Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9655/16.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Sumário:
I. Tendo sido formulado, na decisão arbitral, um segmento decisório atinente à condenação à prática de ato devido nunca peticionado, verifica-se uma situação de pronúncia indevida, por terem sido ultrapassados os limites do princípio do dispositivo.

II. Ao contrário do que sucede no âmbito de ações administrativas visando a condenação à prática de ato devido, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso arbitral tributário com esse alcance, no tocante ao contencioso associado à impugnação, mediata ou imediata, de liquidações, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.

III. Verifica-se contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida quando o discurso argumentativo constante da decisão arbitral impugnada conduza a uma decisão distinta da que foi proferida.

IV. O Tribunal Central Administrativo Sul não é competente para, anulada a sentença ou acórdão arbitral, conhecer em substituição do Tribunal Arbitral da pronúncia que a este foi peticionada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnante ou AT) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 26.04.2016, pelo tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 603/2015-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nesse seguimento, a Impugnante apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Constitui objecto da presente impugnação o segmento decisório contido nas alíneas a) e c) da decisão final proferida, em 26 de Abril de 2016, por Tribunal Arbitral Colectivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante, apenas RJAT) e que correu termos sob o n.° 603/2015-T;

b) A presente acção é tempestiva e constitui meio próprio;

c) Atenta a conformação legal do direito de recurso de decisões arbitrais em matéria tributária efectuado no RJAT, a pretensão da ora Impugnante no presente recurso restringe-se à anulação, por motivos processuais, do segmento decisório constante das alíneas a), b) e c) da parte C do Acórdão Arbitral ("DECISÃO"), porque a decisão padece, quanto ao segmento acima identificado, por um lado, de vício de pronúncia indevida, e, por outro, de vício de contradição entre os fundamentos e a decisão;

d) Sendo que, quanto ao vício de pronúncia indevida, o Acórdão Arbitral, quanto ao segmento decisório indicado, encontra-se ferido de nulidade, por duas ordens de razões: i) em primeiro lugar, por haver o segmento decisório constante da alínea b) excedido o pedido, conforme foi formulado pela Requerente e aparentemente bem delimitado pelo Tribunal; bem como, ii) em segundo lugar, por aquele segmento decisório exceder os poderes jurisdicionais do Tribunal Arbitral, de acordo com o recorte legal da competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos em matéria tributária.
Em primeiro lugar,
e) Relativamente ao vício de pronúncia indevida, por o Tribunal ter decidido para além do que podia conhecer (condenação ultra petitum),
f) Tendo ambas as partes (Requerente e Requerida) e o próprio Tribunal entendido que o pedido formulado pela Requerente consiste na declaração de ilegalidade dos actos de liquidação contestados, a condenação da AT, no Acórdão Arbitral a quo, a substituir o acto em matéria tributária (decisão do pedido de reclamação graciosa) em conformidade com determinada directriz interpretativa implica que o Tribunal tenha decidido para além do que podia conhecer (condenação "ultra petitum");
g) Pelo que o Acórdão Arbitral ao não se conter, estritamente, no âmbito do pedido formulado pela Requerente, não respeitou o princípio do dispositivo;

h) O que consubstancia vício de pronúncia indevida [cf. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de Abril de 2016 (processo n.° 09286/16); e de 19 de Fevereiro í de 2013 (05203/11)];

Por outro lado,

i) Ainda que assim não se entenda, e como identificado supra, noutra dimensão a decisão arbitral incorre ainda no vício de pronúncia indevida, pois, da situação descrita resulta que, quando proferiu o segmento decisório aqui impugnado, o Tribunal Arbitral excedeu a competência legalmente deferida ao tribunal para decidir, nos termos do artigo do RJAT;

j) À cautela, quanto ao âmbito do conceito "pronúncia indevida", não pode senão entender-se que, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28° do RJAT, o Tribunal ad quem pode apreciar da incompetência material do Tribunal Arbitral (ainda que sob o regime de recurso de cassação); como vem entendendo a doutrina especializada e, bem ainda, a jurisprudência deste Tribunal e do Tribunal Constitucional (cf. designadamente, Processo do TCAS n.° 0982/16 e Processo do TC n.° 126/15);

k) Acresce que a denegação da possibilidade de apreciação nesta sede da incompetência material do Tribunal Arbitral com fundamento na alínea c) do n.° 1 do artigo 28.° do RJAT, consubstanciaria uma restrição substancial (e inconstitucional) da possibilidade de recurso nesta matéria, particularmente evidente por não ficarem salvaguardados no RJAT, em todos os casos, a possibilidade de impugnação da decisão arbitral junto dos tribunais estaduais com os fundamentos e nos termos previstos na Lei da Arbitragem Voluntária, mormente quando se está perante uma relação jurídica que decorre do exercício de poderes de autoridade, devendo neste casos reservar-se ao juiz estadual a possibilidade de uma última palavra;

l) Pelo que, considerar-se que o conceito "pronúncia indevida", previsto no artigo 28.°, n.° 1, alínea c) do RJAT, não contém a situação de pronúncia em situações em que o tribunal nem sequer podia decidir, ofende, a par do princípio da legalidade [cf. artigos 3.°, n.° 2, 202.° e 203,° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e ainda o artigo e 266.°, n.° 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.° 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT, também o direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.° da CRP,

m) Pois, neste contexto, cabendo ao próprio Tribunal Arbitral a apreciação em primeira instância da sua própria competência, a exigência de recurso para um Tribunal Estadual torna-se mais premente, maxime atendendo à circunstância de, por um lado, (i) a vinculação da AT estar definida a priori na Portaria n.° 112-A/2011, e, por outro, (ii) esta nunca poder tomar a iniciativa de constituir ou repudiar a constituição do Tribunal Arbitral por sua vontade.

n) Nos mesmos termos, é inconstitucional o artigo 28.°, n.° 1, alínea c) do RJAT, no qual se prevê que «A decisão arbitral é impugnável com fundamento na pronúncia indevida», quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do Tribunal Arbitral para decidir nos termos previstos no RJAT e na Portaria n.° 112-A/2011, por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.° da CRP) e do princípio da legalidade (artigos 3.°, n.° 2, 202.° e 203.° e do artigo 266.°, n.° 2, todos da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.° 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT;

o) Posto isto, temos por assente que o Tribunal ao decidir condenar a AT a substituir um acto em matéria tributária em conformidade com uma determinada directriz interpretativa, nos termos constantes da alínea b) do decisório, e escusando-se a decidir apreciar a legalidade dos actos de liquidação impugnados, não se conteve nas competências próprias da jurisdição arbitral;

p) Termos em que, ao pronunciar-se sobre questão que não devia conhecer, estando fora do seu âmbito de competências, o Acórdão Arbitral enferma do vício de pronúncia indevida;

q) E assim porque, estando a competência dos Tribunais Arbitrais circunscrita às matérias indicadas no n.° 1 do artigo 2.° do RJAT, e sendo fruto da vinculação operada nos termos da Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.° do RJAT, inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT;

r) E isto, note-se, ainda que constituíssem, eventualmente, consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação — o que, todavia, também não é o que sucede no caso concreto;

s) Afinal, no caso sub judice, o Tribunal não declarou a ilegalidade de qualquer acto de liquidação;

t) A condenação da Requerida, resultante da alínea b) do decisório do Acórdão impugnado, à substituição de um acto em matéria tributária (decisão de reclamação graciosa), em conformidade com uma determinada interpretação, não tem, tão pouco, assento legal no artigo 24.°, n.° 1, alínea a) do RJAT;

u) O que diz expressamente o artigo 24.°, n.° 1, alínea a) do RJAT é que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, se for o caso, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, praticar o acto tributário legalmente devido (máxime, uma liquidação) em substituição do acto objecto da decisão arbitral;

v) O artigo 24.°, n.° 1, alínea a) do RJAT refere, portanto, a prática do acto tributário legalmente devido, caso seja aplicável, e não a substituição de um acto em matéria tributária em conformidade com uma determinada interpretação.

w) Ademais, do artigo 24.° do RJAT decorre que a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.° do CPPT e artigos 173.° e seguintes do CPTA;

x) O Acórdão Arbitral a quo, ao decidir assim, fê-lo, portanto, fora do quadro de competências atribuídas aos Tribunais Arbitrais nos termos do RJAT;

y) A competência dos Tribunais Arbitrais, definida nos termos do RJAT e respectiva Portaria de Vinculação, limita-se à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, ou, ainda, de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais:

z) Observado o desenho constitucional dos Tribunais Arbitrais, como jurisdição facultativa e a regra da irrecorribilidade das decisões que nela vigora, a vinculação à jurisdição destes tribunais terá de ser interpretada em termos restritivos, pois que a legitimação para a resolução do conflito por parte de uma entidade não integrada na jurisdição estadual advém de um acto de vontade inequívoco das partes nesse sentido,

aa) Caso assim não se entenda resultar do disposto no artigo do RJAT, interpretando-o de forma diversa da aqui propugnada, sempre se dirá que tal interpretação é contrária à unidade da ordem jurídica e viola os princípios da certeza e da segurança jurídica, sub- princípios concretizadores do princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa,

bb) Tal interpretação é, de igual modo, materialmente inconstitucional por violar o princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 13.° e 20.° da CRP.

cc) E, bem assim, tal interpretação é materialmente inconstitucional por violar o princípio da legalidade, o qual enforma toda a actividade administrativa, e o seu corolário da indisponibilidade do crédito tributário, o que expressamente se invoca, para efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade.

dd) Logo, verificando-se a incompetência do Tribunal Arbitral, o Acórdão Arbitral deve ser anulado, por vício de pronúncia indevida [cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de Abril de 2016 (processo n.° 09286/16)];

Ademais,

ee) Ainda que assim não se entenda, a ora Impugnante não concorda, nem se pode conformar nos termos legais, com parte do segmento decisório identificado com as alíneas a), b) e c) do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Colectivo, acima transcrito e identificado, porquanto entende que o mesmo padece do vício de oposição entre os fundamentos e a decisão (cf. artigo 28.°, n.° 2, alínea b) do RJAT);

ff) Analisando o teor do pedido formulado pela Requerente, em sede de pronúncia arbitral, verifica-se que ali se requer que seja declarada a ilegalidade das liquidações contestadas, bem como a declaração de ilegalidade e anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e, em consonância, condenada a AT a restituir o IVA autoliquidado em excesso.

gg) Sucede que, na decisão arbitral em causa, para o que ora importa, pugna-se o seguinte:

«Neste quadro, não pode este Tribunal proceder, no todo ou em parte, à anulação dos actos de autoliquidação de IVA que integram o objecto mediato da presente lide, improcedendo, nessa parte, o pedido arbitral.»
hh) Todavia, não obstante as limitações de competência legalmente impostas, a final, mais concretamente no segmento decisório vertido nas alíneas a), b) e c), o Tribunal vem decidir em sentido claramente diverso daquele para o qual tal fundamentação aponta.
ii) Constata-se assim, uma óbvia contradição entre o que pode ser objecto de decisão arbitral ao abrigo das normas de competência, o teor do pedido formulado no requerimento de pronúncia arbitral e a decisão final, a qual se limitou à procedência daquele pedido considerando não possuir elementos que lhe permitissem determinar a anulação total ou parcial da liquidação.
jj) Pois que, num silogismo jurídico, os fundamentos de facto e de direito apontados conduzem, inevitavelmente, a uma decisão oposta à proferida, não podendo, em sede de pronúncia arbitral, apreciar o teor da Informação subjacente ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa mantendo intactas as liquidações.
kk) Ora, considerando as regras de repartição do ónus da prova, e observado o disposto no artigo 74° da LGT, ou seja, considerando o Tribunal não dispor de elementos suficientes que lhe permitissem aquilatar da bondade do teor das liquidações, deveria o pedido de pronúncia arbitral ser totalmente improcedente.

ll) Pelo que, nos termos expostos, deve ser julgada procedente a nulidade do segmento decisório do acórdão arbitral referente às alíneas a), b) e c), e atentos os poderes que cabem a este Tribunal, sendo procedente a impugnação da decisão arbitral, tal determina a anulação desta decisão e a consequente devolução do processo arbitral para proferir outra que tenha em consideração o decidido (regime de recurso de cassação), excepto se o presente Tribunal, nos termos do artigo 149.° do CPTA ex vi artigo 27.°, n.° 2 do RJAT, entenda dela poder conhecer (regime de recurso de substituição)”.

Foi ordenada a notificação de C….., SA (doravante Impugnado) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, nas quais se concluiu nos seguintes termos:

“a) O prazo para a apresentação da impugnação deve contar-se a partir da data da notificação da decisão arbitral, sendo que, no caso de notificações por via eletrónica, as mesmas se consideram efetuadas no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica.

b) Em resultado do exposto, a impugnação apresentada pela AT, no dia 23 de maio de 2016, deve ser considerada intempestiva e, por conseguinte, deve ser rejeitada.

c) A decisão arbitral não enferma do vício de pronúncia indevida, uma vez que não excedeu o pedido formulado pela Impugnada.

d) O Tribunal Arbitral decidiu exatamente dentro dos limites da sua área de atuação, tendo circunscrito a sua decisão à análise 'da legalidade da decisão sobre a reclamação, não tendo estendido a sua decisão para além dessa matéria.

e) A remessa do processo para a AT, para a prática de um novo ato, em substituição do anterior, corresponde à concretização prática do disposto na alínea a) do artigo 24.º do RJAT.

f) Não se verifica qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão arbitral, uma vez que o Tribunal Arbitral concedeu primazia ao enquadramento jurídico tributário requerido pela Impugnada e, em conformidade, ordenou a anulação do pedido de reclamação, dado a mesma enfermar de ilegalidade.

g) Do mesmo modo, inexiste oposição entre os fundamentos e a decisão do Tribunal Arbitral, na medida em que, tendo o Tribunal confirmado o regime jurídico-tributário das prestações de serviço relativas à educação/ensino efetuadas pela Impugnada, decidindo que faltava apenas a confirmação do valor do IVA a restituir, bem como a confirmação de que as atividades de toy making, catequese, dip fitness, e sala de estudo consistem no essencial e respetivamente, no ensino de manualidades, teologia/educação moral e religiosa e educação física, anulou a decisão da reclamação, ordenando a AT a praticar um novo ato em conformidade com o decidido.

h) Face ao exposto, entende a ora Impugnada que a decisão do Tribunal Arbitral deverá ser confirmada, condenando-se, consequentemente, a AT à prática do novo ato e, consequentemente, à restituição do valor devido.

i) Subsidiariamente, caso o TCA Sul decida tomar conhecimento do mérito da causa, deve o ilustre Tribunal proceder à validação do montante de imposto liquidado em excesso, pela ora Impugnada, em conformidade com o enquadramento jurídico-tributário constante na decisão arbitral, e, consequentemente, condenar a AT à restituição do valor do imposto devido”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, tendo emitido parecer no sentido da tempestividade da presente impugnação e no sentido, quanto ao mérito, da sua improcedência.

Ambas as partes foram notificadas do mencionado parecer, nada tendo dito.

São as seguintes as questões a decidir:
a) A presente impugnação é intempestiva?
b) Há nulidade por pronúncia indevida, em virtude de ter sido excedido o pedido?
c) Há nulidade por pronúncia indevida, em virtude de ter sido conhecida questão para a qual os tribunais tributários arbitrais não são materialmente competentes?
d) Há nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que se refere não poder o Tribunal proceder, no todo ou em parte, à anulação dos atos de autoliquidação, comportando nessa parte a improcedência do pedido arbitral, vindo, no entanto, a decidir em sentido diverso?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Na decisão impugnada foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

“1- As autoliquidações em questão na presente acção arbitral foram apresentadas no contexto da regularização voluntária que a Requerente optou por fazer, ao abrigo do disposto no artigo 58.° do RCPIT, na sequência das conclusões alcançadas pelos Serviços de Inspecção Tributária no âmbito dos procedimentos de inspecção tributária realizados aos períodos compreendidos entre 2009 e 2012, realizados ao abrigos das Ordens de Serviço n.° ….. (2009), ….. (2010), ….. (2011) e ….. (2012).

2- No âmbito das referidas acções inspectivas foi analisado o enquadramento em sede de IVA das transmissões de bens e prestações de serviços realizadas pela Requerente.

3- A Requerente foi constituída por escritura pública em 17/09/1993, tendo por objecto a «exploração e gestão de estabelecimentos particulares dos ensinos básicos e secundários».

4- A Requerente presta, e prestava à data dos actos tributários ora em causa, serviços no âmbito da educação pré-escolar, ensino básico e ensino secundário.

5- Conforme declaração emitida em 25/03/2007, pela Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), a Requerente constituía um estabelecimento de ensino particular, que funciona ao abrigo da Autorização Definitiva n.° ….., conforme Despacho proferido em 03/02/1994, e enquadrava-se nos objectivos do Sistema Educativo nos termos do n.° 2 do artigo 3.° da Lei n.° 9/79 e n.°s 1 e 2 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 553/80 (Lei de Bases e Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo respectivamente de 19 de Março e 21 de Novembro).

6- Em sede de IVA, a Requerente enquadrava-se no regime normal de periodicidade trimestral com o tipo de operações «misto com afectação real de parte dos bens» na medida em que exerce não só actividades isentas que não conferem direito à dedução, nos termos da al. 9) do artigo 9.° do CIVA, consubstanciadas em actividades com o objecto do ensino e serviços conexos (nomeadamente fornecimento de alimentação), mas também actividades sujeitas que conferem direito à dedução, consubstanciadas em prestações de serviços enquadráveis no n.° 1 do artigo 4.° do CIVA.

7- No âmbito dos procedimentos inspectivos realizados, a AT constatou que, nos períodos em apreço, a Requerente prestava serviços aos alunos nas áreas da «Componente Educativa», «Actividades Extracurriculares» e, ainda, «Outros Serviços».

8- As referidas «Actividades Extracurriculares” (C…..), compreendiam, nomeadamente, as seguintes prestações de serviços:

i. Em 2009: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, catequese e drama;

ii. Em 2010: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, ….. -fitness, e drama;

iii. Em 2011: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, ….. -fitness, e drama.

iv. - Em 2012: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, ….. -fitness e drama;

9- Estas actividades foram pela Requerente consideradas isentas de IVA pela Requerente ao abrigo da al. 9) do artigo 9.° do CIVA, que nas faturas emitidas no âmbito das atividades descritas no ponto anterior, até meados do ano de 2013, não mencionava IVA.

10. Todavia, os SIT consideraram que as mesmas estariam antes sujeitas a IVA à taxa normal, não podendo beneficiar da referida isenção por não se considerarem conexas com o ensino, nos termos e para os efeitos da referida isenção, porquanto, em suma, ao abrigo da citada norma encontram-se apenas isentas as transmissões de bens ou prestações de serviços que revistam um carácter de complementaridade em relações às actividade de ensino propriamente dito, como é o caso do alojamento, alimentação, transporte e material didáctico aos alunos.

11- Não conformada com o entendimento da AT, a Requerente veio apresentar pedido de reclamação graciosa, visando as autoliquidações referentes aos períodos compreendidos entre os anos de 2009 e 2012, e, ainda, quanto ao l.° e 2.° trimestre de 2013.

12- No âmbito do referido procedimento, uma vez notificada para exercer o respectivo direito de audição, face ao projecto de decisão, a Requerente não se manifestou.

13- A decisão final proferida foi de deferimento parcial, restituindo-se à Requerente o montante de 90.798,62€, com os fundamentos constantes da Informação elaborada em 30-12-2014, pela Direcção de Finanças Porto.

14- O deferimento parcial teve por objecto a correcção realizada, na parte relativa ao l.° ciclo, na medida em que, atendendo ao disposto no Despacho n.° 14460/2008, de 26 de Maio de 2008, se concluiu que as actividades de enriquecimento curricular, nos moldes aí definidos, estão integradas legalmente nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, podendo, por conseguinte, beneficiar da isenção em causa.

15- Pelo que a correcção realizada pelos SIT se manteve quanto às actividades de enriquecimento curricular realizadas no ensino pré-escolar, 2.° e 3.° ciclo do ensino básico e ensino secundário.

16- Das correcções voluntárias efectuadas, resultou a entrega adicional de IVA ao Estado, nos montantes de 37.376,63€, 39.550,38€, 51.230,10€ e 53.097,72€, para os anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respetivamente.

17- Para além disso, fora do âmbito das acções inspectivas realizadas, em consonância com as indicações dadas pela autoridade tributária, a Requerente corrigiu igualmente (de forma voluntária) as declarações de IVA dos l.° e 2° trimestres de 2013, tendo resultado um valor de IVA a pagar adicionalmente de € 38.848,06.

18- Com referência ao 3.° trimestre do ano de 2013, a Requerente reportou imposto liquidado na respectiva declaração periódica de IVA (entregando-o ao Estado), no montante de 408,54€”.

II.B. Refere-se ainda na decisão impugnada:

“Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.° 123.°, n.° 2, do CPPT e artigo 607.°, n.° 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.°, n.° 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.°, n.° 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.°, aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.77 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 (…), “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas””.

II.D. Estão ainda provados os seguintes factos:

19) A 17.09.2015 a ora Impugnada apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral, do qual consta designadamente o seguinte:

“Nestes termos e nos demais de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deverá este Ilustre Tribunal Arbitral:

a) Proceder à declaração de ilegalidade e anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa (constante no Ofício n.º …..) e, em consonância,

b) Condenar a autoridade tributária à restituição do IVA autoliquidado em excesso no montante de € 220.511,43,

SUBSIDIARIAM ENTE,

c) Sempre se deverá considerar ter existido excesso de autoliquidação de IVA no valor global de € 115.103,54 (correspondente ao montante de € 90.798,61 já aceite pela autoridade tributária como tendo sido autoliquidado em excesso, acrescido dos € 24.304,93 mencionados no ponto 108 acima)” (cfr. fls. 1 a 89 da certidão do processo em formato PDF, constante de CD apenso, a que correspondem futuras referências sem menção de origem, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

20) Na sequência do referido em 19), foi constituído tribunal arbitral coletivo, tendo dado origem ao processo n.º 603/2015-T (cfr. fls. 248 e 249).

21) No âmbito do processo referido em 20), foi proferida decisão arbitral, a 26.04.2016, da qual consta designadamente o seguinte:

“… Posto isto, a questão jurídica a resolver nos autos, relaciona-se directamente com a interpretação e aplicação da al. 9) do artigo 9.° do CIVA que dispõe que:

“Estão isentas do imposto:

9) As prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;”.
A norma em questão consagra, explicitamente, um requisito subjectivo, que exige que se tratem de “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, e um requisito objectivo, que pressupõe que estejam em causa “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas”.
Como bem sintetiza a Requerida nos autos, “a questão controvertida não se coloca quanto ao requisito subjectivo da isenção em apreço, maxime, as características que o operador económico deve reunir para beneficiar da isenção consagrada no n.° 9 do artigo 9° do CIVA (...), mas, antes, com o requisito objectivo da mesma, mais concretamente, com as actividades de enriquecimento curricular que são praticadas, em concreto”.
Correctamente equacionada, deste forma, a questão que se apresenta a resolver por este Tribunal, não se poderá, todavia, corroborar o momento seguinte em que assenta a posição jurídica da Requerida, que postula que “a questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se tais actividades extracurriculares (...), prestadas no âmbito do ensino pré-escolar, bem como no âmbito do 2.° e 3.° ciclo do ensino básico e ensino secundário, são ou não conexas com o ensino nos termos e para os efeitos previstos no n.° 9 do artigo 9.°do CIVA.”.

Com efeito, o detectado requisito objectivo da al. 9) do artigo 9.° do CIVA não se esgota nas prestações de serviços conexas com o ensino, abrangendo, ainda e em primeiro lugar, as próprias “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino”.

Assim, correctamente equacionada a questão decidenda no autos, concluir-se-á que a mesma consiste em saber se as actividades extracurriculares em questão, prestadas a alunos do ensino pré-escolar, e do 2.° e 3.° ciclo do ensino básico e ensino secundário, são, ou não, prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, ou conexas com este, nos termos e para os efeitos previstos na al. 9) do artigo 9.° do CIVA.

Formulada, devidamente, a questão decidenda, apreciemos então os fundamentos do acto tributário que constitui o objecto primário da presente lide (a decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente).


*
Como muito bem se sintetiza na resposta apresentada no presente processo, “os SIT entenderam, em suma, que as actividades de enriquecimento curricular não fazem parte do currículo escolar e não estão consagradas nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, tendo, antes, carácter optativo ”, porquanto “As actividades de enriquecimento curricular do 1.°ciclo do ensino básico elencadas nos n.°s 9 e 10 do Despacho n.° 14460/2008, de 26 de Maio, consideram-se integradas nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, e, como tal, encontram-se abrangidas pela isenção prevista no n.° 9 do artigo 9. ° do CIVA;”.

Ressalvado o respeito devido, considera-se que a AT, na matéria em causa, incorreu num erro de raciocínio que decorre da circunstância de, confrontada com prestações de serviços que são oferecidas pelo Sistema Nacional de Educação e isentas de IVA, considerou-as conexas com o ensino não com base num critério objectivo, como se impunha, mas com base num critério assente na qualidade dos sujeitos destinatários da prestação (subjectivo, portanto).

Com efeito - e aqui a AT diverge logo daquilo que ela própria, ab initio, localizou como sendo o epicentro do dissídio - não nos podemos esquecer que estamos perante um requisito objectivo, pelo que as prestações de serviços em causa deverão reunir os requisitos legalmente pressupostos pela isenção em si mesmas, independentemente, não só, de quem as presta como, também, de quem as recebe.

Ou seja: as prestações de serviços serão ou não isentas (dado que está, como se viu, reunido o requisito subjectivo para tal) conforme a sua própria natureza, e não conforme os destinatários da mesma, de onde decorre desde logo que será para o caso irrelevante a situação das prestações de serviços em causa, no âmbito do 1.° Ciclo de ensino, ou em qualquer outro.

O foco terá de ser, então, não se a prestação de serviços se dá num ou noutro ciclo de ensino, mas, antes, se a mesma se reveste da natureza de prestação de serviços que tenha por objecto o ensino, ou conexas com este, questão de natureza objectiva e para a qual o ciclo de ensino em causa será irrelevante.

A interpretação da norma da al. 9) do artigo 9.° do CIVA, não poderá, por outro lado e por força do comando do artigo 8.° da CRP, desligar-se da sua fonte comunitária, pelo que a densificação do seu conteúdo, deverá fazer-se à luz da indicada norma da Directiva IVA, uma vez que que a norma em causa é reflexo directo da norma do artigo 132.º/1/i) daquela Directiva, norma esta que declara que os Estados Membros isentam, para além do mais, as prestações de serviços relativas à “educação da infância e da juventude” e ao “ao ensino escolar ou universitário”.
Contrastada, então, a norma da Directiva, com o artigo 9.° do CIVA, verifica-se que a primeira impõe a isenção de prestações de serviços que tenham por objecto “A educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional”, para além das “prestações de serviços e (...) entregas de bens com elas estreitamente relacionadas”, enquanto que o segundo se refere apenas a “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino” (al. 9)), e a “As prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional” (al. 10)) e respectivas prestações de serviços e transmissões de bens conexas.

Este quadro normativo evidencia, então, que, não se encontrando, por qualquer forma, expressamente reflectida a imposição comunitária de isenção das prestações de serviços que tenham por objecto a “educação da infância e da juventude’'’ ter-se-á, por força da interpretação conforme ao direito comunitário, de considerar que tais prestações de serviços estão abrangidas pelo conceito de “prestações de serviços que tenham por objecto o ensino”, utilizado pela lei nacional, sob pena, desde logo, de desconformidade desta com o direito comunitário e, consequentemente, constitucional.

Por outro lado, tendo em conta a al. 11) do artigo 9.° do CIVA, que corresponde directamente à al. j) do n.° 1 do artigo 132.° da Directiva, e que isenta “As prestações de serviços que consistam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior”, verifica-se que o legislador (nacional e comunitário) restringiu expressamente as prestações de serviços aí previstas, àquelas que incidam “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, de onde se retira que - ao contrário do que subjaz a toda a argumentação da AT na matéria que nos ocupa - se o legislador quisesse, de alguma forma, restringir a previsão normativa da al. 9) (ou, já agora, na al. j) do n.° 1 do artigo 132.° da Directiva) nos mesmos termos em que o fez na al. 11), tê-lo-ia, obviamente, dito, pelo que se haverá de concluir que aquela previsão (da al. 9) do artigo 9.° do CIVA) não está, por qualquer forma, limitada às prestações de serviços relativas ao ensino “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, o que de resto, é coerente com a finalidade genérica da isenção em questão, que visa fomentar a educação da infância e da juventude.

Verifica-se, assim, que o legislador nas normas em causa (artigo 9.º/11) do CIVA e 132.º/1/j) da Directiva), dispensa o requisito subjectivo exigido pela al. 9) do artigo 9.° do CIVA e pela al. i) do n.° 1 do artigo 132.° da Directiva (estabelecimento de ensino oficial ou equiparado), mas acresce uma restrição ao âmbito das matérias ministradas (matérias do ensino, subentende-se que oficial, escolar ou superior).

Daí que aquelas normas da al. 9) do artigo 9.° do CIVA e pela al. i) do n.° 1 do artigo 132.° da Directiva, ao não conterem tal restrição, porão a tónica na “oficialidade” do sujeito prestador. Ou seja, sendo os sujeitos prestadores “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, sob o ponto de vista fiscal, estará na disponibilidade deles o conteúdo educativo a disponibilizar aos seus utentes, conste ou não dos currículos do SNE. Dito de outro modo, dentro do que seja objectivamente prestação de serviços de ensino/educação, os “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes” poderão eleger livremente, de um ponto de vista fiscal, quais os que pretendem ministrar aos seus utentes, não ficando restringidos pelas “matérias do ensino escolar ou superior” oficial.

Por outro lado, verifica-se ainda que aquela referida al. 11) do art.° 9.° do CIVA, restringindo a isenção ao ensino de “matérias do ensino escolar ou superior”, não a restringe em função de ciclos ou anos de estudo. Daí que, salvo melhor opinião, as “lições ministradas a título pessoal sobre matérias” que não integrem o ciclo de ensino, ou o ano, do destinatário das mesmas, continuarão a ser isentas (por exemplo: lições de francês ou espanhol a um criança do primeiro ciclo, ou mesmo da pré-primária). Sendo assim, como parece que é, não se compreenderá como é que a al. 9) do artigo 9.° do CIVA, interpretado à luz da al. g) do n.° 1 do art.° 132.° da Directiva, poderá restringir a isenção aí consagrada a matérias que integrem os currículos do SNE do ciclo de ensino oficial em causa.

Daí que, fundamentando-se a decisão do pedido de reclamação graciosa em que “No que respeita às atividades extracurriculares (acima referidas e oferecidas pela C…..), como o próprio nome indica, não fazem parte do currículo escolar (antes se consubstanciam num enriquecimento cuja frequência não é curricular nem obrigatória para todos os alunos mas sim de opção por cada um dos mesmos alunos) logo, não estão consagradas nos objetivos do Sistema Nacional de Educação pelo que não beneficiam da isenção da al. 9) do Artigo 9° do Código do IVA nem em nenhuma outra isenção das referidas no Artigo 9° do Código do IVA, pelo que estas operações são sujeitas a IVA e dele não isentas havendo lugar à liquidação de imposto naquelas operações”, haverá que concluir que tal acto tributário enferma de erro de direito, na medida em que restringe, injustificadamente, o conceito de prestações de serviço de ensino, para efeitos da al. 9) do artigo 9.° do CIVA, às prestações de matérias que “fazem parte do currículo escolar”.

Com efeito, e como se vem de ver, nada no quadro normativo aplicável, permite restringir fundadamente o conceito de prestações de serviço de ensino por “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, ao ensino de matérias que ‘'fazem parte do currículo escolar” oficial, pelo que, ao assentar em tal entendimento, enferma a decisão da reclamação graciosa de erro nos pressupostos de Direito, devendo, como tal, ser anulada.

Passando, agora, para o plano do objecto mediato do presente processo arbitral, cumprirá, então, verificar se as prestações de serviços em causa no presente processo arbitral são, ou não, qualificáveis como prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, ou conexas com este, em termos de ser possível tomar, desde já, uma posição quanto à legalidade das liquidações do respectivo imposto.

Conforme decorre dos factos dados como provados, estão em causa nos autos as seguintes prestações de serviços: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, …..-fitness, catequese e drama.

Devidamente analisadas as prestações de serviços em questão, haverá de se concluir, desde logo, que as mesmas não se apresentam como prestações de serviços conexas com o ensino, à luz de quaisquer dos critérios hermeneuticamente aceitáveis para determinar o conteúdo de tal conceito.

Com efeito, o Tribunal de Justiça, em diversos acórdãos (C-45/01, C-394/04, C- 434/05), tem vindo a entender que um serviço é acessório quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar o serviço principal, sendo que o artigo 134° da Diretiva refere que ficam excluídos da isenção os serviços que não sejam indispensáveis à realização das operações isentas, enquanto que o Tribunal de Justiça tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de que são indispensáveis as operações acessórias que tenham uma natureza e características tais que, sem recorrer a elas, não seria possível assegurar que o serviço principal (no caso, o ensino) tivesse uma valia equivalente.

Assim, apesar de, em matéria de ensino, o Tribunal de Justiça da União Europeia ter já afirmado, nomeadamente no acórdão de 20 de junho de 2002 (C-287/00, Comissão/Alemanha), que não é necessária uma interpretação restrita da isenção, por considerar que ela tem em vista assegurar um acesso menos dispendioso aos serviços ligados ao ensino, a verdade é que no mesmo acórdão é referido, a propósito das actividades de investigação, que embora a realização desses projetos possa ser considerada muito útil para o ensino universitário, não é indispensável para atingir o objetivo visado por este, a saber, nomeadamente, a formação dos estudantes para lhes permitir exercerem uma actividade profissional. A jurisprudência comunitária tem vindo, por isso, a exigir uma relação de complementaridade entre os serviços prestados e a actividade do ensino, de tal forma que apenas podem ser consideradas acessórias as prestações de serviços e transmissões que são indispensáveis para a prestação de serviços de ensino ou educação da infância e juventude.

Também no Centro de Arbitragem Administrativa já existe jurisprudência que sustenta que as operações conexas com a atividade principal só podem beneficiar da isenção se forem indispensáveis à realização dessas operações isentas, bem como que constituem um meio de beneficiar, nas melhores condições, o serviço principal do prestador (cfr. decisão arbitral n° 132/2015T, de 26 de Novembro de 2015), sendo que a doutrina nacional também já se pronunciou no sentido de que para serem qualificadas como indispensáveis, as operações acessórias devem ser de uma natureza e características tais que, sem recorrer a essas operações, não seria possível assegurar que o serviço principal de que o cliente beneficia tivesse uma valia equivalente, ou seja, por exemplo, que oferecesse a mesma qualidade (…).

Deste modo, não havendo dúvidas, como não há, de que não se tratam de prestações de serviços conexas com o ensino (das matérias que integram os currículos do Sistema Nacional de Educação), não dispensa tal conclusão de apurar se não se integram as prestações de serviços em questão na primeira parte do requisito objectivo que nos ocupa, ou seja, de apurar se aquelas prestações de serviços são, ou não, prestações de serviços (não acessórias ou conexas mas directamente) relativas à “educação da infância e da juventude” ou ao “ensino escolar ou universitário”.

Ora, a resposta a esta questão - julga-se - não pode deixar de ser afirmativa, pelo menos para algumas das prestações de serviços em causa.

E que, desligando-se a isenção da al. 9) do artigo 9.° do CIVA das prestações de serviços relativas ao ensino “sobre matérias do ensino escolar ou superior”, conforme atrás se expôs já, e devolvendo-lhe o sentido que se lhe considera devido, como abrangendo as prestações de serviços relativas à “educação da infância e da juventude” e/ou ao “ensino escolar ou universitário”, independentemente do ciclo de estudos em que se a conclusão que se imporá com mais firmeza é a de que, pelo menos, algumas das prestações de serviços ora em causa se tratam de prestações de serviços que têm como objecto o ensino, nesse sentido abrangente, conforme à Directiva comunitária.

Com efeito, as prestações de serviços relativas ao ensino de música, artes e pintura, línguas e drama, integram directamente o conteúdo de matérias leccionadas em variados ciclos de estudo, constituindo, dessa forma, inequivocamente prestações de serviços de ensino e educação da infância e juventude, não relevando, como se viu, não só por falta de fundamento legal para tal, como também por decorrer da interpretação sistemática das normas aplicandas, a circunstância de não integrarem os currículos do ensino oficial para os ciclos de estudos dos destinatários, ou mesmo as “matérias do ensino escolar ou superior”.

Também o ensino de toy making, na medida que se reconduza ao ensino de manualidades, correspondendo ao objecto de disciplinas de educação visual e tecnológica (ou aos antigos trabalhos manuais e oficinais), poderá integrar também o conceito de prestação de serviços de ensino ou educação da infância ou juventude.

As actividades de catequese, do mesmo modo, poderão, reconduzir-se a prestações de serviço de ensino, nos termos pressupostos pela al. 9) do artigo 9.° do CIVA, na medida em que se reconduzam a um ensino teológico/ educação religiosa e moral, ou não o ser, na medida em que se traduzam essencialmente em actividades de culto ou de prática religiosa.

Também as actividades de …..-fitness, na medida em que se traduzam em prestações de serviços de ensino de educação física, poderão, também, ser tidas por prestações de serviços de ensino, nos termos e para os efeitos do artigo 9.79 do CIVA.

Por fim, as actividades de sala de estudo, deverão ser igualmente analisadas à luz quer do concreto tipo de prestação de serviço em questão (disponibilização de espaço e vigilância; disponibilização de apoio passivo ao estudo; ministério efectivo de conhecimento) quer do conteúdo das matérias sobre que incidam.

Sucede, todavia, que este Tribunal não dispõe de elementos que permitam, por um lado, fixar em termos quantitativamente exactos os valores de imposto que se reportam às actividades que se apresentam, para lá de qualquer dúvida razoável, como prestações de serviços de ensino (música, artes e pintura, línguas e drama), nos termos pressupostos pelo artigo 9.º/9) do CIVA, e, por outro, definir com o mesmo grau de certeza que as restantes actividades se configuram, ou não, como prestações de serviços de tal índole (toy making, catequese e ….. jitness, sala de estudo).

Neste quadro, não pode este Tribunal proceder, no todo ou em parte, à anulação dos actos de autoliquidação de IVA que integram o objecto mediato da presente lide, improcedendo, nessa parte, o pedido arbitral.
3. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a) Anular a decisão do pedido de reclamação graciosa apresentado pela requerente, e que constitui o objecto imediato da presente acção arbitral;

b) Determinar, ao abrigo da al. a) do n.° 1, do art. 24° do RJAT, que seja, em substituição daquele acto, praticado um novo, em conformidade com o ora decidido, ou seja, com a interpretação de que as prestações de serviços de ensino/educação prestadas pelos “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, para efeitos da al. 9) do artigo 9.° do CIVA, não estão restringidas ao ensino de matérias que ‘‘fazem parte do currículo escolar” oficial dos destinatários, pelo que o ensino de música, artes e pintura, línguas e drama, constituem, para efeitos da norma referida, prestações de serviços que têm por objecto o ensino, o mesmo se passando relativamente às actividades de toy making, catequese, ….. fitness, e sala de estudo, na medida em que consistam essencial e respectivamente, no ensino de manualidades, teologia/educação moral e religiosa e educação física;

c) Julgar improcedente o pedido arbitral na parte restante;

d) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se no montante de 2.142,00€ o valor a cargo da Requerente, e no montante de 2.142,00€ o valor a cargo da, Requerida” (cfr. fls. 541 a 562, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

22) Através de mensagens de correio eletrónico, datadas da 04.05.2016, foi comunicada à Impugnante e à Impugnada a decisão mencionada em 21) (cfr. fls. 539 a 563).

23) A presente impugnação foi remetida, via correio eletrónico, a 23.05.2016 (cfr. fls. 2 dos presentes autos – numeração em suporte de papel).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da tempestividade da presente impugnação

Antes de mais, cumpre aferir da tempestividade da presente impugnação.

A este respeito, a Impugnante considera que a impugnação é tempestiva, porquanto a notificação da decisão arbitral se considera efetuada a 9 de maio de 2016.

Por seu turno, a Impugnada considera que o prazo em causa se conta a partir do momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica, implicando a intempestividade da presente impugnação.

Vejamos.

Nos termos do n.º 1 do art.º 27.º do RJAT, o pedido de impugnação de decisão arbitral deve ser deduzido no prazo de 15 dias contados da notificação da decisão arbitral.

In casu, a decisão arbitral foi notificada a 04.05.2016, sendo discutido qual o momento em que se considera ocorrer o termo inicial da contagem do prazo de impugnação.

A este propósito, há que apelar ao regime constante do CPC, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT [cfr. neste sentido o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.06.2014 (Processo: 01763/13)].

Assim, nos termos do art.º 248.º do CPC, nas notificações eletrónicas as mesmas presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao da elaboração ou no primeiro dia útil seguinte a esse.

Ora, in casu, a notificação eletrónica, como referido, foi feita a 04.05.2016, pelo que o terceiro dia posterior foi o dia 07.06.2016. No entanto, este dia foi um sábado. Assim, tendo sido o dia 09.05.2016 o primeiro dia útil seguinte, a notificação presume-se feita nesse dia.

Como tal, o prazo de 15 para a apresentação da impugnação conta-se a partir dessa data, terminando a 24.05.2016.

Tendo a presente impugnação sido remetida a 23.05.2016, a mesma é, pois, tempestiva.

III.B. Da nulidade por pronúncia indevida

Considera a Impugnante verificar-se uma situação de pronúncia indevida, sob duas perspetivas. De um lado, defende que a decisão impugnada excedeu o pedido formulado. Por outro lado, entende que sempre existiria pronúncia indevida, em virtude de ter sido excedida a competência dos tribunais arbitrais, atenta a circunstância de se estar perante contencioso de mera anulação.

A Impugnada, em sede de contra-alegações, considerou não se verificar tal nulidade, não tendo havido decisão para além do peticionado e sendo possível ao tribunal arbitral fixar expressamente os efeitos do seu julgado na decisão arbitral.

Vejamos.

Nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

“a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

Atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

In casu, como já referido, está em causa a pronúncia indevida por parte do tribunal arbitral.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há excesso de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja pronúncia sobre questões de que o juiz não deva conhecer [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

No âmbito do contencioso impugnatório de decisões arbitrais o conceito de pronúncia indevida é mais amplo do que o de excesso de pronúncia, nele se incluindo designadamente as situações em que é suscitada a incompetência material dos tribunais arbitrais.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29.03.2016, no qual foi julgada inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de “pronúncia indevida” não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral. Sublinhou-se neste aresto que “as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco”.

Assim, a nulidade suscitada é passível de apreciação por este Tribunal Central sob os dois prismas referidos, por se enquadrar no âmbito do art.º 28.º, n.º 1, al. c), do RJAT.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, como se referiu, entende a Impugnante, desde logo, que o Tribunal arbitral foi além do pedido.

Está em causa o segmento decisório identificado sob a alínea b), com a seguinte formulação:

“Determinar, ao abrigo da al. a) do n.° 1, do art. 24° do RJAT, que seja, em substituição daquele acto, praticado um novo, em conformidade com o ora decidido, ou seja, com a interpretação de que as prestações de serviços de ensino/educação prestadas pelos “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, para efeitos da al. 9) do artigo 9.° do CIVA, não estão restringidas ao ensino de matérias que ‘‘fazem parte do currículo escolar” oficial dos destinatários, pelo que o ensino de música, artes e pintura, línguas e drama, constituem, para efeitos da norma referida, prestações de serviços que têm por objecto o ensino, o mesmo se passando relativamente às actividades de toy making, catequese, ….. fitness, e sala de estudo, na medida em que consistam essencial e respectivamente, no ensino de manualidades, teologia/educação moral e religiosa e educação física”.

Atento o documento mencionado em 19) supra, no mesmo foi formulado o seguinte pedido:

“Nestes termos e nos demais de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deverá este Ilustre Tribunal Arbitral:

a) Proceder à declaração de ilegalidade e anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa (constante no Ofício n.º …..) e, em consonância,

b) Condenar a autoridade tributária à restituição do IVA autoliquidado em excesso no montante de € 220.511,43,

SUBSIDIARIAM ENTE,

c) Sempre se deverá considerar ter existido excesso de autoliquidação de IVA no valor global de € 115.103,54 (correspondente ao montante de € 90.798,61 já aceite pela autoridade tributária como tendo sido autoliquidado em excesso, acrescido dos € 24.304,93 mencionados no ponto 108 acima)”.

Desde logo, da análise do pedido formulado, se conclui que o Tribunal arbitral atuou com excesso de pronúncia, porquanto não é formulado qualquer pedido de condenação à prática de ato devido (nem, aliás, as questões controvertidas foram delineadas nesse prisma), nos termos em que foi decidido na decisão sob escrutínio.

Por outro lado, nem se pode defender que se trata de desenvolvimento ou consequência lógica de qualquer dos pedidos formulados, questão em entronca e tem estreita relação com a segunda perspetiva sob a qual foi configurada a pronúncia indevida por parte da Impugnante.

Para efeitos de concretização desta conclusão, cumpre, antes de mais, atentar na competência e nos poderes dos tribunais arbitrais tributários.

Nos termos do art.º 2.º do RJAT:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Reconhecendo-se algumas limitações na redação deste n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, é pacífico que os Tribunais arbitrais têm poderes de anulação[1] ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato impugnado.

É ainda pacífico que, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios ou com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia[2].

Abstraindo destes poderes condenatórios, porquanto não são os mesmos que ora estão em causa, a questão sob apreciação prende-se com os poderes do tribunal arbitral quando se depara com um ato impugnado que considera ser ilegal.

Sob essa exclusiva perspetiva, como referimos, estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um ato tributário perante um tribunal arbitral (ou perante um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o ato legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência).

Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido. Tal não significa que não haja qualquer falta de sindicância da atuação da AT, em termos de cumprimento do julgado anulatório; não obstante, tal deverá ser feito ao nível da execução desse mesmo julgado, alcançando-se, neste todo, o respeito pela tutela jurisdicional efetiva.

Significa, pois, que os tribunais arbitrais tributários não podem emitir injunções condenatórias (para além das situações já referidas supra), nomeadamente nos termos em que sucedeu in casu, em que o Tribunal arbitral anulou a decisão proferida em sede de reclamação graciosa, por considerar padecer a mesma de erro sobre os pressupostos, mas condenou a administração tributária à prática do ato devido, consubstanciado em nova decisão com um conteúdo vinculado em termos de pressupostos de atuação.

Refira-se que, não obstante o tribunal arbitral ter feito menção, no segmento decisório, ao disposto no art.º 24.º, n.º 1, al. a), do RJAT, para sustentar a sua pronúncia condenatória, tal disposição legal não tem o alcance em causa.

Com efeito, nos termos do mencionado art.º 24.º, n.º 1, al. a), do RJAT, atinente aos efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação:

“1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

a) Praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral”.

Esta disposição legal respeita, em bom rigor, à execução do julgado arbitral, sendo que a menção à prática do ato devido não implica que, a montante, o tribunal arbitral possa fazer uma pronúncia condenatória, como sucedeu in casu, por tal extravasar a sua competência, nos termos já mencionados. Não se pode ainda olvidar a possibilidade de haver uma pronúncia condenatória atinente ao pagamento de juros indemnizatórios ou ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

Como referido por Jorge Lopes de Sousa[3], “… à declaração de ilegalidade dos atos estão associadas obrigações de execução idênticas às previstas para as decisões judiciais anulatórias, inclusivamente de prática do ato devido em substituição do que foi declarado ilegal e reconstituição da situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado” (sublinhado nosso).

Aliás, o mesmo resulta, em termos de execução de julgado anulatório do disposto no art.º 173.º do CPTA.

Como tal, não decorre do art.º 24.º, n.º 1, al. a), do RJAT, que o Tribunal arbitral tenha poderes de condenação à prática do ato devido, nos termos efetuados, uma vez que, no que exclusivamente respeita ao ato impugnado, lhe compete apenas anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência) ou mantê-lo, nos termos legalmente previstos. A reconstituição da situação atual e hipotética, subjacente a este art.º 24.º, já se prende com a execução do julgado arbitral.

Face ao exposto, sob ambos os prismas assinalados pela Impugnante, verifica-se uma situação de pronúncia indevida, no tocante ao segmento b) de decisão arbitral, comportando a nulidade dessa mesma decisão nessa parte. Resulta, pois, prejudicada a apreciação das alegadas inconstitucionalidades de interpretação diversa.

III.C. Da nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão

Entende, por outro lado, a Impugnante que a decisão impugnada padece de nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão, que abrange o segmento decisório identificado com as alíneas a) a c) do segmento decisório, na medida em que na mencionada decisão se refere não poder o Tribunal proceder, no todo ou em parte, à anulação dos atos de autoliquidação, comportando nessa parte a improcedência do pedido arbitral, vindo, no entanto, a decidir em sentido diverso.

Vejamos.

Nos termos do já mencionado art.º 28.º, n.º 1, al. b), do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão.

Como já foi mencionado supra, atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença[4], ou seja, na circunstância de o iter constante da sentença, na sua motivação, estar em contradição com a decisão a final proferida[5].

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.11.2014 (Processo: 0308/14), “… esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, atentando no discurso argumentativo constante da decisão impugnada, conclui-se que não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Abstraindo do segmento decisório identificado sob a alínea b), que já supra consideramos padecer de vício de pronúncia indevida, vejamos os demais.

Assim, perscrutando a decisão impugnada, verifica-se que a mesma, no seu discurso argumentativo, distingue, de um lado, o ato objeto imediato da impugnação (deferimento parcial da reclamação graciosa) e os atos que consubstanciam o seu objeto mediato (autoliquidações de IVA).

Em relação à apreciação da legalidade do ato de reclamação graciosa, extrai-se do discurso argumentativo da decisão arbitral designadamente o seguinte:

“… Assim, correctamente equacionada a questão decidenda no autos, concluir-se-á que a mesma consiste em saber se as actividades extracurriculares em questão, prestadas a alunos do ensino pré-escolar, e do 2.° e 3.° ciclo do ensino básico e ensino secundário, são, ou não, prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, ou conexas com este, nos termos e para os efeitos previstos na al. 9) do artigo 9.° do CIVA.

Formulada, devidamente, a questão decidenda, apreciemos então os fundamentos do acto tributário que constitui o objecto primário da presente lide (a decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente).
(…) Ressalvado o respeito devido, considera-se que a AT, na matéria em causa, incorreu num erro de raciocínio que decorre da circunstância de, confrontada com prestações de serviços que são oferecidas pelo Sistema Nacional de Educação e isentas de IVA, considerou-as conexas com o ensino não com base num critério objectivo, como se impunha, mas com base num critério assente na qualidade dos sujeitos destinatários da prestação (subjectivo, portanto).

(…) O foco terá de ser, então, não se a prestação de serviços se dá num ou noutro ciclo de ensino, mas, antes, se a mesma se reveste da natureza de prestação de serviços que tenha por objecto o ensino, ou conexas com este, questão de natureza objectiva e para a qual o ciclo de ensino em causa será irrelevante.

(…) Daí que, fundamentando-se a decisão do pedido de reclamação graciosa em que “No que respeita às atividades extracurriculares (acima referidas e oferecidas pela C…..), como o próprio nome indica, não fazem parte do currículo escolar (antes se consubstanciam num enriquecimento cuja frequência não é curricular nem obrigatória para todos os alunos mas sim de opção por cada um dos mesmos alunos) logo, não estão consagradas nos objetivos do Sistema Nacional de Educação pelo que não beneficiam da isenção da al. 9) do Artigo 9° do Código do IVA nem em nenhuma outra isenção das referidas no Artigo 9° do Código do IVA, pelo que estas operações são sujeitas a IVA e dele não isentas havendo lugar à liquidação de imposto naquelas operações”, haverá que concluir que tal acto tributário enferma de erro de direito, na medida em que restringe, injustificadamente, o conceito de prestações de serviço de ensino, para efeitos da al. 9) do artigo 9.° do CIVA, às prestações de matérias que “fazem parte do currículo escolar”.

Com efeito, e como se vem de ver, nada no quadro normativo aplicável, permite restringir fundadamente o conceito de prestações de serviço de ensino por “estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”, ao ensino de matérias que ‘'fazem parte do currículo escolar” oficial, pelo que, ao assentar em tal entendimento, enferma a decisão da reclamação graciosa de erro nos pressupostos de Direito, devendo, como tal, ser anulada”.

Em consonância com o decidido, no segmento decisório, sob a alínea a), o Tribunal arbitral decidiu “[a]nular a decisão do pedido de reclamação graciosa apresentado pela requerente, e que constitui o objecto imediato da presente acção arbitral”.

Por outro lado, como já referimos, o Tribunal apreciou a legalidade do objeto mediato, ou seja, das autoliquidações. Sublinhe-se, antecipadamente, que esta linha de raciocínio e de decisão não é passível de sindicância por este TCAS, porquanto se trata de matéria atinente a eventual erro de julgamento.

Assim, e quanto ao objeto mediado da impugnação, diz-se na decisão sob escrutínio:

“Passando, agora, para o plano do objecto mediato do presente processo arbitral, cumprirá, então, verificar se as prestações de serviços em causa no presente processo arbitral são, ou não, qualificáveis como prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, ou conexas com este, em termos de ser possível tomar, desde já, uma posição quanto à legalidade das liquidações do respectivo imposto.

Conforme decorre dos factos dados como provados, estão em causa nos autos as seguintes prestações de serviços: música, sala de estudo, artes, pintura, línguas, toy making, ….. -fitness, catequese e drama.

Devidamente analisadas as prestações de serviços em questão, haverá de se concluir, desde logo, que as mesmas não se apresentam como prestações de serviços conexas com o ensino, à luz de quaisquer dos critérios hermeneuticamente aceitáveis para determinar o conteúdo de tal conceito.

(…) Deste modo, não havendo dúvidas, como não há, de que não se tratam de prestações de serviços conexas com o ensino (das matérias que integram os currículos do Sistema Nacional de Educação), não dispensa tal conclusão de apurar se não se integram as prestações de serviços em questão na primeira parte do requisito objectivo que nos ocupa, ou seja, de apurar se aquelas prestações de serviços são, ou não, prestações de serviços (não acessórias ou conexas mas directamente) relativas à “educação da infância e da juventude” ou ao “ensino escolar ou universitário”.

Ora, a resposta a esta questão - julga-se - não pode deixar de ser afirmativa, pelo menos para algumas das prestações de serviços em causa.

(…) Sucede, todavia, que este Tribunal não dispõe de elementos que permitam, por um lado, fixar em termos quantitativamente exactos os valores de imposto que se reportam às actividades que se apresentam, para lá de qualquer dúvida razoável, como prestações de serviços de ensino (música, artes e pintura, línguas e drama), nos termos pressupostos pelo artigo 9.º/9) do CIVA, e, por outro, definir com o mesmo grau de certeza que as restantes actividades se configuram, ou não, como prestações de serviços de tal índole (toy making, catequese e …..  jitness, sala de estudo).

Neste quadro, não pode este Tribunal proceder, no todo ou em parte, à anulação dos actos de autoliquidação de IVA que integram o objecto mediato da presente lide, improcedendo, nessa parte, o pedido arbitral”.

Em consonância com o decidido, no segmento decisório, sob a alínea c), o Tribunal arbitral decidiu “[j]ulgar improcedente o pedido arbitral na parte restante”.

Ora, concorde-se ou não com a decisão proferida, a mesma não padece de oposição entre os fundamentos e a decisão, porquanto o Tribunal arbitral entendeu cindir os atos mediatos e imediatos da impugnação, considerando, num caso, não os anular e no outro em anulá-los e proferindo decisão exatamente nesses termos.

Os demais argumentos aventados pela Impugnante respeitam não à verificação desta nulidade, mas à existência de eventual erro de julgamento, designadamente a possibilidade de se anular o ato de reclamação graciosa e não se anularem as autoliquidações ou as consequências decorrentes das regras de repartição do ónus da prova, matéria, como já referido, arredada da apreciação deste TCAS.

Como tal, não se verifica uma situação de oposição entre os fundamentos e a decisão.

Cumpre ainda atentar nos efeitos da presente impugnação, considerando o constante da segunda parte da conclusão ll) das alegações da Impugnante e, bem assim, das conclusões h) e i) das contra-alegações da Impugnada.

Com efeito, nos termos do já mencionado art.º 27.º do RJAT, concretamente do seu n.º 1, “a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo”.

Consideramos, em linha com a jurisprudência deste TCAS sobre a matéria, que os poderes deste Tribunal são exclusivamente anulatórios.

Chama-se a este respeito à colação o Acórdão deste TCAS, de 28.04.2016 (Processo: 09251/15), do qual se extrai:

“[É] firme o entendimento de que, independentemente da maior ou menor abrangência dos fundamentos admissíveis [na impugnação da decisão arbitral] é sempre um e só um o efeito que o Impugnante pode almejar: a anulação da sentença ou acórdão arbitral.

Tudo, porque, como de forma evidente resulta do Regime consagrado, o legislador reservou a sindicância do mérito da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo e para o Tribunal Constitucional, nos exactos termos definidos no artigo 25.º do mesmo Regime em apreciação (…).

Em suma, resulta da consagração da “dualidade de vias” de controlo da decisão arbitral, a que já nos referimos, que o Tribunal Central Administrativo não pode conhecer o mérito da pretensão, tal como o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Constitucional não podem apreciar recursos fundamentados no artigo 28.º do RJAT, por os fundamentos previstos nesta disposição estarem exclusivamente reservados à impugnação judicial das decisões arbitrais para os tribunais centrais.

Como se disse em acórdão deste Tribunal Central (…) «está vedado ao TCA - e decorre linearmente do disposto no art.º 24.º, n.º 1, do RJAT -, pronunciar-se sobre o mérito da decisão colegial arbitral numa perspectiva de reexame da mesma, tal como sucede nos recursos ordinários previstos no art.º 280.º, n.º 1, do CPPT. De facto, quando o art.º 24.º n.º 1, consagra a vinculação da Administração Tributária à decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de “que não caiba recurso ou impugnação (negrito nosso), e no art.º 25.º, n.º 1 e 2, define os apertados limites do recurso sobre o mérito, está a acolher a regra geral de irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais(4), que de resto constitui o padrão comum na maioria dos ordenamentos jurídicos que acolhem a arbitragem jurisdicional como meio de solução alternativa de litígios.

Não é por isso possível ao TCA decidir, em via de recurso e por substituição, a pretensão deduzida perante o tribunal arbitral, sendo por isso inaplicável o disposto nos art.os 149.º, n.º 1, do CPTA, e 665.º, n.º 1, do CPC (cfr. art.º 29.º, n.º 1, do RJAT)”.

Os impugnantes acrescentam, todavia, que o TCA deve conhecer do mérito nos termos do art.º 149.º, n.º 1, do CPTA.

Em relação à lei processual do contencioso administrativo o RJAT tem a natureza de lei especial. Com efeito, o CPTA destina-se a regular uma generalidade de matérias de contencioso administrativo e é aplicável a todos os casos que aí se discutam, sendo por isso uma lei geral por referência ao RJAT, que enquanto lei especial se aplica unicamente à tramitação de causas de contencioso tributário em processo arbitral e em matérias tributárias concretamente delimitadas. Assim, de acordo com o princípio lex especialis derrogat lex generali, acolhido no art.º 7.º, n.º 3, do CC, o regime impugnatório das decisões dos tribunais arbitrais em matéria administrativa estabelecido pelo RJAT prevalece sobre o regime geral do CPTA e do CPPT, excepto nos aspectos não regulados.

Ora, como acima se demonstrou não é isso que sucede: o legislador do RJAT conformou o sistema de harmonia com a matriz essencial dos processos de natureza arbitral, em que por regra o recurso das decisões está fortemente limitado e o recurso em matéria de facto é praticamente inexistente.

Aliás, a possibilidade de aplicação integral do regime de recursos do contencioso administrativo à impugnação da decisão arbitral em matéria tributária manifestamente frustraria um dos propósitos a que obedeceu a instituição do RJAT: “imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo”, colidindo com a “regra geral da irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais”, que não prejudicando “a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, nos casos em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique uma norma cuja constitucionalidade tenha sido suscitada, bem como o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo”, apenas permite que a decisão arbitral seja “anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes”(5).

Por conseguinte, o regime geral de recursos do contencioso administrativo só é aplicável nos casos em que o RJAT não regule especificamente o meio impugnatório arbitral, o que não sucede com a definição dos poderes e âmbito de cognição dos tribunais de recurso em matéria substantiva (TC e STA) e em matéria adjectiva (TCA), em que separa de modo nítido a competência de uns e outros. Não é possível assim ao TCA conhecer do mérito da causa, mesmo agasalhado com o disposto no art.º 149.º, n.º 1, do CPTA.»”.

Como tal, considera-se que a este Tribunal cabe apenas eventual pronúncia anulatória, nos termos assinalados, não se procedendo, pois, a qualquer apreciação do mérito da pretensão impugnatória em substituição.

Em suma, verifica-se a ocorrência de pronúncia indevida.

O exposto fere de nulidade a decisão impugnada, o que será declarado, devendo, nessa sequência, os autos ser remetidos ao CAAD para, se a tal nada obstar, ser proferida nova decisão, suprida das concretas irregularidades identificadas.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, declarar a nulidade de decisão arbitral proferida no âmbito do processo 603/2015-T, por pronúncia indevida, e determinar a baixa dos autos ao CAAD, para, se a tal nada obstar, ser proferida nova decisão, suprida das concretas irregularidades identificadas;
b) Custas pela Impugnada, porque contra-alegou;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 09 de julho de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Vital Lopes)


_____________________
[1] Cfr. Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 119 e 120.
[2] Cfr. o Acórdão deste TCAS, de 06.08.2017 (Processo: 06112/12). Cfr. Jorge Lopes de Sousa, «Comentário ao regime jurídico da arbitragem tributária», Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2017, pp. 96 e 97.
[3] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. e loc. cit., p. 94.
[4] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 361 e 362; José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 333.
[5] V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.04.2013 (Processo: 0969/12) e de 15.09.2010 (Processo: 01149/09) e o Acórdão deste TCAS, de 18.06.2013 (Processo: 06121/12).