Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13747/16
Secção:CA- 2 JUÍZO
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO; EFEITO DO RECURSO
Sumário:i) A alínea b) do número 2 do artigo 143.º do CPTA, interpretada extensivamente, comporta na sua previsão legal a decisão incidental proferida ao abrigo do artigo 103º-A, n.º 4, do CPTA (de deferimento ou de indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no nº 1 daquele artigo), que tem natureza cautelar, pelo que ao recurso que da mesma for interposto cabe efeito devolutivo.

ii) Do artigo 103.º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a.Alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
b.Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.

iii) Para efeitos de verificação do primeiro daqueles requisitos não basta a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, necessariamente ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desse tido (não qualificado) e não o afastou do alcance do efeito suspensivo.

iv)Face ao estatuído no art. 103.º-A, n.º 2, do CPTA, conjugado com o disposto no art. 342.º n.º 1, do C. Civil, recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.

v) A suspensão do acto de adjudicação impugnado e a consequente suspensão do procedimento tendente à celebração do contrato, que impede a imediata execução do serviço de limpeza urbana através do recurso a serviços de varredura mecânica nos termos definidos no Caderno de Encargos, embora constitua um prejuízo para o interesse público, consubstancia tão-somente um mero prejuízo – o efeito normal – decorrente do retardamento do início da varredura mecânica pretendida – serviços complementares dos serviços de varredura manual, os quais continuam a ser garantidos pelos serviços municipais –, e não um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, “gravemente prejudicial para o interesse público” e que, como tal, deva ser imperiosa e urgentissimamente acautelado por via do incidente previsto no artigo 103.º, n.º 2, do CPTA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

S………, Serviços …………………….., S.A. (Recorrente), inconformada com a decisão do TAF de Sintra que, no âmbito do processo de contencioso pré-contratual por si instaurado contra o município de Oeiras (Recorrido), deferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido pelo ora Recorrido, veio interpor recurso jurisdicional ao abrigo do disposto nos artigos 142, n.º 5, 143.º, n.º 1, e 147.º do CPTA e 644.º n.º 1, al. a), parte final, e n.º 2, al. h), do CPC.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

- Da nulidade por falta de fundamentação de facto

A) Na decisão de um pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido nos termos e para os efeito do disposto nos artigos 103.º-A n.º2 e n.º 4 e 120.º n.º 2 do CPTA, deve o juiz dar cumprimento.ao dever de "discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas” previsto nos artigos 94.º n.º3 do CPTA e 607.º n.º3 do CPC.

B) No capítulo da ponderação dos interesses em presença, a douta Decisão recorrida limitou-se a repetir as alegações das partes não elencando de um modo claro e preciso quais os factos relevantes para a decisão do incidente, nem muito menos os que considera provados ou não provados, nem indica quais os concretos meios probatórios cuja análise crítica teria empreendido.

C) Pelo que, a Decisão a quo é nula por falta de fundamentação da decisão de facto, devendo ser tal nulidade declarada, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 b) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, parecendo que este Venerando TCAS está em condições de aplicar a regra da substituição a que alude o artigo 665.º n.º1 do CPC

- Da nulidade por oposição dos fundamentos com o sentido da decisão

D) Por outro lado, ainda que se admita, sem conceder, que o método utilizado para julgar o incidente é suficiente para que se não determine a nulidade por falta da fundamentação de facto, a verdade é que algumas passagens da Decisão a quo permitem perceber, pelo menos quanto às matérias aí abordadas, uma oposição dos fundamentos considerados pelo Tribunal e a decisão final a que chegou.

F) Razão pela qual devia ter indeferido o pedido dado que não é a suspensão dos efeitos da adjudicação por alguns meses que vai provocar ou sequer agravar os danos ao interesse público em presença, antes é o facto de o quadro ser deficitário há vários anos.

G) Ao decidir em sentido contrário, cometeu a nulidade a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, parecendo poder este Venerando Tribunal de Recurso aplicar a regra da substituição a que alude o n.º 1 do artigo 665.º do CPC, o que desde já se alega para todos os efeitos legais.

- Do erro de julgamento: pressupostos de facto da decisão

H) Qualquer que seja a decisão a tomar quanto às nulidades arguidas, importa, por cautela de patrocínio, considerar que o Tribunal a quo comete erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto que levou em linha de conta para decidir como decidiu.

I) Comete erro de julgamento quando, com base num relatório da autoria dos serviços do Réu adquire, como pressuposto da Decisão, que a falta de cumprimento de certos objectivos (irreais, diga-se) de varredura e limpeza da via previstos naquele relatório impõe a imediata aquisição dos serviços objeto do contrato dos autos e, consequentemente, o levantamento do efeito suspensivo, sem cuidar de previamente indagar e provar da razoabilidade daqueles objetivos e, desde logo, do histórico do Réu quanto aos mesmos parâmetros.

J) Até porque não se pode admitir que um Município que há largos anos a esta parte presta um serviço de fraca qualidade, com o devido respeito, em matéria de limpeza das vias, muitas vezes com recurso a expedientes de outsourcing envolvendo trabalhadores desempregados, venha agora defender em juízo que um dado concurso público que finalmente decidiu organizar para dotar esta divisão do Município de meios adequados é absolutamente urgente e não pode ficar suspenso por mais alguns meses, quando há vários anos não conta com tais recursos.

K) Não é coerente, nem atendível, nem se pode dar por provado, como implícita e aparentemente se deu na Decisão a quo, que tudo isso seja necessário, premente, inadiável e gravemente prejudicial para o interesse público apenas porque não se cumpriram certos objectivos fixados num relatório interno do próprio município…

L) Comete erro de julgamento, na parte em que repete o alegado pelo Réu quanto à existência de quadro de recursos humanos deficitário face às necessidades, sem cuidar de dar como provadas tais alegações e quando, além do mais, a prova documental junta pelo Recorrido ao seu Pedido de Levantamento de Efeito Suspensivo não demonstra a existência de 27 trabalhadores (em 103) incapacitados para a varredura manual.

M) Comete erro de julgamento, quando afirma a necessidade de incrementar a varredura mecânica na medida em que, de acordo com o próprio relatório do Réu citado na Decisão a quo, se afirma a inexistência de varredura mecânica no Município.

N) Se não há varredura mecânica, não se pode incrementar a varredura mecânica.

O) O que a Edilidade procura, legitimamente, diga-se, é incrementar a varredura em geral, complementando a manual com a mecânica.

P) Mas o facto de certos serviços complementares a outros, no caso, os de varredura mecânica, complementares aos de varredura manual, não se poderem executar - designadamente por impugnação judicial da respetiva adjudicação - não pode servir para fundar o pressuposto da sua necessidade "imediata" de que partiu o Tribunal.

Q) Por outro lado, comete erro de julgamento, porquanto o próprio relatório de gestão do Réu identifica o incremento da varredura através da aquisição de serviços de varredura mecânica como uma de várias medidas de melhoria da limpeza das vias no Município de Oeiras.

R) Logo antes de decidir que a falta de varredura mecânica impedirá a melhoria dos níveis de limpeza e que, por isso, se toma necessário avançar imediatamente para execução do contrato, deveria o Tribunal a quo ter avaliado o impacto que a não realização de qualquer daquelas medidas tem ou teve ou teria no plano de melhorias global.

S) Sendo certo que a alegação e prova dessa matéria compete exclusivamente ao Réu que, a esse respeito, porém, nada alega e muito menos demonstra.

T) O que, de todo em todo, se não pode aceitar é que o Tribunal parta do pressuposto de que a não realização de uma destas medidas - no caso, a aquisição de serviços de varredura mecânica - é o suficiente para afirmar o inatingimento das melhorias propostas ou da medida do inatingimento.

U) A Decisão a quo comete, ainda, erro de julgamento quando afirma que caso a Autora venha a ter ganho de causa poderá ainda "cumprir a maior parte do contrato'' (cfr. última página da Decisão).

V) Na verdade , o contrato em causa envolve a realização de avultados investimentos iniciais por parte do cocontratante relativos à aquisição dos equipamentos a alocar à prestação do serviço, a começar pelas varredoras mecânicas, dado que, como resulta do ponto 1 a) do Anexo IV - Especificações técnicas e obrigações contratuais do caderno de encargos as varredoras mecânicas a alocar ao serviço devem ser novas.

W) Ora, a Meritíssima juiz a quo ignorou por completo estas alegações da Autora, tendo criado o pressuposto de facto, não elencado na Decisão, e certamente não provado, de que, por ser um contrato de aquisição de serviços, haveria facilidade na troca de cocontratante caso a Autora viesse a ter merecimento na acção

X) Ao fazê-lo, violou as mais elementares regras do ónus da prova e da análise das provas com impacto direto na ponderação de interesses realizada, devendo por isso a sentença ser anulada nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 342.º do Código Civil e 103.º-A n.º4 e 120.º n. 2 do CPTA.

- Do erro de julgamento: o regime jurídico e a sua aplicação pelo Tribunal

Y) Finalmente, ainda que as alegações anteriores não sejam vistas como suficientes ou adequadas à anulação da Decisão recorrida, o que apenas por hipótese académica se equaciona, sem conceder, sempre se diria que, pelo menos na visão da ora Recorrente, o Tribunal a quo não aplica corretamente o Direito.

Z) Assim, mesmo que se acompanhasse o Tribunal a quo quanto ao iter cognoscitivo percorrido e mesmo que se concordasse com o juízo feito a final em matéria de ponderação dos interesses em presença, o que apenas por hipótese académica e cautela de patrocínio se concebe, sempre se teria de reconhecer que há pelo menos uma matéria, levada à apreciação do Tribunal, que não foi corretamente resolvida e que diz respeito ao primeiro e mais importante de todos os requisitos do levantamento do efeito suspensivo: a excecionalidade da situação invocada pelo Requerente do levantamento.

AA) O levantamento não pode ser a solução regra a adotar apenas porque a necessidade pública fica temporariamente por satisfazer.

BB) Pelo contrário, a razão de ser do contencioso pré-contratual, nacional e comunitária, é prevenir as lesões do direito comunitário da contratação pública numa fase em que as violações ainda podem ser corrigidas.

CC) Pelo que, a menos que se verifiquem as "razões imperiosas de interesse geral" a que se refere o no artigo 2.º-D da Diretiva 89/665/CEE, na redação que lhe foi dada pela Diretiva 2007/66/CE, o efeito suspensivo deve manter-se.

DD) É essa também a solução prevista no n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA quando estabelece, precisamente, como pressuposto do levantamento, não ainda a ponderação de interesses, mas antes e precedentemente a existência de um grave prejuízo para o interesse público, isto é, de um prejuízo qualificado.

EE) Só os casos verdadeiramente excecionais justificam que perante a suspeita de violação de normas que disciplinam a contratação pública se afaste o efeito que ope legis se determinou ab initio.

FF) Por conseguinte, só há lugar à ponderação "dos interesses públicos e privados em presença" a que aludem o n.º 4 do artigo 103.ºA e n.º 2 do artigo 120.º do CPTA se, num momento prévio à ponderação, o Tribunal concluir que a situação invocada pela entidade demandada para afastar o efeito suspensivo se apresenta como uma situação excecional, dado que, para as situações regra, isto é, aquelas em que o interesse público é sempre afetado porque a mera suspensão impede a satisfação da necessidade aquisitiva, já a lei determinou o efeito suspensivo automático.

GG) De um tal modo que se não ficar demonstrada a especial gravidade que a suspensão acarreta para o interesse público deve o pedido ser liminarmente indeferido, sem haver lugar a qualquer ponderação dos demais interesses em presença.

HH) Até porque, é importante frisá-lo, o bem jurídico que em primeira linha se pretende defender e preservar com a introdução do efeito suspensivo automático não é o interesse dos particulares impugnantes, mas antes o interesse público, geral e abstrato, de prevenir adjudicações proferidas em violação da lei.

II) Pelo que, pode mesmo afirmar-se, a inconstitucionalidade dos artigos 103.º-A n.°2 e n.º4 e 120.º n.°2 do CPTA se interpretados no sentido de que ao julgador apenas se exige um exercício de ponderação de interesses e não também um prévio juízo de verificação da excecionalidade da situação invocada como pressuposto próprio e autónomo (e prévio à) da ponderação, por violação do direito constitucional a uma tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268.º n.º 4 da CRP.

JJ) Ora, a Decisão recorrida apenas se ateve com o juízo de ponderação dos interesses em presença.

K.K) Dado que, depois de (muito) assertivamente discorrer sobre o regime jurídico subjacente à existência de um efeito suspensivo automático por efeito da instauração da ação, a Meritíssima Juiz a quo, dá um salto quântico, à revelia do regime jurídico que acabara de descrever, para a ponderação dos interesses em presença, ignorando a necessidade de previamente, em juízo autónomo, com pressupostos próprios e muito diversos dos pressupostos comparativos do juízo de ponderação, dar por verificado o requisito da excecionalidade da situação, isto é, do grave prejuízo que para o interesse público representaria a suspensão.

LL) Mal andou, nessa parte, a douta Decisão recorrida.

MM) Tanto mais que se tivesse julgado essa questão, teria certamente concluído pela falta da verificação do requisito pois que, pelos motivos já expressos no capítulo "e)" das Alegações e no terceiro travessão das Conclusões, que por razões de economia processual se dão aqui por inteiramente reproduzidos, os prejuízos que a suspensão acarreta para o interesse público, mesmo que possam ser superiores no âmbito da ponderação dos interesses em presença aos interesses privados, não são graves, não são excecionais, não implicam para o Réu nem para os seus munícipes uma situação diversa da que já vivem há vários anos e, por isso, não justificam o levantamento o efeito suspensivo.

NN) Sendo certo que ao não realizar aquele julgamento prévio, mas necessário, violou o disposto nos artigos 103.º-A n.º 2 e n.º 4 e 120.º n.º 2 do CPTA e 268.º n.º 4 da CRP e no artigo 2.º-D da Diretiva 89/665/CEE, na redação que lhe foi dada pela Diretiva 2007/66/CE.

Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência deve a Decisão recorrida ser declarada nula ou anulada e substituída por outra que mantenha o efeito suspensivo da eficácia da adjudicação, com as demais consequências legais e procedimentais.

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e requerendo a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso. Concluiu como segue:

A. quanto à fixação do efeito meramente devolutivo ao presente recurso jurisdicional

I. O douto Despacho recorrido, proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 9 de maio de 2016, que deferiu o pedido de levantamento suspensivo automático deduzido pelo Réu, ora Recorrido, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 103º-A do CPTA não merece qualquer censura, devendo ser integralmente mantido.

II. A A., ora Recorrente, em 3 de junho de 2016 interpôs recurso peticionando que a decisão recorrida seja declarada nula ou anulada e substituída por outra que mantenha o efeito suspensivo da eficácia da adjudicação, tendo sido fixado efeito suspensivo ao presente recurso, pelo que se mantém o efeito suspensivo automático que decorre do art. 103º-A do CPTA.

III. O R., ora Recorrido entende que ao presente Recurso deve ser fixado efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no artigo 143º, nº3 e ss. do CPTA.

IV. Por um lado, porque entende ter legitimidade para o requerer, dado que o entendimento de que apenas o Recorrente o pode fazer viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, dado que apenas considera as situações em que a entidade administrativa é vencida e não aquelas, como a presente, em que é dado provimento ao seu pedido.

V. Por outro lado, porque o artigo 143º, nº3 do CPTA permite que, quando o suspensão dos efeitos da sentença durante a pendência seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses por ela prosseguidos, pode atribuir-se ao recurso efeito meramente devolutivo.

VI. A atribuição do efeito devolutivo deverá ser recusada quando da ponderação a que alude o artigo 143º, nº5 do CPTA, resultar o entendimento de que os danos que resultariam da atribuição do efeito meramente devolutivo se mostrem superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras providências.

VII. Aos recursos de decisões tomadas em processos cautelares e respetivos incidentes é atribuído efeito meramente devolutivo e o incidente aqui em causa é, na sua materialidade, equiparável, à apreciação em sede de providência cautelar

VIII. Na avaliação das consequências do diferimento da execução e, por imposição legal, neste incidente o juízo do Tribunal deve convocar, para a formação da sua convicção, os mesmos critérios que se exigem que o tribunal convoque na recusa de adoção de providências cautelares, ou seja, o critério previsto no artigo 120º, nº2 do CPTA.

IX. Pese embora a Recorrida reconheça que a situação dos autos não se configura objetivamente como uma providência cautelar, nem um dos seus incidentes, não pode deixar de constatara semelhança em termos materiais das duas situações.

X. Pelo que, sendo similares as situações em apreço, não se descortina o fundamento para a distinção entre os efeitos do recurso interposto das decisões que lhes põem termo, efeito meramente devolutivo numa das situações, efeito suspensivo na situação dos autos.

XI. Foi demostrado e avaliado pelo Tribunal a quo que a manutenção do efeito suspensivo automático, na pendência do presente recurso, é passível de provocar, pela natureza da atividade em causa, danos de impossível reparação ao interesse público geral de limpeza e higienização dos espaços públicos.

XII. Estando o Recorrido impossibilitado de executar o contrato de Aquisição da prestação de serviços de varredura mecânica para limpeza de arruamentos no concelho de Oeiras existem dificuldades sérias em garantir o cumprimento dos níveis mínimos de higienização dos espaços públicos, sendo certo que este dano, pela sua natureza, o leque de lesados e irreparabilidade é superior aos eventuais danos, que, de imediato e até ao julgamento definitivo do incidente de suspensão, possam resultar para o ora recorrente.

XIII. O prazo de execução do Contrato (4 anos) não começou sequer a decorrer, pelo que, mesmo que o presente Recurso venha a ser considerado procedente, não ficaria nunca comprometida a utilidade da ação principal, uma vez que seria sempre possível reconstituir a situação atual hipotética. Ao contrário, a manutenção do efeito suspensivo, com o diferimento do início da execução do contrato, acarreta danos diários irreversíveis, na saúde pública e na salubridade das infraestruturas viárias do Município de Oeiras.

XIV. Face ao exposto, requer-se, nos termos do artigo 143º, nº 3 e 5 do CPTA a alteração do efeito suspensivo ao presente Recurso Jurisdicional, determinando-se a fixação do efeito meramente devolutivo ao mesmo.

B- quanto às alegadas nulidades da decisão recorrida

XV. A Recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação da matéria de facto, alegadamente pelo facto de o Tribunal a quo ter decidido sem descriminar os factos que julga provados e não provados e sem indicar expressamente os elementos probatórios criticamente analisados.

XVI. Todavia, a argumentação da Recorrente é totalmente improcedente uma vez que, nos termos do artigo 615º, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil, apenas a total omissão da sentença/despacho dos fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão dá lugar à nulidade da sentença.

XVII. Sucede que, não se pode afirmar, com seriedade, que a decisão recorrida omite totalmente os fundamentos de facto e de Direito que a justificam.

XVIII. O Tribunal retira dos factos carreados para o processo pelos A. e R. aqueles que entende relevantes para a decisão, como decorre de vários excertos da decisão recorrida (cfr. pág. 7 e 8 das presentes alegações), designadamente a circunstância de a Entidade Demandada ter demostrado que se depara com sérias dificuldades em garantir o cumprimento dos níveis mínimos de higienização dos espaços públicos, a comprovada escassez e inadequação (por força da sua idade e condição física) dos meios humanos afetos às tarefas inerentes à limpeza urbana, a impossibilidade de realizar a limpeza da totalidade das sarjetas/sumidouros; a incapacidade para proceder à erradicação da vegetação.

XIX. O Tribunal ainda pondera as provas carreadas para os autos pela ora Recorrente, para concluir que se tratam de alegações da A. são genéricas e relativas exclusivamente ao interesse que demostra ter em ser a adjudicatária no Contrato em causa.

XX. Resulta, por isso, claro da decisão recorrida que o tribunal o quo teve em consideração todos os elementos probatórios trazidos ao processo pelas partes e analisou criticamente a matéria de facto assim com o a prova documental, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

XXI. A Recorrente vem ainda invocar a nulidade da decisão recorrida por oposição dos fundamentos com a Decisão, alegadamente, por algumas das passagens da decisão recorrida permitirem perceber, quanto às matérias aí tratadas, uma oposição dos fundamentos considerados pelo Tribunal e a decisão final a que chegou.

XXII. De acordo com o artigo 615º, nºl, alínea c), do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Todavia, a nulidade acabada de referir só ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, a uma solução oposta da que nela foi adotada.

XXIII. A decisão recorrida teve em consideração um conjunto de fatores alegados pelo Recorrido, nomeadamente, o facto do Município de Oeiras ter de cumprir níveis mínimos de higienização, ter de assegurar a limpeza das ruas, sarjetas e sumidouros e não apenas, ao contrário do que sustenta a Recorrente, o défice de trabalhadores para assegurar os serviços de limpeza urbana.

XXIV. O défice de trabalhadores com condições para executar a varredura manual foi um dos fundamentos que determinou a abertura do Concurso para aquisição dos serviços de varredura mecânica para limpeza de arruamentos no Concelho de Oeiras e que não pode ser suprido pelo recurso à contratação sazonal.

XXV. A situação de défice de recursos humanos para a varredura manual causa manifesto prejuízo diário à Recorrida, prejuízo esse que é tanto maior quanto mais tempo se mantiver a suspensão do procedimento concursal.

XXVI. Pelo que não se verifica qualquer oposição entre um dos fundamentos que o Tribunal a quo considerou para determinar o levantamento suspensivo - a ausência de um número suficiente de funcionários para assegurar, em tempo adequado, a higiene urbana- e o sentido da mesma.

C- quanto aos alegados erros de julgamento

XXVII. A Recorrente alega, ainda, o erro de julgamento invocando que o Tribunal o quo não fundamentou adequadamente a matéria de facto, quer na vertente da descriminação clara dos factos provados e não provados, quer na vertente da descrição da análise crítica dos meios de prova, o que também é manifestamente improcedente.

XXVIII. A Recorrente põe em causa o Relatório de Gestão, de 25.01.2016, e a sua valoração pelo Tribunal a quo, por considerar que a decisão recorrida não deveria ter em consideração os objetivos mínimos de higienização, objetivos esses que foram fixados pelo próprio Recorrido.

XXIX. O Relatório de Gestão (anterior à presente ação) foi junto aos autos para provar o que o R. alegava- que a higienização urbana se encontrava abaixo dos níveis mínimos, que era deficitária, pelo que o Município não estava a cumprir em pleno as atribuições municipais.

XXX. Não cabe ao Tribunal sindicar os objetivos fixados pelo Município de Oeiras uma vez que se trata de matéria da função administrativa; apenas lhe compete apreciar a prova aí produzida.

XXXI. Resulta claro das conclusões do Relatório de Gestão e foi isso que foi valorado pelo Tribunal é que os recursos humanos afetos às tarefas de varredura serem extremamente deficitários face à área de intervenção em matéria de varredura, que corresponde a cerca de 2040 Km, por um lado, e que, atualmente, o Município apenas possui no seu parque de equipamentos mecânicos 4 varredoras de tipologias diferenciadas, com uma média de idades correspondentes a 12, 5 anos e que esse quadro não lhe permite exercer de forma adequada as suas funções, pelo menos desde 2015. O que tem motivado muitas queixas dos Munícipes.

XXXII. A Recorrente põe em causa e entende que o Tribunal também o devia ter feito, a conclusão do Relatório segundo o qual o quadro de recursos humanos é realmente deficitário, atendendo à respetiva idade e condição física.

XXXIII. Sem ter em devida consideração que as funções de varredura manual são funções exigentes do ponto de vista físico, não podendo comparar-se, em termos de capacidade física para o exercício das mencionadas funções, um trabalhador com 50 anos com um trabalhador com 20 anos. E sem ter em consideração as fichas de aptidão técnica de vários trabalhadores que, como ficou provado (cfr. pág. 14 das presentes Alegações), estão condicionalmente aptos para desempenhar as suas funções, condição que o Município de Oeiras não poderá deixar de ter em consideração e que, naturalmente, condiciona os trabalhadores na execução das tarefas inerentes à varredura manual.

XXXIV. Ficou demonstrado que, à data, o Município de Oeiras apenas possui no seu parque de equipamentos mecânicos 4 varredoras de tipologia diferenciadas, com uma média de idades correspondente a 12,5 anos e cuja operacionalidade média não ultrapassa os 26,66 % da disponibilidade diária, e não corresponde à verdade que não disponha de quaisquer meios de varredura mecânica.

XXXV. A situação atual do Município de Oeiras encontra-se devidamente descrita no Relatório de Gestão, que refere no ponto 5, os constrangimentos verificados a nível da limpeza urbana e que, consistiram, entre outros, na inoperacionalidade das viaturas, associado ao envelhecimento do parque de viaturas, o que não permite o cumprimento do planeamento efetuado pelo Município de Oeiras.

XXXVI. A opção do Recorrido foi precisamente a aquisição de varredoras mecânicas, através do concurso público, em causa nos presentes autos, concurso esse em curso à data da elaboração do Relatório, sendo a esse procedimento que se refere o mesmo Relatório quando dispõe sobre a existência de um procedimento a decorrer, com vista ao aluguer de três varredouras e respetivos funcionários.

XXXVII. Pelo que não se descortina onde andou mal a decisão recorrida no que respeita aos respetivos pressupostos de facto.

XXXVIII. Por fim, a Recorrente alega que a decisão recorrida não é acertada do ponto de vista da subsunção dos pressupostos ao Direito.

XXXIX. O atual regime do contencioso pré-contratual reflete um conjunto de soluções introduzidas para proceder à transposição integral da Diretiva 2007/66/CE (segunda Diretiva "Recursos"), com vista a suprir uma situação de défice de tutela jurisdicional dos participantes em procedimentos de contratação pública, em particular, no que diz respeito à possibilidade ao efeito útil da impugnação do ato de adjudicação.

XL. O artigo nº103.9-A do CPTA determinou a suspensão automática dos efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.

XLI. Para obviar a situações em que a paralisação do procedimento afetasse de forma desproporcionada os interesses públicos que subjazem aos procedimentos de contratação pública, o legislador previu a possibilidade de quer a entidade demandada, quer os contrainteressados requerem ao juiz o levantamento do efeito suspensivo automático alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no nº2 do artigo 120º.

XLII. É ao juiz, na decisão sobre o levantamento do efeito suspensivo automático, que cabe ponderar em face dos interesses em presença e dos danos que forem elencados e demostrados pelas partes, se, em cada caso concreto, se deve privilegiar o interesse do concorrente em manter a suspensão do procedimento ou o interesse público que aconselha e reclama a execução imediata do contrato.

XLIII. Esse é o juízo valorativo a que a decisão recorrida contém: após a ponderação dos interesses em presença, que identifica e descreve, e a avaliação dos danos alegados pelas partes, optou por valorar os danos que a manutenção da suspensão da execução do contrato causariam ao interesse público concreto relativo à salubridade e saúde públicas.

XLIV. O Tribunal a quo não se baseou na simples invocação do interesse público para se pronunciar no sentido do levantamento do efeito suspensivo automático, ao contrário do que parece supor a Recorrente, o Tribunal avaliou os danos para ambas as partes, tendo mesmo considerado que, em relação à ora Recorrente, que os danos alegados se reconduzem ao interesse contratual e que, mesmo este, não se encontra comprometido, atento o prazo de execução do Contrato.

XLV. Atente-se que, contrariamente ao que refere o recorrente, o objeto do Contrato é a aquisição de serviços de varredura mecânica, não a aquisição de bens, pelo que a realização de avultados investimentos iniciais na aquisição das varredoras é matéria estranha ao presente processo e dependente da capacidade técnica e operacional dos concorrentes.

XLVI. Na situação dos autos não só é manifesto que o interesse público na execução do contrato deve prevalecer em detrimento do interesse particular da Recorrente, como solução distinta seria manifestamente desproporcional, pelo que deverá ser integralmente mantido o douto Despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 9 de maio de 2016.

Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V.Exas., deve:

1) Ser fixado efeito meramente devolutivo ao presente Recurso:

2) O presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, com a manutenção do douto Despacho que deferiu pedido de levantamento suspensivo automático»



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, nada disse.


Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida:

- É nula por falta de fundamentação da decisão da matéria facto;

- É nula por oposição dos fundamentos com o sentido da decisão;

- Enferma de erro de julgamento ao ter considerado procedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no actual art. 103.º-A do CPTA.



I. 2. Questão prévia: do efeito do recurso

Antes de entrarmos na apreciação do presente recurso jurisdicional, importa conhecer da questão prévia que vem suscitada e que se prende com o efeito a atribuir a este recurso, sendo que o Tribunal a quo fixou ao mesmo efeito suspensivo (com invocação dos art.s 142.º, n.º 5 e 143.º, n.º 1 do CPTA).

Alega o Recorrido que “a atribuição do efeito devolutivo deverá ser recusada quando da ponderação a que alude o artigo 143º, nº5 do CPTA, resultar o entendimento de que os danos que resultariam da atribuição do efeito meramente devolutivo se mostrem superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras providências” (conclusão VI.) e que “aos recursos de decisões tomadas em processos cautelares e respetivos incidentes é atribuído efeito meramente devolutivo e o incidente aqui em causa é, na sua materialidade, equiparável, à apreciação em sede de providência cautelar” (conclusão VII.).

A matéria relativamente aos efeitos dos recursos jurisdicionais mostra-se regulada no artigo 143.º do CPTA, prevendo-se aí o seguinte:

1 - Salvo o disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida.

2 - Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:

a) Intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias;

b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes.

c) Decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, nos termos do artigo 121º.

3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, pode requerer que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.

4 - Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.

5 - A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.

O artigo 143º do CPTA estabelece, assim, duas regras quanto aos efeitos a atribuir aos recursos jurisdicionais: a primeira é a de que os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida, salvo o disposto em lei especial (cfr. n.º 1); a segunda, a de que os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes têm efeito meramente devolutivo (cfr. n.º 2).

Contudo, nos casos em que, por regra, o recurso tem efeito suspensivo nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do CPTA, diz a lei que o recorrente pode requerer que lhe seja atribuído efeito meramente devolutivo se a suspensão dos efeitos da sentença for passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos (cfr. n.º 3). Se assim suceder, isto é, se o interessado requerer que ao recurso que, por regra, tem efeito suspensivo, seja atribuído efeito meramente devolutivo (cfr. n.ºs 1 e 3 do artigo 143º do CPTA), o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar os danos que possam resultar da atribuição desse efeito e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos (cfr. n.º 4) ou indefere o pedido quando os danos que resultam da atribuição de efeito meramente devolutivo se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos (cfr. n.º 5) – neste sentido, o ac. deste TCAS de 14.07.2016, proc. n.º 13348/16.

Resulta do exposto também que “a previsão dos n.ºs 4 e 5 pressupõe que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do n.º 3. Não é, por isso, aplicável às situações de efeito devolutivo por determinação da lei, que directamente decorrem do disposto no n.º 2” (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed. revista, 2010, p. 943). Desse modo permite-se a execução provisória das sentenças (art. 647.º do CPC) - a execução fundada em sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo é, por sua própria natureza, provisória (art. 704.º, n.º 1, do CPC) -, facultando-se ao tribunal, sendo o caso, a possibilidade de determinar a adopção de medidas adequadas a evitar ou a minorar os danos que possam resultar daquela execução e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos (art. 143.º, n.º 4, do CPTA).

Como ensina Mário Aroso de Almeida: “A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso jurisdicional depende, nos termos do artigo 143.º, n.º 5, da adequada ponderação dos interesses em presença, segundo os critérios próprios da tutela cautelar, devendo ter lugar quando essa ponderação permita concluir que a recusa da execução provisória causaria ao interessado prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação e que a sua concessão não terá efeitos irreversíveis, nem produzirá prejuízos ainda mais gravosos para os interesses contrapostos ao do interessado. A ponderação deve ser, pois, recusada se, da ponderação a que se refere o artigo 143.º, n.º 5 – e que em muito se assemelha, como foi dito, àquelas que se encontram previstas nos artigos 120.º, n.º 2, e 132.º, n.º 4, no âmbito da tutela cautelar -, resultar o entendimento de que os danos que resultariam da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso se mostram «superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos»” (cfr. Manual de Processo Administrativo, 2.ª ed., 2016, p. 410).

No caso concreto, temos que é o Recorrido que vem peticionar a alteração do efeito do recurso. E nos termos do disposto no número 3 do art. 143.º do CPTA a atribuição processual para requerer essa alteração é feita ao recorrente” que no requerimento de interposição de recurso, pode requerer que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo. Consciente da (aparente) limitação normativa, vem o Recorrido alegar que tem legitimidade para o efeito, “dado que o entendimento de que apenas o Recorrente o pode fazer viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, dado que apenas considera as situações em que a entidade administrativa é vencida e não aquelas, como a presente, em que é dado provimento ao seu pedido.

Neste ponto terá que referir-se que estamos perante um lapso do legislador, uma vez que o critério – o único critério - relevante é o da existência de periculum in mora. Como refere Vieira de Andrade, isto é: “quando a suspensão dos efeitos da sentença recorrida possa causar uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses públicos ou privados por ela prosseguidos” (cfr. A Justiça Administrativa, 15.ª ed., 2016, p. 414). Aliás, o mesmo Autor é peremptório em afirmar que “o preceito legal, na versão de 2015, contém um lapso, na medida em que atribui essa faculdade ao recorrente, quando o interessado é obviamente o recorrido, que foi parte vencedora” (idem, ibidem, nota 1059).

Com efeito, se olharmos para a redacção anterior do preceito (Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro), o que se dizia era: “3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo” (sublinhado nosso).

Ou seja, dúvida não pode subsistir quanto à constatação de que o interessado na alteração do efeito suspensivo do recurso é o recorrido, que foi a parte vencedora. O vencido, que não obteve ganho de causa, é naturalmente o recorrente e nenhum interesse tem na obtenção do efeito devolutivo do recurso, pois que daí nenhuma vantagem lhe advém (pois que a actuação administrativa sindicada permanece insusceptível de execução, ainda que provisória).

Razão pela qual forçosamente se terá que reconhecer legitimidade ao ora Recorrido para requerer a alteração do efeito do recurso.

Posto isto, cumpre avaliar da correcta fixação do efeito ao presente recurso, o que passa pela análise da solução normativa consagrada no art. 143.º do CPTA.

Como se retira da leitura do referido artigo 143.º a regra é a de que os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida (n.º 1), tendo efeito meramente devolutivo, para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, os recursos interpostos de: a) intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias; b) decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes; e c) decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, nos termos do artigo 121º (n.º 2).

E estando nós perante uma decisão incidental, prevista no art. 103.º-A, n.ºs 2 a 4, do CPTA, proferida no âmbito de processo de contencioso pré-contratual, o qual consubstancia um processo principal de natureza urgente, não espanta que a Mma. Juiz a quo tenha fixado ao presente recurso o efeito suspensivo. Como se exterioriza no despacho que admitiu o recurso, o efeito suspensivo foi fixado por apelo aos artigos 142.º, n.º 5, e 143.º, n.º 1 do CPTA: o primeiro, em bom rigor, referente à admissibilidade da apelação autónoma, o segundo, relativo à regra geral dos efeitos dos recursos, subentendendo-se, portanto, que o caso não se subsume em nenhuma das situações especiais previstas nas diversas alíneas do n.º 2 daquele artigo 143.º. Com efeito, a decisão recorrida – de levantamento do efeito suspensivo automático determinado pelo art. 103.º-A – não é nem uma decisão em processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (al. a)), nem uma decisão respeitante a processos cautelares e respectivos incidentes (al. b)), nem sequer uma decisão proferida por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares (al. c)). Daí ter sido entendido que se aplicaria a regra geral – efeito suspensivo - prevista no citado n.º 1 do art. 143.º do CPTA.

Porém, temos para nós que a solução que o sistema impõe não é a que resulta da interpretação meramente literal da lei. Esta há-de revelar-se por via da interpretação da norma que leve em devida consideração quer a ratio legis que a esta presidiu, quer a sua concatenação com outras normas que regulam a mesma matéria e/ou na consideração de outras disposições que regulam lugares paralelos.

Comece por referir-se que a nova regra jurídica contida no art. 103.º-A do CPTA (e, certa medida, também, no art. 103.º-B, mas que aqui não releva), teve em vista a transposição da Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (que alterou as Directivas do Conselho n.º 89/665/CEE e n.º 92/13/CEE), acolhendo a atribuição de efeito suspensivo automático à propositura da acção pré-contratual urgente quando o seu objecto for a impugnação de actos de adjudicação. A solução adoptada pelo legislador nacional foi, pois, a de que a impugnação do acto de adjudicação faz suspender ope legis os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado (art. 103.º-A, n.º 1, do CPTA).

Diz-nos o n.º 2 daquele artigo 103.º-A que a entidade demandada e os contra-interessados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º.

Deduzido este incidente, após contraditório, o juiz profere decisão que indefere ou defere o pedido de levantamento do efeito suspensivo, após ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (n.ºs 3 e 4).

Ou seja, estamos perante situação que em tudo se assemelha a uma decisão cautelar, tanto mais que é o próprio texto que faz a remissão para o art. 120.º, n.º 2, do CPTA, preceito este aplicável à concessão de providências cautelares (não importando neste momento de cuidar como deve ser essa remissão entendida). Como refere impressivamente Vieira de Andrade, a decisão judicial tem um “alcance tutelar” (cfr. ob. cit., p. 247).

Por outro lado, o mecanismo previsto neste artigo 103.º-A vem substituir o recurso a processos cautelares, desde que esteja em causa a impugnação do acto de adjudicação. Com efeito, como explica Vieira de Andrade, “as providências relativas a procedimentos de formação de contratos, previstas no art. 132.º do CPTA, respeitam a contratos que não estejam sujeitos ao regime da acção administrativa urgente” (cfr. ob. cit. p. 247). Neste sentido também Mário Aroso de Almeida que esclarece que o art. 132.º, n.º 1, do CPTA se refere exclusivamente a processos cautelares relativos aos procedimentos de formação de contratos não incluídos no elenco previsto no n.º 1 do artigo 100.º dos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas da União Europeia em matéria de contratação pública” (cfr. Manual de Processo Administrativo, 2.º ed., 2016, p. 460).

Ou seja, o preceito em causa (art. 103.º-A), que tem ínsito um regime jurídico próprio consubstanciado na automaticidade da suspensão dos efeitos do acto de adjudicação impugnado e na previsão de um incidente motivado pelo requerimento para o seu levantamento, mais não faz, ao que aqui releva, do que substituir a anterior previsão do recurso a processos cautelares (desde que esteja em causa, repete-se, a impugnação do acto de adjudicação).

Por outro lado ainda, como refere Vieira de Andrade, a previsão deste meio urgente visa, para além da tutela do princípio da concorrência, também - “sobretudo”, afirma o Autor - garantir o início rápido da execução dos contratos administrativos e a respectiva estabilidade depois de celebrados (cfr. ob. cit. p. 240). E é nessa perspectiva que surge o incidente processual em causa que leva à apreciação do juiz todos os interesses em presença, tendo em vista a prolação de decisão que indefira ou defira o pedido de levantamento do efeito suspensivo efectuado, após ponderação dos interesses invocados. Isto tendo em vista, naturalmente, o início da execução do respectivo contrato.

Olhando para a referida Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, temos que esta veio prever um prazo suspensivo mínimo, durante o qual a celebração do contrato em questão fique suspensa, independentemente do facto de a celebração ocorrer ou não no momento da assinatura do contrato. No seu art. 2.º estabelece-se o seguinte:

1. Os Estados-Membros asseguram que as medidas tomadas relativamente aos recursos a que se refere o artigo 1.º prevejam poderes para:

a) Decretar, no mais curto prazo, mediante processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados novos danos aos interesses em causa, designadamente medidas destinadas a suspender ou a mandar suspender o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ou a execução de quaisquer decisões tomadas pela entidade adjudicante;

b) Anular ou mandar anular as decisões ilegais, incluindo suprimiras especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem do convite à apresentação de propostas, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o procedimento de adjudicação do contrato em causa;

c) Conceder indemnizações aos lesados por uma violação.

2. Os poderes referidos no n.º 1 e nos artigos 2.º-D e 2.º-E podem ser atribuídos a instâncias distintas responsáveis por aspectos diferentes do recurso.

3. Caso seja interposto recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso.

(…)”

Ora, deste n.º 3 da Directiva e acabado de transcrever, retira-se claramente que se pretende garantir a efectividade da tutela jurisdicional dos interessados, impondo-se, na sequência de atempada impugnação, um período suspensivo mínimo para que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato”. Mas, esse período durará até “a instância de recurso [órgão que decida em primeira instância] ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso. O que significa, transpondo agora a matriz normativa de referência traçada na Directiva para a nossa realidade, que o referido efeito suspensivo durará até à decisão do tribunal que se pronuncie sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático; isto é, o efeito suspensivo previsto no n.º 1 do art. 103.º-A do CPTA durará até e só até à decisão incidental a que se reporta o n.º 4 do mesmo artigo. Ou seja, dito de outro modo, a suspensão durará até à decisão de primeira instância que conheça do incidente, no caso concreto indeferindo-o, e não para além desta.

A solução propugnada encontra, aliás, e na sequência do que vimos de dizer a propósito da natureza cautelar desta decisão de levantamento do efeito suspensivo automático, lugar paralelo no art. 143.º, n.º 2, al. b), do CPTA, prevendo-se aí o efeito meramente devolutivo ao recurso jurisdicional que tenha por objecto decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes. A regra jurídica é hoje clara a este respeito.

Daí a pertinência da alegação do Recorrido município de Oeiras quando conclui que “pese embora a Recorrida reconheça que a situação dos autos não se configura objetivamente como uma providência cautelar, nem um dos seus incidentes, não pode deixar de constatar a semelhança em termos materiais das duas situações” (conclusão IX. das contra-alegações). Pelo que “sendo similares as situações em apreço, não se descortina o fundamento para a distinção entre os efeitos do recurso interposto das decisões que lhes põem termo, efeito meramente devolutivo numa das situações, efeito suspensivo na situação dos autos (idem, X.).

Assim sendo, temos para nós que por via da interpretação extensiva do citado art. 143.º, n.º 2, al. b), do CPTA se alcança a solução que é imposta pelo quadro jurídico de referência. A interpretação extensiva, por sua vez, também leva em consideração a mens legis, ampliando o sentido da norma para além do contido na sua letra, demonstrando-se que a extensão do sentido está (ainda) contida no espírito da lei. Como ensina Oliveira Ascensão, “se o sentido ultrapassa o que resulta estritamente da letra, deve-se fazer interpretação extensiva. // (…) o intérprete deve procurar uma formulação que traduza correctamente a regra contida na lei” (cfr. O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4.ª ed. revista, 1987, p. 349).

Pelo que, e sem prejuízo do que se deixou estabelecido supra relativamente a ser sujeito interessado na alteração do efeito suspensivo do recurso o recorrido, que foi a parte vencedora (o que deste modo se torna, em certa medida, redundante), também a alínea b) do número 2 do citado artigo 143.º do CPTA comporta na sua previsão legal a decisão proferida ao abrigo do art. 103º-A, n.º 4, do CPTA (de deferimento ou de indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no nº 1 daquele artigo).

Nesta ordem de razões terá que concluir-se pelo efeito devolutivo e revogar o despacho do tribunal a quo que admitiu o presente recurso (cfr. fls. 47), na parte em que foi por aquele fixado o efeito suspensivo, fixando-se, assim, o efeito suspensivo ao presente recurso interposto da decisão incidental que deferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido pelo ora Recorrido.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Apesar de não terem sido alinhados factos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, da leitura da decisão recorrida é possível, com relevância para a decisão do incidente, extrair o seguinte quadro factual (por nós numerado):

1. O Município de Oeiras lançou um Concurso Público com publicidade internacional para a “Aquisição da prestação se serviços de varredura mecânica para limpeza de arruamentos no conselho de Oeiras”;

2. No procedimento concursal apresentaram propostas, entre outras, a Autora (aqui recorrente) S...........-Serviços ………….., S.A;

3. A Camara Municipal de Oeiras deliberou adjudicar a aquisição de serviços concursada à concorrente F…….- Serviços ……….., S.A.;

4. A S...........-Serviços …………………, S.A. notificada da adjudicação intentou no TAF de Sintra, acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual contra o Município de Oeiras o e Meio Ambiente, S.A, indicando como contra-interessada F……….- Serviços …………….. S.A.;

5. Em reunião camarária realizada em 27.01.2016, a Edilidade deliberou, apoiada na proposta de deliberação nº 71/2016, elaborada pelo Serviço DHU/Divisão de Higiene Urbana, requerer, ao abrigo do art. 103º-A, do CPTA revisto, o levantamento do efeito suspensivo do acto de adjudicação sindicado.

6. Da mesma são assinalados: a grande relevância da prestação do serviço objecto do contrato a celebrar entre o Município e o adjudicatário do mencionado concurso público, a salvaguarda da saúde e segurança pública, a protecção do ambiente, bem como o bem-estar dos munícipes e segurança colectiva das populações.

7. Do documento “Relatório de Gestão” junto aos autos pela Demandada consta que: “a razão para a não concretização de todas as intervenções planeadas está fortemente condicionada pela elevada escassez de recursos humanos afectos às tarefas inerentes à limpeza urbana e pela necessidade de reajuste do planeamento considerando outras alternativas possíveis”;

8. Que: “não ser possível realizar a limpeza da totalidade das sarjetas/sumidoros”;

9. E que: “existem 103 trabalhadores alocados às tarefas de varredura manual”, sendo que a “idade média destes trabalhadores ronda os 50 anos de idade” e “cerca de 23 apresentam condicionalismos físicos”;

10. Existe um incumprimento dos níveis mínimos de higienização do espaço público, fixados anualmente pelo Município, com apresentação de inúmeras queixas/reclamações por parte dos munícipes;

11. A presente acção deu entrada no Tribunal e Fiscal de Sintra em 17.02.2016. ( cfr. fls. 48).



II.2. De direito

O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, no âmbito do processo de contencioso pré-contratual instaurado pela ora Recorrente contra o município de Oeiras, ora Recorrido, julgou procedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido por este último.

Começa o Recorrente por suscitar a nulidade da decisão recorrida, com fundamento, por um lado, em falta de fundamentação de facto e, por outro lado, por oposição dos fundamentos com o sentido da decisão.

Vejamos então.

Para sustentar a nulidade por falta de fundamentação, por ausência de especificação dos fundamentos de facto, o Recorrente conclui que: “B) No capítulo da ponderação dos interesses em presença, a douta Decisão recorrida limitou-se a repetir as alegações das partes não elencando de um modo claro e preciso quais os factos relevantes para a decisão do incidente, nem muito menos os que considera provados ou não provados, nem indica quais os concretos meios probatórios cuja análise crítica teria empreendido. // C) Pelo que, a Decisão a quo é nula por falta de fundamentação da decisão de facto, devendo ser tal nulidade declarada, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 b) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA (…).”

De acordo com o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

Também o CPTA, a propósito do conteúdo da sentença, prescreve que:

1 – (…).

2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando as questões de mérito que ao tribunal cumpra solucionar, ao que se segue a exposição dos fundamentos de facto e de direito, a decisão e a condenação dos responsáveis pelas custas processuais, com indicação da proporção da respetiva responsabilidade.

3 - Na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

4 – (…).”

Dos normativos citados, resulta que o legislador impôs ao juiz, não só que na sentença a proferir a selecção dos factos apurados fosse autonomizada dos factos não apurados, como a exteriorização dos motivos ou fundamentos pelos quais entende que, num determinado caso concreto, aqueles factos seleccionados devem ser acolhidos como provados ou como não provados; ou, se preferirmos, aqueles normativos conjugadamente interpretados exigem que o julgador “explicite a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto a qual terá de consistir numa exteriorização mínima do exame crítico a que foram submetidas as provas produzidas” (cfr., i.a., o ac. do TCAN, de 29-6-2013, proc. n.º 97/13.3BEVIS, por nós relatado).

Como vem sendo defendido recorrentemente na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo “a fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e, ainda, colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão. O conhecimento das convicções do julgador quanto à matéria de facto e dos critérios de avaliação da prova com que operou é essencial para o controlo da definição da verdade que o mesmo deu como existente (…)” (cfr. o Acórdão do STA de 12.02.2003, proc. n.º 1850/02).

Porém, por princípio, apenas é susceptível de constituir ou consubstanciar esta nulidade a omissão total da falta de exame crítico das provas, devendo equiparar-se a essa falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha a mínima relação com o julgado ou seja ininteligível. Seguro é, pois, que o que a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC sanciona com a nulidade é a falta absoluta de motivação e não a sua insuficiência. O que aqui se sanciona com nulidade é a ausência total de fundamentos de facto ou de exame crítico das provas. Por isso se prevê ali que o juiz deixe (de todo) de especificar os fundamentos, e não que não os especifique de forma suficiente. Nos termos do disposto no art. 615.º, nº. 1, al. b), do CPC (na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente (cfr., entre muitos outros, o ac. deste TCAS de 13.11.2014, proc. n.º 7294/14; também o recente ac. de 13.10.2016, proc. n.º 9658/16).

Como refere o Prof. Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 140): “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.

Ora, compulsada a decisão recorrida facilmente verificamos que a Mmo. Juiz a quo não autonomizou a factualidade provada (e não provada), nem a sua motivação, seguindo um estilo de redacção “corrido” em que apresenta as posições das partes, identificando-as, o regime jurídico que entende emanar do art. 103.º-A do CPTA, fazendo alusão à ponderação dos interesses envolvidos e aos contornos do caso concreto que refere nas páginas 4 a 6 e terminando com o dispositivo agora questionado. É inelutável que a sistemática adoptada não foi a melhor, sendo por isso criticável. Aliás, reconhecendo a deficiência apontada, a Mma. Juiz a quo não deixou de referir no despacho em que se pronunciou sobre as nulidades suscitadas que “embora não tenha sido fixado de modo discriminado a factualidade considerada provada, na verdade, ao longo da decisão é feita alusão aos factos (constantes dos autos) que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal e que, consequentemente, suportam a decisão.

Porém, certo é que, com algum esforço hermenêutico, é possível extrair da sentença recorrida o acervo factual na qual a decisão proferida se fundamentou. Com efeito, esse quadro factual de que o Tribunal a quo se serviu foi por nós destacado supra em II.1.. E assim sendo, ainda que imperfeitamente, foram identificadas pelo Tribunal a quo as razões de facto que sustentaram as conclusões alcançadas e a decisão tirada. De igual modo se verifica que a fundamentação da matéria de facto decorre da documentação junta aos autos e que o tribunal não deixou de identificar: a proposta de deliberação nº 71/2016, elaborada pelo Serviço DHU/Divisão de Higiene Urbana e o documento “Relatório de Gestão”. Sendo que acordo existe quanto ao facto levado por nós ao ponto 10. do probatório e também referenciado pelo Tribunal a quo.

Assim, na verdade, o Tribunal pronunciou-se sobre determinados factos – os alegados e que considerou provados –, não deixando de minimamente indicar o suporte documental pertinente (cfr. supra). Ou seja, a Mma. Juiz do Tribunal a quo, embora sem lhe dar autonomia sistemática, explicitou a decisão da matéria de facto,.

Questão diversa é a de saber se aquela factualidade foi correctamente julgada como pertinente, mas tal não é susceptível de integrar a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, antes se inscrevendo em erro de julgamento.

Razões pelas quais a sentença não padece da nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, improcedendo o recurso nesta parte.

Vejamos agora a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão (conclusões D) a G) do recurso).

A nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” (Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, p. 141). Dito por outras palavras, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas ele retire uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído.

Nas palavras de Prof. Antunes Varela, nos casos abrangidos pelo actual artigo 615.º, n.º 1, al. c), “há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” (Manual de Processo Civil, p. 690). E “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” (Prof. Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, página 670).

Vejamos se é isso que sucedeu, sendo que a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de ser grave, patente, implicando uma incongruência absoluta.

Defende a Recorrente que “algumas passagens da decisão a quo permitem perceber, pelo menos quanto às matérias aí abordadas, uma oposição dos fundamentos considerados pelo Tribunal e a decisão final a que chegou (conclusão E) do recurso) e que o tribunal deveria antes “ter indeferido o pedido dado que não é a suspensão dos efeitos da adjudicação por alguns meses que vai provocar ou sequer agravar os danos ao interesse público em presença, antes é o facto de o quadro ser deficitário há vários anos” (conclusão F) do recurso).

Pode já adiantar-se ser manifesto que esta nulidade não se verifica.

O que a Recorrente pretende neste ponto é sim sindicar a conclusão alcançada pelo tribunal a quo relativamente à circunstância de ter sido alegada a existência de um quadro de pessoal afecto à varredura mecânica deficitário há vários anos e que, portanto, contrariamente ao que foi entendido, não existe motivo ponderoso para levantar o efeito suspensivo automático. O raciocínio da Recorrente é este: se o quadro é deficitário há vários anos, não pode este argumento sustentar uma decisão de levantamento do efeito suspensivo, dado que não é a suspensão por alguns meses que vai provocar ou sequer agravar os danos ao interesse público em presença, antes é o facto de o quadro ser ele deficitário há vários anos.

Calcorreando a decisão em apreço, claramente se vê que toda a fundamentação aí acolhida apontava logica e naturalmente no sentido da procedência do pedido incidental, já que a sentença recorrida entendeu que foi a existência de um quadro de recursos humanos extremamente deficitário que levou ao incumprimento dos níveis mínimos de higienização do espaço público e à aposta em meios alternativos de prestação do serviço. Escreveu-se na decisão recorrida: “(…) os recursos humanos são extremamente deficitários, além de, em média, terem mais de 50 anos de idade, sendo que dos 103 trabalhadores afectos 27 possuem capacidade condicionada para realizar tais serviços. // Estas dificuldades traduzem-se no incumprimento dos níveis máximos de higienização do espeço público, fixados anualmente pelo Município, com apresentação de inúmeras queixas/reclamações por parte dos munícipes. // O que levou à aposta em meios alternativos «que não ponham em causa a qualidade do serviço prestado», como é o caso da aposta no incremento da varredura mecânica e na implementação de tecnologias de gestão interna (ambiente SIG) que o Município tentou resolver com o presente concurso.” Perante estas premissas, a Mmª Juíza a quo mais não fez do que evidenciar o interesse público especifico “consubstanciado na necessidade de assegurar, de imediato, a execução do serviço de limpeza urbana através do recurso a serviços de varredura mecânica nos exactos termos estabelecidos no Caderno de Encargos” que entendeu sobrepor-se aos interesses privados da ora Recorrente e, consequentemente, levantou o efeito suspensivo decorrente do art. 103.º-A, n.º 1, do CPTA.

Não existe nem a apontada contradição, nem ilogicidade alguma na sentença recorrida, que disse o que na realidade queria dizer, e o que disse expressou-o claramente em termos perfeitamente coerentes (embora, claro está, sujeitos a discordância). Na decisão recorrida explicou o tribunal de forma compreensível o seu raciocínio. Pelo que se terá de concluir que não ocorreu qualquer construção viciosa da sentença.

Em suma, não padecendo a sentença recorrida do vício apontado, de nulidade com fundamento na oposição entre os seus fundamentos e a decisão, tem o recurso, também nesta parte, que improceder.

Posto isto, é tempo de verificar se a decisão recorrida errou ao ter julgado procedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no art. 103.º-A do CPTA, por ter concluído que os danos resultantes do não levantamento do efeito suspensivo eram gravemente lesivos para o interesse público e superiores aos danos invocados pela ora Recorrente e resultantes daquela suspensão.

Na sentença recorrida, para fundamentar a procedência do pedido incidental, escreveu-se o seguinte:

“(…)

Notificada do pedido de levantamento do efeito suspensivo, veio a Autora, S........... — Serviços Urbanos e Meio Ambiente, pugnar pela manutenção do efeito suspensivo da decisão adjudicatória impugnada, alegando, em suma, que o legislador nacional assim como comunitário quiseram que só em casos excepcionais, como prescreve o n° 2 do art. 103°-A, do CPTA, que impõe como regra a suspensão automática por mero efeito da citação, com sacrifício do interesse público, possa o Tribunal levantar o efeito suspensivo legalmente imposto. A Entidade Demandada embora avance com diversa factualidade relativa à sua organização interna, não alega, nem muito menos prova quaisquer factos que efectivamente permitam ao julgador compreender quais os danos que o diferimento da execução do contrato poderia provocar.

Ainda que se considerasse que os prejuízos são atendíveis, o que apenas admite para efeitos de raciocínio, sempre haveria que ponderar os interesses da Autora, que não são apenas económicos, mas também o interesse (direito) à realização da facturação inerente à execução do contrato e à experiência acumulada que a sua execução dá ao contraente.

Vejamos.

De acordo com o disposto no n.° 1, do artigo 103.°-A, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a impugnação de actos de adjudicação e respectivos contratos praticados no âmbito de procedimentos de formação de contratos abrangidos pelo artigo 100.°, do Código, o que é o caso, faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.

O n.°2, deste artigo 103.°-A, estabelece que "[n]o caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contra-interessados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no nº 2, do artigo 120º”

O n° 4, do mesmo artigo 103.°-A, dispõe que "[o] efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento".

O n° 2, do artigo 120°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, estipula que "a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências".

Ora dos normativos supra transcritos resulta que a decisão sobre o pedido de levantamento suspensivo se firmará nos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem urna aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos.

Vejamos então da ponderação dos interesses.

Está em causa, nos presentes autos, o concurso público internacional designado "Aquisição da prestação de serviços de varredura mecânica para limpeza de arruamentos no concelho de Oeiras", sendo entidade adjudicante o Município de Oeiras, tendo como valor base do procedimento €3.698.113,32, ultrapassa os limiares comunitários das directivas europeias da contratação pública, a que se refere o artigo 2.° do DL n° 18/2008, de 29 de Janeiro.

E tais montantes tomam-se relevantes neste sede de apreciação do levantamento do efeito suspensivo, porquanto na "jurisprudência dos interesses", a que alude o artigo 103-A.° do CPTA, para além da apreciação dos interesses susceptíveis de serem lesados, inerentes a cada uma das partes em litígio, que se colocam com os "respectivos pesos nos opostos pratos da balança", entrarão também, como interesses a ponderar, os interesses jurídicos-económicos da contratação pública europeia, maxime a protecção do mercado comum europeu, que será o "factor de calibragem da balança" pois que o contencioso pré-contratual pretende, em primeira linha, na esteira do Direito da União Europeia em matéria de contratação pública, a defesa do interesse público vertido no maior princípio da concorrência.

Só assim se compagina o regime de efeito suspensivo automático, sem qualquer intervenção jurisdicional previsto no n.°1 do artigo 103-A, do CPTA, em cumprimento da Directiva "recursos", o que de resto vem também pôr cobro à apresentação da resolução fundamentada apresentada em sede de providências cautelares, que corram em paralelo à acção de contencioso pré-contratual.

Agora, como alteração do paradigma operada com a nova versão do CPTA, a tal efeito suspensivo apenas pode obstar o pedido de levantamento de tal efeito, a requerer pela entidade adjudicante e demais partes interessadas, tendo apenas como critério decisório a ponderação concreta de interesses, ou seja, quando se afigure como provável a existência de danos superiores com o levantamento do efeito suspensivo, do que os gerados pelo não levantamento, o que desde logo implica, que existindo equivalência na ponderação dos interesses em causa, deve o efeito suspensivo manter-se, considerando o pendor proteccionista da defesa do bloco de legalidade europeia.

Regressando aos autos:

No caso concreto, num dos "pratos da balança" temos a entidade demandada que requer o levantamento do efeito suspensivo, tendo junto uma Deliberação municipal de molde a demonstrar que a suspensão acarretará consequências nefastas não só ao nível da prestação de serviço público de limpeza, como também ao nível das expectativas dos Munícipes em matéria de higienização dos serviços públicos. Alega ainda que a suspensão irá atrasar todo o procedimento e trâmite relativos à celebração de contrato e a respectiva execução.

Que o Município se depara, actualmente, com sérias dificuldades em garantir o cumprimento dos níveis mínimos de higienização dos espaços públicos, ou seja as metas a atingir na realização do serviço de limpeza e higiene urbana e que são fixados anualmente pela Divisão da Higiene Urbana da CMO no Plano de Desenvolvimento Estratégico. Tendo junto Relatório de Gestão, onde se refere designadamente, "a razão para a não concretização de todas as intervenções planeadas está fortemente condicionada pela elevada escassez de recursos humanos afectos às tarefas inerentes à limpeza urbana e pela necessidade de reajuste do planeamento considerando outras alternativas possíveis", acrescentando ainda o facto de não ser possível "realizar a limpeza da totalidade das sarjetas e sumidouros", bem como proceder à erradicação de vegetação, através do corte, em todo o espaço público do Município de Oeiras.

Destaca ainda que os recursos humanos afectos às tarefas de varredura são extremamente deficitários, além de, em média, terem mais de 50 anos de idade, sendo que dos 103 trabalhadores afectos 27 possuem capacidade condicionada para realizar tais serviços.

Estas dificuldades traduzem-se no incumprimento dos níveis mínimos de higienização do espaço público, fixados anualmente pelo Município, com apresentação de inúmeras queixas / reclamações por parte dos munícipes.

O que levou à aposta em meios alternativos "que não ponham em causa a qualidade do serviço prestado", como é o caso da aposta no incremento da varredura mecânica e na implementação de tecnologias de gestão interna (ambiente SIG), que o Município tentou resolver com o presente concurso.

Deve assim ser ponderado o interesse público específico, qualificado e concreto, consubstanciado na necessidade de assegurar, de imediato, a execução do serviço de limpeza urbana através do recurso a serviços de varredura mecânica nos exactos termos estabelecidos no Caderno de Encargos.

Por sua vez, no outro lado da "balança", temos os interesses da Autora, que no caso concreto, não obstante o esforço despendido em desabono dos concretos interesses alegados pela entidade demandada, no tocante aos seus próprios interesses no não levantamento do efeito suspensivo em análise, concretamente o interesse (direito) à realização da facturação inerente à execução do contrato e à experiência acumulada que a sua execução dá ao contraente.

Ora, diz-nos o n°4, do citado artigo 103.°-A, que "[o] efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento ".

No caso em apreço a Entidade Demandada concretizou os danos susceptíveis de serem causados, com a manutenção do efeito suspensivo do acto de adjudicação, designadamente ao nível de medidas e números relativos à limpeza de ruas, erradicação de vegetação, etc, juntando Relatórios, quadros, e informações justificativas e demonstrativas do interesse público na celebração e execução do contrato com o adjudicatário, ao nível do ambiente, saúde pública e segurança pública.

Sendo por outro lado a alegação da Autor genérica e sem um interesse particular que não seja o de qualquer concorrente com expectativas de vir a ser o escolhido e das vantagens /benefícios que poderá retirar da futura adjudicação (…).

Ora, considerando que a autora não avança com qualquer interesse em concreto, não sendo alegados, nem consequentemente demonstrados, outros factos que evidenciem a relevância dos prejuízos decorrentes do levantamento do efeito suspensivo e consequente execução do contrato na respectiva esfera jurídica, o interesse público prosseguido pela entidade demandada, decorrente do lançamento do procedimento pré-contratual de contracção de serviços de varredura mecânica para limpeza de arruamentos no concelho de Oeiras, deve prevalecer.

Assim, no que respeita à ponderação dos interesses contrapostos em presença, nos termos alegados por cada uma das partes em juízo, deve ser considerado o interesse invocado pela entidade demandada, que no caso é um interesse de carácter público, reputando-se maiores os danos resultantes do não levantamento do efeito suspensivo, em relação aos que se produzirão na esfera jurídica da Autora.

Pelo exposto (…), impõe-se o levantamento do efeito suspensivo decorrente do n° 1, do artigo 103.°-A [sublinhado nosso].”

Estatui o referido art. 103.º-A do CPTA, sob a epígrafe “efeito suspensivo automático”, o seguinte:

1 - A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.

2 - No caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º

3 - No caso previsto no número anterior, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz decide no prazo máximo de 10 dias, contado da data da última pronúncia apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação.

4 - O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.

Deste normativo legal resultará, como se disse no acórdão deste TCAS de 14.07.2016, proc. n.º 13444/16, que o levantamento do efeito suspensivo automático depende então da verificação dos seguintes requisitos:

a) Alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;

b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.

Quanto ao requisito enunciado na alínea a), cumpre esclarecer que, face ao estatuído no art. 103º-A n.º 2, acima transcrito, conjugado com o art. 342.º n.º 1, do C. Civil, recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (cfr. o acórdão deste TCA citado)

Conforme explica Rodrigo Esteves de Oliveira (cfr. A tutela “cautelar” ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos, in CJA, n.º 115, p. 24): “Além disso, há, com o novo regime legal, outras circunstâncias agravantes da posição da entidade demandada e do contrainteressado. É que não apenas o demandante oferece a sua pronúncia depois da ou das pronúncias daquelas, o que processualmente é uma vantagem, como a questão da prova, num incidente deste género, jogará muitas vezes um papel decisivo, e havendo a instituição legal de um efeito suspensivo isso significará que o ónus probatório impende sobre a entidade demandada e contra-interessado e, logo, que as dúvidas que o tribunal possa ter nessa matéria farão provavelmente pender o prato da balança a favor da manutenção do efeito suspensivo”.

O mesmo Autor não deixa de referir, ainda que a propósito das possibilidades de imediata execução do contrato, que: “(…) sendo, por outro lado, duvidoso que a entidade demandada possa adoptar a mesma via [invocação de estado de necessidade] se houver um «mero» prejuízo grave para o interesse público, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desses e não o afastou do alcance do efeito suspensivo (…)” (idem, p. 21-22).

Neste capítulo explica Mário Aroso Almeida, na compatibilização entre os n.ºs 2 a 4 do art. 103.º-A do CPTA, que esse incidente pode ser intentado pela entidade demandada ou pelos contra-interessados “com o argumento de que o diferimento da celebração e/ou execução do contrato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”, decidindo a final o juiz “por aplicação do critério da ponderação de interesses do n.º 2 do artigo 120.º” (cfr. Manual de Processo Administrativo, 2.ª ed., 2016, p. 390).

Sobre o critério da decisão judicial em sede deste incidente de levantamento do efeito suspensivo a doutrina não tem deixado de apontar algumas dúvidas, designadamente sobre as referências que constam do n.º 2. Neste ponto refere Rodrigo Esteves de Oliveira (cfr. ob. cit., pp. 24-25):

A questão que se coloca é saber se, no juízo de ponderação de interesses, o tribunal apenas pode ou deve atender a danos dessa valia ou gravidade do lado da entidade demandada ou dos contrainteressados, confrontando-os com os danos invocados pelo demandante, ou se, pelo contrário, do lado da entidade demandada e contrainteressados, são invocáveis quaisquer danos, mesmo os que não se subsumam nesses conceitos legais. Como bem observa Vieira de Andrade, os conceitos utilizados pelo legislador «operam, em regra, como limites absolutos», sendo duvidoso que isso seja «compatível com o "princípio da prevalência do interesse preponderante no caso concreto"). // Com efeito, numa pura lógica de ponderação de interesses, como a que está inscrita no art. 103.º-A, n.º 4, os demandados não teriam de provar a verificação dos "requisitos" do n.º 2, mas apenas que os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo (sejam eles quais forem) são superiores, em valor e peso, aos que resultam do seu levantamento. O diferimento da execução do acto poderia, portanto, não ser gravemente prejudicial para o interesse público, mas apenas prejudicial, e poderia também não ser gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, mas apenas de consequências lesivas desproporcionadas, e ainda assim se justificar o levantamento, desde que, repete-se, fossem superiores aos danos invocados pelo demandante. Seria um sistema equilibrado.

No entanto, a ideia do legislador pode também ter sido a de replicar aqui uma solução próxima daquela que existe no art. 128.º do CPTA – em que também só se admite o levantamento administrativo da proibição provisória de executar o acto administrativo, mediante resolução fundamentada, quando o "diferimento da execução [seja] gravemente prejudicial para o interesse público" -, fazendo, portanto, com que apenas fossem considerados "candidatos positivos" à ponderação do n.º 4 do art. 103.º-A os danos que se subsumissem no seu n.º 2.

Admitimos que seja esta a única solução que compatibiliza a letra do n.º 2 com a letra do n.º 4, mas temos dúvidas se ela corresponde verdadeiramente à intenção do legislador.

Em segundo lugar, salvo se se tratar de um pequeno lapso, não se percebe muito bem a remissão que se faz no n.º 2 do art. 103.º-A para o n.º 2 do art. 120.º (critério da ponderação de interesses), quando do próprio art. 103.º-A consta o critério relevante para o efeito, a saber, no n.º 4, quando aí se estabelece (no contexto também de uma ponderação de interesses) que "o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento"”.

Temos para nós que a norma contida no n.º 2 deste art. 103.º-A aponta para a uma intenção legislativa clara: o levantamento do efeito suspensivo vai depender da demonstração – alegação e prova – de que o “diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvido”. Tem pois, enquanto primeira premissa de interpretação e aplicação do preceito, que se estar perante uma situação de “grave prejuízo” (para o interesse público) ou de consequências lesivas “claramente desproporcionadas” (relativamente a outros interesses envolvidos).

E a leitura do n.º 4 não poderá então fazer-se sem levar em linha de conta aquela qualificação dos danos elegíveis e que são identificados naquele n.º 2, sendo estes – os previstos no n.º 2 – que se vão sujeitar ao juízo de ponderação que aí se consagra: “ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento. Na verdade, cremos que é esse o espírito, que é de excepcionalidade, que se retira da Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, onde nos seus considerandos 22 e 24 se explanou que: “No entanto, para assegurar a proporcionalidade das sanções aplicadas, os Estados-Membros podem permitir que a instância responsável pela decisão do recurso não ponha em causa o contrato ou lhe reconheça determinados efeitos, ou todos eles, caso as circunstâncias excepcionais do caso em apreço exijam o respeito de certas razões imperiosas de interesse geral. Nesses casos deverão, em vez disso, ser aplicadas sanções alternativas. A instância de recurso independente da entidade adjudicante deverá analisar todos os aspectos relevantes a fim de estabelecer se existem razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos efeitos do contrato”.// O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excepcionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. No entanto, não deverá constituir razão imperiosa o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa. [sublinhados nossos]”

É, pois, esse o regime que entendemos resultar da leitura dos n.ºs 2 e 4 do novel art. 103.º-A do CPTA e que portanto determina que o juízo de ponderação a efectuar e que envolve os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (um “juízo de ponderação de danos”, nas palavras de Rodrigo Esteves de Oliveira – cfr. ob. cit. p. 23), incida sobre os danos susceptíveis de se subsumir naquele n.º 2, isto é, em caso de o diferimento da execução se revelar “gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”. Não basta, portanto, a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas. Isto sob pena de se afastar da previsão da lei elementos normativos, que exigem uma especial modalidade aplicativa (de particular gravidade ou de clara desproporcionalidade), que o legislador expressamente consagrou.

Isto estabelecido, façamos a ponte para o caso concreto.

Como já se transcreveu, disse-se na decisão recorrida que: “No caso concreto, num dos "pratos da balança" temos a entidade demandada que requer o levantamento do efeito suspensivo, tendo junto uma Deliberação municipal de molde a demonstrar que a suspensão acarretará consequências nefastas não só ao nível da prestação de serviço público de limpeza, como também ao nível das expectativas dos Munícipes em matéria de higienização dos serviços públicos. Alega ainda que a suspensão irá atrasar todo o procedimento e trâmite relativos à celebração de contrato e a respectiva execução. E que: “Estas dificuldades [em garantir o cumprimento dos níveis mínimos de higienização dos espaços públicos] traduzem-se no incumprimento dos níveis mínimos de higienização do espaço público, fixados anualmente pelo Município, com apresentação de inúmeras queixas / reclamações por parte dos munícipes.

Ora, as consequências para o interesse público aqui invocado não são imperiosas; não são gravemente prejudiciais. São consequências normais da inexecução imediata do contrato, que não são susceptíveis de comprometer de modo grave, de modo excepcionalmente relevante, o interesse público. Sendo que as alegadas consequências ao nível da tramitação do procedimento tendente à celebração de contrato e a respectiva execução, por si, não são sequer atendíveis, pois que são consequências naturais da suspensão e que o legislador – nacional e da União - obviamente equacionou quando traçou o regime da suspensão ope legis (e consciente dessas consequências, não deixou de cominar com a suspensão automática a impugnação do acto de adjudicação; mais expressamente se referindo à suspensão do contrato). Como alegado oportunamente pela ora Recorrenteo legislador, que sabe e não pode desconhecer que a suspensão de um ato de adjudicação leva sempre implícito um prejuízo para o interesse público subjacente à aquisição que se pretenda realizar – e que é o prejuízo inerente ao facto de não se poder satisfazer o interesse público em causa enquanto se mantiver a suspensão -, não deixou de um modo muito claro sacrificar ope legis o dito interesse público.

Neste capítulo ganha pertinência o concluído pela Recorrente: “J) Até porque não se pode admitir que um Município que há largos anos a esta parte presta um serviço de fraca qualidade, com o devido respeito, em matéria de limpeza das vias, muitas vezes com recurso a expedientes de outsourcing envolvendo trabalhadores desempregados, venha agora defender em juízo que um dado concurso público que finalmente decidiu organizar para dotar esta divisão do Município de meios adequados é absolutamente urgente e não pode ficar suspenso por mais alguns meses, quando há vários anos não conta com tais recursos. // K) Não é coerente, nem atendível, nem se pode dar por provado, como implícita e aparentemente se deu na Decisão a quo, que tudo isso seja necessário, premente, inadiável e gravemente prejudicial para o interesse público apenas porque não se cumpriram certos objectivos fixados num relatório interno do próprio município…

Com efeito, a suspensão do procedimento, que impede a imediata execução do serviço de limpeza urbana através do recurso a serviços de varredura mecânica nos termos definidos do Caderno de Encargos do procedimento concursal em causa, se pode constituir um prejuízo para o interesse público, consubstancia um mero prejuízo – o efeito normal – decorrente do retardamento do início da varredura mecânica como pretendido pelos serviços da autarquia. Mas daí advém um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos? Não. Certamente a limpeza do espaço urbano continuará no ínterim a efectuar-se, ainda que se reconheça que o continue a ser de modo deficitário, não tendo sido alegada nenhuma razão ponderosa à face da lei que imponha, já, a suspensão do efeito automático consagrado no art. 103.º-A, n.º 1, do CPTA. Os serviços objecto do contrato em questão – de varredura mecânica - são serviços complementares dos serviços de varredura manual, os quais continuam a ser garantidos pelos serviços municipais da câmara de Oeiras. Em síntese, do que vem alegado e considerando o material probatório carreado para os autos não resulta uma lesão assinalável para o interesse público causado pela imediata suspensão do acto impugnado.

Nestes termos, recaindo sobre o ora Recorrido Município de Oeiras o ónus de provar a existência de um grave prejuízo para o interesse público, a falta de prova desse requisito resolve-se contra si, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do C. Civil, o que implica o indeferimento do incidente deduzido ao abrigo do art. 103.º-A do CPTA, pois a falta de prova desse requisito inviabiliza a possibilidade de realização da ponderação de interesses, prevista nos n.ºs 2 e 4, desse art. 103.º-A, pois que sendo esses requisitos de verificação cumulativa, a falta de preenchimento de qualquer deles resolve-se de acordo com as regras gerais do ónus da prova.

Em suma, não nos deparamos com uma situação de prejuízos graves, sérios e impeditivos de modo excepcional da prossecução do interesse público em presença, mas apenas de inconvenientes ou meros prejuízos decorrentes da suspensão imediata e automática dos efeitos derivados da impugnação judicial efectuada e que a esta são (naturalmente) inerentes.

Assim sendo, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a decisão recorrida, a qual padece de erro de julgamento de direito. Em substituição, pelo que vimos de dizer, terá que indeferir-se o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no n.º 1 do art. 103.º-A do CPTA.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A alínea b) do número 2 do artigo 143.º do CPTA, interpretada extensivamente, comporta na sua previsão legal a decisão incidental proferida ao abrigo do artigo 103º-A, n.º 4, do CPTA (de deferimento ou de indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no nº 1 daquele artigo), pelo que ao recurso que da mesma for interposto cabe efeito devolutivo.

ii) Do art. 103.º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a. Alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;

b. Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.

iii) Para efeitos de verificação do primeiro daqueles requisitos não basta a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, necessariamente ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desse tido (não qualificado) e não o afastou do alcance do efeito suspensivo.

iv) Face ao estatuído no art. 103.º-A, n.º 2, do CPTA, conjugado com o disposto no art. 342.º n.º 1, do C. Civil, recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.

v) A suspensão do acto de adjudicação impugnado e a consequente suspensão do procedimento tendente à celebração do contrato, que impede a imediata execução do serviço de limpeza urbana através do recurso a serviços de varredura mecânica nos termos definidos no Caderno de Encargos, embora constitua um prejuízo para o interesse público, consubstancia tão-somente um mero prejuízo – o efeito normal – decorrente do retardamento do início da varredura mecânica pretendida – serviços complementares dos serviços de varredura manual, os quais continuam a ser garantidos pelos serviços municipais –, e não um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, “gravemente prejudicial para o interesse público” e que, como tal, deva ser imperiosa e urgentissimamente acautelado por via do incidente previsto no art. 103.º, n.º 2, do CPTA.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Fixar efeito devolutivo ao presente recurso, revogando o despacho do tribunal a quo que atribuiu ao mesmo o efeito suspensivo;

- Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida; e, em substituição,

- Indeferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no n.º 1 do art. 103.º-A do CPTA, requerido pelo ora Recorrido.

Custas pelo Recorrido, Município de Oeiras, em ambas as instâncias.

Lisboa, 24 de Novembro de 2016




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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos