Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03750/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/23/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:CORRECÇÃO DE CUSTOS. PRINCÍPIOS. MÉTODOS INDICIÁRIOS
Sumário:1. Constatado, pelos serviços de fiscalização tributária, que um registo contabilístico não se encontrava documentado por forma suficiente e adequada à comprovação da indispensabilidade do custo respectivo, passou a impender sobre os impugnantes o ónus de, por todos os meios de prova, em direito permitidos, demonstrarem que o empréstimo bancário, determinante da liquidação de juros sob escrutínio, foi contraído com o objectivo de financiar a actividade industrial/comercial que levavam a cabo.
2. A actuação e defesa do princípio da especialização dos exercícios deve ser conciliada com a operância de outros primados, actuantes ao nível da disciplina jurídica global dos tributos, norteadores da actividade da administração tributária/AT, particularmente, os princípios da legalidade e da justiça.
3. Assim, a exigência estrita de a cada ano fiscal de actividade serem imputados os custos nele suportados deve ceder lugar, em casos contados e afastada a possibilidade de advir prejuízo para a AT, à efectivação de operações correctivas, orientadas pela descoberta da verdade material, que sejam adequadas a evitar a consumação de situações de flagrante injustiça para o contribuinte.
4. A via da tributação por métodos indiciários era permitida (e exigida) pelos arts. 78.º e 81.º CPT, pelo que, a decisão de tributar mediante o recurso a tal metodologia, só podendo ser assumida “nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias”, pressupunha a existência e assunção de motivos implicantes “da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável”.
5. Complementarmente, o art. 38.º CIRS, nas quatro alíneas do seu n.º 1, positivava os acontecimentos que, em exclusivo, taxativamente, podiam servir de suporte e legitimar, conferindo legalidade, uma decisão de determinação do lucro tributável por métodos indiciários.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A...e B..., contribuintes n.º ...e ..., com os demais sinais dos autos, impugnaram judicialmente liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, do ano de 1995.
Proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, sentença que julgou a impugnação procedente, não se conformando com o judiciado, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra rematada pelas seguintes conclusões: «
Assim, nos termos dos artigos 690° e 690° -A do Código de Processo Civil:
a) Foram violados pela douta sentença os artigos 23° e 18° do CIRC e o artigo 38° do CIRS;
b) tendo sido violados o artigo 23° e 18° do CIRC porque: 1) no âmbito do procedimento inspectivo duas das correcções efectuadas dizem respeito a dois lançamentos contabilísticos na rubrica de juros suportados nos valores, respectivamente, de 2.575.370$00 em 31/12/1995, e de 418.266$00 em 31/03/1995. Ora, quanto ao primeiro lançamento contabilístico, está plenamente provado que nunca chegou ao conhecimento do mundo do procedimento inspectivo e sobretudo do mundo do processo em análise qual a proposta de crédito subjacente ou fundamentadora da sua necessidade para o exercício da actividade industrial em análise e, consequentemente, do lançamento dos juros suportados na actividade em análise. O que foi colocado em causa foi a falta de investigação mais cuidada. No entanto, depara-se a inspecção com aquele custo que não deve ser considerado ao abrigo do artigo 23° do CIRC e nunca, quer em sede de procedimento inspectivo, quer no âmbito da comissão de revisão, quer com a instauração do processo de impugnação judicial com a junção de elementos de prova, quer na audição como testemunha do contabilista da impugnante C..., quer na documentação junta pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Aguiar toda Beira, nunca é dada a conhecer a proposta de crédito ou o pedido de empréstimo, ou o contrato de mútuo celebrado, ou o destino do empréstimo, absolutamente nada. Sendo que da contabilidade nada consta, apenas o lançamento indevido. Referindo a testemunha C...“que foram levados à respectiva contabilidade, cerca de 40% dos juros devidos à entidade bancária já referida, com base em critérios objectivos e fundamentados de utilização da actividade da impugnante mulher e fora dela”, ou seja, diz o mesmo que nada. Por outro lado, para além de nunca ser revelado por qualquer dos intervenientes antes referidos, qualquer um deles com aptidão ou idoneidade para o fazer, a que se destinou o empréstimo contraído por B..., trata-se duma conta bancária não afecta à actividade empresarial em nome do não empresário B.... Foi, pois, manifestamente violado pela douta sentença o artigo 23° do CIRC, para o qual remete o CIRS, ao considerar válido este custo lançado na contabilidade; 2) quanto ao segundo lançamento contabilístico em análise, por todos os actores do processo é confessada a violação do princípio da especialização dos exercícios consignada no artigo 18° do CIRC; 3) ademais, como correcções técnicas que se trataram nunca seriam postas em causa pelas levadas a cabo através do recurso a métodos indiciários.
c) Tendo ainda sido violado pela douta sentença o artigo 38° CIRS, sendo a aplicação dos métodos indirectos suficientemente fundamentada porque: 1) quanto à omissão de proveitos pela subfacturação das vendas, desde logo a própria impugnante confessa aquando do pedido da comissão de revisão, que não contabilizou “alguns custos de gasóleo”, sendo provado pela fiscalização que de Julho de 1994 a Junho de 1995 - aqui se incluindo meses de verão, altura em que o consumo de gasóleo é maior como confessado pelas testemunhas trabalhadoras da impugnante - não existem documentos de aquisição de gasóleo, provando ainda que em alguns períodos o consumo do gasóleo é superior às vendas de areia; 2) Por outro lado ainda, quer o teste físico feito pela inspecção, quer os autos de apreensão juntos aos autos, quer a inexistência de areia em stock confessada pelas testemunhas trabalhadoras da impugnante, corroboram a efectiva subfacturação desmentindo os depoimentos das testemunhas.
O que se verifica é que a impugnante declara custos que não justifica - os juros indevidamente debitados -, e não dá a conhecer custos facilmente justificáveis - os consumos de gasóleo -, com isso dificultando qualquer tentativa de quantificação levada a cabo.
d) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam quer do relatório da inspecção tributária e do processo administrativo, quer da falta de quaisquer elementos de prova da impugnante recorrida, quer da sentença recorrida.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida. »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, concluindo, no sentido de que “deve ser dado provimento ao recurso revogando-se a sentença recorrida, excepto quanto à correcção técnica relativa à violação do princípio da especialização dos exercícios e, julgando em substituição do Tribunal recorrido, dar-se parcial provimento à impugnação, anulando-se a liquidação sindicada na parte relativa à utilização dos métodos indiciários, por excesso de quantificação do rendimento tributável”.
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Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se exarado, na sentença: «
6.
MATÉRIA DE FACTO
(1) (1) Os impugnantes dedicam-se à actividade de extracção de areias com o CAE 14210, exercida pela primeira como empresária em nome individual, desde Abril de 1993, em terrenos agrícolas de sua propriedade, sitos numa saída da localidade de Aguiar da Beira, através de uma estação de lavagem de terras, selecção e calibragem de areias.
(2) Não obstante ser a impugnante mulher que titulava a actividade, esta era efectivamente gerida pelo impugnante marido em virtude da experiência profissional detida por este.
(3) Em virtude de indícios de anomalias detectadas pela GNR no transporte de areias adquiridas aos impugnantes foi determinada uma acção de fiscalização em 09/05/1996 aos exercícios de 1993, 1994 e 1995.
(4) À data da fiscalização os impugnantes não possuíam contabilidade organizada mas detinham um sistema de contabilidade informatizada que substitui os livros então exigidos pelo art. 50º do CIVA e satisfazia os requisitos necessários ao adequado apuramento e fiscalização de IVA e IRS segundo o agente fiscalizador.
(5) A fiscalização apurou que nos três exercícios em referência ocorreu uma situação de crédito permanente em termos de IVA, motivado designadamente pela aquisição de imobilizado e pelas despesas de manutenção do mesmo, elevadas atento o facto de ser sido adquirido no estado de usado. A demonstração de resultados foi apurada, apresentando prejuízos em 1993 e 1994 e lucro em 1995.
(6) Em 31/12/1995 consta um lançamento contabilístico na rubrica de juros suportados, no valor de 2.575.370$00, documentada através de declaração emitida pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Aguiar da Beira relativa a juros debitados na conta de B... aí existente no montante de 6.438.421$00, referentes a um crédito concedido. Não constava da documentação cópia da proposta de crédito ou outras notas de débito dos juros pelo que tal valor não foi considerado comprovado.
(7) Em 31/03/1995, na rubrica de “juros suportados, foi efectuado lançamento da importância de 418.266$00, de factura emitida em 25/03/1994 pela D...respeitante a juros de um contrato de locação financeira, pelo que teve que ser desconsiderado por se tratar de custo de um exercício anterior.
(8) Da análise à facturação emitida verificaram os serviços fiscalizadores que os montantes das vendas mensais são irregulares e as quantidades facturadas são diminutas relativamente à capacidade de transporte dos veículos dos clientes empresários de construção civil e de fabricação de cimento. Analisados os documentos insertos na contabilidade foi verificado que na maior parte dos casos era adquirida areia ou areão entre 1 a 3 m3, sendo em geral a capacidade dos meios de transporte de 6 m3.
(9) Quanto aos preços praticados foi apurado que nos anos de 1993 e 1994 o m3 para o particular era de 1.000$00 e para autarquias ou associações era de 1.500$00. A partir de 02/01/1995 os preços subiram respectivamente para 1.300$00 e 1.700$00.
(10) A irregularidade verificada nas vendas mensais foi para a entidade fiscalizadora indiciadora de subfacturação pelo que a fiscalização procurou estabelecer um paralelismo das vendas com o consumo de gasóleo para aferir da credibilidade daquelas. Isto porquanto os impugnantes detinham um depósito de 9.000 litros para o combustível e nos anos de 1994 e 1995 o equipamento encontrava-se estabilizado. Verificou, então, a inspecção que em alguns períodos o consumo de gasóleo é superior às vendas de areia e que no período decorrente entre Julho/1994 a Junho/1995 não existem documentos de aquisição de gasóleo.
(11) Em 12/09/1995 foi verificado que no cruzamento de Coruche, na localidade de Aguiar da Beira, circulava E...no veículo ligeiro de mercadorias de marca Toyota e matrícula TM-47-98 transportando mercadorias fornecidas pela impugnante sem que este tivesse na sua posse qualquer guia de transporte. Consequentemente, foi levantado auto de apreensão do veículo e da mercadoria e instaurado o competente procedimento contra-ordenacional contra o transportador e o remetente. Em 30/09/1995 foi emitida a competente factura por parte dos impugnantes e está junta aos autos a guia de transporte com a data da fiscalização em nome do transportador.
(12) Verificadas estas irregularidades consideraram os serviços de fiscalização que os elementos de escrita não reflectem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido pelo que foi proposta a determinação do lucro tributável por métodos indirectos nos termos do disposto nos arts. 38º, 1, al. d) do CIRS e 52º do CIRC, relativamente aos anos de 1994 e 1995.
(13) O critério proposto foi a quantificação através da capacidade de produção diária que foi situada durante a visita realizada em 12 m3 por hora, representando 96 m3 num dia normal de laboração de 8 horas. Foram considerados 250 dias úteis de trabalho, deduzindo-se-lhe 40% relativos a paragens para manutenção e reparações de equipamento. Concluíram os serviços de fiscalização numa média de produção situada nos 57,6 m3, tendo em conta ainda que nos dias da visita (23 e 24/07/1996) a média facturada foi de 98 m3 e 69 m3 respectivamente. Os preços utilizados foram os citados.
(14) Levadas a cabo as correcções nos moldes descritos foi proposta correcção do lucro tributável de 1995 de 589.665$00 para 7.109.571$00 e do prejuízo de 2.824.199$00 para o lucro tributável de 3.123.210$00.
(15) Tal correcção mereceu acolhimento por parte da Administração Fiscal que determinou a elaboração da competente liquidação com base na mesma.
(16) Inconformados com a liquidação efectuada com base em métodos indiciários apresentaram reclamação para a comissão de revisão, designando perito para intervir na mesma.
(17) Não tendo os peritos chegado a acordo na reunião da comissão revisora concluiu o respectivo presidente que a reclamação não logrou contrariar os critérios, métodos e cálculos seguidos pelo serviço de inspecção, os quais são objectivos e permitiram conduzir ao apuramento do rendimento global líquido de IRS. Consequentemente, foi mantido com o acréscimo de 40.000$00, nos termos do disposto no art. 90º -A do CPT.
(18) Do depoimento das testemunhas resulta que a prática corrente era a da emissão de factura aquando da venda das areias e entrega da guia de transporte ao transportador. Os clientes, via de regra, não carregavam na totalidade os veículos designadamente para não excederem os seus limites e incorrerem em eventuais infracções detectáveis pela GNR em caso de fiscalização. A actividade desenvolvida pelos impugnantes é irregular uma vez que é desenvolvida a céu aberto e depende das condições climatéricas em virtude das quais tem várias paragens, nomeadamente em tempo de chuvas que chegam a prolongar-se por semanas. A produção é, por isso, irregular e nem sempre têm areia ou areão para vender aos clientes que a procuram. Trata-se de uma actividade em que é dispendido muito combustível quando há laboração, sendo esta complexa pois começa com a extracção e depois implica uma lavagem ou duas para dela libertar o lodo até ser alcançada a qualidade para venda. Sempre que não é possível a extracção são feitos outros trabalhos como reparação de estradas e transporte de outros veículos.
(19) Foi contraído um empréstimo por parte dos impugnantes junto da CCAM de Aguiar da Beira de 34.000.000$00, tendo sido contabilizados cerca de 40% dos juros respectivos na actividade empresarial dos mesmos.
(20) O valor só contabilizado em 1995 mas decorrente de 1994 e relativo a juros pagos de contrato de locação financeira celebrado com a D...foi tardiamente pago e por esse motivo só então contabilizado.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, que não foram impugnados, e ainda no depoimento das testemunhas inquiridas.
7.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções integram antes conclusões de facto e/ou direito. »
***
A sentença sob crítica apoia a decisão de procedência da impugnação, no apontamento de que as duas correcções ao nível dos custos são ilegais por, num caso, os serviços de fiscalização tributária não terem procedido a “investigação mais cuidada”, no sentido de encontrarem a proposta de crédito e documentação conexa, relativa a “contrato de empréstimo” celebrado entre os impugnantes e a CCAM de Aguiar da Beira, enquanto, no outro, considera de “diminuta gravidade” a circunstância de um custo, referente ao pagamento de juros de um contrato de locação financeira, do exercício de 1994 ter sido contabilizado no de 1995. Outrossim, quanto à utilização de métodos indiciários, para reparação do lucro tributável declarado, concluiu inexistirem “factos concretos e demonstrados” que os sustentem, pelo que, deve imperar “o rendimento real apurado com base nos elementos fornecidos pela contabilidade dos impugnantes”.
Perscrutada, na íntegra, a alegação da Recorrente/Rte e respectiva síntese conclusiva, constatamos ser este julgamento reputado de erróneo por incorrer em violação, quanto aos custos desconsiderados, dos arts. 18.º e 23.º CIRC e, relativamente à aplicação dos métodos indiciários, do art. 38.º CIRS. Avaliar da eventual ocorrência destas violações, traduz, portanto, o thema decidendum.
Liminarmente, tem de registar-se que, embora fazendo alusões dispersas a elementos factuais e meios provatórios – cfr. v.g. conclusão d), a Rte omite, completamente, um ataque preciso, definido, objectivo, ao julgamento da matéria de facto efectuado em 1.ª instância, circunstância que, na ausência de motivos para intervenção oficiosa, implica termos de dirimir as questões deste apelo em função da exclusiva factualidade reputada provada pela sentença recorrida. Em todo caso, devemos anotar, no que respeita ao relatório da inspecção tributária, conferir-se estar o respectivo conteúdo, enquanto elemento tradutor da fundamentação subjacente à actuação correctiva da administração tributária/AT, devida e totalmente reproduzido nos diversos pontos dos factos supra enumerados como provados, pelo que, deste meio de prova, nada mais emana com interesse e relevância para a decisão do mérito da causa.
Feita esta precisão, no que concerne a custos desconsiderados, quanto aos contabilizados, em 31.12.1995, “juros suportados”, no valor de 2.575.370$00, assiste razão à Rte, no apontar de erro ao judiciado pelo tribunal recorrido. Efectivamente, a inscrição do respectivo montante na contabilidade, a título de custo, da actividade empresarial desenvolvida pelos impugnantes, tinha de se mostrar, em conformidade com o disposto no art. 23.º n.º 1 CIRC (2), comprovado como indispensável “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Ora, constatado, pelos serviços de fiscalização tributária, que o versado registo contabilístico não se encontrava documentado por forma suficiente e adequada (3) à comprovação dessa indispensabilidade, passou a impender sobre os impugnantes o ónus de, por todos os meios de prova, em direito permitidos, demonstrarem que o empréstimo bancário, determinante da liquidação de juros sob escrutínio, foi contraído com o objectivo de financiar a actividade industrial/comercial que levavam a cabo, nesse ano de 1995, sob pena de, como é evidente, não poder ser considerado o custo respectivo, no apuramento da competente matéria tributável. Ao invés do entendido pela sentença, na situação descrita, os serviços de fiscalização, para além de considerarem todos os elementos documentais disponíveis na escrita comercial, não tinham de “proceder a investigação mais cuidada” alguma, dado a prova da imprescindibilidade do custo pertencer aos impugnantes, que não lograram, mesmo no âmbito desta impugnação judicial (4), efectivar. Procede, pois, a alegação de ter sido violado o art. 23.º CIRC.
Quanto à escrituração, em 31.3.1995, na mesma rubrica de “juros suportados”, da importância de 418.266$00, inscrita em factura/recibo, datada de 25.3.1994, relativa a juros de um contrato de locação financeira (5), sem mais, objectivamente, temos de concordar estar-se em presença de registo contabilístico que afronta o princípio da especialização dos exercícios, plasmado no art. 18.º n.º 1 CIRC, que, em ordem à periodização do lucro tributável, exige, por norma, a imputação de custos ao exercício a que digam respeito, onde tiveram origem, foram incorridos, independentemente, do momento em que são pagos; na situação julganda, tendo os visados juros sido liquidados no exercício de 1994, nesse tinham de ser registados e não no de 1995. Posto isto, em princípio, numa abordagem linear, estritamente legalista, estaria legitimada a correcção efectuada pela AT, no sentido de desconsiderar o custo em apreço na operação de apuramento do lucro tributável do ano de 1995.
Contudo, como, aliás, colige o Exmo. PGA, a actuação e defesa do versado princípio da especialização dos exercícios deve ser conciliada com a operância de outros primados, actuantes ao nível da disciplina jurídica global dos tributos, norteadores da actividade da AT, particularmente, os princípios da legalidade e da justiça (6), objectivando o melhor equilíbrio possível entre os respectivos domínios, de molde a obter um resultado justo, capaz de, por um lado, defender o interesse público da obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades e, por outro, respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos. Assim, a exigência estrita de a cada ano fiscal de actividade serem imputados os custos nele suportados deve ceder lugar, em casos contados e encontrando-se afastada a possibilidade de advir prejuízo para a AT, à efectivação de operações correctivas, orientadas pela descoberta da verdade material, que sejam adequadas a evitar a consumação de situações de flagrante injustiça para o contribuinte.
Operando este entendimento na situação que nos ocupa, os serviços de fiscalização tributária, perante a justificada, para cumprimento da lei, necessidade de corrigir a contabilização do disputado custo no exercício de 1995, por pertencente ao ano de 1994, podiam e deviam, tanto mais que este, também, foi objecto do mesmo procedimento inspectivo, concretizar uma correcção no sentido de fazer abater o encargo no apuramento da matéria tributável referente ao pertinente ano de 1994, por forma a que os impugnantes não fossem prejudicados, pela definitiva impossibilidade em relevarem, fiscalmente, um incontornável custo da sua actividade industrial, pelo que, ao não produzirem esta “correcção simétrica” (7), deram azo a uma tributação excessiva, ao estabelecimento de um lucro tributável e sequente liquidação de imposto superior à que seria devida.
Destarte, ainda que por diversa (e menos empírica) ordem de motivos, o decidido na sentença, quanto ao custo acima identificado (importância de 418.266$00, inscrita em factura/recibo, datada de 25.3.1994), tem de manter-se.
A derradeira questão colocada pelo presente recurso jurisdicional, prende-se com a imputação de errado julgamento, por parte da decisão recorrida, quando aponta a inexistência de “factos concretos e demonstrados” que justifiquem o ocorrido recurso aos métodos indiciários, para apuramento do lucro tributável, referente ao ano de 1995.
Na avaliação e dilucidação desta problemática, temos de, em primeira linha, atentar que a via da tributação por métodos indiciários era permitida (e exigida) pelos arts. 78.º e 81.º CPT. Dos concretos termos em que se achava redigido este último normativo, derivava inquestionável que a decisão de tributar mediante o recurso a tal metodologia, só podendo ser assumida “nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias”, pressupunha a existência e assunção de motivos implicantes “da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável”. À mesma data, o art. 38.º CIRS, nas quatro alíneas do seu n.º 1, positivava os acontecimentos que, em exclusivo, taxativamente, podiam servir de suporte e legitimar, conferindo legalidade, uma decisão de determinação do lucro tributável por métodos indiciários.
Para os serviços de fiscalização, a escrita comercial dos impugnantes apresentava “irregularidade das vendas mensais, com indícios de subfacturação”, situação passível de enquadramento na al. d) do n.º 1 do citado art. 38.º, que se reporta aos “erros ou inexactidões no registo das operações ou indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido”, convocando em apoio deste entendimento os factos inscritos no relatório de inspecção sob o item «3.1.3 Omissões de proveitos (Art. 38.º CIRS)». Em síntese, esta epigrafada omissão de proveitos resultaria, sobretudo (8), do constatar que, em alguns períodos, o consumo de gasóleo é superior às vendas de areia e da verificação de que não foram contabilizados custos com a aquisição do mesmo combustível, entre outros, nos meses de Janeiro a Maio de 1995. Aliás, este constitui o principal argumento esgrimido, pela Rte, para justificar o errado julgamento que atribui ao judiciado em 1.ª instância – cfr. conclusão c) – 1), sendo certo que “o teste físico” consubstancia um dado específico da quantificação por métodos indiciários e “a inexistência de areia em stock” uma menção sem eco na factualidade disponível.
Versado o teor integral do documento fotocopiado a fls. 90 (9), que discrimina os montantes mensais das vendas (de areia) e os das aquisições de gasóleo, por parte dos impugnantes, nos anos de 1993, 1994 e 1995, desde logo, emerge a conferência de que, em nenhum dos meses do ano de 1995, o montante do gasto na aquisição de gasóleo é superior ao valor auferido com a venda de areia. Por outro lado, quanto a uma eventual irregularidade das vendas mensais de areia, em 1995, apenas nos meses de Fevereiro, Abril e Dezembro, encontramos o apontamento de valores inferiores a um milhão de escudos (821.100$00, 756.300$00 e 872.700$00, respectivamente), sendo que, para os restantes nove meses, as vendas registadas oscilam entre 1.595.075$00 (Setembro) e 1.285.050$00 (Janeiro). Finalmente, é objectivo que, em diversos meses dos três anos inspeccionados, não foi contabilizada qualquer verba referente à compra de gasóleo, o que, no ano de 1995, sucede entre Janeiro e Maio, Outubro e Dezembro; importando registar que, segundo o apuro total para cada ano, temos a compra de 17.376 litros de gasóleo para 2.772.823$00 de vendas de areia (1993), 29.805 litros para 8.034.325$00 de vendas (1994) e 36.800 para 15.197.730$00 (1995).
Patenteados estes dados quantitativos, desde logo, sem que os serviços de fiscalização demonstrem a inevitabilidade de tal acontecer, não conseguimos perceber qual a relevância do facto de inexistir a contabilização de gastos com a aquisição de gasóleo em alguns meses e muito menos que daí decorra, necessariamente, uma situação de subfacturamento. Ora, atentando, em particular, no visado ano de 1995, sem prejuízo de, com relação a sete meses, não terem sido contabilizados custos com a aquisição de gasóleo, é certo que nos restantes cinco foi registada a compra do maior número de litros desse combustível. Não se olvidando que os impugnantes possuíam um depósito com capacidade para armazenar 9.000 litros de diesel – ponto (10) dos factos provados, afigura-se-nos normal que as aquisições do mesmo pudesse respeitar a uma lógica diferente da pressuposta, pela fiscalização, periodicidade mensal. Ou seja, queremos dizer que a objectiva falta de registo, em alguns meses, de valores relativos à compra de gasóleo, face aos dados disponíveis, não constitui, para nós, indício de, inevitável e correspondente, omissão de proveitos.
Ademais, se, como vimos, em nenhum dos meses do ano de 1995, o montante do custo da aquisição de gasóleo é superior ao valor auferido com a venda de areia e é manifesto não poder afirmar-se irregularidade significativa nas vendas mensais desta, tanto mais, que a actividade desenvolvida pelos impugnantes era a céu aberto, dependente das condições climatéricas – ponto (18) dos factos provados, resultam inconsequentes, irrelevantes, as circunstâncias eleitas, pela AT, para concluírem que os elementos da escrita, dos impugnantes, não reflectiam a sua exacta situação patrimonial, bem como, o resultado efectivamente obtido no exercício de 1995 e, desse modo, legitimarem o recurso a métodos indiciários.
Destarte, a sentença recorrida decidiu acertadamente quando reputou não comprovados erros e/ou inexactidões na contabilidade capazes de justificar a aplicação da metodologia indiciária no apuramento do lucro tributável dos impugnantes, não se podendo acolher a insistência, da Rte, no entendimento oposto.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- conceder parcial provimento ao recurso;
- revogar a sentença recorrida, somente na parte em que não aceita a correcção relativa ao custo contabilizado, em 31.12.1995, sob a designação de “juros suportados”, no valor de 2.575.370$00 e, nessa medida, anula a liquidação impugnada.
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Custas pelos recorridos, em partes iguais, apenas na 1.ª instância e face ao respectivo decaimento, fixando-se 2 UC, a título de taxa de justiça.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 23 de Março de 2011

1- Esta numeração é da nossa lavra, para facilitar a ulterior exposição.
2- Ex vi do art. 31.º CIRS; ambos na redacção vigente no ano de 1995.
3- Apenas foi disponibilizada uma declaração de instituição bancária “relativa a juros debitados na conta D.O. n.º 1331, em nome de Carlos Nunes, no montante de 6.438.421$00 e referentes a um crédito concedido”.
4- Como decorre da factualidade assente.
5- Que não se discute envolver equipamento destinado ao exercício da actividade industrial dos impugnantes.
6- Afirmados no art. 55.º LGT e concretizados, pelo legislador ordinário, nos arts. 3.º e 6.º CPA/Código do Procedimento Administrativo.
7- Desconsiderar o custo no exercício de 1995 e considerá-lo, tal-qualmente, no de 1994.
8- No relatório é, também, referenciada “a falta de emissão e inexactidões dos documentos de transporte”, circunstancialismo que, contudo, não mereceu acolhimento ao nível da factualidade julgada provada pela sentença.
9- Anexo VI do relatório da fiscalização.