Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01523/06
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/17/2013
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA; PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL; AJUSTE DE REVENDA.
Sumário:1)As cláusulas de irrevogabilidade da procuração, bem como a circunstância de serem passadas no interesse do procurador, transmitem para o domínio deste praticamente os mesmos poderes materiais correspondentes ao exercício do proprietário sobre o imóvel.

2)Se o impugnante/promitente comprador outorgou o contrato-promessa e foi investido na posse do prédio, através da outorga da procuração irrevogável, pagou o preço da venda do prédio na quase totalidade e transferiu, em nome do dono do prédio, parcelas do referido prédio em favor de terceiros, está comprovada a posse do promitente-comprador/impugnante e a existência de ajuste de revenda em favor de terceiros.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
A Representante da Fazenda Pública, não se conformando com a sentença proferida a fls. 290/307, que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de SISA e juros compensatórios, no montante total de 3.212.259$00, deduzida por António ................, veio interpor o presente recurso jurisdicional.
Nas alegações de recurso de fls. 336/345, formula as conclusões seguintes:
1) O impugnante veio pedir a anulação da liquidação de Imposto Municipal de Sisa e juros compensatórios efectuada pelo Serviço de Finanças de ...............;
2) Essa liquidação foi efectuada na sequência do relatório de inspecção, onde se constatou ter sido celebrado, em 1993, contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, entre o ora impugnante, Francisco .................. e mulher, para aquisição de um prédio misto, devidamente identificado nos autos;
3) Também nessa acção de fiscalização se constatou que na mesma data em que foi celebrado o supra referido contrato promessa de compra e venda com eficácia real, foi outorgada procuração irrevogável, no interesse do ora impugnante, para a venda a si ou a terceiro, do mesmo prédio misto, sendo mandantes o mesmo Francisco ................. e mulher;
4) A douta sentença entendeu que assistia razão ao impugnante, fundamentando conforme se lê na mesma, aqui dada como integralmente reproduzida;
5) Decisão com que não se concorda, daí o presente recurso;
6) Desconsiderou a douta sentença o facto de que no contrato de promessa de compra e venda com eficácia real foi estabelecido um prazo para a celebração da escritura de compra e venda que a não ser cumprido, poderia ser renovado “mediante acordo, por escrito, das partes”, não tendo nunca celebrado essa escritura;
7) A declaração constante no contrato promessa, de não ter havido tradição para o promitente comprador do prédio, não pode valer para futuro. Tal apenas pode significar que até àquele dia tal ainda não se tinha verificado.
8) A inclusão desta cláusula denota claramente as cautelas com o promitente comprador actuava, demonstrando um perfeito conhecimento das normas fiscais;
9) A Administração Tributária presumiu a tradição referida no n.º 2 do §1.º do art.º 2.º do CIMSISSD, face à outorga da procuração irrevogável.
10) É do senso comum que a outorga de tais procurações consubstanciava vendas “encapotadas” que tinham como objectivo primeiro, a evasão fiscal, por parte do comprador, que assim não necessitava celebrar a respectiva escritura de compra e venda, nem pagar a correspondente sisa, para não falarmos também de eventuais mais-valias;
11) É evidente, e assim devia ter sido valorado pela douta sentença, que a partir da outorga da procuração irrevogável, o mandante e promitente vendedor, que quando muito pode ser considerado simples detentor do prédio, embora não se conceda, a partir daí, jamais pôde exercer na sua plenitude, o seu direito de propriedade sobre o mesmo;
12) Por força de uma tal procuração, jamais o mandante e promitente vendedor, poderá vender o referido prédio a qualquer interessado que eventualmente surja;
13) Não foi também devidamente valorado o facto do valor do sinal ser tão próximo do preço global, por que foi acordada a venda. Uma percentagem de 93,75% do preço é sem dúvida indício concreto e muito forte de que o que as partes pretendiam era efectivamente comprar e vende o respectivo prédio e não apenas prometer tal;
14) Relativamente à produção de prova, o tribunal a quo apenas fundou a sua decisão com base em documentos apresentados pelo impugnante;
15) Atendendo ao princípio da descoberta da verdade material a que o douto tribunal a quo se encontra vinculado, entendemos que não foi tal princípio devidamente respeitado;
16) Constata-se, por um lado, que foi dispensada a produção de prova testemunhal pelo douto despacho de fls. 37, de 01.02.2005;
17) Constata-se também que nos presentes autos não se encontra anexo o respectivo processo administrativo, podendo o meritíssimo juiz ordenar a sua remessa ao respectivo serviço de finanças, nos termos do n.º 5, do art.º 110.º do CPPT, o que não se verificou;
18) Assim, não foi sequer apreciado o facto de na matriz cadastral rústica se encontrar averbada a propriedade de 330/33000 avos indivisos adquiridos por Honorina ........................, em 20.06.1996, através de escritura (Livro 46ª/Folhas 113) celebrada no Cartório Notarial de .................
19) Ora se ocorreu uma venda, embora de 330/33000 avos indivisos, após a celebração do referido contrato de promessa e da outorga da referida procuração irrevogável, também não pode deixar de se considerar verificada a situação prevista no §2.º, do art.º 2.º do CIMSISSD, ou seja, a tradição.
20) Também não foi apreciada como prova a respectiva certidão do registo predial, assim como não foi apreciado na sua totalidade o relatório da fiscalização, do qual apenas se encontra nos presentes autos uma página que foi apresentada com a petição inicial, pelo impugnante;
Conclui, nos termos seguintes:
i) A liquidação da sisa e respectivos juros compensatórios foi correctamente efectuada pela Administração Tributária, pelo que a mesma deve ser considerada legal;
ii) Existiam indícios concretos de que a tradição se verificara, estando verificada a situação prevista no §2º, do art.º 2.º do CIMSISSD;
iii) A prova documental não foi devidamente apreciada pelo tribunal a quo;
iv) A prova documental junto aos autos não é bastante para levar a decidir pela procedência da pretensão do contribuinte.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 176/178, dos autos), no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- Fundamentação
2.1. De Facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A) Em 10/09/1993 foi outorgada no Cartório Notarial de ......... o contrato de promessa de compra e venda com eficácia real entre Francisco ................. e mulher na qualidade de promitentes vendedores e António ............... como promitente-comprador, tendo por objecto o prédio misto situado em L.............. ou Mata Lobos, freguesia e concelho de .............., descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o nº ....../190687, sendo o preço global da venda de 16.000.000$00 (como consta de fls. 6/8).
B) Ficou estipulado no referido contrato que o segundo outorgante pagará aos primeiros outorgantes, como sinal e princípio de pagamento a quantia de 15.000.000$00, como consta da cláusula quarta do contrato a fls. 6 verso.
C) No referido contrato consta expressamente a seguinte menção "Declaram ainda não ter havido tradição para o promitente-comprador do referido prédio" (cfr. fls. 7/verso).
D) Os serviços da administração tributaria na sequência de diligências efectuadas constataram que em 13/09/1993 foi celebrado no Cartório Notarial de ............... o contrato de promessa de compra e venda com eficácia real entre Francisco ............. e mulher e António ................ tendo ainda sido constatado que no mesmo dia e no mesmo Cartório Notarial foi outorgada procuração irrevogável, no interesse do mandatário António ..............., tendo como mandante Francisco ................. e mulher (como consta de fls. 9).
E) Em 20/07/1999 foi apresentada junto do Serviço de Finanças de ........................ a petição de impugnação de fls. 2/5.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
«A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório. // Não existem factos relevantes para a decisão que importe registar como não provados».
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Compulsados os autos, impõe-se rectificar a alínea D), do probatório, a qual passa a ter a redacção seguinte:
D) «Em 13.09.1993, Francisco ............. e mulher outorgaram procuração em favor de António ................. nos termos seguintes: «a quem conferem os poderes necessários, negociando inclusive consigo mesmo, para hipotecar, permutar, vender ou prometer vender, pelo preço e condições que entender por convenientes o prédio misto situado em L.......... ou Mata Lobos, freguesia e concelho de .............., descrito na Conservatória do Registo Predial de ................, sob o n.º ............/190687, da freguesia de ................, podendo para tanto outorgar e assinar a respectiva escritura e assim como contratos de promessa de compra e venda, receber o preço e dar quitação do mesmo, assinando documentos necessários, promover os competentes registos na Conservatória do Registo Predial, provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, Câmara Municipal e Repartições Oficiais Públicas ou Administrativas e, designadamente, na Repartição de Finanças, e ainda para com livre e geral administração civil reger e gerir o referido prédio misto, dá-lo de arrendamento, passar e assinar recibos, pelo preço, renda e condições que entender conveniente, receber rendas, despedir inquilinos, renovar, prorrogar ou rescindir os respectivos contratos, liquidar impostos ou contribuições, reclamando dos indevidos ou excessivos, recebendo título de anulação e suas correspondentes importâncias, requerendo avaliações fiscais e inscrições matriciais, fazer manifestos, alterá-los ou cancelá-los, apresentar relações de bens ou mapas de inquilinos, podendo ainda prestar quaisquer declarações complementares, representá-lo em juiz, usando para o efeito de todos os poderes forenses em direito permitidos, os quais deverá substabelecer em advogado ou procurador habilitado sempre que deles tenha de usar, requerendo, praticando e assinando tudo o mais que for necessário para os fins indicados» - fls. 63/64, do p.a.
D’) Mais se consigna no instrumento referido o seguinte: «O presente mandato é conferido no interesse do mandatário, sendo por isso irrevogável e incaducável» - Ibidem.
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Ao abrigo do disposto no artigo 712.º/1/a), do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
F) Francisco ................ e mulher adquiriram o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ............./190687, da freguesia de ..................., em 16.07.92 – certidão da CRP, de fls. 145/173, cujo teor se dá por reproduzido.
G) No contrato promessa de compra e venda referido em A), consignou-se na cl.ª 2.ª o seguinte: «O segundo outorgante poderá, em qualquer altura, ceder a sua posição contratual a terceiro, bastando para tanto notificar os primeiros outorgantes».
H) Em 01.09.1995, Agostinho ..................... adquiriu a Francisco ............... e mulher dois 350/33000 indivisos do prédio misto sito na L............., freguesia e concelho de ............, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ............../190687, da dita freguesia de ............... – fls. 145/173.
I) Em 20.06.1996, foi celebrada escritura de compra e venda, por meio da qual Honorina ....................... adquiriu a Agostinho ................ 350/33000 indivisos do prédio misto sito na L............., freguesia e concelho de ...................., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º........./190687, da dita freguesia de .......– fls. 139/141.
J) Até à data de 17.08.2013, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ........./190687, da freguesia de..............., foi dividido em parcelas, as quais foram vendidas por Francisco .............. e mulher a terceiros - certidão da CRP, de fls. 145/173, cujo teor se dá por reproduzido.
K) Por meio de ofício de 11.05.99, o impugnante foi notificado para efectuar o pagamento da importância de 3.212.259$00, correspondente 1.590.400$00 a IMSisa e 1.621.895$00 a juros compensatórios – fls. 70/71, do p.a.
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2.2. De Direito
2.2.1. Vem interposto recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 290/307, que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de SISA e juros compensatórios, no montante total de 3.212.259$00, deduzida por António .......................
2.2.2. É o seguinte o discurso fundamentador da sentença recorrida:
«A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a liquidação adicional, tendo por base a asserção de ter ocorrido a tradição do imóvel. // Nos termos do art.º 2.º do Código de Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD), a sisa incide sobre as transmissões a título oneroso, do direito de propriedade ou outras figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis. // Em regra, a sisa incide sobre essas transmissões onerosas, no entanto, existem casos em que a incidência é antecipada de modo a coincidir não com a transmissão civil de direitos, mas com a transmissão económica, tal como acontece nas promessas de compra e venda ou troca de bens imobiliários, logo que se verifica a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, o quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens (cfr. 2.º do § 1º do art.º 2.º do CIMSISSD). // E de acordo com o §2.º do art. 2.º do mesmo código, nas promessas de venda, entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor foi depois outorgada a escritura de venda. // No caso em apreço, resultou do probatório a celebração de um contrato promessa de compra e venda de um imóvel em que ficou acordado o pagamento quase na íntegra do preço acordado, tendo no mesmo dia sido outorgada procuração irrevogável a favor do promitente-comprador. Tais factos indiciam que as partes pretenderam desde logo concluir o negócio e que em princípio se terá verificado transmissão económica. Contudo, tal conclusão não se mostra comprovada por outros elementos, designadamente, não se mostra provada a tradição da coisa, ou seja, que a partir da celebração de tais contratos, o promitente comprador passou a exercer os poderes de uso e fruição da coisa como se fosse seu dono. Ora, tal prova incumbia à AT, a qual tinha de fundamentar o acto de tributação, mas ao invés limitou-se a presumir tal tradição. // Desta forma se conclui que não se mostram reunidos os pressupostos definidos no n.º 2 do §1º do art.º 2.º do CIMSISSD, pelo que a liquidação é ilegal. // Pese embora, a existência de procuração irrevogável, não chegou a ocorrer qualquer ajuste de revenda com terceiro, pelo que também não se mostra verificada a situação prevista no §2.º do citado preceito legal. // Desta forma, conclui-se que a liquidação da sisa é ilegal por errónea qualificação do facto tributário».
2.2.3. Do alegado erro de julgamento quanto à inexistência de tradição do imóvel em referência
A recorrente censura a sentença em crise, por a mesma ter dado como não provada a tradição do imóvel para o promitente-comprador/impugnante, e nesse pressuposto, entender que a liquidação do imposto enferma de erro quanto aos pressupostos de facto, que não se verificará, defende.
Vejamos.
Nos termos do artigo 2.º do Código do Imposto Municipal de SISA/CSISA, «[a] sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis». O artigo 2.º/1.º/2.º, do CSISA estatui o seguinte: «[c]onsideram-se, para esse efeito, transmissão de propriedade imobiliária», // «[a]s promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aqueles ou estes estejam usufruindo os bens». Por seu turno, nos termos do §2.º do artigo 2.º do CSISA, estabelece-se que «[n]as promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo vendedor foi depois outorgada a escritura de venda».
O preceito do artigo 265.º do Código Civil tem o teor seguinte: «(…) // 2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação». // 3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa».
No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
a) Em 10/09/1993, o impugnante e a mulher celebraram com Francisco ............... e mulher contrato de promessa de compra e venda do imóvel descrito na CRP de Palmela, sob o n.º ............../190687, pagando a título de sinal a quantia de 15.000.000$00, do preço total de 16.000.000$00.
b) Em 13/09/1993, Francisco ............ e mulher outorgaram ao impugnante procuração irrevogável, com poderes de alienação e de administração do imóvel descrito na CRP de ............, sob o n.º ............./190687.
c) Em 01.09.1995, Agostinho ................... adquiriu a Francisco ........................ e mulher dois 350/33000 indivisos do imóvel descrito na CRP de ............, sob o n.º ......................./190687.
d) Em 20.06.1996, Agostinho ............... vendeu a terceiro um 350/33000 indivisos do imóvel descrito na CRP de ........, sob o n.º ............/190687.

Dos elementos coligidos nos autos verifica-se que foi outorgada pelos donos do prédio, em favor do impugnante, procuração irrevogável com poderes de alienação do imóvel. Foi também celebrada escritura definitiva de venda em favor de terceiro de parcelas do imóvel em causa. Donde resulta que houve ajuste de revenda entre o promitente comprador e terceiro, o qual veio a celebrar a escritura definitiva de venda. Depois da outorga da procuração irrevogável (Setembro de 1993), o prédio foi dividido em parcelas, as quais foram vendidas pelos donos a terceiros (alíneas F) a J) do probatório).
No que respeita à procuração irrevogável com poderes de alienação do imóvel, de referir que tais instrumentos «conferem ao procurador poderes sobre o imóvel materialmente idênticos ao do proprietário. // As cláusulas de irrevogabilidade, bem como a circunstância de serem passadas no interesse do procurador, transmitem para o domínio deste praticamente os mesmos poderes materiais correspondentes ao exercício do proprietário sobre o imóvel. Embora o procurador não seja o titular do direito de propriedade, porque não adquiriu o respectivo título, e exerça esses poderes em nome de terceiro, a verdade é que detém sob a sua disponibilidade os poderes úteis e fácticos correspondentes ao exercício do direito de propriedade – os direitos de uso, fruição e disposição que constituem o conteúdo útil do direito de propriedade» (1).
No que se reporta ao ajuste de revenda, cumpre referir que «[o] “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”. Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do Código Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão» [Ac. do TCAS, de 11.06.2013, P. 05618/12]. Por outras palavras, «o objectivo do promitente-comprador neste tipo de contratos-promessa com cláusula de livre cedência de posição contratual não é, normalmente, vir a adquirir ele próprio a propriedade do imóvel ou fracção autónoma objecto do contrato promessa. (…) [O] objectivo do promitente comprador nestes casos será sempre mais o de rentabilizar um investimento financeiro e de criar as condições para mais tarde vir a realizar uma mais valia. // Para tal, logo que a construção do imóvel esteja concluída ou ocorra uma valorização do imóvel que é objecto do contrato, o promitente-adquirente coloca o seu direito no mercado. Quando aparecer um interessado na compra do imóvel, o investidor cede-lhe a sua posição de promitente-comprador, para que este terceiro interessado celebre a escritura definitiva de compra e venda com o promitente vendedor, nas condições constantes do contrato-promessa» (2). Donde resulta que o legislador do CSISA distingue dois tipos de promitentes-compradores: «1. Aquele que celebra o contrato-promessa com a intenção de adquirir o prédio e; // 2. Aquele que celebra o contrato-promessa sem ter esse propósito, mas antes com a intenção de posteriormente ceder a sua posição contratual a um terceiro com o objectivo de assim realizar uma mais valia» (3).
No caso em exame, o impugnante outorgou o contrato-promessa, foi investido na posse do prédio, através da outorga da procuração irrevogável, pagou o preço da venda do prédio na quase totalidade e transferiu, em nome do dono do prédio, parcelas do referido prédio em favor de terceiros. Está, pois, comprovada a posse do promitente-comprador/impugnante e a existência de ajuste de revenda em favor de terceiros, os quais celebram o negócio jurídico definitivo de compra e venda com o proprietário.
Recorde-se que está em causa o imposto de sisa liquidado sobre a transmissão de propriedade do prédio descrito na CRP de Palmela, sob o n.º 01480/190687, pelo que o efeito translativo da operação do direito de disposição sobre o mesmo em favor do impugnante encontra-se patenteado nos autos, sendo o impugnante, enquanto beneficiário da transmissão, sujeito passivo do imposto. O Imposto incidiu sobre o valor por que o bem foi transmitido – 16.000.000$00 – artigo 19.º do CSISA. Não se mostra, pois, provada a dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário (artigo 100.º/1, do CPPT). Ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida merece a censura que lhe é desferida e não pode manter-se na ordem jurídica.
Termos em que se impõe concluir pela procedência da presente intenção rescisória, com a consequente revogação da sentença e a improcedência da impugnação.

DISPOSITIVO
Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.
Custas pelo recorrido em 1.ª instância.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)
(Pereira Gameiro-1º. Adjunto)

(Joaquim Condesso -2º. Adjunto)

(1) José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, p. 224.
(2) José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pp. 299/300.
(3) José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, p. 279.