Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:369/11.1 BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:05/11/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL;
QUEDA NA VIA PÚBLICA;
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:Para a alteração da matéria de facto, a lei exige que o recorrente especifique, obrigatoriamente, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
O ónus imposto ao recorrente traduz-se, pois, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando, claramente, qual a parcela ou segmento - o ponto ou pontos da matéria de facto - da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento.
O recorrente não se pode limitar a fazer uma impugnação genérica, tem de concretizar, um a um, quais os pontos de facto que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por terem sido considerados como tal, devendo, ainda, indicar, em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente.
II – O Município é responsável pelo "mau estado" dos passeios, por onde circulam peões e, que, em concreto e comprovadamente, determinem a queda de munícipes, pois que não é suposto que do solo em área pedonal, surjam raízes suscetíveis de fazer cair os cidadãos que aí circulem, pois que a normal circulação em área urbana e pedonal não deve ser encarada como se de uma gincana se tratasse.
A autarquia tem a obrigação de manter as vias de circulação e os passeios limpos, transitáveis, seguros e sem obstáculos suscetíveis de provocar acidentes.
III – Assim, como decorre dos artigo 7.º, n.º1 da Lei 67/2007 de 31-12, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.“
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando havia por força da lei o dever de praticar o ato omitido. Art. 486.º do CC.
Por outro lado, a presunção de culpa in vigilando estabelecida no art.493.º, n.º 1 do CC é aplicável no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por factos ilícitos.
IV – Em concreto, estão assim preenchidos e provados os pressupostos da responsabilidade civil ao abrigo dos artigos 483.º do Código Civil e artigos 7.º Lei 67/2007 de 31-12 e como supra exposto, a saber:
- o facto: A queda da Autora, na via pública, ao embater numa raiz que irrompia do chão.
- Ilicitude: A Ré infringiu os deveres objetivos de cuidado e vigilância a que está obrigada, resultante a ofensa á Autora, ao não remover a raiz da via pública.
- culpa/negligência: A Ré não foi diligente, cautelosa e incumpriu nos seus deveres de vigilância, sendo previsível que um tal obstáculo na via pública pudesse causar uma queda a qualquer transeunte.
- Dano: A Autora partiu a tíbia e daí advieram danos patrimoniais e não patrimoniais.
- Nexo causal entre o facto e o dano: Foi em virtude do embate na raiz que a A. caiu e sofreu os danos.
V - Sempre caberia ao Município fazer prova que não teve culpa no evento gerador de danos bem como de que empregou todas as providências exigidas pela circunstâncias adequadas a evitá-lo, sendo que em momento algum do decidido resulta que o Município tenha tomado as devidas medidas de segurança e zelo para manter a via segura.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A......, no âmbito da Ação Administrativa Comum que intentou contra o Município de Albufeira pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 20.000€ a título de danos não patrimoniais e dos que se vierem a provar, o pagamento do valor de 1.106,60€, a título de perdas salariais no período de baixa médica, o pagamento do montante de 274,64€, a título de medicamentos e tratamentos, bem como o valor de 150,00€ anuais a título de danos patrimoniais futuros para a aquisição de medicamentos para tratamento e dores, do valor de 450€ para as consultas de fisioterapia que despenderá até ao limite da sua idade ativa, o que perfaz o montante de 8.400€, ainda o pagamento da quantia de 200€ pelo transporte no período da incapacidade e respetivos juros de mora, em decorrência da queda que sofreu no dia 17 de Junho de 2008, pelas 20.56h, quando “circulava a pé na rampa de circulação, junto ao hipermercado M., em Albufeira”, inconformada com a Sentença proferida no TAF de Loulé em 17 de maio de 2017, que julgou a Ação improcedente, veio recorrer para esta instância em 19 de setembro de 2017,, concluindo:
“a) A Autora em virtude de uma queda que sofreu na via pública, designadamente na rampa de circulação junto ao hipermercado M. C., no dia 18 de Junho de 2008 veio intentar ação e pedido de indemnização contra o Réu Município de Albufeira
b) A sentença a quo veio absolver o Réu Município de Albufeira e a Ré Companhia de Seguros A...... do pedido com fundamento em suma que não se encontram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, ao abrigo da lei civil
c) Por o Réu Município ter cumprido com a sua obrigação no cumprimento das regras de segurança, designadamente por existência de corrimões laterais na zona de circulação onde a Autora caiu.
d) A Autora inconformada recorre da sentença a quo na medida em que a mesma enferma de vícios e contradições;
e) O tribunal a quo baseou a sua sentença em toda a prova documental e nos depoimentos das testemunhas que se afiguraram como “tendo conhecimento convincente dos factos”
f) Contradições na medida em que dá por provados os factos constantes das alíneas O, P, Q, R, e S
g) Tendo originado as consequências e danos dados como provados nas alíneas A a M,
h) Contudo adiante na sentença vem concluir de forma diversa ao afirmar que a Autora não logrou fazer prova cabal dos factos – pág. 22 da sentença;
i) Os factos acima identificados e dados como provados, tiveram como base o testemunho da S......, que estava presente e acompanhava a mãe, tendo assistido à sua queda; e ainda a prova documental dada pelo INEM (Cfr. Doc. N.º 4 Fls 1 junto á PI) e bombeiros que compareceram naquele local, na data e hora indicados (cfr. Doc. 4, fls. 2 junto à PI), e demais documentação que fez prova do internamento, tratamentos, cirurgias - os episódios médicos da Autora.
j) Com o devido respeito, ao depoimento da testemunha S...... não foi dado a devida importância, porque a mesma estava presente e assistiu á queda da Autora, viu as raízes que irrompiam do chão, e igualmente conhece os tubos metálicos que ali se encontravam.
k) O depoimento da S...... - gravado aos minutos … do segundo depoimento - revela conhecimento de facto sobre a forma como a queda se concretizou e as circunstâncias concretas do caso, tendo a mesma afirmado diversa vezes que “ A minha mãe ia a descer” .. “ela chorou tanto que fiquei assustada” “..Ela caiu de frente, tropeçou na raiz e caiu” “Ela não escorregou, … ela tropeçou” o que está lá “não é um corrimão é uma vedação das plantas” – Cfr. Gravação do depoimento testemunha S......;
l) A Autora caiu para a frente, desamparada por inexistência de rampas. Os ditos corrimões, nos quais a sentença a quo se apoia não são corrimões de apoio e em parte alguma foi feita prova que era corrimões de apoio. Foi sim dito pela testemunha S...... e está gravado - não é um corrimão é uma vedação das plantas - e pela visualização das fotografias, se verifica que tais tubos são separadores– até porque não têm altura suficiente para que as pessoas pudessem apoiar-se nos mesmos. Tal é visível nas fotografias que foram juntas á PI (Doc. n.º 2 e 3). Tais tubos metálicos tem uma altura de cerca de 50 cm e tratam-se de separadores metálicos, como se pode verificar pela altura de tais separadores em relação á roda de um carro ou de uma mota, como consta das fotos – Cf. Doc. n.º 2 e 3 juntos á PI.
m) Contrariamente, sem base documental nem testemunhal, o Tribunal a quo constatou um facto e deu por provado a existência de” corrimões “ de ambos os lados da circulação, “…corrimões de tubo metálico destinados à segurança dos transeuntes..” e “…não prestando o devido cuidado ao caminhar de forma descendente na rampa em causa que era bordejada por um corrimão de cada lado, precisamente para as pessoas nele se apoiarem.”- página 23 (4.º parágrafo) e página 24 3.º parágrafo) da sentença.
n) Por fim, a sentença a quo entra novamente em contradição quando dá por provado na alínea R) “a raiz emergia por entre os paralelos existentes no caminho / passeio – página 11 da sentença; mas mais adiante na página 25 da mesma sentença alega que “verifica-se pela observação das fotografias – documento n.º 2 junto pela Autora…não se vislumbrando qualquer raiz de árvore”.
o) Para além da análise contraditória e deficiente dos factos, a sentença a quo padece de vício na aplicação do direito, perante a matéria dada como provada.
p) A queda da A. teve lugar na via pública; Como decorre do artigo 7.º, n.º1 da Lei 67/2007 de 31-12 a Ré Município é responsável por manter as vias públicas em condições de segurança higiene, e é por isso responsável pelos danos que resultem das suas ações ou omissões ilícitas;
q) A Ré não foi diligente nem cautelosa, e violou os deveres de vigilância a que está adstrita; este comportamento omissivo e negligente da Ré foi ilícito e culposo, ao abrigo dos artigos 9º, n.º 1 e 10.º, n.º 1 e 3 da Lei 67/2007 de 31-12.
r) Ao abrigo do art. 342.º do Código Civil incumbia á Ré a prova principal de que não teve qualquer culpa no evento gerador dos danos bem como a de que empregou todas a providências exigidas pelas circunstâncias. Contudo, em parte alguma a Ré logrou fazer tal prova – como facilmente se descortina no leque dos factos dados como provados.
s) Foi em virtude da falta de diligência da Ré e por violação dos deveres de cuidado desta que a Autora caiu e partiu a tíbia, estando os danos
intimamente ligados á queda, como ficou provado, pelo que encontram-se igualmente preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, como o nexo causal entre o facto e o dano - art. 483.º e 486.º ambos do Código Civil.
t) Há por isso lugar à reparação do dano e à indemnização da A. quer pelos danos patrimoniais quer pelos danos não patrimoniais, dada às circunstâncias de facto concretas que se deram como provados nos presentes autos.
u) A sentença a quo enferma de vários vícios e contradições que deverão ser sanados, colmatados e consequentemente ser considerada o Réu Município e solidariamente a Ré Companhia de Seguros A...... Portugal SA, culpadas pela falta de zelo na manutenção das suas vias públicas e consequentemente pela queda da Autora e as demais consequências que advieram dessa mesma queda – designadamente nos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais provadas, igualmente nos autos – Cfr. Factos Provados Alíneas A WW.
v) Em parte alguma nos Factos assentes ou Provados, se considera provado que o Réu tomou as devidas medidas de segurança e zelo para manter a via pública segura.
w) Devendo, para tal, o Réu ser condenada ao peticionado pela Autora na PI, designadamente ao pagamento da quantia global de € 29.877,75, por um lado por ter responsabilidade em manter as vias publicas limpas, desimpedidas e seguras, por outro, por não ter logrado fazer qualquer prova que teve cuidado e zelo no cumprimento das regras de segurança ao abrigo da lei 24/2007 de 18/06 e Lei 67/2007 de 31/12 com redação atualizada, e por existir manifesto nexo causal entre o facto, ilicitude do facto, culpa (ainda que negligente), dano e nexo causal entre o facto e o dano, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil ao abrigo do art. 483.º e 486.º ambos do Código Civil.
Nestes termos E nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituída por decisão que condene o Réu Município de Albufeira e solidariamente a Ré Companhia de Seguros A...... Portugal ao peticionado pela Autora, com todas as legais consequências, fazendo assim V. Ex.ª a costumada, JUSTIÇA!”

A Companhia de Seguros A...... Portugal, S.A. veio apresentar s suas contra-alegações de Recurso em 29 de setembro de 2017, concluindo:
“1.ª O âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, pelo que devem ser apenas apreciadas as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º e 639º do C.P.Civil);
3.ª Ora, percorrendo as conclusões apresentadas, a apelada entende que, em rigor, a apelante não recorre de facto mas apenas de direito, encontrando-se, consequentemente, prejudicada a reapreciação da matéria de facto, porquanto não basta para alterar as respostas, a mera divergência de convicção ou desgosto pela decisão, sendo exigível, antes, que se verifique erro na apreciação da prova, atendendo a que é substancialmente pacífico na doutrina e na jurisprudência que, no domínio dos factos, a regra é a estabilidade e não a modificabilidade, não se destinando o recurso a julgar de novo a matéria de facto;
4.ª Ainda que assim se possa não considerar, o que se admite por facilidade de raciocínio, dir-se-á a tal propósito que a Relação não procede à reconstrução ex-novo dos factos em torno dos quais gravita o litígio, antes verifica se, na reconstituição da espécie de facto, não foram violadas, pelo decisor do Tribunal a quo, regras de avaliação prudencial;
5.ª E que o exercício do poder de rescisão ou cassatório conferido pelo art.º 662º do CPC deve ser entendido como subsidiário relativamente aos poderes de reapreciação ou reexame dos pontos da matéria de facto questionados no recurso – só tendo lugar quando se revele absolutamente inviável o eficaz e satisfatório exercício destes pela Relação;
6.ª Todavia, os pontos em questão, deficientemente ou mesmo inexistentemente referenciados na arguição da apelante, tendo em conta a prova plural e integral factual dos autos, revelam-se incapazes de impor a V. Exas., Venerandos Desembargadores, resposta diversa e, por isso, são insuscetíveis de alterar as outras provas já firmadas e determinantes do decidido.
7.ª A este propósito, ou seja, quanto à correção das respostas dadas à matéria de facto, remete-se ou dá-se por integralmente reproduzido, por economia processual e para evitar o fastio, o que em cima se deixou dito quanto à fundamentação da douta sentença ora em recurso a tal propósito;
8.ª Em apanhado: o Julgador, carenciado de qualquer outra prova que sustentasse aquilo que a A alega, não teve outra alternativa que não fosse julgar o pedido improcedente, não sendo possível vislumbrar qualquer contradição insanável ou obscuridade na matéria de facto dada por provada e muito menos que o Tribunal tivesse tido a necessidade de aprofundar outros factos a latere para decidir como decidiu, pelo que deve ser mantida inalterada a resposta dada aos quesitos (atualmente temas da prova onde se inserem os “factos essenciais à procedência das pretensões deduzidas” e os “factos essenciais suscetíveis de integrar os fundamentos de exceção perentória deduzida ou de conhecimento oficioso”), não procedendo, consequentemente, o recurso de facto.
9.ª Ainda assim cumpre dizer que as respostas dadas à matéria de facto controvertida e elencada nas motivações supra encontram-se igualmente estribadas ou alicerçadas, além de nos elementos de prova objetivos referidos à pags. 7 e 8 da presente resposta, também no bom-senso, nas regras da experiência comum e na livre e intima convicção do julgador;
10.ª Consequentemente, a A. não logrou provar que o Município não cumpriu as obrigações de segurança e manutenção destinadas a evitar o evento quando o ónus da prova, diga o que disser a apelante, lhe competia, tudo nos termos do disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 346º, ambos do Código Civil, assim como de acordo com o que preceitua o art.º 414º do Código de Processo Civil.
11.ª Em súmula: nenhuma prova produzida foi por si só suficiente para sustentar a responsabilidade do Município pelo pagamento da quantia peticionada, e, consequentemente, da A...... enquanto sua seguradora de responsabilidade civil;
12.ª Quando, para o apuramento da alegada responsabilidade extracontratual do Município teriam de se encontrar cumulativamente preenchidos os pressupostos gerais que são o facto, a ilicitude, a culpa e o nexo da causalidade entre o facto e o dano - cfr. arts. 483º e segs do C.C. e art.º 7º e 9º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro - o que, no caso concreto, não ocorre.
Termos em que, mas sempre com o douto suprimento de V. Ex.as., deve ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a douta Sentença recorrida e a absolvição da do Município e da ora apelada, atendendo a que a mesma deu cabal cumprimento ao silogismo judiciário e interpretou corretamente o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, 346º, 483º, 486º, 493º, n.º 1 e 563º, todos Código Civil, bem como o que preceitua o artigo 414.º do Código de Processo Civil, sem esquecer os art.ºs 7º, 9º e 10º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e ainda o art.º 12º, n.º 1, al b) da Lei n.º 24/2007, de 18 Julho, como é o espelho da mais elementar Justiça!”

Em 25 de Janeiro de 2018 veio a ser proferido Despacho de admissão do Recurso, mais tendo sido sustentada a decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 15 de fevereiro de 2018, veio a emitir Parecer em 27 de fevereiro de 2018, concluindo “(…) que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão em reapreciação e substituindo-se a mesma por outra que julgue procedente ação”.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Há que apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, importando verificar se, como invocado, “(…) a Sentença contém em si contradições entre o provado e o julgado, designadamente, quanto às circunstâncias do modo como ocorreu o acidente, uma vez que, perante a matéria dada como provada o Tribunal deveria ter decidido de forma contrária. Mais se impõe verificar se “o tribunal considerou, ao contrário do que devia, que no local existiam corrimões metálicos e que a Autora não terá tido o devido cuidado de neles se apoiar e também de visualizar as raízes a emergir por entre os paralelos”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não provada:
“Factos Provados:
“A) Em 17 de Junho de 2008, foi emitido pelo INEM “Verbete de Socorro/Transporte” onde se refere, nomeadamente, que o “local da ocorrência” foi na “via urbana”; o “motivo da chamada” foi uma “queda” e que existiu o “transporte da A.” a partir do “M.” (…)” (cfr. doc. 4, fls. 1 junto com a p.i.);
B) No dia 11 de Agosto de 2008, foi remetido à Autora, pelos Bombeiros Voluntários de Albufeira, o ofício nº 284/08MA, onde consta, designadamente, que “Junto enviamos cópia do verbete de Transporte, referente ao transporte da Srª D. A......, vítima de queda junto ao M. de Albufeira no dia 17/06/2008 com saída registada pelas 20:56 Horas” (cfr. doc. 4, fls. 2 junto com a p.i.);
C) No dia 17 de Junho de 2008, a Autora foi submetida no Hospital Central de Faro, a raios-x à tíbiotársica (cfr. doc. 5 junto com a p.i.);
D) Em 1 de Julho de 2008, a Autora foi submetida no Hospital Central de Faro, a raios-x à perna (cfr. doc. 5 junto com a p.i.);
E) Em 4 de Dezembro de 2008, a Autora foi submetida no Hospital Central de Faro, a raios-x à perna (cfr. doc. 7 e 8 junto com a p.i.);
F) A Autora foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, no dia 27 de Junho de 2008, tendo feito “Red. Aberta” (cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i.);
G) A Autora permaneceu internada no Hospital de Faro cerca de 22 dias, entre os dias 18 de Junho e 4 de Julho de 2008 (cfr. doc. 6 junto com a p.i.);
H) A Autora por intermédio da filha (dado que se encontrava hospitalizada) apresentou uma exposição junto da Câmara Municipal de Albufeira, participando os factos ocorridos (cfr. doc. 10 junto com a p.i.);
I) Em 6 de Maio de 2011, o Réu, Município de Albufeira, enviou à Autora o ofício nº S-CMA/2011/6460 no qual consta, nomeadamente, o seguinte: “Reportando-me ao seu pedido de indemnização apresentado em Junho de 2008, na sequência do acidente de que foi vítima na via pública, cumpre-me informar V. Exa. que, nesta data, foi o processo remetido à Companhia de Seguros A......, para se pronunciar (…)” (cfr. doc. 11 junto com a p.i.);
J) Em 16 de Setembro de 2011, o Dr. S......, especialista em medicina geral emitiu um relatório médico referente à Autora, no qual consta, “(…) Esteve de baixa cerca de 2,5 meses; em Dez 08 e Nov. 09 foram-lhe retirados parafusos. Desde então refere edema (…) e dor na articulação tíbio-társica que lhe dificulta e limita a sua atividade profissional (…)” (doc. 12 junto com a p.i.);
K) Junto à rampa de circulação identificada pela Autora existiam, ao longo e de ambos os lados da mesma, corrimões de tubo metálico (cfr. doc. 2 e 3 junto com a p.i.).
L) A Autora esteve com “incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença” desde o dia 18/06/2008 até 29/06/2008; desde 30/06/2008 até 29/07/2007; desde 30/07/2008 até 28/08/2008; desde 29/08/2008 até 27/09/2008; desde 29/09/2008 até 30/09/2008; desde 09/11/2009 até 19/11/2009 (cfr. doc. 9, fls. 1 a 5 junto com a p.i.);
M) A Autora deslocou-se a várias consultas ao Hospital de Faro, conforme “Diário Clínico” de “Consulta Externa de Ortopedia” que refere o seguinte:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da Sentença de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. nº 12, fls. 2 junto com a p.i.);
N) Entre a Companhia de Seguros A...... Portugal, S.A. e o Réu, foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice nº …1/…8/..3, onde consta, designadamente, “Franquia aplicável por sinistro: 10% dos prejuízos indemnizáveis no mínimo de € 125,00 (…)” (cfr. doc. 1 junto com a contestação do Réu);
ii -Resultaram provados, discutida a causa, os seguintes factos:
O) No dia 17 de Junho de 2008, pelas 20h56, a Autora circulava a pé na rampa de circulação, junto ao hipermercado M., em Albufeira;
P) Aquando da descida dessa rampa, a Autora caiu;
Q) A queda que a Autora sofreu deveu-se ao facto de ter esbarrado na raiz de uma árvore que se encontrava irrompendo do chão na rampa de circulação, junto ao hipermercado M., em Albufeira;
R) Essa raiz emergia por entre os paralelos existentes no caminho/passeio;
S) Após a queda, a Autora foi incapaz de se erguer do chão;
T) A filha da Autora, com o auxílio de outros transeuntes, chamou de imediato o INEM;
U) A Autora foi transportada para o Hospital de Faro;
V) A Autora foi submetida a exames médicos, designadamente, raios X à tíbio-társica;
W) Os exames médicos realizados à Autora detetaram que a mesma tinha partido a tíbia da perna esquerda;
X) Os médicos colocaram uma tração no pé para tentar puxar e endireitar os ossos partidos;
Y) Sem sucesso com o procedimento referido na alínea anterior, a Autora foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, no dia 27 de Junho de 2008;
Z) Na intervenção cirúrgica a que foi submetido fez “Red. Aberta” onde lhe foi implantada uma placa metálica de modo a poder juntar os ossos desligados;
AA) Em virtude das lesões sofridas no acidente a Autora esteve 3 meses com incapacidade profissional total;
BB) O seu agregado familiar era constituído por 2 crianças menores em idade escolar e pela mãe com 69 anos;
CC) A Autora era e é auxiliar de enfermagem de profissão/de ação direta no Centro de Saúde de Albufeira, auferindo, à data do acidente, um rendimento mensal médio líquido de €510;
DD) Quando começou a receber da Segurança Social, pela Baixa médica, passou a receber €141,30;
EE) Após a alta hospitalar a Autora voltou ao trabalho mas não suportava estar de pé;
FF) Locomovendo-se com o auxílio de canadianas;
GG) A Autora permaneceu com imobilização gessada da perna esquerda durante dois meses;
HH) Durante esse período de tempo ficou impossibilitada de desenvolver qualquer atividade profissional;
II) Durante o período de baixa médica e nos dias iniciais de recuperação, necessitou de ajuda constante de terceiros;
JJ) Após ter retirado a imobilização gessada, foi submetida a sessões de fisioterapia, não as podendo frequentar porque eram muito caras;
KK) Atualmente, as dores permanecem e recebe frequentemente injeções para as mesmas;
LL) Atualmente, a Autora apresenta uma perna defeituosa, inchada, irregular e limitação da mobilidade;
MM) A Autora continua a padecer de dores frequentes e diárias na perna, que são particularmente intensas de manhã, ao levantar-se, o que requerem a utilização de uma canadiana para a auxiliar nos primeiros passos;
NN) Dores estas que aumentam de intensidade quando que se verifica uma mudança de tempo ou um movimento brusco;
OO) A Autora está limitada quanto a carregar pesos e realizar esforços;
PP) A Autora está impossibilitada de permanecer de pé durante algum tempo;
QQ) À data dos factos a Autora tinha 48 anos, uma mulher com muito vigor, força e energia;
RR) A Autora apresenta dificuldades na marcha e deixou de andar de bicicleta;
SS) Antes do acidente a Autora era saudável, muito ativa, alegre e comunicativa, gostava de correr e brincar com os filhos e amigos e correr na praia;
TT) Desde o acidente e até à data, a Autora esteve e estará medicada;
UU) Adquire medicamentos para tratamento e dores;
VV) A Autora, no período de incapacidade, teve de recorrer a terceiros para poder locomover-se;
WW) A Autora, no período de incapacidade, gastou dinheiro em transportes.
Não se provou
Não se provaram os seguintes factos da Base Instrutória:
1 – Que a Autora atualmente se locomove diariamente com o auxílio de canadianas;
2 – Que a Autora continua, atualmente, a realizar tratamentos de fisioterapia, uma a duas vezes por semana, e a tomar medicação e injeções para as dores;
3 – O ato de conduzir um veículo automóvel durante várias horas seguidas, ou em fila de trânsito, provoca dores à Autora;
4 – E que lhe provoca também um agravamento do estado geral da perna que ao fim do dia aumenta de volume;
5 – Que a Autora passou a ser triste, ansiosa e preocupada com o seu futuro e o dos seus filhos;
6 – Que as consultas de fisioterapia comportam um custo anual de € 450 até a Autora fazer 65 anos de idade.”

IV – Do Direito
Discorreu-se no discurso fundamentador da decisão de 1ª Instância, no que aqui releva:
“(…) Em primeiro lugar, resulta da prova testemunhal que a Autora caiu por ter esbarrado na raiz de uma árvore quando caminhava sobre uma rampa de circulação, junto ao hipermercado M., em Albufeira, sendo que essa raiz emergia por entre os paralelos existentes no caminho.
Contudo, não se pode escamotear que a Autora não preveniu o evento, não prestando o devido cuidado ao caminhar de forma descendente na rampa em causa que era bordejada por um corrimão de cada lado, precisamente para as pessoas nele se apoiarem.
Ora, como redunda do supra mencionado pela Autora na petição inicial, a mesma admite que a queda foi brutal e abrupta, ou seja, inesperada, precisamente por não se ter agarrado aos corrimões na travessia da rampa, desde logo porque não os viu por isso, vindo assegurar que não existiam, e também revela que não teve a atenção normal e esperada ao caminho percorrido.
Por sua vez, a queda produziu-se quando a Autora descia a rampa em causa, pelo que quando se dirigia no sentido do hipermercado, igualmente a percorreu em sentido contrário, ou seja, subindo-a, e a raiz da árvore já lá estaria, pelo que, de antemão, essa circunstância, mesmo que inconscientemente, já estava prefigurada.
Entende-se que este hiato de tempo que mediou subir a rampa, sem se apoiar nos corrimões e descê-la nos mesmos termos, que da primeira não adveio nenhuma ocorrência mas que da segunda acarretou uma queda, não deve ser assacada ao Réu, nem aquela nem a lesão sofrida na tíbia da perna esquerda e eventuais sequelas.
Verifica-se pela observação das fotografias – documentos nºs 2 juntos pela Autora em 29 de Junho de 2011 – que em trecho algum do pavimento faltam pedras, que as mesmas entre si têm uma distância e que foi entre duas destas pedras, circunscrita por uma seta na fotografia do documento nº 2 supra citado, que nesse local a Autora tropeçou e caiu, não se vislumbrando qualquer raiz de árvore.
Não obstante, reitera-se que é a própria Autora que admite que “Tal queda deveu-se ao facto da Autora ter esbarrado na raiz de uma árvore que ali se encontrava irrompendo do chão (…).
Essa raiz emergia por entre os paralelos ali existentes no caminho/ passeio. (…) Junto a essa rampa inexistia qualquer corrimão de apoio ou outro onde a mesma se pudesse ter apoiado, tendo a queda sido violenta e abrupta pela inexistência de tal apoio”, o que vale por dizer que estava desatenta quer ao não ver por onde caminhava quer a não se ter apoiado nos corrimões e, devido a essa falta de cautela, tropeçou.
Assim sendo, é irrelevante que a raiz de uma árvore irrompesse do chão por entre os paralelos existentes no caminho/ passeio, pois não resulta provado, que a mesma, por si só, fosse suficiente para provocar a queda da Autora.
Neste sentido, e em segundo lugar, a prova documental apresentada nos autos, mostra-se contraditória com o testemunhado, e é manifestamente insuficiente para provar o que a Autora vem sindicar.
O que vale por dizer que usando a Autora da diligência e da prudência exigíveis a um transeunte médio nas mesmas circunstâncias, não era passível que sucedesse a queda dos autos.
Assim, não ficou abalada a convicção que o Réu, que detém o ónus da prova de que por todos os meios acautelou a ocorrência destes eventos, in casu, não concorreu para o acidente sofrido pela Autora.
Neste enquadramento, entende-se que o que motivou a queda em apreço não deriva da falta de diligência e de condições de segurança e de manutenção do caminho/ passeio sub juditio pelo Réu.
Com efeito, a obrigação de indemnizar radica num facto (ou factos) juridicamente relevante que consiste numa conduta voluntária representada por ação ou por omissão, o que não é o caso.
A ilicitude do facto advém da violação ou ofensa por esse facto a direitos de terceiros ou de disposições legais destinadas à proteção de interesses alheios.
A responsabilidade extracontratual do Estado por facto ilícito corresponde, no essencial, ao conceito civilístico do instituto consagrado no artº 483º do Código Civil, mais se atendendo quanto à ilicitude, o que estabelece o nº 1 do artº 7º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro na redação que lhe foi dada pela Lei nº 31/2008, de 17 de Julho:
Nos termos do nº 1 do artº 9º do supracitado diploma legal,
“Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Ora, esta norma visa qualificar as condutas antijurídicas contra as quais se admite uma reação de defesa, bem como determinar as circunstâncias em que se justificará a indemnização dos danos provocados por tais comportamentos.
Para esse efeito, previamente haverá que determinar se existe na ordem jurídica a proteção dos direitos do lesado pelo que haverá que analisar se a conduta imputada ao lesante merece censura por representar uma violação da ordem jurídica.
In casu, isso não se verifica.
Com efeito, não existem condutas e comportamentos por banda do Réu que provocaram os danos que a Autora ora reclama.
Assim, não se assiste à violação do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 12º da Lei nº 24/2007 de 18 de Julho, que estabelece designadamente que “o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária (…)” e resulta provado que o Réu usou dos meios próprios e adequados – os corrimões laterais – para colocar e manter todas as proteções e medidas de segurança do passeio em causa.
Concludentemente, não resultando provado que o Réu não cumpriu as obrigações de segurança e manutenção destinadas a evitar o evento – queda da Autora na rampa de acesso junto a um hipermercado – não pode ser responsabilizado, nos termos do preceituado no nº 1 do artº 483º e no artº 486º do Código Civil pelos danos sofridos por A......, produzidos em consequência do mesmo.
Do que antecede, verifica-se que a presente ação improcede pela inexistência de facto ilícito culposo.
Não está, igualmente, verificado o outro pressuposto da obrigação de indemnizar que é o nexo de causalidade entre o facto – ilícito e culposo – e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada expressamente consagrada no artº 563º do Código Civil.
Desde logo, por quatro ordens de razões. A saber:
Em primeiro lugar, não foi materializada prova testemunhal consistente do ocorrido.
Em segundo lugar, provou-se a existência de corrimões laterais no caminho em causa e a eventual existência da raiz de uma árvore entre duas pedras do pavimento, face ao modo do seu atravessamento pela Autora, não constitui motivo razoável para provocar o evento.
Em terceiro lugar, inexistem faltas que radiquem na ação e na vontade do Réu responsável por garantir as condições de segurança do passeio/ caminho onde esse evento aconteceu.
Em quarto lugar, a prova documental apresentada nos autos é insuficiente para provar o que a Autora vem sindicar.
Entende-se, também, não provado, o modo e por que via o evento em causa se deu, pelo que este não pode ser subsumido em danos patrimoniais da responsabilidade do Réu.
Neste sentido, conclui-se que não ficou provado que no caso sub juditio se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu, Município de Albufeira, refletindo-se em conformidade na interveniente, Companhia de Seguros A...... Portugal, SA.
Em suma, ante a matéria de facto provada, deve concluir-se que não se verificam, no caso, os pressupostos da invocada responsabilidade civil, designadamente, a ilicitude, o dano, o nexo de causalidade e a culpa.
Aqui chegados, tudo visto e ponderado, a ação terá necessariamente de improceder, na sua totalidade.”

Vejamos:
Refira-se, desde já, que se adere, no essencial, ao entendimento adotado pelo Ministério Público no seu Parecer:

Entende a Recorrente que a Sentença contém em si contradições entre o provado e o julgado, designadamente, quanto às circunstâncias do modo como ocorreu o acidente, uma vez que, perante a matéria dada como provada o Tribunal deveria ter decidido de forma contrária.

Invoca ainda a recorrente que o tribunal considerou, ao contrário do que devia, que no local existiam corrimãos metálicos e que a Autora não terá tido o devido cuidado de neles se apoiar e também de visualizar as raízes a emergir por entre os paralelos, defendendo que no local não existiam corrimãos e que os tubos metálicos existentes não podem ser considerados corrimãos pois têm uma altura muito reduzida (cerca de 50 cm).

Concluiu pois o tribunal a quo que a Autora caiu por falta de cuidado, não visualizando a raiz que emergia do solo e também por não se ter apoiado nos corrimãos existentes, solução que aqui se não acompanha.

A recorrente pretende ainda alterar alguma da matéria dada como provada.

No tocante à matéria de facto considerada assente no Tribunal de 1ª Instância a lei processual impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso quanto ao fundamento em causa.

Efetivamente, a lei exige que o recorrente especifique, obrigatoriamente, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.

Com efeito, de acordo com o disposto no 640° do Código de Processo Civil
"1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados,
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida,
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas"

O ónus imposto ao recorrente traduz-se, pois, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando, claramente, qual a parcela ou segmento - o ponto ou pontos da matéria de facto - da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento.

O recorrente não se pode limitar a fazer uma impugnação genérica, tem de concretizar, um a um, quais os pontos de facto que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por terem sido considerados como tal, devendo, ainda, indicar, em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente (cf Ac. Proc n° 13666/16 deste TCAS, em 22/09/2016 e Ac do STJ de 08/03/2006, Proc n° 05S3823).

Se é claro que a recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia, quanto à pretendida alteração da matéria de facto, ainda assim, mesmo considerando a matéria de facto dada como provada e não provada, entende-se que é patente a invocada contradição entre a decisão e matéria de facto fixada, pois que desde logo o conjunto dos factos provados O), P), Q), R), S), contradizem o sentido da decisão proferida.

Consequentemente, a questão de direito em análise é assim a de saber se se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu de forma a que sobre ele possamos fazer recair o dever reparatório.

Ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, é em qualquer caso, o Município responsável pelo "mau estado" dos passeios, por onde circulam peões e, que, em concreto e comprovadamente, determinou a queda da Recorrente, pois que não é suposto que do solo em área pedonal, surjam raízes suscetíveis de fazer cair os cidadãos que aí circulem, pois que a normal circulação em área urbana e pedonal não deve ser encarada como se de uma gincana se tratasse.

Como referiu o Ministério Público, “a verdade é que a autarquia tem a obrigação de manter as vias de circulação e os passeios limpos, transitáveis, seguros e sem obstáculos suscetíveis de provocar acidentes”.

Mostram-se pois preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil - ato ilícito e culposo, prejuízo e nexo de causalidade, sendo à Recorrente devida a atribuição de indemnização em função do dado como provado.

Se não, vejamos
Como decorre dos artigo 7.º, n.º1 da Lei 67/2007 de 31-12, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.“

No caso dos autos, o Município de Albufeira não foi suficientemente diligente na manutenção da controvertida área pedonal, tendo, assim, violado os seus deveres de vigilância a que está adstrito, designadamente em manter a via pública em condições de segurança.

Se a raiz tivesse sido atempadamente retirada e a via se tivesse mantido desimpedida, a Recorrente não teria caído.

O facto do Município ter acabado por remover a referida raiz, demonstra o reconhecimento que a sua presença se mostrava perniciosa.

É incontornável que “aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem … fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. – art. 483.º do CC.

As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos…quando havia por força da lei… o dever de praticar o ato omitido.” Art. 486.º do CC.

O Réu tinha o dever de manter a via pública desimpedida limpa e em condições de segurança, não o tendo feito incorre em responsabilidade civil, por omissão.

O comportamento omissivo do Réu foi ilícito e culposo, como decorre dos artigos 9º, n.º 1 e 10.º, n.º 1 e 3 da Lei 67/2007 de 31-12, onde se estabelece que:
“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. “
E
“1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor. “
“3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância. “

Por outro lado, a presunção de culpa in vigilando estabelecida no art.493.º, n.º 1 do CC é aplicável no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por factos ilícitos (Cfr. Acórdão do STA, proc. n.º 036/04 de 15-03-2005).

Ora tal presunção só é ilidível mediante prova em contrário. No caso dos autos, e perante toda a factualidade provada, não logrou o Réu Município de Albufeira ilidir tal presunção e provar que atuou com a cautela e diligência necessárias e que observou todos os deveres de vigilância a que está obrigada, enquanto pessoa coletiva de direito público que é.

Consequentemente, existe culpa efetiva da Ré.

Foi em virtude da falta de diligência da Ré e por violação dos deveres de cuidado desta que a Autora caiu.

Os danos estão intimamente ligados á queda, como ficou provado, pelo que encontra-se igualmente preenchido o nexo causal entre o facto e o dano.

Estão assim preenchidos e provados os pressupostos da responsabilidade civil ao abrigo dos artigos 483.º do Código Civil e artigos 7.º Lei 67/2007 de 31-12 e como supra exposto, a saber:
- o facto: A queda da Autora, na via pública, ao embater numa raiz que irrompia do chão.
- Ilicitude: A Ré infringiu os deveres objetivos de cuidado e vigilância a que está obrigada, resultante a ofensa á Autora, ao não remover a raiz da via pública.
- culpa/negligência: A Ré não foi diligente, cautelosa e incumpriu nos seus deveres de vigilância, sendo previsível que um tal obstáculo na via pública pudesse causar uma queda a qualquer transeunte.
- Dano: A Autora partiu a tíbia e daí advieram danos patrimoniais e não patrimoniais.
- Nexo causal entre o facto e o dano: Foi em virtude do embate na raiz que a A. caiu e sofreu os danos.

Sempre caberia ao Município fazer prova que não teve culpa no evento gerador de danos bem como de que empregou todas as providências exigidas pela circunstâncias adequadas a evitá-lo, sendo que em momento algum do decidido resulta que o Município tenha tomado as devidas medidas de segurança e zelo para manter a via segura.

Aqui chegados, vejamos
Decorre do artigo 496º do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).

Como se sumariou no acórdão deste TCAS nº 493/13.6BESNT, de 09.02.2023, “nos termos do art.º 496.º, n.º 3 e como supra se disse, o montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no art.º 494.º do CC.
A indemnização dos danos não patrimoniais é pois limitada àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496° do CC), medindo-se tal gravidade através de um padrão objetivo.
O julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.”

Tal como refere Mota Pinto, in "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª Ed., pág. 115, “Estes danos não patrimoniais (…) resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (…).
A sua verificação tem lugar quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica (…) Não sendo estes prejuízos avaliáveis em dinheiro, a atribuição de uma soma pecuniária correspondente legitima-se, não pela ideia de indemnização ou restituição, mas pela de compensação.// os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis; não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um "preço de dor" ou um "preço de sangue", mas de proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem ideal”.

Não enumerando a lei os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização, caberá ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica (Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, 4.º edição, pág. 499).

Assim sendo, nos termos do art.º 496.º, n.º 3 e como supra se disse, o montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no art.º 494.º do CC.

“O julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu”. (Cfr. Ac. do TCA Norte de 18/1/2007, rec. N.º 00348/04.5BEPRT)

A indemnização dos danos não patrimoniais é pois limitada àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496° do CC), medindo-se tal gravidade através de um padrão objetivo.

A situação descrita e a responsabilidade do Município pela sua verificação, quer em decorrência dos verificados atos lesivos são incontornavelmente atendíveis e suscetíveis de merecerem a tutela do direito, sendo que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais depende da gravidade dos danos, aferida por padrões objetivos e tendo em conta as circunstâncias do caso.

A indemnização por danos não patrimoniais tem uma natureza mista, visando por um lado reparar, mais do que indemnizar e por outro sancionar a conduta do lesante.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica do lesante e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (arts. 494º e 496º, nº 3 do C.Civil), até ao limite do pedido globalmente formulado pelo Autor.

Neste enquadramento legal, cabe ao julgador, ao fixar a indemnização por tais danos, guiar-se por critérios de equidade, sendo que a gravidade daqueles danos há de aferir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso) e não à luz de fatores subjetivos.

Danos não patrimoniais são pois prejuízos que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.

Na fixação da indemnização deve atender-se pois aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Justifica-se que o quantum indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais atente nessas circunstâncias, de modo equitativo.

Feito o precedente enquadramento, vejamos em concreto:
Vêm peticionados a titulo de danos Não Patrimoniais, uma indemnização de 20.000€.

Tendo sido dada como provada a existência no local de uma raiz que determinou a queda da aqui Recorrente, causando-lhe dor e inatividade, é patente que tal determina a atribuição de indemnização da titulo de danos morais, pois que tal foi causa adequada aos danos físicos causados à Recorrente, de acordo com os padrões normais.

Com efeito, é uma questão basilar e de bom-senso que uma queda desamparada em local onde se encontram obstáculos suscetíveis de a causar por parte de quem aí circule, é suscetível de criar lesões graves como aquelas que foram reclamadas.

Efetivamente a condenação dos aqui Recorridos, resulta do facto do Município ter omitido a sua obrigação de manutenção da referida via pedonal desimpedida e segura, sem que tenha logrado fazer qualquer prova que teve cuidado e zelo no cumprimento das regras de segurança ao abrigo da lei 24/2007 de 18/06 e Lei 67/2007 de 31/12 com redação atualizada, e por existir manifesto nexo causal entre o facto, ilicitude do facto, culpa (ainda que negligente), dano e nexo causal entre o facto e o dano, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil ao abrigo do art. 483.º e 486.º ambos do Código Civil.

Tendo a Recorrente, em resultado do acidente, ficado com dificuldades motoras é de elementar justiça que o seu responsável seja responsabilizado pelo ocorrido, à luz do instituto da Responsabilidade Civil por danos não patrimoniais.

Em qualquer caso, o Município só deve responder pelos danos para cuja produção a sua conduta seja considerada adequada, sendo que o valor peticionado de 20.000€ se mostra exagerado e desproporcionado, entendendo-se dever ser atribuído a titulo de danos não patrimoniais o valor de 10.000€, entendido como adequado e suficiente para ressarcir o lesado pelos danos sofridos.

Assim, à luz dos critérios legalmente definidos nos artigos 494º e 496º, nº 3 do Código Civil, entende-se como adequada, suficiente e proporcional a atribuição da indemnização de 10.000€ a titulo de danos não Patrimoniais, montante que se mostra suficiente para assegurar uma justa e equitativa indemnização, atento o quadro factual dado como provado e o direito aplicável.

Quanto aos Danos Patrimoniais, valem aqui os mesmos pressupostos já abordados da Responsabilidade Civil, sendo que foi peticionado:
“(…) o pagamento do valor de 1.106,60€, a título de perdas salariais no período de baixa médica, o pagamento do montante de 274,64€, a título de medicamentos e tratamentos, bem como o valor de 150€ anuais a título de danos patrimoniais futuros para a aquisição de medicamentos para tratamento e dores, do valor de 450€ para as consultas de fisioterapia que despenderá até ao limite da sua idade ativa, o que perfaz o montante de 8.400€, ainda o pagamento da quantia de 200€ pelo transporte no período da incapacidade.

Apenas se deu como não provado em 1ª Instância “Que as consultas de fisioterapia comportam um custo anual de € 450 até a Autora fazer 65 anos de idade.”

Quanto ao demais, de relevante nada mais se mostra provado ou não provado, não tendo este Tribunal elementos que lhe permitam fixar o valor indemnizatório a titulo de Danos Patrimoniais, cujo valor terá de ser fixado em sede de liquidação em execução de sentença.


* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar as Recorridas a pagar à Autora uma indemnização a titulo de Danos Não Patrimoniais no valor de 10.000€ e a título de Danos Patrimoniais no valor que se vier a liquidar em execução de Sentença.

Custas da instância de recurso pelas recorridas.
Custas em 1ª instância por todas as partes na proporção do decaimento
Lisboa, 11 de maio de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa