Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:692/12.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:REVERSÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário:I - Fundando-se a reversão da execução no artº. 24, nº.1, al. b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida.

II - Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido.

III - Haverá que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do oponente, como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

J……., M……. e A……, com os demais sinais nos autos, vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 1503….. e apensos, instaurada no Serviço de Finanças de Cascais 1, contra eles revertida, tendo por objecto a cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas, IRS, IRC, IVA, juros e encargos, no montante total de € 1.020.526,14.

Os Recorrentes apresentaram as suas alegações e formularam as seguintes conclusões:
A- Salvo melhor opinião, entendem os recorrentes que a douta sentença recorrida, em parte, faz uma errónea apreciação dos factos submetidos à sua apreciação e consequentemente uma errada interpretação do direito aplicável;
B- Resulta provado dos autos que os oponentes, ora recorrentes, não tiveram qualquer responsabilidade (por acção ou omissão) na falta de pagamento dos impostos em causa;
C- mesmo será dizer, que os oponentes lograram provar, que a falta de pagamento de tais impostos não lhe era imputável;
D- Da análise dos factos provados, conjugada com a análise dos demais elementos dos autos, resulta isso mesmo;
E- Resulta provado que "A partir de meados de 2005, a falta de fluxos financeiros provenientes dos seus clientes a tempo e horas originou o incumprimento dos seus compromissos financeiros, nomeadamente Fisco, salários e obrigações bancárias".
F- Como resulta igualmente da sentença que "Efetivamente, os Oponentes, enquanto gerentes da Sociedade viram-se confrontados com o agravamento da situação económica da Originária Devedora, não por falta de empreitadas, mas por falta de pagamento dos clientes nos prazos acordados."
G- Ou seja, não houve pagamento, não por culpa dos oponentes ora recorrentes mas por factores externos, a saber:
H- Falta de pagamento das facturas emitidas por parte dos clientes;
I- Regime do IVA, que obrigava ao pagamento do imposto facturado independentemente do efectivo pagamento.
J- Governo tomando consciência, de que o regime do IVA estava a estrangular a tesouraria da maioria das empresas portuguesas, veio aprovar o decreto lei 71/2013 de 30 de Maio e criar o chamado regime de IVA de Caixa, aplicável ao ramo de actividade da devedora originária.
K- Nos termos deste regime, a exigibilidade do IVA nas operações efectuadas pelos sujeitos passivos por ele abrangidos ocorre no momento do recebimento do preço.
L- Se este regime, de toda a justeza, estivesse em vigor há mais tempo, nunca a devedora originária estaria nesta data devedora de IVA ou quaisquer impostos ao Estado.
M- A verdade é que mesmo a nível criminal, o entendimento é que sem recebimento não há culpa, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fixação de jurisprudência, de 29.04.2015, proferido no processo 85/14.2YFLSB
N- Mais, em sede de IRS, as dívidas referentes a retenções de IRS, mais não são que outra ficção, tal como a do IVA, porquanto os montantes não foram retidos aos trabalhadores pois os salários não foram pagos.
O- Tal resulta dos seguintes factos provados:
"A C….. Lda, entregou sempre o IRS e as contribuições para a segurança social efectivamente retido aos trabalhadores" realce nosso;

"A executada C…… sempre apresentou as declarações relativas às retenções de IRS, mesmo nas situações em que os valores inscritos nas declarações de retenções de IRS não tinham sido efectivamente retidos"
P- Nunca se apropriaram de quaisquer bens da devedora originária, ou melhoraram a sua situação pessoal e financeira à custa do património da originária devedora (Ponto 2.2. da Sentença )
Q- Conforme ficou provado, foram os ora recorrentes quem, por diversas vezes, e até ao limite das suas capacidades, colocaram na devedora originária dinheiros pessoais.
R- E foi a própria Administração fiscal, que num processo de execução fiscal, penhorou os saldos de todas as contas bancárias e créditos da devedora originária.
S- Os ora recorrentes apenas agiram no sentido de manter a sua empresa, pagar aos seus empregados e assegurar postos de trabalho.
T- Cumprindo escrupulosamente os seus deveres de lealdade perante a sociedade e os seus trabalhadores. (artº 36º CSC)
U- Pondo dinheiro do seu bolso e comprometendo o seu bem estar pessoal e familiar para ir pagando salários, fornecedores e impostos.
V- Reitera-se, os oponentes puseram dinheiro do seu próprio bolso na sociedade, pagaram directamente dívidas da sociedade, renegociaram um financiamento de elevadíssimo valor por forma a que o mesmo fosse transferido para outra sociedade permitindo à devedora originária libertar mais fundos;
W- E não se diga que os ora recorrentes deveriam ter apresentado a sociedade à insolvência, pois isso é obviamente a postura de um gestor que não luta pela sua empresa, e em nada beneficiaria os credores, nomeadamente o Estado! Pelo que é um argumento falso.

X- Os recorrentes agiram diligentemente, disso fizeram prova, ilidindo a presunção de culpa do artº 24º nº 1 al a) da LGT.
Y- Devendo em consequência ser consideradas partes ilegítimas nos termos já alegados, (artº 204º, nº 1, al b) do CPPT)
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Supremo Tribunal Administrativo, o presente recurso deve ser declarado procedente, revogando­se a sentença recorrida, na parte em que julga improcedente a oposição deduzida, fazendo-se assim JUSTIÇA !»

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A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Exmo. Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«2.1 FACTOS PROVADOS:

A) A Administração Fiscal instaurou o processo de execução fiscal n.º 1503……., e apensos contra a executada C……..-SOCIEDADE TÉCNICA DE INFRAESTRUTURAS E CONSTRUÇÃO LDA, pessoa colectiva n.º 502…….., com sede na Rua L……, Lote 1, 2755-… Alcabideche para cobrança coerciva de dívidas por IVA de 2004 a 2006, Coimas Ficais de 2003 a 2009, IRC de 2004 a 2007 e IRS de 2006 a 2009.

(Conforme resulta de fls. 3 a 7).

B) Em 05/03/2012, foi prestada a informação de fls. 46 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.

C) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaiu o projecto despacho de reversão de fls. 48 e 49 que aqui se dá por integralmente reproduzidos donde resulta com interesse para a decisão:

«(…) O total em dívida ronda, conforme “print” anexo extraído da conta corrente o valor total de 1.587.673,88 €, de que 1.328.930,91€ referem a quantia exequenda (IVA-PF, IRC, coimas, IRS retenção na fonte), 247.208,41 € a juros de mora já vencidos e 11.534,56€ de custas judiciais.
E conforme intervenções feitas nos autos, e que provam a gerência de facto e de direito, assim como o constante na Conservatória respectiva, os gerentes à data das dívidas são:
J…………, com o NIF: ……….
M………, com o NIF:-……… .
A………., como NIF: ………

(gerência exercida com as assinaturas de dois sócios gerentes, conforme consta na certidão permanente relativa à empresa C……… SOCIEDADE TECNICA DE INFRAESTRUTURAS E CONSTRUÇÃO LDA, NPC 5021……, matricula …../1995-…… da Conservatória do Registo Comercial de Cascais, excluindo o gerente G……. pelas declarações já efectuadas em sede de audição prévia em projecto de reversão anterior)

Existindo já declarações dos próprios gerentes comprovando a insuficiência dos bens — veículos demasiado velhos e sem valor comercial, vendas já efectuadas e insuficientes para cobrir o valor em dívida (vide listagem do imobilizado junto aos autos, a título de documentação), cabe proceder á reversão.
Assim sendo, ordeno que se proceda à audição prévia dos gerentes identificados, para efeitos de efectivação reversão do total dos processos contra os gerentes à data das dívidas, nos termos do n.º 1 b) do art° 24° da LGT e 153° n° 2 do CPPT— listagem em anexo, remetendo, conjuntamente com cópia da informação que antecede e das despacho, todas as cópias necessárias e elementos e fundamentação das liquidações que originaram as dívidas, assim, como cópias das certidões de dívida, e cópias dos autos de noticia que originaram os processos de contra-ordenação visto que foi Já ratificada a constitucionalidade da reversão das coimas — art° 8° do RGIT, com as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado para 2012.

Cascais, 2012.03.06»

D) Os Oponentes exerceram o direito de audição prévia. (Conforme resulta da informação de fls. 31).
E) Em apreciação dos argumentos invocados pelos Oponentes foi elaborada a informação de fls.31 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
«Identificação da dívida e Fundamentação das liquidações IVA 2004 a 2006 — declarações periódicas entregues dentro do prazo, mas cujo imposto calculado pela própria empresa não foi entregue ao Estado.
Nos termos do art° 27° do CIVA, como é do conhecimento geral, os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos do art° 19 a 26° e 78° do mesmo Código, no prazo previsto no art° 41°, utilizando a referência de pagamento que acompanha a declaração periódica aquando da sua submissão electrónica, sendo extraída certidão de divida, conforme disposto no n° 5 do art° 27° do CIVA quando o pagamento não acompanhar a declaração.

IRS — RETENÇÕES NA FONTE — vários períodos — declarações submetidas discriminando o rendimento pago e retenções de IRS efectuadas a trabalhadores — liquidações efectuadas nos termos do art° 98° n°2 e 3 do CIRS art° 2° A e 8° do DL 42/91 de 22 Janeiro.

De salientar que a liquidação dos impostos em falta — IVA e IR — retenções na fonte — é/foi da inteira responsabilidade do originário devedor, que contabiliza nas suas próprias declarações o valor do imposto a entregar ao Estado, portanto, não sendo essa liquidação da responsabilidade da AT, também não existe fundamentação para ela, senão a efectuada nos termos da lei geral — art.º 99º e art° 100° do CIRS, e art° 67° 1 b) do IVA. (mecanismo da substituição tributária: a empresa, no caso das retenções na fonte, retém um valor a título de IRS aos seus funcionários, que tem a obrigação de entregar ao Estado, sendo que os seus empregados, se for caso disso, receberão o reembolso de IRS aquando da entrega e liquidação da sua declaração Mod 3 de IRS, tenha ou não tenha a empresa efectuado o pagamento da retenção). No caso do IVA, aplica-se o mesmo principio, visto que de facto, a empresa serve apenas de fiel depositária de um fundo que a própria calcula, deduzido o IVA por ela suportado, tendo o dever de entregar a diferença ao Estado — tratam-se de movimentos pura e simplesmente contabilísticos.

IRC 2004 a 2008 (declarações Mod 22 submetidas com cálculo de imposto a pagar, sem terem sido autoliquidadas) — art° 104° n°1 b) do Código IRC
Da aplicação da al. b) do no 1 do art° 24° da LGT

Não há qualquer dúvida que a gerência, conforme vários documentos constantes nos vários processos executivos, assinados por M………, foi exercida de direito e de facto.

Nenhum dos auditados nega aliás, a sua gerência de direito e de facto, alegando apenas não terem usufruído qualquer beneficio com o cargo.

Mas, conforme disposto na al. b) do n° 1 do art° 24° da LGT: são responsáveis os gerentes ou administradores “pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminada no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”

E essa prova não se encontra efectuada, alegando apenas os auditados que a culpa é atribuída à AT, pelo facto de ter efectuado penhoras de saldos bancários e de créditos a clientes, na tentativa de cobrar as dívidas.
Dificilmente essas penhoras poderão servir de desculpa à falta constante de pagamento de IVA ao longo dos tempos — pelo menos desde 2004 até à data, - visto que se trata de um imposto repercutido a terceiros, de que a empresa originariamente devedora apenas era fiel depositária, tendo como obrigação a entrega do valor de IVA final cobrado nas facturas que emitiu, deduzido do valor do IVA suportado pela empresa, que constituía o valor de imposto devido ao Estado.

Claro está que se a empresa tivesse cumprido as suas obrigações de entrega do IVA ao Estado, atempadamente, não existiriam quaisquer penhoras... Não há portanto relação de causa/efeito nessa alegação e imputação de culpas à AT, antes pelo contrário, a empresa com o não pagamento do IVA apropriou-se abusivamente de imposto pertencente ao Estado para se financiar. E é perfeitamente legitimo que o Estado lance mão do seu direito legal de diligenciar para a cobrança dos valores que lhe são devidos. De estranhar seria que não o fizesse, favorecendo a executada com a dilação de pagamentos que aos restantes não é permitida.
Como referem Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 2 edição, pág.112, referindo-se à prova de culpa dos gerentes, em caso de omissão de pagamento dos impostos: e ao n° 1 al. b) do art° 24° da LGT “aqui o prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período de exercício do cargo. Neste caso, a lei é mais severa, dado que a responsabilidade da pessoa que exerce funções de administração pareceu mais séria. Assim o ónus da prova da ausência de culpa já é a cargo da pessoa que exerce funções de administração.

Quanto à existência de bens / excussão prévia

Conforme cópias anexas a esta informação, foram feitas as diligências necessárias para a penhora de mais bens, além das penhoras já concretizadas e aplicadas em processos executivos anteriores, incluídos os créditos e saldo de contas bancárias, não tendo sido localizados mais bens.

Quanto à inexistência de bens da originária devedora, encontra -se suficientemente comprovada nos autos, existindo apenas registados em nome da empresa originária devedora alguns veículos de matrícula muito antiga e sem qualquer valor comercial, desconhecendo-se se já foram abatidos e/ou alienados.
No entanto, já que o afirmam, e a qualquer momento, poderão as auditados deitar mão ao seu direito de excussão prévia — art° 23° n° 2 da LGT, nomeando os bens da firma originária devedora, sua localização e avaliação idónea em caso de bens móveis, tendo em conta a sua vetustez e eventual amortização, e ainda, caso se trate de contas bancárias, nomeá-las para penhora, indicando o seu saldo e entidade bancária, se houver créditos dos últimos dois anos poderão também juntar as respectivas facturas comprovativas, e respectivas declarações dos clientes confirmando a existência desses créditos, para que se possa aquilatar da sua suficiência para assegurar o pagamento da divida.

No entanto, isso não constituirá qualquer obstáculo à reversão dos autos, visto que já existe jurisprudência suficiente defendendo que a existência de bens não é impeditivo da reversão dos autos podendo eventualmente, em caso de serem indicados bens do originário devedor, suspender os autos em relação aos revertidos após a sua citação para a execução fiscal até excussão completa do património indicado. — nº 3 do art° 23° da LGT.

Mas provada que está a inexistência/insuficiência de bens da firma, em diligências efectuadas nos autos, e também conforme afirmado pelo gerente na própria audição: “ a penhora das contas bancárias e dos créditos dos clientes traduziu-se numa impossibilidade objectiva de a devedora originária cumprir as suas obrigações fiscais”., afigura-se-nos mais uma vez, correcta a reversão contra os administradores e agora auditados, nos termos e com os fundamentos constantes do art° 153° do CPPT, art° 23° da LGT e al. B) do n.º 1 do art.° 24 da LGT.

Legitimidade

As informações oficiais prestadas e documentadas nos autos referem que:

1 .°- A Sociedade foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o n.° …/1995-……;

2.°- A empresa iniciou em 1989-05-16 o exercício da sua actividade;

3°- A empresa não possui quaisquer outros bens, como demonstrado nos autos, para proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido;

4°- Verifica-se, portanto e desde logo, nos termos do art° 153°, n°2 alínea b) do CPPT, a insuficiência do património da originária devedora para a satisfação da divida.

5° No CONTRATO DE SOCIEDADE, conforme a matrícula da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, refere que designa como gerentes os auditados, sendo a assinatura de dois deles suficiente para obrigar a sociedade:
A………, NIF ………, residente na Rua A………, Q…… das R…… — Cascais;

J………., NIF ………, residente na Rua H……, Lote 7 — Alcabideche;

M………, NIF ………, residente na Rua A………, Q…… das R……, - Cascais;

Nos termos do art° 24° n° 1 al. b) da LGT, a falta de pagamento dos impostos constantes no processo executivo e seus apensos, é imputável às pessoas com funções de administração ou gestão. E na qualidade de gerentes, teriam apenas de exercer um comportamento diligente, exigível a um administrador ou gerente médio, que toma ou tomou as medidas necessárias e adequadas ao normal exercício da actividade comercial e na prossecução do seu objecto. Ou, em caso de ciente da inviabilidade da firma, por acumulação de dividas, procederem de imediato à sua cessação, liquidação do seu activo e passivo, e dissolvê-la. Com a abstinência desse comportamento e a falta de pagamento dos impostos na sua gerência, expondo a firma a coimas, não foi mantido o comportamento que lhes era exigido.

A empresa continua em actividade, entregando regularmente as declarações de IVA (a ultima em sistema respeita a Outubro 2011) — vide anexos.

Conclusão

Pelos motivos acima expostos parece ser de converter em definitivo o despacho de reversão, nos termos do art° 23° e art° 24° n° 1 b) da LGT, au0 153° n°2 CPPT, não se encontrando demonstrada pelos gerentes a não imputação da falta de pagamentos no período da sua gerência, provada a insuficiência de bens e a gerência de direito e de facto.

À consideração superior.

Lisboa, 2012-04-12»
F) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaiu o despacho de reversão de fls. 48, que aqui se dá por integralmente reproduzidos donde resulta com interesse para a decisão:

«Através da análise do presente processo, constata-se a insuficiência de bens pertencentes à originária devedora C……… SOC TÉCNICA INFRAESTRUTURAS E CONSTRUÇÃO LDA, NPC 502……, com sede na R. L……… LT 1 M………, que garantam o pagamento da dívida exequenda e acrescido, verificando-se, assim, a insuficiência do património da executada para solver a divida, pelo que nos termos do artigo 23.° n.°2 da LGT e artigo 153.°,n.°2 do C.P.P.T., devem ser chamados à execução os responsáveis subsidiários.
As informações oficiais prestadas e documentadas referem que:

1°- A constituição da Sociedade foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, sob o n.° 502………;

2.°- A executada iniciou o exercício da sua actividade em 1989-05-16;

3.°- Verifica-se, desde logo, nos temias do art° 153°, n°2 alínea 1,) do CPPT, fundada insuficiência do património da originária devedora para a satisfação da dívida.

4.°- No CONTRATO DE SOCIEDADE, Comercial, conforme a matrícula da Cons. Registo Comercial de Cascais, Ap.311/ ……, refere que designa como gerente: A………, residente na R A……. Q…… DAS R……, J………, residente na R H……… LOTE 7- M….. e M……, residente R A……… QTA DAS R……. ALDEIA DO J……, sendo a forma de obrigar a sociedade com a intervenção conjunta de dois gerentes.
5°- Assim, de acordo com o disposto nos artigos 23.° da LGT e al b) do n° 1 do art° 24.° LGT e 153.° e 160.° do CPPT e n°1 al. b) do art° 8° do RGIT, podemos identificar como subsidiário responsável o gerente, A………, J………… e M………, relativamente à referida firma, pela divida exequenda, constante da relação anexa e cujo prazo de cobrança voluntário terminou durante o período da sua gerência que está na base da instauração dos processos de execução fiscal n.ºs 1503…… e Aps, 1503……… e Aps. e 1503……… e Aps..

Fundamentos da liquidação conforme já informado:

IVA 2004 a 2006 — declarações periódicas entregues dentro do prazo; mas cujo Imposto calculado pela própria empresa não foi entregue ao Estado.
Nos termos do art° 27° do CIVA, como é do conhecimento geral, os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos do art° 19 a 26° e 78° do mesmo Código, no prazo previsto no art° 41°, utilizando a referência de pagamento que acompanha a declaração periódica aquando da sua submissão electrónica, sendo extraída certidão de dívida, conforme disposto no n° 5 do art° 27° do CIVA quando o pagamento não acompanhar a declaração.

IRS — RETENÇÕES NA FONTE — vários períodos — declarações submetidas discriminando o rendimento pago e retenções de IRS efectuadas a trabalhadores — liquidações efectuadas nos termos do art° 98° n° 2 e 3 do CIRS art° 2° A e 8° do DL 42/91 de 22 Janeiro.
De salientar que a liquidação dos impostos em falta — IVA e IR — retenções na fonte — é/foi da inteira responsabilidade do originário devedor, que contabiliza nas suas próprias declarações o valor do imposto a entregar ao Estado, portanto, não sendo essa liquidação da responsabilidade da AT, também não existe fundamentação para ela, senão a efectuada nos termos da lei geral — art° 99° e art° 100° do CIRS, e art° 67° 1 b) do IVA. (mecanismo da substituição tributária: a empresa, no caso das retenções na fonte, retém um valor a título de IRS aos seus funcionários, que tem a obrigação de entregar ao Estado, sendo que os seus empregados, se for caso disso, receberão o reembolso de IRS aquando da entrega e liquidação da sua declaração Mod 3 de IRS, tenha ou não tenha a empresa efectuado o pagamento da retenção). No caso do IVA, aplica-se o mesmo principio, visto que de facto, a empresa serve apenas de fiel depositária de um fundo que a própria calcula, deduzido o IVA por ela suportado, tendo o dever de entregar a diferença ao Estado — tratam-se de movimentos pura e simplesmente contabilísticos.

IRC 2004 a 2008 (declarações Mod 22 submetidas com cálculo de imposto a pagar, sem terem sido autoliquidadas) — art° 104° n° 1 b) do Código IRC

IVA — Juros Compensatórios ou Juros de mora - Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.° da lei geral tributária. Sempre que o imposto liquidado pelos serviços ou pelo sujeito passivo não seja pago até ao termo dos prazos legais estabelecidos, são devidos juros de mora nos termos do artigo 44.° da lei geral tributária.

IRS/IRC — Juros Compensatórios ou juros de mora - Juros compensatórios devidos pelo retardamento da entrega do imposto retido ou a reter no âmbito da substituição tributária conforme dispõe o art° 35° da LGT.

Sempre que o imposto liquidado pelos serviços ou pelo sujeito passivo não seja pago até ao termo dos prazos legais estabelecidos, são devidos juros de mora nos termos do artigo 44.° da lei geral tributária.
IRC — LO — Liquidação oficiosa pelos Serviços centrais - Se a declaração periódica prevista no artigo 101ºdo CIRC não for apresentada, a Direcção-Geral dos Impostos procede à liquidação oficiosa do imposto) com base nos elementos de que disponha, conforme dispõe o art° 83°, alínea b).

Processos de Contra-ordenação — Constam dos detalhes dos processos de contra-ordenação.

Projectado esse sentido de decisão, foi por Despacho de 2012-03-07, proferido a folhas que antecedem, determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 60., n.°4 da LGT, tendo em vista a observância do arfigo 23.° n.° 4 da mesma Lei Geral Tributária.
Assim se cumpriu.

E nesta sequência, foram enviadas a A………, J……… e M………, notificações para exercerem o direito de audição, para a morada existente no cadastro, tendo os mesmos apresentado requerimentos exercendo o respectivo direito de audição prévia, que foi tida em conta na elaboração do presente despacho e que se anexa.
Constatada a inexistência/insuficiência de bens da originária devedora, tendo com fundamento legal no disposto do artigo 153.° n°2 alínea b) do CPPT e ai. b) do n° 1 do art° 24.° LGT e ai. B) n° 1 do art° 8° do RGIT, ORDENO A REVERSAO DO PROCESSO DE EXECUÇAO FISCAL, contra os subsidiários responsáveis: A………, J……… e M………, pelas dividas supra indicadas nos valores de 1.020.526,14, 35.624,48 e 271.619,29€ e que estão na base das instaurações dos Processos de Execução Fiscal n.°s. 1503……. e Aps., 1503…… e Aps. e 1503……. e Aps.
Citações necessárias, considerando os efeitos e cominações constantes do artigo 160.° do C.PP.T., que se explicitarão, e tendo em atenção o disposto no artigo 191.° n°3 do mesmo código. Averbamentos necessários.
Lisboa, 2012-04-12»
G) Os Oponentes foram citados em 20/04/2012.

(Conforme resulta dos documentos de fls. 228 a 231 e fls. 380).

H) A petição inicial foi apresentada em 21/05/2012 (e não 2011)

(Conforme resulta de fls. 4).
I) Os Oponentes foram designados gerentes da Originária Devedora no acto constitutiva desta.
(Conforme resulta de fls. 52 e 53).

J) A Originária Devedora obrigava-se com a assinatura de G……. ou com as assinaturas conjuntas de dois dos outros gerentes.
(Conforme resulta de fls. 53).

K) A partir de meados de 2005, as retribuições devidas aos trabalhadores e à gerência foram sendo pagas em regime de prestações irregulares, de acordo com a disponibilidade daquela tesouraria.

(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

L) A partir da referida data, as retribuições relativas ao trabalho prestado num determinado mês só viriam a ser pagas no mês ou meses subsequentes e eram não raras vezes, parciais, cobrindo apenas uma percentagem daquilo que era devido.
(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

M) A executada C…… sempre apresentou as declarações relativas às retenções de IRS, mesmo nas situações em que os valores inscritos nas declarações de retenções de IRS não tinham sido efectivamente retidos.

(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

N) A C……, Lda. entregou sempre o IRS e as contribuições para a segurança social efectivamente retido aos trabalhadores.
(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

O) A partir de 2005, a falta de fluxos financeiros provenientes dos seus clientes a tempo e horas na tesouraria da originou o incumprimento dos seus compromissos financeiros, nomeadamente Fisco, salários, obrigações bancárias.

(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

P) A Administração Fiscal efectuou a penhora de créditos devidos pelos clientes à devedora originária.

(Conforme resulta dos documentos de fls. 305 a 309.

Q) A Administração Fiscal efectuou a penhora dos saldos das contas bancárias da originária devedora.

(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

R) Os Oponente chegaram a “por” dinheiro na originária devedora.

(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

S) Oponente A…….., por vezes, pagou dívidas da C……., Lda., com o seu próprio dinheiro.
(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

T) O Banco obrigou a Originária Devedora a proceder à reestruturação da dívida.

(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)
U) A sociedade C….., Lda. assumiu créditos da C….., Lda.
(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)
V) A originária devedora em primeiro lugar pagava os vencimentos e só depois os fornecedores e Estado.
(conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)

X) Houve uma diminuição acentuada da actividade da Originária Devedora. (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas)
W) A originária devedora ao longo do tempo foi efectuando pagamentos ao Estado e à Segurança Social.

(Conforme resulta dos documentos de fls. 310 a 379 e foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas)

Y) Em 23/01/2012, M….., Trabalhador da C….. - Sociedade Técnica de Infraestruturas e Construção, Lda., comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho a “suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição”.
(Conforme resulta do documento de fls. 235 e 236).

Z) Em 22/01/2012, V……, Trabalhador da C……. - Sociedade Técnica de Infraestruturas e Construção, Lda., comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho a “suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição”.

(Conforme resulta do documento de fls. 237 e 238).

AA) Em 23/01/2012, J……, Trabalhador da C…. - Sociedade Técnica de Infraestruturas e Construção, Lda., comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho a “suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição”.

(Conforme resulta do documento de fls. 239 e 240).

BB) Em 22/01/2012, J……, Trabalhador da C….. - Sociedade Técnica de Infraestruturas e Construção, Lda., comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho a “suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição”.

(Conforme resulta do documento de fls. 241 e 242).

CC) Por carta de 05/01/2009, F……. comunicou à Inspecção geral do Trabalho a suspensão do contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da remuneração.

(Conforme resulta do documento de fls. 291).

DD) Por carta de 24/04/2009, J……. comunicou à Originária Devedora a “resolução do contrato de trabalho” por falta de pagamento pontual da remuneração.

(Conforme resulta do documento de fls. 246).

EE) EE) Por carta de 01/09/2009, J…… comunicou à Originária Devedora a “resolução do contrato de trabalho” por falta de pagamento pontual da remuneração.
(Conforme resulta do documento de fls. 244).

FF) Por carta de 01/08/2011, A…… comunicou à Originária Devedora a “resolução do contrato de trabalho” por falta de pagamento pontual da remuneração.

(Conforme resulta do documento de fls. 243).

GG) Por falta de pagamento pontual da remuneração do trabalho, N……., contra a Originária Devedora, uma acção emergente de contrato individual de trabalho.

(Conforme resulta dos documentos de fls. 247 a 254).

HH) Por falta de pagamento pontual da remuneração do trabalho, M……. propôs, contra a Originária Devedora, “em processo comum sumário acção de condenação.

(Conforme resulta dos documentos de fls. 258 a 263).

II) Por falta de pagamento pontual da remuneração do trabalho, F……. propôs, contra a Originária Devedora, uma “acção declarativa comum emergente de contrato individual de trabalho”.

(Conforme resulta dos documentos de fls. 273 a 283).

JJ) Dão-se por reproduzidos os documentos n.ºs 19 a 88, juntos com a PI e referente a pagamentos de dividas tributárias.

*

2.2 FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provou que os Oponentes se tenham apropriado de bens da Originária Devedora. Que os Oponentes tenham melhorado a sua situação pessoal e financeira à custa do património da originária devedora.

*

2.2 FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.

A decisão da matéria de facto:
- quanto às alíneas A) a J) e Y) a JJ) resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

- quanto às alíneas K) a X) têm por base no depoimento das testemunhas inquiridas, que pareceu sério e credível.»

*
2. Do Direito


Como resulta já do relatório inicial, vemos que o TT de Lisboa julgou parcialmente procedente a oposição deduzida pelos ora Recorrentes contra a execução fiscal nº 1503……. e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade C…… Sociedade Técnica Infraestruturas e Construções, Lda., para a cobrança coerciva de dívida proveniente de coimas, IRS, IRC, IVA, juros e encargos.
Foi relativamente às dívidas provenientes de coimas fiscais que o Mmo. Juiz a quo reconheceu razão aos oponentes e, nessa medida, julgou procedente a oposição. Este segmento da sentença já não está em discussão, tendo, pois, transitado em julgado.
Os Oponentes, aqui Recorrentes, mantêm a sua discordância relativamente à sua (i)legitimidade, enquanto responsáveis subsidiários, naquilo que respeita às demais dívidas.

Vejamos, então.

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta claro que a questão que nos passará a ocupar é a seguinte: saber se o Tribunal a quo errou na subsunção que fez dos factos ao direito, concretamente ao disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, o que o levou a, erradamente, considerar os oponentes legítimos responsáveis subsidiários pelas dívidas da originária devedora, C….. . Mais concretamente, entendem os Recorrentes terem feito a prova que lhes competia de que não lhes foi imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias em causa.
Antes de avançarmos deve esclarecer-se que, como não sofre dúvidas (cfr. pontos C, E e F do probatório), a reversão aqui em análise foi operada ao abrigo do artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT e não (como consta da conclusão X das alegações de recurso) ao abrigo da alínea a) de tal preceito legal.
Continuando. Como se retira da alegação recursória, unicamente está em causa saber se, contrariamente ao decidido, os Oponentes ilidiram a presunção de culpa quanto ao não pagamento das dívidas, nos termos previstos na alínea b), do nº1 do artigo 24º da LGT, sabido que os mesmos não questionam o efectivo exercício da gerência da devedora originária.
Para os Recorrentes, a prova feita nos autos não permitia a conclusão a que chegou o TT de Lisboa. Pelo contrário, do seu ponto de vista, ficou demonstrado que não lhes pode ser imputável a falta de pagamento das prestações tributárias.
Com efeito, defendem os Recorrentes que: resulta provado nos autos que os oponentes não tiveram qualquer responsabilidade (por acção ou omissão) na falta de pagamento dos impostos em causa. Desde logo, porquanto, como resultou provado, “A partir de meados de 2005, a falta de fluxos financeiros provenientes dos seus clientes a tempo e horas originou o incumprimento dos seus compromissos financeiros, nomeadamente Fisco, salários e obrigações bancárias” e, bem assim, que “os Oponentes, enquanto gerentes da Sociedade viram-se confrontados com o agravamento da situação económica da Originária Devedora, não por falta de empreitadas, mas por falta de pagamento dos clientes nos prazos acordados.” Para os Recorrentes, o não pagamento das dívidas tributárias ficou a dever-se unicamente a factores externos, concretamente à falta de pagamento das facturas emitidas por parte dos clientes e ao regime do IVA, que obrigava ao pagamento do imposto facturado independentemente do efectivo pagamento. Por outro lado, evidenciam os Recorrentes que “as dívidas referentes a retenções de IRS, mais não são que outra ficção, tal como a do IVA, porquanto os montantes não foram retidos aos trabalhadores pois os salários não foram pagos”, o que resulta dos teor dos factos provados correspondentes às alíneas M) e N). Por conseguinte, como realçam, nunca os oponentes “se apropriaram de quaisquer bens da devedora originária, ou melhoraram a sua situação pessoal e financeira à custa do património da originária devedora”, até porque foram os oponentes quem, por diversas vezes, “e até ao limite das suas capacidades, colocaram na devedora originária dinheiros pessoais”. Realçam, ainda, que “foi a própria Administração fiscal, que num processo de execução fiscal, penhorou os saldos de todas as contas bancárias e créditos da devedora originária” e que os oponentes “agiram no sentido de manter a sua empresa, pagar aos seus empregados e assegurar postos de trabalho”, “cumprindo escrupulosamente os seus deveres de lealdade perante a sociedade e os seus trabalhadores”. Não aceitam os Recorrentes que se defenda que “deveriam ter apresentado a sociedade à insolvência, pois isso é obviamente a postura de um gestor que não luta pela sua empresa, e em nada beneficiaria os credores, nomeadamente o Estado!”.
Em suma, “os recorrentes agiram diligentemente, disso fizeram prova, ilidindo a presunção de culpa”, tal como lhes competia, daí resultando a sua ilegitimidade.
Esta firme discordância dos Recorrentes dirige-se à apreciação e decisão do TT de Lisboa, cuja linha argumentativa, no essencial, aqui se recupera. Lê-se na sentença posta em crise o seguinte:
“(…)
A imposição legal de que cabe aos Oponentes a prova de que não lhes foi imputável a falta de pagamento dos créditos tributários traduz-se na prova do não incumprimento das disposições legais ou contratuais destinadas a protecção dos credores, quando de tal incumprimento resulte a insuficiência do património social para a satisfação dos créditos.
A presunção do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT é juris tantum não basta ao gerente, em sede de oposição, mediante contraprova, criar a dúvida quanto à sua culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, antes lhe competindo demonstrar que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação.
A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual - cf. artigos 487.º, n.º 2 , e 799.º, n.º 3 do Código Civil: Culpa, no sentido restrito traduz-se na omissão da diligência exigível: - o agente devia ter usado de uma diligência que não empregou - devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar e nem sequer o previu.
Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse.
(…)
No caso em apreço, resulta do probatório que:
- A partir de meados de 2005, as retribuições devidas aos trabalhadores e à gerência foram sendo pagas em regime de prestações irregulares, de acordo com a disponibilidade tesouraria.
- A partir da referida data, as retribuições relativas ao trabalho prestado num determinado mês só viriam a ser pagas no mês ou meses subsequentes e eram não raras vezes, parciais, cobrindo apenas uma percentagem daquilo que era devido.
- A executada C……., Lda. sempre apresentou as declarações relativas às retenções de IRS, mesmo nas situações em que os valores inscritos nas declarações de retenções de IRS não tinham sido efectivamente retidos.
- A C……, Lda. entregou sempre o IRS e as contribuições para a segurança social efectivamente retido aos trabalhadores.
- A partir de 2005, a falta de fluxos financeiros provenientes dos seus clientes a tempo e horas na tesouraria da originou o incumprimento dos seus compromissos financeiros, nomeadamente Fisco, salários, obrigações bancárias.
- A Administração Fiscal efectuou a penhora de créditos devidos pelos clientes à devedora originária e dos saldos das contas bancárias da mesma.
- Os Oponente chegaram a “pôr” dinheiro na originária devedora.
- Oponente A……., por vezes, pagou dívidas da C……, Lda., com o seu próprio dinheiro.
- O Banco obrigou a Originária Devedora a proceder à reestruturação da dívida.
- A sociedade C……., Lda. assumiu créditos da C……, Lda.
- A originária devedora em primeiro lugar pagava os vencimentos e só depois os fornecedores e Estado.
- Houve uma diminuição acentuada da actividade da Originária Devedora.
- A originária devedora ao longo do tempo foi efectuando pagamentos ao Estado e à Segurança Social.
- Cinco trabalhadores da Originária Devedora comunicaram a suspensão do contrato de trabalho por não pagamento pontual da retribuição.
- três trabalhadores da Originária Devedora comunicaram a “resolução do contrato de trabalho” por falta de pagamento pontual da remuneração.
- três trabalhadores da Originária Devedora propuseram acções contra a mesma por falta de pagamento pontual da remuneração do trabalho.
Os Oponentes invocam que só com o dealbar da grave crise que afectou o sector da construção civil, a devedora originária ressentiu-se extraordinariamente da mesma, não por falta de empreitadas ma sim por falta de pagamento dos seus clientes nos prazos acordados.
Efectivamente, os Oponentes, enquanto gerentes da sociedade viram-se confrontados com o agravamento da situação económica da Originária Devedora, não por falta de empreitadas, mas por falta de pagamento dos clientes nos prazos acordados.
Ora, o insucesso nas cobranças impunha que os Oponentes adoptassem medidas consentâneas tendentes à maximização das cobranças com a consequente diminuição das dívidas à Originária Devedora.
A este respeito não alegam os Oponentes quaisquer medidas que tivessem tomado no sentido de obviar ou, pelo menos, minorar, a previsível situação de insuficiência do património social, decorrente da falta de efectivação dos pagamentos nos prazos acordados.
Perante a previsível situação de insuficiência do património social, por forma a permitir aos credores a cobrança dos seus créditos à custa do património social, não apresentaram os Oponentes a sociedade em tempo útil à falência ou a processo de recuperação de empresas.
(…)
Ora, não podem os Oponentes ser desresponsabilizados com base na a penhora de créditos dos clientes e bem assim a penhora dos saldos bancários de que a devedora originária era titular.
É que a cobrança coerciva e a insuficiência patrimonial da executada é que são condições da reversão.
Daí que os Oponentes não possam afastar a sua responsabilidade com a penhora e venda de bens que em princípio foi consequência de uma má gestão sua ou de outros.
Impunha-se-lhes que demonstrassem primeiro que não lhes foi imputável a falta de pagamento, pois, foi durante a gestão sua ou de terceiros que deixaram de ser pagos os créditos tributários.
A Administração Fiscal está legalmente obrigada a diligenciar pela cobrança dos créditos tributários, socorrendo-se dos meios que a lei põe ao seu dispor, nomeadamente a efectivação de penhoras.
Ficou demonstrado nos autos que a originária devedora em primeiro lugar pagava os vencimentos e só depois os fornecedores e Estado.
Independentemente das razões que levaram os Oponentes à adopção de tal critério, o que é certo é que os créditos por impostos, ora sob execução, ficaram por pagar.
O mesmo raciocínio vale para a actuação dos trabalhadores da Originária Devedora, pois, foi a gestão dos Oponentes ou de terceiros que gerou a situação de não pagamento pontual dos salários.
Os trabalhadores comunicaram a suspensão dos contratos de trabalho ou abandonaram a Originária Devedora porque não lhes foram pontualmente pagas as remunerações, com decorrência do agravamento da sua situação económica.
Efectivamente, como os próprios Oponentes reconhecem, a partir de 2005, a falta de fluxos financeiros provenientes dos seus clientes a tempo e horas na tesouraria originou o incumprimento dos seus compromissos financeiros, nomeadamente Fisco, salários, obrigações bancárias.
Então não foi a Administração Fiscal nem os trabalhadores que causaram os descalabro económico da Originária Devedora, mas a falta de fluxos financeiros.
Para tentar resolver o problema da falta de fluxos financeiros Oponentes, enquanto puderam, tentaram, a todo o custo, injectar fundos naquela.. ..até não poderem ou terem mais.
(…)
Efectivamente, era exigível aos Oponentes um outro comportamento, porquanto, existe um conjunto de mecanismos que visam recuperar as empresas que se encontrem numa situação económica difícil, não sendo o não pagamento de impostos uma forma de obviar a tais estados, sob pena de tratamento desigual das empresas.
E se a empresa se encontra numa situação de insolvência, então é seu dever requerer essa declaração e não continuar a laborar à custa de quantias que não lhe pertencem, mas ao Estado.
Invocam os Oponentes que a executada C….., Lda. sempre apresentou as declarações relativas às retenções de IRS, mesmo nas situações em que os valores inscritos nas declarações de retenções de IRS não tinham sido efectivamente retidos.
O regime de responsabilidade subsidiária em causa nos autos é o que decorre do , pois, nos termos do n.º 1, alínea b) do artigo 24.º da LGT, acima transcrito, aos Oponentes cabe provar que não foi por culpa sua que o património social se tornou insuficiente para solver os créditos fiscais.
É que, a culpa relevada como elemento da respectiva obrigação não se refere ao deperecimento do imposto porventura cobrado de terceiros e à inexistência do montante respectivo no património da executada à data da sua cobrança coerciva, mas à culpa pelo incumprimento das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores da sociedade de cuja inobservância resulte, segundo um nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património para a satisfação dos respectivos créditos, entre eles os fiscais — neste sentido o acórdão do STA, de 22/06/1999, recurso n.º 023882
(…)
Não foi demonstrada a ocorrência de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, interferissem no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto”.

*
Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.
Preceitua o nº1, do artigo 24º da LGT (norma aqui aplicável) o seguinte:
“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Ora, “Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, (…), sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE).

A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.

Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não resultou de qualquer conduta que lhe possa ser imputável, em termos de causalidade adequada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.)” – cfr. acórdão do TCA Sul, de 17/05/18, no processo nº 1099/14.8 BELRS.

Considerando o quadro legal aplicável e, bem assim, o circunstancialismo de facto apurado, deve concluir-se – na linha do decidido em 1ª instância – que a materialidade fáctica apurada não permite afirmar que o resultado danoso (insuficiência do património da sociedade) se ficou a dever exclusivamente a causas externas à gestão dos Oponentes, aqui Recorrentes.
Vejamos com maior detalhe.
É verdade, e o Tribunal não desconsidera, que o país, sobretudo a partir de 2008, viveu uma profunda crise que abalou os diversos sectores da sociedade e, também, o sector da construção no qual a devedora originária labora. Tal crise, aceita-se, terá levado a atrasos nos pagamentos das facturas por parte de clientes da C….., com os inconvenientes daí decorrentes.
Contudo, como os Recorrentes reconhecem, apesar de atrasos nos pagamentos acordados, a empresa nunca teve falta de trabalho ou, nas suas palavras, não houve “falta de empreitadas”.
Ora, a situação de não pagamento das prestações tributárias em causa nesta execução fiscal abarca um longuíssimo período de tempo, em concreto, um período de cerca de seis anos, compreendido entre 2003 e 2009. Neste contexto, percebe-se mal, de um ponto de vista da gestão criteriosa, que se mantenha uma actividade, com novas empreitadas, quando sucessiva e constantemente os clientes não pagam ou o fazem com atrasos significativos, a ponto de estrangularem o normal giro da empresa e comprometerem decisivamente os compromissos para com terceiros, designadamente para com o Estado.
Realçam os Recorrentes que nunca se apropriaram de bens da devedora; que, por diversas vezes, colocaram na devedora originária dinheiros pessoais, que pagaram directamente dívidas da sociedade ou que renegociaram um financiamento de elevadíssimo valor por forma a que o mesmo fosse transferido para outra sociedade, assim libertando fundos para a C…… .
Ora, a este propósito, os factos provados não têm o alcance pretendido pelos Recorrentes, até porque não se mostram minimamente concretizados em termos de datas, dos valores envolvidos, dos contratos celebrados e das suas condições. Veja-se, a este propósito, o que resulta do teor das alíneas R), S), T) e U) dos factos provados, sendo patente a vaguidade de afirmações como “Os Oponente chegaram a “por” dinheiro na originária devedora” ou “O Oponente A……, por vezes, pagou dívidas da C….., Lda., com o seu próprio dinheiro” ou “O Banco obrigou a Originária Devedora a proceder à reestruturação da dívida” ou, ainda, “A sociedade C……, Lda. assumiu créditos da C……, Lda”.
Os Recorrentes colocam especial enfoque na actuação da AT, concretamente no facto de num processo de execução fiscal ter penhorado os saldos de todas as contas bancárias e créditos da devedora originária, daí retirando outra das causas externas que motivou o não pagamento das prestações tributárias em cobrança.
Ainda que o Tribunal perceba o alcance que os Recorrentes pretendem com esta alegação, a verdade é que a actuação da AT, determinada a garantir o pagamento de montantes em dívida ao Estado, não pode – no rigor das coisas – ser vista como uma causa mas antes, isso sim, como consequência. Ou seja, a AT penhorou porquanto não se mostravam pagas certas prestações em dívida, sendo certo que, como os Recorrentes não ignoram, penhorar (ou não penhorar) não é uma actuação que se encontre na livre vontade da Administração, pois que, nesta matéria, rege o princípio da indisponibilidade do crédito tributário e a proibição de conceder moratórias.
Merece, ainda, uma especial atenção o enfoque posto pelos Recorrentes nas conclusões H) a M), ou seja, quanto às dívidas provenientes de IVA, em particular pela injustiça de um regime que “obrigava ao pagamento do Imposto facturado independentemente do efectivo pagamento”.
Deve dizer-se, desde já, que, apesar das dívidas de IVA corresponderem a cerca de metade da totalidade da dívida exequenda, desconhece este Tribunal em que medida o imposto correspondente resulta de facturas não pagas, ou seja, em que medida se tratou de imposto efectivamente não recebido.
Deve dizer-se, ainda, que o regime previsto no invocado DL nº 71/13 é posterior às dívidas que aqui estão em pagamento (cfr. alínea A dos factos provados), donde não se coloca a questão da sua aplicação. De todo o modo, importa não esquecer que o chamado regime de contabilidade de caixa em sede de IVA, que teve como intuito promover a melhoria da situação financeira das empresas abrangidas, por via da diminuição da pressão de tesouraria e dos custos financeiros associados à entrega do IVA ao Estado antes do respectivo recebimento, não era de aplicação generalizada a todos os sujeitos passivos e implicava uma opção.
Dito isto, deve ter-se em consideração que “No caso especial do IVA, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274)”.
(…)
Note-se que, embora o não recebimento do IVA dos clientes não justifique que o mesmo não haja de ser entregue ao Estado (ao sujeito passivo de IVA compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o IVA resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do cliente), é facto que pode e deve ser ponderado na avaliação da culpa do gerente pela falta de entrega do imposto ao Estado, designadamente se puder estabelecer-se uma conexão entre a falta de fundos da empresa e o não recebimento dos clientes. O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excepcionais poderiam justificar por que a sociedade não efectuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que o Oponente, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega.
Mas, ainda que a sociedade originária devedora não tenha recebido dos seus clientes o IVA que havia de entregar ao Estado em 15/02/2002, tal não determinaria, por si só, o afastamento da culpa do Oponente pela falta de entrega do imposto. Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do imposto e que o Oponente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação – cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão do TCAN, de 29/10/2009, proferido no âmbito do processo n.º 00228/07.2BEBRG” – cfr. acórdão do TCAN, de 07/12/17, proferido no processo nº 01368/09.9BEBRG
Atendendo ao que fomos dizendo anteriormente, valem aqui inteiramente as mesmas conclusões, no sentido de não vir demostrada a falta de culpa dos Recorrentes quanto à não entrega desse imposto ao Estado.
De tudo o que vem alegado e apreciado, não resulta demonstrado – e isso competia aos oponentes – quais as actuações concretamente desenvolvidas pelos gerentes para impedirem o colapso da empresa e a perda de todo o património social, a ponto de, num longo período de tempo, se tornar impossível pagamento das prestações tributárias devidas.
Realce-se que este Tribunal, conforme já sublinhou, não ignora o facto de – ao menos em parte - o circunstancialismo dado como provado facultar apreensão de reais dificuldades económico-financeiras sentidas pela sociedade, num contexto de crise do sector da construção. Contudo, tal, só por si, mostra-se insuficiente, pois o que aqui importa é aferir das medidas adoptadas para contrariar tal conjuntura, que tenham sido seguidas pela gerência destinadas a assegurar o património social ou, pelo menos, a evitar que ele se tornasse insuficiente para pagar as dívidas que a sociedade tinha para com o Estado.
Aliás, perante o alegado não cumprimento por parte dos seus clientes, desconhece-se se foram encetados meios para cobrar tais valores, mediante, por exemplo, acções judiciais, ou mesmo se entretanto os valores em falta foram cobrados.
Em suma, ignora-se que medidas concretas foram tomadas pelos gerentes, ora Recorrentes, no sentido de viabilizar a empresa e de cumprir com as obrigações tributárias.
Mais. Ainda que se entenda a especial ligação à empresa dos seus gerentes e, naturalmente, o empenho na tentativa de não desistir da actividade a que a sociedade se propôs (o que leva, aliás, os Recorrentes, neste recurso, a afirmar que “E não se diga que os ora recorrentes deveriam ter apresentado a sociedade à insolvência, pois isso é obviamente a postura de um gestor que não luta pela sua empresa…”), a verdade é que arrastando-se por tantos anos a alegada situação deficitária da sociedade, impunha-se que os gerentes, como medida de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade, ponderassem um pedido de insolvência atempado como forma de prevenção do aparecimento de dívidas da empresa, nomeadamente, dívidas tributárias.
Por conseguinte, há que concluir, com o Tribunal a quo, que é imputável a título de culpa à actuação dos Oponentes/Recorrentes, enquanto gerentes da devedora originária, a insuficiência patrimonial da empresa, verificando-se assim todos os requisitos legais para a reversão contra si das dívidas exequendas no âmbito do processo de execução fiscal nº 1503…… e apensos.
Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação de recurso, pelo que há que negar provimento ao mesmo e manter a decisão recorrida.

*

Impõe-se, ainda, analisar o que se segue, com respeito à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa é superior a € 275.000,00.

Seguiremos, na apreciação que se segue, o acórdão de 26/01/17, proferido no recurso nº 516/15.4 BELLE, deste TCA Sul.

Assim:

“(…) As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:

Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.

4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).

O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.

Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac. T.C.A. Sul - 2ª. Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).

Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:

Artigo 530º.

Taxa de justiça

(…)

7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).

Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac. T.C.A. Sul - 2ª. Secção, 15/12/2016, proc.6622/13)”.

Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e do grau complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo aplicar-se a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará.

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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes, com dispensa de pagamento pelas partes do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº7, do RCP.

Lisboa, 14/02/19


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Ana Pinhol)

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(Joaquim Condesso)