Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2178/12.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA;
NOTIFICAÇÃO;
CARTA REGISTADA;
PROVA.
Sumário:I- A falta de notificação das liquidações que deram origem à dívida exequenda tem como consequência a inexigibilidade da dívida exequenda.
II- É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
III- Na falta de elementos suficientes que permitam comprovar a notificação das liquidações, deve o tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório vertido no art. 13º do CPPT e nº 1 do art. 99º da LGT, solicitar os elementos em falta à Fazenda Pública.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução fiscal instaurada contra O......., Lda., com o nº ….910 e aps. por dívidas de IRC de 2008 e 2009 no montante de € 148.784,82.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Oposição Judicial apresentada nos termos do disposto no art. 204.º e seguintes do CPPT, por considerar que a Fazenda Pública não logrou provar que as liquidações de IRC que originaram a instauração dos processos de execução fiscal em causa nos autos foram remetidas por carta registada para o domicílio fiscal da Oponente, concluindo pela inexigibilidade da dívida exequenda e pela extinção dos processos de execução fiscal n.ºs ……937 e …910.

B. No entendimento da Representação da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” encontra-se inquinada por vício formal, de actividade, atinente a um erro de construção ou formação, consagrado no artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) e na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil (doravante CPC) - aplicável ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT - denominado por omissão de pronúncia.

C. Com efeito, para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, nos termos do n.º 1 do artigo 99.º da Lei Geral Tributária, n.º 1 do artigo 13.º do CPPT e artigos 6.º e 7.º do CPC.

D. Na verdade, considerou o Ilustre Tribunal “a quo” que, não obstante todos os elementos de prova juntos aos autos pela Representação da Fazenda Pública, faltou demonstrar o elo de conexão entre os actos de liquidação de IRC n.ºs 20122310004990 e 20122310005042, referentes aos períodos de tributação de 2008 e 2009, respectivamente, e os registos postais remetidos e efectivamente entregues à ora recorrida sob os de registos dos CTT n.ºs RY….70PT, RY….07PT, RY….23PT, RY….16PT, R…87PT e RY….45PT, cujos comprovativos extraídos do site dos CTT foram apresentados nos autos.

E. O mesmo é dizer, para o Ilustre Tribunal de primeira instância faltou que nos actos de liquidação (concretamente nos documentos a fls. 77 a 82 dos autos) constasse a indicação de qualquer uma das referências de registo dos CTT supra mencionadas.

F. Assim, em nosso entendimento, face a toda a diligência que a Fazenda Pública mostrou nos autos de primeira instância, ao procurar demonstrar que as notificações dos referidos actos de liquidação foram efectuadas de forma válida para o sujeito passivo em questão, e ainda considerando o teor da informação oficial elaborada nos termos do disposto no n.º 2 do art. 208.º do CPPT que, conforme melhor veremos adiante, constitui meio de prova em processo judicial tributário, com eficácia probatória bastante, impunha-se que o Ilustre Julgador que, imbuído da tarefa que em processo judicial tributário lhe incumbe em primeira mão, a do apuramento da verdade dos factos, ordenasse a notificação da Administração Tributária para proceder à junção de prova documental adequada a demonstrar a conexão entre os actos de liquidação e os registos postais, o que não fez.

G. Assim, a nosso ver, tais diligências, ordenadas pelo Ilustre Tribunal “a quo”, não só se revelariam fundamentais para a descoberta da verdade material, evitando, assim, que, perante uma situação de dúvida acerca da notificação da sociedade supra mencionada dos actos de liquidação em questão, o Ilustre Tribunal “a quo” optasse simplesmente por decidir em desfavor da Fazenda Pública quando esta havia procedido à junção de documentos que, ainda que se entenda que não demonstram a ocorrência das referidas notificações, o que apenas por mera hipótese académica se concede, indiciam fortemente a sua ocorrência,

H. como também não afrontariam o princípio processual geral de proibição de actos inúteis nem o princípio do dispositivo nem o princípio do ónus da prova.

I. Por outro lado, com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública entende que foram incorrectamente julgados os pontos de facto que constam dos artigos 7.º, 9.º, 13.º, 14.º e 15.º da contestação apresentada nos autos pela Fazenda Pública.

J. Com base no teor do documento n.º 1 junto aos autos de primeira instância pela Fazenda Pública com o articulado de contestação, constituído por cópia do Relatório Final de Inspecção (doravante, RIT), elaborado na sequência do procedimento de inspecção externo realizado à ora recorrida, na qualidade de sujeito passivo, e legitimado com base nas Ordens de Serviço OI201100861 e OI201100863, demonstram-se os seguintes factos:
1. No decurso do referido procedimento de inspecção a ora recorrida, sujeito passivo, procedeu ao envio das declarações de rendimentos modelo 22 de substituição relativas aos exercícios de 2008 e 2009 em 20/03/2012 e 21/03/2012, respectivamente (vide ponto VI – Regularizações efectuadas pelo SP no decurso de acção de Inspecção do RIT);
2. Nas declarações apresentadas pelo sujeito passivo são efectuadas as correcções propostas no âmbito do referido procedimento de inspecção, tendo a ora recorrida acrescido no quadro 07, campo 225, o montante de € 10.925,00 e 516.095,20 respectivamente, nos exercícios de 2008 e 2009 (vide ponto VI – Regularizações efectuadas pelo SP no decurso de acção de Inspecção do RIT);
3. Em virtude de nas declarações de substituição a ora recorrida estar a considerar a taxa de derrama do concelho de Lisboa e não das Caldas da Rainha, como seria devido, os Serviços de Inspecção Tributária – doravante SIT – procederam à elaboração de documento de correcção simplificado a fim de se considerar para efeitos de aplicação da derrama municipal o Concelho de Caldas da Rainha (vide ponto VI – Regularizações efectuadas pelo SP no decurso de acção de Inspecção do RIT).

K. O teor do documento n.º 2 junto aos autos de primeira instância com o articulado de contestação, constituído por cópias autenticadas obtidas a partir do sistema informático da Autoridade Tributária, logra provar os seguintes factos:
1. Em 20/03/2010, a ora recorrida apresentou declaração de rendimentos modelo 22, de substituição, a que foi atribuído o n.º 3263 - C0172 - 4, referente ao período de tributação de 2008, na qual foi declarado o lucro tributável de € 31.128,29, declaração que deu origem à liquidação n.º 20122310004990, emitida em 21/03/2012 (vide fls. 1 a 3 do documento n.º 2);
2. Em 21/03/2012, a ora recorrida apresentou declaração de rendimentos modelo 22, de substituição, a que foi atribuído o n.º 3263 - C0172 - 17, referente ao período de tributação de 2009, na qual foi declarado o lucro tributável de € 633.224,09, declaração que deu origem à liquidação n.º 20122310005042, emitida em 21/03/2012 (vide fls. 4 a 6 do documento n.º 2).

L. O teor das fls. 20 e 21 do processo de execução fiscal, constituídas por cópias autenticadas de notificações efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção supra mencionado demonstra os seguintes factos:
1. A ora recorrida foi notificada do ofício n.º 001328, de 04/04/2012, efectuado nos termos do disposto no art. 62.º do Regime Complementar do procedimento de Inspecção Tributária (doravante RCPIT), remetido através de carta registada com o registo n.º RC 9……64PT, para o seu domicílio fiscal, sito na R. P. A., n.º…..º, em Carnide, Lisboa;
2. Com o referido ofício, foram remetidos à ora recorrida o RIT e respectivos anexos, constituídos por 11 fls., bem como a Nota de Diligências.

M. O documento n.º 3 junto aos autos de primeira instância com o articulado de contestação, constituído por cópias autenticadas obtidas a partir da consulta efectuada ao site dos CTT - Correios de Portugal com base em números de registos postais, demonstra os seguintes factos:
1. O Registo Postal com o n.º RY…70PT foi aceite pelos CTT no dia 02/04/2012, tendo sido entregue na morada de destino, sita em Lisboa, no dia 04/04/2012 (vide fls. 1 do documento n.º 3);
2. O Registo Postal com o n.º RY…07PT foi aceite pelos CTT no dia 30/03/2012, tendo sido entregue na morada de destino, sita em Lisboa, no dia 02/04/2012 (vide fls. 2 do documento n.º 3);
3. O Registo Postal com o n.º RY…23PT foi aceite pelos CTT no dia 30/03/2012, tendo sido entregue na morada de destino, sita em Lisboa, no dia 02/04/2012 (vide fls. 3 do documento n.º 3);
4. O Registo Postal com o n.º RY….16PT foi aceite pelos CTT no dia 04/04/2012, tendo sido entregue na morada de destino, sita em Lisboa, no dia 05/04/2012 (vide fls. 4 do documento n.º 3);
5. O Registo Postal com o n.º RY....87PT foi aceite pelos CTT no dia 03/04/2012, tendo sido entregue na morada de destino, sita em Lisboa, no dia 04/04/2012 (vide fls. 5 do documento n.º 3);
6. O Registo Postal com o n.º RY….45PT foi aceite pelos CTT no dia 03/04/2012, tendo sido entregue na morada de destino, sita em Lisboa, no dia 04/04/2012 (vide fls. 6 do documento n.º 3).

N. O documento que consta a fls. 44 do processo de execução fiscal, constituído por cópia autenticada de print obtido a partir do sistema informático da Autoridade Tributária denominado Sistema Electrónico de Citações e Notificações, prova os seguintes factos:
1. Em nome da ora recorrida foram remetidos os Registos Postais n.ºs RY…70PT, RY...407PT, RY...23PT, RY…16PT, RY…87PT e RY…45PT, para o seu domicílio fiscal;
2. A notificação efectuada sob o registo postal n.º RY…70PT diz respeito a demonstração de compensação – nota de cobrança, referente IRC, tendo sido emitida em 29/03/2012 e recebida na morada destino no dia 04/04/2012;
3. A notificação efectuada sob o registo postal n.º RY…407PT diz respeito a demonstração de liquidação sem documento de cobrança, referente a IRC, tendo sido emitida em 29/03/2012 e recebida na morada destino no dia 02/04/2012;
4. A notificação efectuada sob o registo postal n.º RY…23PT diz respeito a demonstração de liquidação de juros, referente a IRC, tendo sido emitida em 29/03/2012 e recebida na morada destino no dia 02/04/2012;
5. A notificação efectuada sob o registo postal n.º RY…16PT diz respeito a demonstração de compensação – nota de cobrança, referente a IRC, tendo sido emitida em 02/04/2012 e recebida na morada destino no dia 05/04/2012;
6. A notificação efectuada sob o registo postal n.º RY…87PT diz respeito a demonstração de liquidação sem documento de cobrança, referente a IRC, tendo sido emitida em 02/04/2012 e recebida na morada destino no dia 04/04/2012;
7. A notificação efectuada sob o registo postal n.º RY…45PT diz respeito a demonstração de liquidação de juros, referente a IRC, tendo sido emitida em 02/04/2012 e recebida na morada destino no dia 04/04/2012.

O. Em 30/07/2012, foi elaborada informação oficial pelo órgão de execução fiscal, tendo a mesma precedido e servido de fundamento ao Despacho que foi proferido pelo chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – 5 no mesmo dia, sendo que da mesma consta expressamente o seguinte: “No PEF (de fls. 19 a 44) constam fotocópias autenticadas de todas as notificações efectuadas e /ou devolvidas pelos CTT à executada no âmbito das liquidações de IRC dos exercícios de 2008 e 2009 efectuadas pela Direcção de Finanças de Leiria”.

P. Por outro lado, quanto à factualidade não provada, e sempre com a devida vénia, o Ilustre Tribunal “a quo” olvidou, na fixação da matéria factual, o facto de a Oponente e ora recorrida não ter apresentado nos autos de primeira instância qualquer meio de prova dos factos invocados nos artigos 4.º a 7.º do libelo inicial, pelo que, quanto aos pontos de facto, ocorreu igualmente erro de julgamento.

Q. Assim, deverá ser julgado como não provado o seguinte facto: “as notificações das liquidações de IRC n.ºs 20122310004990 e 20122310005042, referentes aos períodos de tributação de 2008 e 2009, respetivamente, que subjazem aos autos executivos n.ºs …937 e …910, vieram devolvidas à entidade emissora das mesmas”, por não se encontrar demonstrado atenta a prova documental que se encontram junta aos autos de primeira instância.

R. No que diz respeito à fundamentação de direito, no que se refere às dívidas tributárias que originaram os processos de execução fiscal n.ºs ….937 e ….910, com o devido respeito e salvo melhor opinião, o Ilustre Tribunal “a quo” descorou que os actos de liquidação de IRC n.ºs 20122310004990 e 20122310005042, referentes aos períodos de tributação de 2008 e 2009, resultam de autoliquidação decorrente da apresentação, ainda no decurso do procedimento de inspecção supra mencionado, de declarações de rendimentos de substituição, pela sociedade ora recorrida, nos termos do disposto da alínea a) do art. 89.º, do n.º 1 do art. 120.º e n.º 1 do art. 122.º, todos do Código do IRC.

S. Com efeito, a notificação de um acto, enquanto direito e garantia dos administrados, é obrigatória para os actos tributários emitidos pela administração tributária, na medida em que é nestes casos que cumpre acautelar as garantias dos administrados, para que os mesmos tenham conhecimento dos actos praticados pela AT que lhes digam respeito.

T. Nos casos de autoliquidação, não se pode falar na existência de um acto tributário de liquidação praticado pela AT, sendo que o próprio legislador configura as liquidações resultantes da apresentação de declarações de substituição como autoliquidações.

U. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese académica se concede, discordamos da douta Sentença proferida pelo Ilustre Tribunal “a quo”, na medida em que ao entender que “a Fazenda Pública, apesar de ter demonstrado que foram emitidas as liquidações de IRC n.º 20122310004990 do período de tributação de 2008 e n.º 20122310005042 do período de tributação de 2009, não logrou provar que as mesmas foram remetidas por carta registada para o domicílio fiscal de Oponente em 29/03/2012 sob os registos n.ºs RY…70PT, RY…40PT e RY…23PT e em 02/04/2012 sob os registos n.ºs RY…16PT, RY…87PT e RY…87PT”, olvidou o valor probatório da informação oficial prestada pelos serviços da Administração Tributária de forma fundamentada e baseada em critérios objectivos, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 208.º do CPPT.

V. Com efeito, a referida informação oficial encontra-se, portanto, fundamentada com base no documento autenticado de fls. 44 dos autos executivos à margem referenciados, obtido a partir do sistema informático da Autoridade Tributária e que atesta que a ora recorrida foi efectivamente notificada de demonstrações das liquidações de IRC e de demonstrações de liquidação de juros referentes a IRC através dos registos postais com os n.ºs RY…70 PT, RY…07PT, RY …23PT, RY…16PT, RY…87PT e RY…45PT.

W. A força probatória da informação oficial prestada pela Autoridade Tributária, fundamentada em critérios objectivos, apenas poderá ser afastada mediante contraprova, ou seja, através da criação de dúvida no espírito do julgador sobre a veracidade do facto, nos termos do disposto no art. 346.º do Código Civil.

X. Assim, ainda que se admita a não exigência da prova em contrário dos factos vertidos na referida informação oficial, sempre teria a ora recorrida de carrear aos autos elementos de prova, de todos os meios gerais de prova admitidos legalmente, susceptíveis de causar a dúvida sobre a veracidade dos factos demonstrados pela Administração Tributária, o que não diligenciou por fazer, limitando-se a alegar no libelo inicial que não foi notificada dos actos de liquidação.

Y. Por outro lado, não se poderá olvidar que o documento constante a fls. 44 dos autos executivos, bem como o documento n.º 2 junto aos autos com o articulado de contestação, que assumem a forma de cópias autenticadas pela Administração Tributária de print’s extraídos a partir do sistema informático da Autoridade Tributária (vide o teor da informação oficial a que supra aludimos), têm a força probatória dos seus originais, apenas podendo a sua força probatória ser invalidade ou modificada por confronto com os originais (vide n.º 2 do art. 76.º da LGT e artigos 383.º, 385.º e 387.º, todos do Código Civil).

Z. Acresce ainda que o documento n.º 3 apresentado nos autos com o articulado de contestação é constituído por cópia autenticada pela Autoridade Tributária de registos obtidos a partir do site dos CTT – Correios de Portugal, constando do mesmo a data de aceitação dos supra mencionados registos postais, bem como e a indicação de que as cartas foram entregues e as respetivas datas de entrega.

AA. No caso concreto, da conjugação da prova documental apresentada nos autos de primeira instância, a que supra aludimos, estão provados: i) os dias em que foram efectuados os registos postais das notificações das liquidações supra mencionadas, ii) bem como quem foi o destinatário da mesma, iii) assim como o facto de as mesmas ter sido recebidas na morada para as quais foram remetida, o domicílio fiscal do sujeito passivo,

BB. ou seja, estando demonstrado que as notificações a que aludimos supra foram efectuadas nos termos legais, encontram-se reunidas as condições para que a presunção de notificação prevista no n.º 1 do art. 39.º do CPPT possa operar.

CC. A Secção de Contencioso Tributário do STA tem entendido que os recibos de apresentação e de entrega da carta não são os únicos meio de prova de que a mesma foi expedida sob registo, admitindo-se que os prints obtidos a partir do sistema informático da Autoridade Tributária, em conjugação com a informação extraída do registo do site dos CTT Correios de Portugal, são documentos idóneos para provar que o registo foi feito.

DD. Assim, aplicando o critério do n.º 2 do art. 364.º do Código Civil, deve considerar-se o recibo de registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou “ad probationem”, cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.

EE. Veja-se, meramente a título de exemplo, os Arestos proferidos pelo STA em 11/03/2015, no âmbito do processo n.º 01181/13; em 16/05/2012, no âmbito do proc. 01181/11; em 01/10/2014, no âmbito dos procs. n.ºs 0603/13 e 01450/13 e em 11/03/2015, no âmbito do proc. n.º 04/14 e em 05/11/2014, no âmbito dos procs. n.ºs 0609/13, bem como o Aresto proferido pelo TCAS em 18/04/2018, no âmbito do proc. n.º 628/10.0BELRA, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

FF. Tratando-se de uma presunção legal, a parte que tem a seu favor a presunção não tem de provar o facto a que ela conduz (n.º 1 do art. 350.º do Código Civil), apenas tendo de provar o facto que lhe serve de base, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, art. 74.º, n.º 1, da LGT, podendo ser ilidida, quando a lei não proibir, mediante prova em contrário (n.º 2).

GG. Ora, e em conformidade com os factos que deverão ser considerados provados nos presentes autos, bem como considerando as disposições legais supra mencionados, atento o teor dos documentos juntos aos autos pela Representação da Fazenda Pública, há que presumir que o destinatário das notificações dos actos de liquidação, a ora recorrida, as recebeu nos três dias após esse registo, ficando, assim, a recorrida com o ónus de provar que não recebeu ou recebeu posteriormente as referidas notificações, o que não logrou provar, por não juntarem aos autos de primeira instância qualquer meio de prova nesse sentido.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de:
i) Nulidade por omissão de pronúncia nos termos do nº 1 do art. 125º do CPPT e alínea d) nº 1 do art. 615º do CPC;
ii) Erro de julgamento da matéria de facto quanto aos factos alegados nos artigos 7º, 9º, 13º 14º e 15º da contestação, bem como dos artigos 4º a 7º da petição inicial;
iii) Erro de julgamento de direito ao considerar inexigível a dívida exequenda por falta de prova da remessa das notificações das liquidações de IRC dos exercícios de 2008 e 2009 por carta registada para o domicílio fiscal da oponente.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Ao abrigo das ordens de serviço n.º OI201100861 e n.º OI201100863 foi instaurado procedimento de inspecção tributária à actividade da Oponente para os anos de 2008 e de 2009, tendo sido apuradas correcções à matéria tributável em sede de IRC - cf. relatório de inspecção a fls. 65 a 74 dos autos;

2. Em 21/03/2012 foi emitida em nome da Oponente a liquidação de IRC n.º 20122310004990 do período de tributação de 2008 no valor de €3.198,17 - cf. demonstração de liquidação a fls. 77 a 79 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

3. Em 21/03/2012 foi emitida em nome da Oponente a liquidação de IRC n.º 20122310005042 do período de tributação de 2009 no valor de €136.785,81 - cf. demonstração de liquidação a fls. 80 a 82 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

4. Em 30-05-2012, foi emitida a certidão de dívida n.º 2012/…20 constando da mesma que é executado a Oponente e que a dívida respeita a IRC do período de tributação de 2008, no montante de €3.195,88 - cf. certidão de dívida e anexo a fls. 2 e 3 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

5. Em 30-05-2012, foi emitida a certidão de dívida n.º 2012/..90 constando da mesma que é executado a Oponente e que a dívida respeita a IRC do período de tributação de 2009, no montante de €145.588,94 - cf. certidão de dívida e anexo a fls. 47 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

6. O serviço de finanças de Lisboa 5 instaurou contra a Oponente os processos de execução fiscal n.º …910 e n.º …937, respectivamente, para a cobrança coerciva das dívidas referidas nos pontos 4. e 5. – cf. autuações e certidões de dívida a fls. 1 a 3 e 46 a 47 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
*
Com interesse para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:
1. A liquidação de IRC n.º 20122310004990 do período de tributação de 2008 foi remetida por carta registada para o domicílio fiscal da Oponente em 29/03/2012 sob os registos n.ºs RY…70PT, RY…40PT e RY…23PT e foi recebida em 04/04/2012;
2. A liquidação de IRC n.º 20122310005042 do período de tributação de 2009 e as respetivas nota de cobrança e liquidação de juros foram remetidas por carta registada para o domicílio fiscal da Oponente em 02/04/2012 sob os registos n.ºs RY…16PT, RY…687PT e RY…87PT e foram recebidas em 04/04/2012 e em 05/04/2012.
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
*
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos conforme identificado nos factos provados.
A decisão da matéria de facto não provada fundamentou-se no facto de não se poder concluir que as referências relativas às expedições de cartas registadas RY…70PT, RY…40PT, RY…23PT, RY…16PT, RY…87PT e RY…87PT, cujos comprovativos extraídos do site dos CTT foram juntos pela Fazenda Pública a fls. 84 a 89 dos autos e constantes de fls. 44 do processo de execução fiscal apenso, se referem ao envio das liquidações de IRC aqui em causa em virtude de não constarem das mesmas (juntas pela Fazenda Pública a fls. 77 a 82 dos autos) a indicação de qualquer uma das referências de registo supra mencionadas.”.
* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Recorrida deduziu junto do Tribunal Tributário de Lisboa, oposição às execuções fiscais nºs …937 e ….910 instauradas por dívidas de IRC de 2008 e 2009

O Tribunal a quo considerou inexigível a dívida exequenda dado que a administração tributária não provou a notificação da ora Recorrida das liquidações de IRC de 2008 e 2009, e em consequência julgou a oposição procedente por inexigibilidade da dívida exequenda.

Contra o assim decidido vem a Recorrente invocar desde logo nulidade da sentença por omissão de pronúncia invocando o disposto no artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil. Alega que o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, nos termos do n.º 1 do artigo 99.º da Lei Geral Tributária, n.º 1 do artigo 13.º do CPPT e artigos 6.º e 7.º do CPC, e que o tribunal a quo “ (…) não obstante todos os elementos de prova juntos aos autos pela Representação da Fazenda Pública, faltou demonstrar o elo de conexão entre os actos de liquidação de IRC n.ºs 20122310004990 e 20122310005042, referentes aos períodos de tributação de 2008 e 2009, respectivamente, e os registos postais remetidos e efectivamente entregues à ora recorrida sob os de registos dos CTT n.ºs RY…70 PT, RY…07PT, RY…23PT, RY…16PT, RY…87PT e RY…45PT, cujos comprovativos extraídos do site dos CTT foram apresentados nos autos (…) e ainda considerando o teor da informação oficial elaborada nos termos do disposto no n.º 2 do art. 208.º do CPPT que, conforme melhor veremos adiante, constitui meio de prova em processo judicial tributário, com eficácia probatória bastante, impunha-se que o Ilustre Julgador que, imbuído da tarefa que em processo judicial tributário lhe incumbe em primeira mão, a do apuramento da verdade dos factos, ordenasse a notificação da Administração Tributária para proceder à junção de prova documental adequada a demonstrar a conexão entre os actos de liquidação e os registos postais, o que não fez.” (cfr. conclusões D) e F) das alegações).

Decidindo.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar. E o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, estabelece que é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.



Será nula a sentença por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, pelo que importa analisar se, no caso concreto ocorreu a nulidade invocada pela Recorrente, sendo certo que as questões que o juiz deve conhecer são, ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

A petição inicial é o articulado onde o oponente expõe os fundamentos da acção e formula o pedido correspondente (cfr. art. 147º do CPC e art. 204º do CPPT), sendo que é na petição inicial que o oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção do processo de execução fiscal, com os fundamentos taxativamente enunciados no art. 204º do CPPT, regra que só conhece as excepções previstas nos artigos 264º e 265º do CPC (alteração e ampliação da causa de pedir), bem como o art. 588º do CPC (articulados supervenientes), aplicáveis por força do disposto na alínea e) do art. 2º do CPPT.

No caso em apreço verifica-se que na sentença recorrida o juiz identificou claramente que a oposição apresentada se fundava na inexigibilidade da dívida exequenda porquanto a oponente alegava não ter sido validamente notificada para proceder ao pagamento voluntários das liquidações em questão.

Compulsado o teor da decisão recorrida resulta que as questões suscitadas pela oponente foram analisadas e decididas pelo tribunal a quo tendo este decidido pela sua procedência.

Destarte se conclui que a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo assim a alegada nulidade.

A Recorrente, ao invocar que na apreciação da inexigibilidade da dívida, e mais concretamente quanto às notificações das liquidações de IRC de 2008 e 2009 deveria o tribunal a quo ter solicitado mais elementos de prova, reconduz essa alegação a um eventual erro de julgamento mas não se trata de nulidade da sentença.

Na sentença recorrida e em concreto quanto à fundamentação dos factos considerados como não provados o Tribunal a quo mencionou que “A decisão da matéria de facto não provada fundamentou-se no facto de não se poder concluir que as referências relativas às expedições de cartas registadas RY…70PT, RY…40PT, RY…23PT, RY…16PT, RY…87PT e RY…87PT, cujos comprovativos extraídos do site dos CTT foram juntos pela Fazenda Pública a fls. 84 a 89 dos autos e constantes de fls. 44 do processo de execução fiscal apenso, se referem ao envio das liquidações de IRC aqui em causa em virtude de não constarem das mesmas (juntas pela Fazenda Pública a fls. 77 a 82 dos autos) a indicação de qualquer uma das referências de registo supra mencionadas.”.

A Recorrente entende que o Tribunal a quo deveria ter solicitado mais elementos de prova relativamente às notificações das liquidações.

O princípio do inquisitório consagrado no art. 13º do CPPT e no nº 1 do art. 99º da LGT traduz-se no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Compete ao juiz analisar o processo e aferir da admissibilidade ou não dos meios de prova oferecidos e da eventual necessidade de mais prova tendo em conta os factos controvertidos e a sua relevância para a decisão da causa atentas as várias soluções plausíveis da questão de direito.
A Recorrente enuncia toda a prova que apresentou no sentido de defender que as notificações das liquidações foram efectuadas de forma válida, invocando ainda erro de julgamento por um lado quanto aos factos contidos nos artigos 7º, 9º 13º, 14º e 15º da contestação e por outro lado que o tribunal a quo deveria ter considerado como não provados os factos alegados pela oponente nos artigos 4º a 7º da petição inicial (cfr. conclusões F), I) e P) das suas alegações). Analisando os factos contidos nos mencionados artigos da petição e da contestação, verifica-se que a Recorrente discorda da apreciação e valoração que o tribunal a quo efectuou relativamente aos documentos apresentados pela Recorrente para provar que as notificações das liquidações de IRC dos anos de 2008 e 2009 foram efectuadas e levadas ao conhecimento da ora Recorrida.

A Recorrente invoca ainda que o Tribunal a quo desconsiderou o valor probatório da informação oficial prestada nos termos do nº 2 do art. 208º do CPPT reiterando que o documento autenticado a fls. 44 do processo de execução em apenso, atesta que a Recorrida foi efectivamente notificada das demonstrações das liquidações através dos registos postais.

Mais afirma que da conjugação dos elementos probatórios constantes dos autos permite concluir que a recorrida foi validamente notificada das liquidações de IRC de 2008 e 2009. Para tanto considera que a prova resulta não só das cópias autenticadas dos “prints” extraídos a partir do sistema informático da AT, do teor da informação oficial prestada nos termos do nº 2 do art. 208º do CPPT e da informação extraída do registo do site dos CTT que confirmam a expedição dos registos postais bem como a sua entrega.

Vejamos então.

O Tribunal a quo considerou a dívida exequenda inexigível tendo para o efeito mencionado que “(…) Decorre dos pontos 4. e 5. dos factos provados e dos pontos 1. e 2. dos factos não provados, que a Fazenda Pública, apesar de ter demonstrado que foram emitidas as liquidações de IRC n.º 20122310004990 do período de tributação de 2008 e n.º 20122310005042 do período de tributação de 2009, não logrou provar que as mesmas foram remetidas por carta registada para o domicílio fiscal da Oponente em 29/03/2012 sob os registos n.ºs RY…70PT, RY…40PT e RY…23PT e em 02/04/2012 sob os registos n.ºs RY…16PT, RY…87PT e RY…87PT, conforme alegou.
Face ao supra exposto, verifica-se que a Fazenda Pública não logrou provar, como lhe competia, que as liquidações de IRC que originaram a instauração dos processos de execução fiscal aqui em causa foram remetidas por carta registada para o domicílio fiscal da Oponente, pelo que se conclui pela inexigibilidade da dívida exequenda o que determina a extinção dos processos de execução fiscal n.º …937 e n.º …910”.

Em síntese, o tribunal a quo julgou procedente a oposição à execução por inexigibilidade da dívida exequenda porquanto os elementos constantes dos autos não permitiram demonstrar a conexão entre os actos de liquidação de IRC n.ºs 20122310004990 e 20122310005042, referentes aos períodos de tributação de 2008 e 2009, respectivamente, e os registos postais n.ºs RY…70PT, RY…07PT, RY…23PT, RY…16PT, RY…87PT e RY…45PT, cujos comprovativos extraídos do site dos CTT estão registados como entregues.

No caso em apreço o Tribunal a quo deveria ter dado à parte onerada com o ónus da prova, in casu a Fazenda Púbolica, a possibilidade de suprir quaisquer dúvidas, com referência à relação entre os registos postais e as liquidações que deram origem à dívida exequenda, atento o princípio do inquisitório vertido no art. 13º do CPPT e nº 1 do art. 99º da LGT, e na medida em que se revelaria útil para a boa decisão da causa, deveria o Tribunal a quo ter solicitado à Fazenda Pública a junção de prova documental adequada a demonstrar a relação/conexão entre os actos de liquidação e os registos postais.

Desta forma se conclui a existência de deficit instrutório, com a consequente anulação da decisão recorrida e a baixa dos autos para que seja produzida a prova acima referida e que se considera essencial para a decisão a proferir.

Em face do exposto fica prejudicada a apreciação dos demais fundamentos.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para a produção da prova conforme acima se indica, e demais diligências instrutórias que sejam consideradas relevantes, e posterior prolação de decisão.

Sem custas.

Lisboa, 4 de Maio de 2023
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto