Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07373/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/13/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ARTº.6, Nº.7, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA A CONSIDERAR NA CONTA FINAL DO PROCESSO.
PRESSUPOSTOS DA DISPENSA DO SEU PAGAMENTO.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE.
TAXA DE JUSTIÇA.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE.
DIREITO DE ACESSO AO DIREITO E À TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA (CFR.ARTº.20, Nº.1, DA C.R.P.).
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA NORMA DO ARTº.6, Nº.7, DO R.C.P.
Sumário:1. O artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento. O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”. É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
2. A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial. Por outro lado, refira-se que a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do Tribunal a dispensar o pagamento do aludido remanescente da taxa de justiça, importando concluir que o juiz pode exarar tal decisão a título oficioso, embora sempre na decisão final do processo.
3. A maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
4. As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados.
5. No que se refere à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil).
6. O princípio constitucional da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso), desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de “direitos, liberdades e garantias”, que consiste no respeito do “conteúdo essencial” dos respectivos preceitos (cfr.artº.18, nº.2, da C.R.P.).
7. O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artº.20, nº.1, da C.R.Portuguesa, consubstancia, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais e sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito. Ele é um corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, da proibição da autodefesa e das exigências de paz e segurança jurídicas. O preceito reconhece vários direitos conexos mas distintos, como seja, o direito de acesso aos Tribunais, tal como a garantia de que o direito à justiça não pode ser prejudicado por insuficiência de meios económicos. No entanto, este normativo constitucional não contém nenhum imperativo de gratuitidade dos serviços de justiça, contrariamente ao que sucede, em termos tendenciais, nomeadamente, com os serviços de saúde e resulta do artº.64, nº.2, al.a), da C.R.P.
8. O direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa. Em hipótese deste tipo, sustentada a elaboração da conta em disposições da lei ordinária que conduzam a esse inadequado resultado, devem tais normas ser desaplicadas, por, na interpretação assim conducente, padecerem de inconstitucionalidade material. Ainda na mesma hipótese, a conformidade constitucional da interpretação normativa dessas disposições há-de passar por uma intervenção moderadora do juiz, atribuindo-lhe um sentido que permita ajustá-las a aceitáveis e adequados limites. Essa intervenção moderadora pode encontrar-se no princípio segundo o qual, dadas as particularidades do procedimento tributado, se não justifica o pagamento do remanescente que supere o valor de € 275.000,00, antes se legitimando a interpretação moderadora das normas (conforme à Constituição) e o seu ajustamento àquele mencionado limite, também ao abrigo do examinado princípio da proporcionalidade. É o caso da norma do artº.6, nº.7, do R.C.P., por referência à Tabela I, anexa ao mesmo diploma, na interpretação segundo a qual num processo tributário de impugnação que somente teve tramitação em 1ª. instância e no qual não se realizou qualquer diligência de prova, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas ao valor total de € 192.270,00), a qual deve declarar-se materialmente inconstitucional.

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho proferido pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarado a fls.342 e 343 do presente processo, através do qual indeferiu a reclamação da conta de custas apresentada pelo recorrente, em virtude de já ter transitado em julgado a decisão sobre custas do processo, mais mantendo a citada conta elaborada a fls.333 dos autos.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.372 a 384 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Nos autos de impugnação, supra referenciados, o Tribunal decidiu-se pela procedência da presente impugnação, anulando as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, com o seguinte fundamento: "(...), assim, na esteira do defendido pela impugnante e pelo Ministério Público que os actos de liquidação em crise nos presentes autos encontram-se feridos do vício de violação de lei, uma vez que não foram antecedidos do competente procedimento de aplicação de norma anti-abuso.";
2-Termina condenando a Fazenda Pública em custas, sem qualquer referência ao valor para efeitos de custas, valor esse a ter em conta, pelo contador, no cálculo das custas a final;
3-Face à não fixação pela sentença do valor para efeitos de custas, resulta na descrição relativa à conta efectuada no processo em referência que o valor total a pagar foi apurado com base, essencialmente, na aplicação da regra geral constante do nº.1, do artº.6, do RCP, ou seja, no valor do processo (€ 15.840.909,65);
4-Na verdade, atenta à situação em concreto, do conhecimento integral do Tribunal "a quo", caracterizada por uma impugnação, embora contestada por parte da impugnada, ora recorrente, não se verificou qualquer audiência, nomeadamente inquirição de testemunhas, tendo a impugnada sido condenada no pagamento integral das custas (que envolvem as taxas de justiça), sem que nunca tenha recorrido desta sentença, viola o princípio da justiça a mera exigência junto da parte vencedora de um pagamento de valor exorbitante, a título de taxa de justiça remanescente, configurando uma clara sanção, senão mesmo um imposto ou confisco;
5-Acresce ao supra referido que a conduta processual das partes se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de actos inúteis, fornecendo todos os elementos necessários à boa decisão da causa, evitando porventura a realização oficiosa de todo o tipo de diligências; por outro lado, a complexidade da causa veio a revelar-se de diminuta, uma vez que a fundamentação da sentença limitou-se em dar resposta à questão sobre se as liquidações efectuadas pela Administração Fiscal com base na aplicação de uma cláusula de prática abusiva por parte do contribuinte, nos termos do artº.63, do CPPT, dependem ou não da abertura, para o efeito, de procedimento próprio e específico (cfr.ponto 6, do título "Actos processuais relevantes das presentes alegações), pelo que as custas devidas no valor de € 192.270,00 (aplicadas por parte do Tribunal "a quo"), sempre se dirá que a fixação das custas nesse valor (ou em valor semelhante) viola, em absoluto, o princípio da proporcionalidade, do excesso, da justiça e do acesso ao direito;
6-O nº.7, do artº.6, daquele diploma não deve ser interpretado como permitindo o cálculo das custas judiciais tendo em conta o valor do processo, sem atender ao limite máximo de € 275,000.00, por violar o direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade;
7-Deverá ser julgada inconstitucional qualquer interpretação, do nº.1, do artº.6, do RCP, que leve à aplicação do cálculo das custas judiciais sem tomar em atenção o limite máximo estipulado no Regulamento das Custas Processuais, por violação do artº.20, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artºs.2 e 18, nº.2, segunda parte, da mesma Constituição;
8-Na verdade, considerando a tramitação aqui em causa, a contagem de € 190.638,00 de taxa de justiça, imputada à parte vencida e ora recorrente, nos termos do sistema do Regulamento das Custas Processuais, é manifestamente desproporcionada às características do serviço público concretamente prestado, atendendo ao custo de vida em Portugal;
9-Este exagero resultou directamente do elevado valor da acção e sem qualquer tradução na complexidade do processo, sendo por isso de notar a desproporção entre o serviço público envolvido e o valor total cobrado, desse modo tendo sido violado o princípio estruturante constitucional da proibição do excesso, como também o direito de acesso aos tribunais, previsto no artº.20, nº.1, da CRP;
10-Deverá ser julgada inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº.20, da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artº.2, da CRP, a norma que se extrai da conjugação do disposto no artº.6, nº.1, e tabela I-A anexa do RCP, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante;
11-Deverá ordenar-se a reforma da conta de custas, tendo em conta o máximo de € 275,000,00, fixado na Tabela I do RCP, desconsiderando-se o remanescente;
12-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se o douto despacho em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.397 a 400 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:
1-Em 30/11/2010, a sociedade recorrida, "... - Unidades de Saúde e de Apoio à Terceira Idade, S.A.", intentou a presente acção através da apresentação da p.i. junta a fls.2 e seg. dos autos no Tribunal Tributário de Lisboa, em cujo final indica como valor do processo o montante de € 15.840.909,65 (cfr.articulado junto a fls.2 a 68 dos presentes autos);
2-Estruturado despacho liminar, a Fazenda Pública juntou aos autos processo administrativo por apenso, mais assumindo como contestação a informação exarada no mesmo apenso e terminando a pugnar pela improcedência da impugnação (cfr.requerimento junto a fls.197 dos autos);
3-A sociedade impugnante e ora recorrida foi notificada da junção do processo administrativo por apenso, após o que foi ordenada a abertura de vista ao Digno Magistrado do M.P. (cfr.documentos juntos a fls.213 e 214 dos autos);
4-Em 18/11/2011, o Digno Magistrado do M.P. exarou parecer no qual conclui pela procedência da impugnação, visto que a Fazenda Pública, ao estruturar as liquidações de I.V.A. objecto do processo fez funcionar a cláusula geral anti-abuso subsumível no artº.38, da L.G.T., embora sem ter lançado mão do procedimento processual previsto para o efeito no artº.63, do C.P.P.T. (cfr.documento junto a fls.216 e 217 dos autos);
5-Em 7/2/2012, foi exarado despacho a ordenar a notificação das partes com vista à produção de alegações escritas no prazo de trinta dias (cfr.documento junto a fls.219 dos autos);
6-As partes estruturaram alegações escritas nas quais terminam como nos respectivos articulados (cfr.documentos juntos a fls.223 a 255 dos autos);
7-Em 31/10/2012, foi exarada sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na qual se conclui pela ilegalidade das liquidações de I.V.A. impugnadas, desde logo porque não foram antecedidas do competente procedimento processual de aplicação de normas anti-abuso, em consequência do que anula as mesmas, mais terminando a condenar em custas a Fazenda Pública, ao abrigo do artº.446, do C.P.Civil, embora não indique qualquer valor para a causa (cfr.documento junto a fls.258 a 313 dos autos);
8-Notificadas as partes e o M.P. do conteúdo da sentença lavrada, não foi deduzido recurso, tendo a mesma transitado em julgado em 23/11/2012 (cfr.cópia de certidão junta a fls.317 dos autos);
9-Em 18/12/2012, a Fazenda Pública veio aos autos juntar comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação, calculada nos termos do artº.15, nº.2, do R.C.Processuais (1), e no montante de € 1.632,00 (cfr.documentos juntos a fls.316 e 326 a 328 dos autos);
10-Em 20/12/2012, o presente processo foi remetido à conta (cfr.documento junto a fls.330 dos autos);
11-Em 1/7/2013, foi estruturada a conta do processo, a qual tem como base tributável o valor de € 15.840.909,65, identificado no nº.1 supra, com suporte no qual foi calculada a taxa de justiça total devida no montante de € 192.270,00 nos termos do artº.6, do R.C. Processuais, sendo o excedente da taxa ainda em dívida, determinado nos termos do nº.7 do mesmo preceito, no quantitativo de € 190.638,00 e da responsabilidade da Fazenda Pública (cfr.documentos juntos a fls.333 e 334 dos presentes autos);
12-Notificada da conta de custas, em 15/7/2013, a Fazenda Pública veio apresentar requerimento ao abrigo do artº.6, nº.7, do R.C.Processuais, no qual termina pedindo a dispensa do pagamento da taxa de justiça superior ao valor de € 275.000,00, estabelecido no mesmo preceito, visto verificarem-se os pressupostos para tal (cfr.documento junto a fls.339 dos autos);
13-Em 9/9/2013, foi exarado despacho pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no qual se conclui pelo indeferimento do requerimento identificado no nº.12, em virtude de já ter transitado em julgado a decisão sobre custas do processo (cfr.documento junto a fls.342 e 343 dos presentes autos);
14-Em 23/9/2013, a Fazenda Pública apresentou recurso do despacho identificado no nº.13, dirigido a este Tribunal (cfr.documento junto a fls.348 dos autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, o despacho recorrido julgou improcedente a reclamação da conta de custas apresentada pela recorrente, em virtude de já ter transitado em julgado a decisão sobre custas do processo (cfr.nº.13 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que face à não fixação pela sentença do valor da causa para efeitos de custas, resulta da descrição relativa à conta efectuada no processo em referência que o valor total a pagar foi apurado com base, essencialmente, na aplicação da regra geral constante do nº.1, do artº.6, do R.C.P., ou seja, no valor do processo (€ 15.840.909,65). Que atenta a situação dos autos, de conhecimento integral do Tribunal "a quo", caracterizada por uma impugnação, embora contestada por parte da impugnada, ora recorrente, não se verificando qualquer produção de prova, nomeadamente inquirição de testemunhas, tendo a impugnada sido condenada no pagamento integral das custas (que envolvem as taxas de justiça), sem que nunca tenha recorrido desta sentença, viola o princípio da justiça a mera exigência junto da parte vencedora de um pagamento de valor exorbitante, a título de taxa de justiça remanescente, configurando uma clara sanção, senão mesmo um imposto ou confisco. Que a conduta processual das partes se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de actos inúteis. Que a complexidade da causa veio a revelar-se diminuta. Que a fixação das custas no valor de € 192.270,00 (ou em valor semelhante) viola, em absoluto, os princípios da proporcionalidade, do excesso, da justiça e do acesso ao direito. Que o nº.7, do artº.6, do R.C.P., não deve ser interpretado como permitindo o cálculo das custas judiciais tendo em conta o valor do processo, sem atender ao limite máximo de € 275,000.00, por violar o direito de acesso aos Tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade. Que deverá ser julgada inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº.20, da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artº.2, da C.R.P., a norma que se extrai da conjugação do disposto no artº.6, nº.1, e tabela I-A anexa do R.C.P., na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o Tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante. Que deverá ordenar-se a reforma da conta de custas, levando em consideração o máximo de € 275,000,00, fixado na Tabela I do R.C.P., desconsiderando-se o remanescente (cfr.conclusões 1 a 11 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:
Artigo 6.º
Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.
4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.
5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.
Ainda, refira-se que a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do Tribunal a dispensar o pagamento do aludido remanescente da taxa de justiça, importando concluir que o juiz pode exarar tal decisão a título oficioso, embora sempre na decisão final do processo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.236).
Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:
Artigo 530º.
Taxa de justiça
(…)
7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.85).
Por último, no que se refere à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Revertendo ao caso dos autos, defende o recorrente que a cobrança do montante de € 192.270,00, a título de custas pagas a final nos termos do artº.6, nº.7, do R.C.P., viola os princípios do acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade entre a correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos Tribunais, princípios esses previstos nos artºs.2 e 20, nº.1, da Constituição da República Portuguesa.
As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).
O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso), chamado à colação pelo recorrente desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de “direitos, liberdades e garantias”, que consiste no respeito do “conteúdo essencial” dos respectivos preceitos (cfr.artº.18, nº.2, da C.R.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 7/5/2013, proc.6579/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7104/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.392 e seg.).
No caso “sub judice”, consubstancia o recorrente a alegada violação do examinado princípio, por parte da conta de custas estruturada no presente processo e do citado artº.6, nº.7, do R.C.P., dado implicar o pagamento de taxa de justiça a final no montante de € 192.270,00, a título de custas pagas a final.
Nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).
Abordemos agora o princípio do acesso ao Direito, consagrado no artº.20, nº.1, da C.R.P.
O direito de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no aludido normativo constitucional consubstancia, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais e sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito. Ele é um corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, da proibição da autodefesa e das exigências de paz e segurança jurídicas.
O preceito reconhece vários direitos conexos mas distintos, como seja, o direito de acesso aos Tribunais, tal como a garantia de que o direito à justiça não pode ser prejudicado por insuficiência de meios económicos.
No entanto, este normativo constitucional não contém nenhum imperativo de gratuitidade dos serviços de justiça, contrariamente ao que sucede, em termos tendenciais, nomeadamente, com os serviços de saúde e resulta do artº.64, nº.2, al.a), da C.R.P. (cfr.ac.T.Constitucional 347/2009, de 8/7/2009; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.408 e seg.).
Mais se dirá que a conta de custas final do processo é elaborada em consonância com a distribuição da responsabilidade fixada na decisão final do mesmo e já transitada em julgado e o incidente de reclamação, que sobre ela incide, apenas comporta o alcance de salvaguardar a conformidade da sua feitura (material) com as disposições legais aplicáveis.
Conforme aludido supra, o direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados, na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa. Em hipótese deste tipo, sustentada a elaboração da conta em disposições da lei ordinária que conduzam a esse inadequado resultado, devem tais normas ser desaplicadas, por, na interpretação assim conducente, padecerem de inconstitucionalidade material. Ainda na mesma hipótese, a conformidade constitucional da interpretação normativa dessas disposições há-de passar por uma intervenção moderadora do juiz, atribuindo-lhe um sentido que permita ajustá-las a aceitáveis e adequados limites. Essa intervenção moderadora pode encontrar-se no princípio segundo o qual, dadas as particularidades do procedimento tributado, se não justifica o pagamento do remanescente que supere o valor de € 275.000,00, antes se legitimando a interpretação moderadora das normas (conforme à Constituição) e o seu ajustamento àquele mencionado limite, também ao abrigo do examinado princípio da proporcionalidade (cfr.ac.T.Constitucional 116/2008, de 20/2/2008; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/4/2012, rec.768/11).
Revertendo ao caso dos autos, levando em consideração a factualidade provada (cfr.nºs.1 a 7 e 11 do probatório), deve concluir-se que se justifica no presente processo a aludida intervenção moderadora, assim devendo dar-se provimento à apelação da Fazenda Pública.
Uma vez que colhe provimento o recurso quanto ao esteio acabado de examinar, não se entende necessário dissecar se a taxa em causa nos presentes autos consubstancia um verdadeiro imposto ou confisco.
Atento o relatado, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO:
1-Declarar a norma do artº.6, nº.7, do R.C.P., por referência à Tabela I, anexa ao mesmo diploma, na interpretação segundo a qual num processo tributário de impugnação que somente teve tramitação em 1ª. instância e no qual não se realizou qualquer diligência de prova, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas ao valor total de € 192.270,00), materialmente inconstitucional, por violação do direito de acesso aos Tribunais e do princípio da proporcionalidade;
2-Ordenar que se proceda à reforma da conta de custas do presente processo (cfr.nº.11 do probatório), tendo em conta o máximo de € 275.000,00 fixado na Tabela I, anexa ao R.C.P., e desconsiderando-se o remanescente.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Março de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Jorge Cortês - 2º. Adjunto)


1- (cfr.redacção da Lei 7/2012, de 13/2)