Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07698/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:- IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
- REVISÃO OFICIOSA
- JUROS INDEMNIZATÓRIOS
- JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:i) Nos termos do art. 43.º, n.º 3, al. c) da LGT os juros indemnizatórios são devidos a partir de um ano após o pedido de revisão efectuado pelo contribuinte.
ii) Pedida a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, os juros indemnizatórios só são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte e não desde a data do pagamento da quantia (indevidamente) liquidada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório


A Fazenda Pública (Recorrente), veio recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que no processo de impugnação judicial deduzido por ......(Recorrido) a condenou no pagamento de juros indemnizatórios face ao pagamento indevido do imposto, considerando como termo inicial um ano após a formulação do pedido de revisão do acto tributário e como termo final o cumprimento do decidido. No final da sua alegação, formulou as seguintes conclusões:

I- A Representação da Fazenda Publica entende, que a Douta Sentença procedeu a uma errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis ao caso concreto, subsistindo assim, um erro de julgamento.

II- Isto porque, o direito a juros indemnizatórios traduz-se num dever de indemnização, ligado ao pagamento indevido de tributos e à consequente privação, por mais ou menos tempo, de disponibilidade de capital.

III- O dever de indemnização, aqui em causa, não resulta imediata e automaticamente da anulação por ilegalidade do acto, isto porque,

IV- O legislador não acautelou uma responsabilidade objectiva, mas antes uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços, tal como está prevista na al. c) do n.º 3 art. 43.º, em que dispõe que “São devidos juros indemnizatórios… quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um no após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”

V- Assim é indiscutível que o direito a juros indemnizatórios só nasce quando essa revisão tenha lugar mais de um ano depois da iniciativa do contribuinte.

VI- Isto porque a A.T. dispõe de certo prazo para a apreciar tal pedido, neste sentido vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, 4ª edição, 2003, notas 2 e 10, quando afirma que: “no art. 61° se prevê que sejam pagos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efectue mais de um ano depois após o pedido, se o atraso for imputável Administração Tributária sendo o termo inicial de contagem de tais juros indemnizatórios, no caso de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (fora das situações de reclamação graciosa enquadráveis no n.º 1 do mesmo art. 43º da LGT), devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, podendo até ser contados a partir de momento posterior se o atraso não for imputável a Administração Tributária.”

VII- Ora, antes de decorrido esse lapso temporal, não se chega a formar o direito a juros, pelo que o contribuinte apenas tem direito a ser reembolsado da quantia indevidamente paga.

VIII- In casu, o pedido de revisão formulado pelo Impugnante, foi decidido após 5 meses e oito dias, isto porque foi apresentado em 2012/05/14 e deferido em 2012/10/22.

IX- Assim, dúvidas não restam, que a revisão do acto tributário teve lugar dentro do ano seguinte ao pedido formulado pelo interessado, não havendo assim direito a juros indemnizatórios, contrariamente ao pressuposto utilizado no segmento decisório.

X- Pelo exposto, somos da opinião que o douto Tribunal a quo, estribou a sua fundamentação na errónea apreciação dos factos relevantes para apreciação, a manter-se na ordem jurídica, Douta Sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e errada subsunção dos factos ao direito

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente quanto aos juros indemnizatórios.”



O Recorrido não apresentou contra-alegações


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual se pronunciou no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade da questão a decidir, vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:


As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se Tribunal a quo errou ao concluir, perante os elementos de facto existentes, pela condenação da Fazenda ao pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto nos artigos 43.º, n.º 3, al. c) e 100.º da LGT, estabelecendo como termo inicial um ano após a formulação do pedido de revisão.


II. Fundamentação

II.1. De facto

Ainda que não venham destacados factos provados e não provados na decisão recorrida, da mesma se extrai a seguinte factualidade provada, a qual, estruturada por este Tribunal, se subordinará às alíneas infra:

a) O acto de liquidação em causa foi objecto de anulação em resultado de revisão oficiosa, como constante do doc. de fls. 41-47.
b) Nos termos do despacho de 22.10.2012 aposto sobre a informação constante de fls. 42-47, a revisão do acto tributário resultou da consideração da não aplicação do disposto no n.º 2 do art. 44.º do CIRS no apuramento de mais-valias do imóvel que determinou o valor de realização dos ganhos sujeitos a IRS, com fundamento na falta de eficácia daquele procedimento de avaliação.

Ao abrigo do disposto no art. 662.º do CPC, uma vez que do processo constam os elementos para o efeito, mostrando-se pertinente para a apreciação do recurso, acorda-se em aditar à factualidade fixada o seguinte:

c) Em 27.09.2010 o Impugnante, ora Recorrido, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS n.º 20105004951449, que foi instaurada com o processo n.º 3611201004002199, tendo esta sido indeferida (cfr. fls. 44).
d) Em 20.10.2011 o ora Recorrido interpôs recurso hierárquico dessa decisão, tendo este sido liminarmente indeferido, por despacho de 5.12.2011 da Directora de Serviços do IRS, com fundamento em extemporaneidade (idem).
e) Em 7.11.2011, na sequência da informação n.º 3536/11 da Divisão de Administração II, da DSIRS, prestada no processo de revisão oficiosa foi determinada a inaplicabilidade do art. 44.º, n.º 2, do CIRS, para efeito do apuramento da mais-valia resultante da alienação em questão e autorizada a revisão da matéria tributável apurada (cfr. doc. de fls. 24 e s.).
f) Em 14.05.2012 o ora Recorrido apresentou também pedido de revisão da liquidação n.º 20105004961449, respeitante a IRS de 2006, requerendo que fosse aceite a extensão dos efeitos da decisão de deferimento do pedido formulado por outro co-vendedor, aos seus 50% nos imóveis (cfr. doc.s 42 e s.)
g) Por despacho de 22.10.2012 o pedido descrito em f) foi deferido, o que foi comunicado ao ora Recorrido por ofício de 31.10.2012 (cfr. fls. 41 e 42).



II.2. De direito


A Recorrente discorda da sentença proferida pela Mmo. Juiz do TAF de Sintra, na parte em que aí se condenou a Fazenda Publica ao “pagamento de juros indemnizatórios face ao pagamento indevido do imposto e cujo termo inicial se considera a partir do ano após a formulação do pedido do revisão do acto tributário e como termo final o cumprimento do decidido”. Conclui que o Tribunal a quo errou na condenação em juros indemnizatórios efectuada, uma vez que o pedido de revisão foi formulado pelo Impugnante, ora Recorrido, em 14.05.2012, tendo merecido despacho de deferimento em 22.11.2012.

Vejamos então, adiantando-se já que assiste razão à Recorrente.

Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo retardamento na devolução do tributo (art. 43.º da LGT). Prevendo-se nesse artigo 43.º da LGT que são devidos juros indemnizatórios nas seguintes situações:

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

Por outro lado, a par do direito a juros indemnizatórios, também são devidos juros moratórios, pois que ambos se destinam a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente liquidada. Sucedendo que eles não são cumulativos, no caso de a anulação não ser motivada por erro imputável aos serviços, os primeiros são devidos até ao termo do prazo da execução espontânea do julgado (art. 43.º da LGT) e os segundos a partir daí e até efectivo e integral pagamento (art. 102.º, n.º 2, do mesmo diploma). No caso da procedência de processos impugnatórios com fundamento em erro imputável aos serviços, tal como esclarece Jorge Lopes de Sousa: “a interpretação que permite compatibilizar o regime do art. 100.º da LGT, complementado com o do art. 61.º do CPPT, e o do art. 102.º da mesma Lei, é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, na sequência da procedência de processos impugnatórios com fundamento em erro imputável aos serviços, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no art. 102.º, pois toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios” (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6.ª ed, 2011, p. 550).

Ora, para além de se notar na decisão recorrida a existência de uma certa confusão/indistinção conceptual entre os apontados juros (e sua natureza), ao fazer coincidir, sem mais, o termo final da contagem dos juros indemnizatórios com “o cumprimento do decidido” e não com o termo do prazo para a execução espontânea do julgado (30.º dia posterior à decisão), certo é que, no caso concreto, não se chegou a formar o direito ao percebimento de juros indemnizatórios.

Com efeito, como ensina Jorge Lopes de Sousa (in, ob. cit. p. 551):

Não se referem na LGT, de uma forma genérica, os termos iniciais e finais da contagem dos juros indemnizatórios nas várias situações em que eles são devidos.

Nalguns casos, porém, existe uma indicação do termo inicial, como é o caso da alínea b) do n.9 3 do art. 43.° da LGT, em que se prevê que os juros indemnizatórios são devidos a partir do 30.° dia posterior à decisão da administração tributária de anular o acto tributário, por sua iniciativa, no âmbito de revisão oficiosa efectuada ao abrigo do art. 78.° da LGT, e da alínea c) do mesmo número, de que se depreende que, no caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (fora das situações de reclamação graciosa enquadráveis no n.º 1 do mesmo artigo), os juros indemnizatórios só são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão e, mesmo nesta hipótese, poderão ser contados a partir de momento posterior se o atraso não for imputável à Administração Tributária [sublinhado nosso].

O mesmo se afirmou no acórdão do STA de 12.12.2006, proc. 918/06: “O mesmo acontece se o contribuinte pedir a revisão oficiosa e ela for deferida antes de passado um ano. Neste caso, a Administração não paga juros indemnizatórios nenhuns. Só está obrigada a isso se, por motivo seu, demorar o procedimento de revisão mais do que um ano.

Isto posto, tendo presente que de acordo com o probatório por nós fixado o pedido de revisão formulado pelo ora Recorrido foi apresentado em 14.05.2012 e deferido por despacho de 22.10.2012, dúvidas não restam que a revisão do acto teve lugar dentro do ano seguinte ao pedido formulado pelo interessado, tal como evidencia a Recorrente na sua alegação. Pelo que, em consequência, não tem a Administração Tributária que pagar quaisquer juros indemnizatórios com fundamento no art. 43.º, n.º 3, al. c), da LGT..

Assim, sem mais considerandos por desnecessários, conclui-se que a condenação da ora Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios tal como foi feita pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo não se pode manter.

Razões pelas quais, tem o recurso que proceder.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Nos termos do art. 43.º, n.º 3, al. c) da LGT os juros indemnizatórios são devidos a partir de um ano após o pedido de revisão efectuado pelo contribuinte.
ii) Pedida a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, os juros indemnizatórios só são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte e não desde a data do pagamento da quantia (indevidamente) liquidada.



IV. Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte que condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, não sendo o seu pagamento devido.

Custas pelo Recorrido, não sendo devido o pagamento da taxa de justiça nesta instância, uma vez que não contra-alegou, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 26 de Junho de 2014



Pedro Marchão Marques

Benjamim Barbosa

Anabela Russo