias legais e procedimentais, mormente direito ao contraditório, não podendo produzir efeitos a carta datada de 29 de julho de 2013, porquanto apenas endereçada à C…...

Ademais, enfatiza e sublinha, que não pode, de todo, relevar a circunstância de no contrato de investimento se ter convencionado que as notificações a realizar nos termos do mesmo seriam todas realizadas à sociedade C….., porquanto tal regra assume natureza convencional, não derrogando a norma do §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95. Aliás, outra interpretação consubstancia uma violação das garantias dos administrados, corolário do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP.

Conclui, assim, que entre a data da prática da irregularidade 01 de janeiro de 2013 e a data da citação 31 de julho de 2018 – não se verificaram, em relação à Recorrente quaisquer causas interruptivas da prescrição, pelo que a sentença recorrida ao ter decidido de forma distinta padece de erro de julgamento.

Aduz, in fine, que à data da citação já se encontrava esgotado o prazo de três anos de execução da decisão que aplica a sanção administrativa, contemplado no n.º 2 do artigo 3.º do citado Regulamento n.° 2988/95.

E isto porque, na sua ótica de entendimento, se a garantia foi executada a 10 de dezembro de 2013, significa que àquela data não só estava, de facto, decidido o procedimento por incumprimento, como tinha já sido aplicada a medida correspondente, via execução da garantia. De todo o modo, ainda que assim não se entenda, haverá que considerar que a decisão administrativa que aplica a medida de reposição dos fundos comunitários tornou-se definitiva a 4 de novembro de 2014, data em que foi publicada a deliberação de resolução do contrato.

Logo, aplicando a aludida regra haverá que concluir que o prazo de prescrição para a execução da decisão que aplicou a medida administrativa completou-se a 4 de novembro de 2017 e que, em consequência, estava já esgotado à data em que a Reclamante foi citada a 31 de julho de 2018.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo ajuizado que da factualidade provada decorre que “[a]s irregularidades ocorreram, de 2009 a 2013, pelo menos, donde que tenhamos que no termo deste ano se iniciou o prazo de prescrição da dívida exequenda, pois é por referência às irregularidades verificadas até meados desse ano que é tomada a decisão de resolução. “

Mais propugnou que “Decorre ainda dos factos que ao longo de 2013, pelo menos, as outras duas sociedades tiveram informalmente conhecimento da intenção da AICEP de instruir e instaurar procedimento por causa dessas mesmas irregularidades e, bem assim, por causa das ocorridas ainda nesse ano e, ainda, que em finais de julho de 2013 tiveram elas conhecimento formal de ser intenção da AICEP a de resolver o contrato por causa de todas as irregularidades até então iniciadas ou ocorridas. Assim, não tendo desde as irregularidades e sua persistência até pelo menos àquele conhecimento formal, da intenção da AICEP, podido sequer correr a prescrição da obrigação de reposição, é desde o final de julho de 2013 que se inicia o renovado prazo de prescrição de quatro anos, nos termos das normas citadas, posto que a resolução do contrato se funda nas irregularidades havidas até os inícios deste ano – sendo certo que foi o incumprimento das obrigações pecuniárias de entrega, no termo dos respetivos prazos, o que despoletou a intenção de proceder ao procedimento de irregularidades que conduziria à resolução.”

Concretizando, no que à Resolução do Conselho de Ministros de 4 de novembro de 2014 concerne que, a mesma não contempla causa interruptiva da prescrição porquanto “[o] prazo de prescrição não se reiniciou com a publicação da decisão de resolução do Conselho de Ministros, a 4 de novembro de 2014, já que esta não é decisão que vise instaurar ou instruir procedimento por irregularidades, nos termos do regime aplicável, mas sim a decisão final desse mesmo procedimento, a sanção, na terminologia do Regulamento.”

Entendendo, porém, que “[e]m sentido inverso cobra, porém, efeito interruptivo da prescrição da dívida a intenção manifestada por dois dos administradores da C….., S. A., em fevereiro de 2014, reiterada em julho de 2015 por outros dois administradores (um deles em ambas ocasiões), de procederem ao pagamento extrajudicial da dívida (embora sem juros), nos termos do art.325ºnº1 do Código Civil.

Concluindo, por isso, que quando “[a] Reclamante foi citada, no dia 31 de julho de 2018, a dívida exequenda não era ainda prescrita em relação a ela, dado que ainda não fora atingido o termo do assinalado prazo máximo perentório de oito anos, a contar do termo de 2013, cfr. art.3ºnº1§3 do Regulamento (CE, Euratom) nº2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, dado que entre 1 de janeiro de 2014 e a sua citação não tinham decorrido ainda oito anos.”

Logo, face ao disposto no “[a]rt.323ºnº1 do Código Civil, com a citação da Reclamante o decurso do prazo de prescrição foi em relação a ela interrompido e, desde então, o renovado prazo que se iniciou acha-se suspenso, conforme determina o art.327ºnº1 do Código Civil.”, e nessa medida não ocorre a arguida prescrição.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Para o efeito recuemos um pouco, convocando o que por nós foi decidido no anterior Aresto que deu lugar à decisão recorrida sendo, portanto, caso julgado o seguinte:
ü O contrato de investimento foi celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº 203/2003, de 10 de setembro com concreta remissão, no âmbito do incentivo financeiro, para a Portaria nº 130-A/2006, de 14 de fevereiro.
ü Que nos encontramos perante a atribuição de fundos de incentivo de matriz comunitária, mormente, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) o qual se incluía no III Quadro Comunitário de Apoio”
ü O regime jurídico aplicável ao prazo de prescrição das dívidas objeto de cobrança coerciva no processo executivo nº ….., é o contemplado no Regulamento EURATOM 2988/95, de 18 de dezembro e não o constante no artigo 306.º do Código Civil.

Pelo que, ficou por decidir, qual o dies a quo, o cômputo em concreto do prazo prescricional e o dies ad quem, ponderando todas as causas interruptivas ou suspensivas do prazo prescricional.

Feito este introito, e tendo presente a posição das partes impõe-se, então, aquilatar se merece censura, desde logo, a qualificação das infrações como continuadas e o correspondente dies a quo.

Vejamos, então.

Comecemos por convocar o regime jurídico que para os autos releva.

O Decreto-Lei nº 203/2003, estabeleceu um regime especial de contratação de apoios e incentivos exclusivamente aplicável a grandes projetos de investimento, estatuindo no seu artigo 3.º sob a epígrafe de contrapartidas que no âmbito do regime contratual de investimento poderão ser concedidas pelo Estado as contrapartidas que se mostrem qualitativa e quantitativamente adequadas ao mérito do projeto em causa, as quais podem revestir, cumulativamente ou não, as seguintes modalidades: concessão de incentivos financeiros, reembolsáveis ou a fundo perdido, nos termos e condições da legislação aplicável; atribuição de benefícios fiscais nos termos e condições da legislação aplicável e co-financiamento do projeto através da intervenção de capital de risco e de desenvolvimento, de origem pública.

Mais regulando o artigo 8.º relativamente à rescisão que o contrato de investimento pode ser rescindido, designadamente, por não cumprimento, imputável ao investidor ou às pessoas singulares ou coletivas que direta ou indiretamente nele participem, dos objetivos e obrigações contratuais, nos prazos estabelecidos no contrato; não cumprimento pelo investidor das suas obrigações legais e fiscais e prestação de informações falsas ou viciação de dados. Esclarecendo, por seu turno, o seu nº 2 que para efeitos de verificação dos requisitos previstos na alínea a) do n.º 1, deve ser tido em conta o grau de cumprimento dos objetivos contratuais, acordado contratualmente.

Convoquemos, ora, o Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, o qual veio adotar uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.

Preceitua, neste particular, o artigo 3.º do citado Regulamento que:

“1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artigo 6º.

2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.

Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respetivamente nos nºs1 e 2.”

Da interpretação conjugada do citado normativo e cotejando-o com os demais normativos insertos no referido diploma, mormente com os respeitantes às irregularidades no domínio do direito comunitário e sua sanção (artigos 1.º, 2.º e 3.º) extraem-se os seguintes considerandos:

– A restituição de fundos comunitários indevidamente recebidos, por irregularidades cometidas pelos beneficiários de incentivos comunitários, não é exigível a todo o tempo estando sujeita a um prazo-regra de prescrição de quatro anos;

– O dies a quo coaduna-se com a data da prática da irregularidade;

– O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade;

– O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa;

– A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

-O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos, o qual corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.

Ora, vistos os considerandos de direito que relevam para a presente lide, importa transpor os mesmos para a realidade fática dos autos:

Do probatório resulta que foi celebrado, em 6 de fevereiro de 2009, um contrato de investimento entre AICEP Portugal Global e A….., SA, G….., SA, ora Recorrente e C….., SA, dele constando como parte integrante e contemplado como Anexo II, um Contrato de Concessão de Benefícios Fiscais.

O aludido contrato previa um investimento total de 41.715.654,00 €, correspondente a um investimento elegível de 39.548.654,00€, a realizar pelo período compreendido entre 2 de outubro de 2006 e 30 de setembro de 2008.

De acordo com o evidenciado contrato, este tinha como objetivos:

Prestação de Serviços

31.12.2009: 17.437.627,00€

31.12.2011: 54.964.853,00€

Valor Acrescentado

31.12.2009: 5.624.530€

31.12.2011: 24.650.210,00€

Postos de Trabalho: criação e manutenção de 191 postos de trabalho

Da factualidade constante dos autos, resulta provado, não sendo, igualmente, controvertido que nenhum dos objetivos supra evidenciados foi cumprido.

Com efeito, foi constatado que o grau de acabamento contratual se cifrava em 2009 e 2011, em 9% e 27%, respetivamente, e os postos de trabalho a 31 de dezembro de 2011 ascendiam a 131, ou seja, 68,6% do previsto. Mais resultando que a Recorrente se encontrava em incumprimento, nas prestações de reembolso do incentivo financeiro, tendo a primeira prestação de reembolso tido vencimento em janeiro de 2013, e a segunda em julho de 2013.

Encontramo-nos, assim, perante incumprimentos contratuais e de reembolso cujas irregularidades assumem a natureza de irregularidade continuada.

Para efeitos de densificação dos conceitos que relevam para os autos, cumpre convocar, desde logo, o Acórdão do TJUE, proferido em 6 de outubro de 2015, no âmbito do processo C-59/14 o qual evidenciou o seguinte:
“(...) 23. Em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade. O artigo 1.º, n.º 2, desse regulamento define o conceito de «irregularidade» como qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos geridos por esta.
24. A prática de uma irregularidade, que faz correr o prazo de prescrição, pressupõe, por isso, o preenchimento de dois pressupostos, a saber, um ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União, bem como uma lesão ou uma lesão potencial ao orçamento da União.
25. Em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação do direito da União foi detetada após a concretização da lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir da prática da irregularidade, isto é, a partir do momento em que tenham ocorrido tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta.
26. Essa conclusão está em conformidade com o objetivo do Regulamento n.º 2988/95, que, de acordo com o seu artigo 1.º, n.º 1, visa a proteção dos interesses financeiros da União. Com efeito, o dies a quo situa-se na data do facto ocorrido em último lugar, ou seja, quer na data da concretização da lesão, quando esta ocorra após o ato ou omissão que constitua uma violação do direito da União, quer na data desse ato ou omissão, quando a vantagem em causa tenha sido concedida antes do referido ato ou omissão. A prossecução do objetivo de proteção dos interesses financeiros da União está, por conseguinte, facilitada.
27. Além disso, essa conclusão não é posta em causa pelo argumento do Governo grego, segundo o qual o dies a quo situar-se-ia no dia da descoberta da irregularidade pelas autoridades competentes. Com efeito, esse argumento colide com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a data em que as autoridades nacionais tomaram conhecimento de uma irregularidade é irrelevante para o início do prazo de prescrição (acórdão Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 67). (destaques nossos).

No concernente à própria densificação do conceito de irregularidade continuada, o Acórdão do TJUE proferido em 11 de junho de 2015, no âmbito do processo nº C-52/14 elucida o seguinte:
“(…)
51. O prazo de prescrição previsto no artigo 3.°, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95 destina-se a garantir a segurança jurídica dos operadores, devendo estes ter a possibilidade de determinar quais das suas operações estão definitivamente adquiridas e quais podem ainda ser objeto de um procedimento.
52. Ora, as irregularidades não podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, se estiverem separadas por um período superior ao prazo de prescrição de quatro anos previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. Com efeito, numa situação como essa, essas irregularidades distintas não apresentam uma relação cronológica suficientemente estreita. Na falta de um ato de instrução ou de abertura de procedimento da autoridade competente, um operador pode assim legitimamente considerar prescrita a primeira dessas irregularidades. Em contrapartida, essa relação cronológica existe quando o período que separa cada irregularidade da anterior é inferior a esse prazo de prescrição.
(…)
56. À luz destas considerações, há que responder à quarta e oitava questões que o artigo 3.°, n.º 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, quanto à relação cronológica pela qual as irregularidades tenham de estar ligadas para constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, unicamente se exige que o período que separa cada irregularidade da anterior seja inferior ao prazo de prescrição previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número.(...).
3)O artigo 3.°, n.° 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n. 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que um ato deve circunscrever com suficiente precisão as operações sobre as quais recaem suspeitas de irregularidades para ser qualificado de «ato [...] tendo em vista instruir ou instaurar procedimento», na aceção dessa disposição. Esse pressuposto de precisão não exige, porém, que o ato mencione a possibilidade de aplicação de uma sanção ou de uma medida administrativa em particular. Cabe ao tribunal de reenvio verificar se o relatório em causa no processo principal preenche esse pressuposto.
4)O artigo 3.°, n. 1, segundo parágrafo, do Regulamento n. 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, quanto à relação cronológica pela qual as irregularidades tenham de estar ligadas para constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, unicamente se exige que o período que separa cada irregularidade da anterior seja inferior ao prazo de prescrição previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. As irregularidades que, como as que estão em causa no processo principal, relativas ao cálculo das quantidades de açúcar armazenadas pelo fabricante, tenham ocorrido em campanhas de comercialização diferentes, tenham levado a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem constituem, em princípio, uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n. 1, segundo parágrafo, do Regulamento n. 2988/95, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.
5)O artigo 3.°, n. 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que a qualificação de um conjunto de irregularidades como «irregularidade continuada ou repetida», na aceção dessa disposição, não está excluída no caso de as autoridades competentes não terem submetido a pessoa em causa a controlos regulares e aprofundados.
6)O artigo 3.°, n.°1, quarto parágrafo, do Regulamento n. 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o prazo previsto nesse parágrafo começa a correr, no caso de irregularidade continuada ou repetida, no dia em que cessou a irregularidade, qualquer que seja a data em que a Administração nacional dela tomou conhecimento.
7)O artigo 3.°, n. 1, do Regulamento n.°2988/95 deve ser interpretado no sentido de que os atos tendo em vista instruir ou instaurar procedimento adotados pela autoridade competente e dos quais foi dado conhecimento à pessoa em causa, nos termos do terceiro parágrafo desse número, não têm efeito interruptivo do prazo previsto no quarto parágrafo do mesmo número.” (destaques nossos).

Ora, face ao supra expendido entende-se que as aludidas irregularidades assumem a natureza de “irregularidade continuada ou repetida” na aceção do artigo 3º nº 1 §2º, porquanto, por um lado, encontramo-nos face à violação/incumprimento do mesmo contrato consubstanciado nas diversas obrigações dele dimanantes e que determinou a rescisão unilateral e subsequente Resolução publicada a 04 de novembro de 2014, e por outro lado, porque é respeitada a relação cronológica temporal pela qual as irregularidades têm de estar ligadas, visto que o período que separa cada irregularidade da anterior é inferior ao prazo de prescrição de quatro anos.

Nessa medida, o dies a quo corresponde ao da cessação da última irregularidade cometida, no caso a 1 de janeiro de 2013, e isto porque não obstante a segunda prestação de reembolso financeiro se tenha vencido a 1 de julho de 2013, o vencimento de uma das prestações implica os demais, assistindo, neste particular, razão à Recorrente quando convoca a regra contemplada no artigo 781.º do Código Civil.

De relevar, neste particular que, mesmo que não se equacionasse aplicável a aludida regra legal e nessa medida se configurasse que a última irregularidade que conduziu à Resolução do contrato ocorreu a 01 de julho de 2013, a verdade é que, no caso vertente, se obteria o mesmo desfecho atenta, como veremos, as causas de interrupção constantes dos autos.

Assim, face ao supra expendido e aplicando os aludidos conceitos ao caso dos autos, e sem contemplar qualquer causa interruptiva do prazo prescricional, o dies ad quem cifrar-se-ia a 1 de janeiro de 2017.

Importa, contudo, aquilatar da existência de concretas causas de interrupção.

Como visto, constitui causa de interrupção na aceção do Regulamento, que vimos analisando, qualquer ato de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade.

No caso vertente, importa, desde logo, relevar a carta do AICEP Portugal Global identificada em 7 do probatório, datada de 26 de julho de 2013 e recebida a 29 de julho, no âmbito do qual se comunicava à contraente C….. e ao abrigo do artigo 100.º do CPA ser intenção da AICEP Portugal Global resolver unilateralmente o contrato, face às irregularidades incorridas e nele retratadas, concedendo-se um prazo de resposta de dez dias para apresentação de alegações[5].

É certo que a aludida carta vem endereçada ao C….. e não à Recorrente, mas a verdade é que atenta a estipulação contratual, mormente, da cláusula trigésima não se retira, conforme propugna a Recorrente, que, por um lado, existisse obrigação legal de emissão de notificação individual e pessoal à Recorrente e que, por outro lado, a mesma não fosse passível de repercussão na esfera jurídica da Recorrente.

Mais importa relevar que não se vislumbra que a adoção de tal posição coarte qualquer direito e princípio constitucional, concretamente princípio do Estado do Direito Democrático, tendo a AICEP Portugal Global atuado em conformidade com o que foi estipulado pelas partes e ao abrigo do princípio da liberdade contratual.

Com efeito, o princípio da liberdade contratual, expresso no artigo 405.º do CC, permite, às partes, dentro dos limites da lei, fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no CC ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

Sendo certo que, segundo o nº 1 do artigo 406.º do citado CC, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

In casu, as partes de forma livre vontade e sem qualquer coação-de resto nem tão-pouco alegada- estipularam essa forma de notificação a qual em nada contraria a letra da lei.

Note-se que são realidades distintas as notificações e suas formalidades as quais têm de obedecer, necessariamente, ao clausulado em termos contratuais, e a interpelação para pagamento da quantia exequenda.

Ademais, importa sublinhar que, in casu, a interpelação para pagamento da quantia certa, entenda-se citação no âmbito do processo de execução fiscal, foi concretizada em termos pessoais, tendo a Recorrente sido citada pessoalmente, conforme flui do probatório, não impugnado nesse segmento.

Note-se que o efeito fundamental da solidariedade passiva consiste em cada um dos condevedores se responsabilizar pela inteira prestação (artigo 512.º nº 1 do CC) e daí que o credor a possa exigir, no todo ou em parte, da totalidade dos devedores ou só de alguns deles (artigo 519.º nº 1 do CC).

Acresce que, conforme esclarece o já citado Aresto do TJUE C-52/14
“O artigo 3.°, n.º 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que foi dado conhecimento à «pessoa em causa», na aceção dessa disposição, dos atos que visam instruir ou instaurar procedimento contra uma irregularidade quando um conjunto de factos permita concluir que foi dado efetivamente conhecimento desses atos de instrução ou de abertura de um procedimento à pessoa em causa. Nos casos de pessoas coletivas, esse pressuposto está preenchido se tiver sido efetivamente dado conhecimento do ato em causa a uma pessoa cujo comportamento possa ser imputado (…)”

Entende-se, outrossim, que assume a natureza de causa interruptiva a notificação expedida pela AICEP Portugal Global, ocorrida a 06 de fevereiro de 2014, contemplada no ponto 21) do probatório, ora, aditada, porquanto representa o ato emanado pela autoridade competente donde promana, inequivocamente, a elucidação de que o incumprimento contratual assumiu caráter definitivo e que mesmo que “[a]dívida fosse paga integralmente à AICEP, os referidos contratos de investimento mantem-se em incumprimento dos seus objetivos, prevendo os próprios contratos consequências diretas de rescisão para estes casos, tal como vos foi comunicado nas nossas cartas de 26 de julho de 2013 (RePs AICEP …..e AICEP …..- 15280).”, não podendo, por isso, configurar-se qualquer pretensão de “declarar sem efeito a deliberação tomada pelo Conselho de Administração da AICEP, em 16 de Julho de 2013, de resolução dos contratos de investimento”.

No concernente à Resolução do Contrato constante do ponto 11 do probatório perfilhamos a posição adotada pelo Tribunal a quo, não podendo ser entendida como ato tendente a instaurar ou instruir o procedimento por irregularidade, porquanto este representa o culminar do procedimento por irregularidade, logo sem qualquer possibilidade de ser apelidado como ato de instrução e mais ainda como instauração.

O mesmo sucede com os planos de pagamento da dívida que, como o próprio nome indica representam a cominação decorrente do incumprimento, ou seja, pressupõe a montante que o incumprimento já esteja firmado, donde, sem conexão com a instauração ou instrução da irregularidade.

Ato de instrução ter-se-á, portanto, de coadunar como ato tendente a solicitar elementos por forma a averiguar, no sentido de detetar alguma irregularidade suscetível de vir a instruir ou instaurar algum procedimento por irregularidade, ou seja, obtenção e exame de elementos por forma a aquilatar ou mesmo esclarecer da existência de irregularidades.

Neste âmbito, clarifica o Acórdão do STA proferido no processo nº 0295/10, de 11 de abril de 2010, que:

“[a]o solicitar a remessa dos cheques e faturas o IFAP está a tentar esclarecer/averiguar se existe ou não alguma irregularidade, está a exercer o controlo exigível para efeitos de interrupção do prazo de prescrição.

Isto é, o IFAP ao solicitar os referidos elementos está a averiguar no sentido de detetar alguma irregularidade suscetível de vir a instruir ou instaurar algum procedimento por irregularidade.”

Acresce que, e não obstante o supra expendido, sempre as aludidas factualidades convocadas pelo Tribunal a quo, não poderiam legitimar a interrupção do cômputo do prazo prescricional, porquanto sempre lhes faltaria o predicado de emissão pela autoridade competente, no caso, pela AICEP Portugal Global.

Com efeito, voltando às considerações do citado Aresto do TJUE C-52/14:
“O artigo 3.°, n.° 1, terceiro parágrafo, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «autoridade competente», na aceção dessa disposição, deve ser entendido como a autoridade com competência, nos termos do direito nacional, para adotar os atos de instrução ou de abertura de procedimento em causa, podendo essa autoridade ser diferente da que atribui ou recupera as quantias indevidamente recebidas em prejuízo dos interesses financeiros da União Europeia.” (destaque nosso).

Nessa medida, face a todo expendido, temos que o último ato tendente a esclarecer sobre a existência de alguma irregularidade, donde, com efeito interruptivo data de 06 de fevereiro de 2014, logo o prazo de prescrição expirava em 06 de fevereiro de 2018, pelo que tendo a Recorrente apenas sido citada a 31 de julho de 2018, foi-o em data posterior à ocorrência do prazo prescricional.

Mas, a mesma conclusão se inferiria tomando por base o prazo de execução da sanção, consignado no citado artigo 3.º, nº2 do Regulamento que vimos analisando.

Senão vejamos.

Como doutrinado, nos Acórdãos do STA proferidos nos processos nº 0583/16, 0337/18, 02525/08 datados de 29 de março de 2017, 19 de outubro de 2017 e de 03 de julho de 2019, respetivamente, extratando-se o sumário, na parte que para os autos releva, do mais recente Aresto citado que:

“II - Nos termos do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento (CE/Euratom) 2988/95, o prazo de execução da decisão que aplica a sanção ou medida administrativa é de três anos, contado desde o dia em que a decisão se torna definitiva, sendo esse prazo objecto de interrupção ou suspensão nos termos das disposições pertinentes do direito nacional.

III - Os prazos previstos no citado Regulamento são aplicáveis ao caso dos autos, na ausência de disposições de direito interno que prevejam prazos especiais para o efeito.

IV – No caso dos autos não foi observado o prazo para a execução da decisão do IFAP que ordenou a restituição da ajuda comunitária (art. 3.º n.º 2 do Regulamento), pelo que está prescrito o direito de executar a dívida a qual é inexigível, sendo procedente a oposição.”

Ora, no caso sub judice, o ato que aplica, definitivamente, a sanção é a Resolução de Conselho de Ministros datada de 4 de novembro de 2014, logo a execução teria de suceder, no limite, no prazo de três anos, ou seja, até 4 de novembro de 2017, o que, como visto, não sucedeu porquanto não obstante a certidão de dívida[6] tenha sido extraída a 19 de outubro de 2017, a verdade é que apenas a 18 de janeiro de 2018 foi instaurado o processo de execução fiscal pelo órgão da execução fiscal conforme resulta do ponto 14) não impugnado.

Está, pois, prescrito o direito de executar o ato que corporiza a dívida exequenda, contrariamente ao decidido, em primeira instância, sendo de revogar a sentença recorrida.

Face a todo o exposto, resulta do probatório fixado que não foi observado o prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento, assim como não foi observado o prazo para a execução da decisão do AICEP Portugal Global, contemplado no citado artigo 3.º, nº2, não podendo, por isso, manter-se a decisão recorrida.


***

No tocante às custas, como referido no Acórdão do STA, de 07.05.2014, proferido no processo nº 01953/13: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso).

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.B., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante, se entender que, face à complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à atuação das partes, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 500.000,00 Euros.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e em consequência julgar prescrito o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento e o direito de executar o ato que corporiza a dívida exequenda, com a consequente extinção do processo de execução fiscal.

Custas pela Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda 500.000,00 Euros.

Registe. Notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2020

 (Patrícia Manuel Pires)

(Susana Barreto)

 (Vital Lopes )


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[1] Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
[2] Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
[3] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[4] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[5] Vide, neste sentido, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0571/18, de 23 de abril de 2020
[6]Emergindo a dívida do AICEP, em execução de um ato administrativo que determinou o reembolso do incentivo financeiro e respetivos benefícios fiscais concedidos ao beneficiário, resultante de incumprimento de contrato de investimento e integrante contrato de benefícios fiscais, é a Administração Tributária que detém a competência para promover a obtenção do seu pagamento coercivo, mediante instauração do competente processo de execução fiscal.