Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1549/17.1BELSB
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROCEDIMENTOS DE MASSA
PRESSUPOSTOS
Sumário:i) O contencioso dos actos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos domínios de concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas e procedimentos de recrutamento.
ii) Nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPTA, o prazo de propositura das acções é de um mês.
iii) O prazo de um mês estabelecido nesse artigo é um prazo de caducidade, portanto de natureza substantiva, aplicando-se à sua contagem as regras do art. 279.° do Cód. Civil.
iv) O princípio pro actione, consagrado no art. 7.° do CPTA, só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Sindicato dos trabalhadores dos impostos (Recorrente), em representação e defesa dos interesses individuais do seu associado Hilário ....., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que, na acção cautelar por si proposta contra o Ministério das finanças e da Administração Pública [e, em que figuram como contra-interessados os candidatos aptos que constam da lista de candidatos admitidos ao concurso para preenchimento de 20 postos de trabalho da categoria de segundo verificador superior, da carreira de técnico superior aduaneiro do mapa de pessoal da Autoridade Tributária e Aduaneira, cuja abertura foi publicitada por Aviso publicado no D.R., II Série, n.º141, de 25 de Julho de 2016], julgou verificada a excepção dilatória inominada de falta de pressupostos para a acção principal devido a erro na forma de processo insanável e, em consequência, absolveu a Entidade Requerida da instância.

Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

1. A interposição e adopção da presente providência cautelar teve por objectivo permitir e assegurar permitir-se que o associado do A. realizasse a prova de conhecimentos, até que fosse proferida decisão final no âmbito do processo principal.

2. O seu deferimento inicial permitiu-lhe a sua realização, tendo este logrado obter nota de aprovação de 10,560 valores.

3. Estamos perante a abertura de um concurso interno de admissão ao período experimental para 20 postos de trabalho na categoria de segundo-verificador superior, da carreira de técnico superior aduaneiro, do mapa da AT, desconhecendo o associado do Recorrente no início do procedimento, e dentro do prazo de 1 mês, o número de participantes no mesmo.

4. O associado do A. foi dele excluído com a fundamentação de não possuir habilitação académica indicada para concurso em causa não tendo o Júri do Concurso considerado a versão alterada e entretanto em vigor, imposta pelo art.º71° do DL 324/93, de 25 de Setembro, da alínea a) do art.º 67°, da qual resulta apenas a exigência de nível de habilitação académica (licenciatura), sem indicação de qualquer área específica!

5. Este entendimento e procedimento adaptado pelo Júri do Concurso padece de clara ilegalidade, com violação das normas legais aplicáveis e em vigor (a parte aplicável do DL 252-A/82, de 28 de junho, art.º67° n.º2 alínea a) que exige apenas a licenciatura), o que acarreta para a norma constante do seu Aviso de abertura Vício de Violação de Lei, por violação das normas legais identificadas, ainda que se tenha impugnado na acção principal o acto administrativo que resultou da aplicação da referida norma.

6. Ora, como é consabido, o procedimento de massa restringe-se a um contencioso de actos administrativos, não abrangendo normas constantes de avisos de aberturas de concurso que excluam automaticamente determinado universo de potenciais candidatos, como é o caso vertente.

7. Decorridos mais de dois anos após a entrada em vigor do diploma em causa, a Portaria prevista no nº3 do art.º99° que define o modelo a que este tipo de processos deva obedecer ainda não foi publicada, encontrando-se os agentes processuais intervenientes numa indefinição sobre a forma a adaptar na apresentação dos articulados. E, ainda que se possa invocar a aplicabilidade das normas gerais constantes do CPTA (vg. Art.º 78° e ss do CPTA), a verdade é que sem esta Portaria o regime do contencioso dos procedimentos de massa não deve ser aplicável. A sua inobservância gera, naturalmente, a nulidade de um acto processual!

8. Na actual fase processual em que nos encontramos, de total indefinição, e incerteza, importa, acima de tudo, consagrar e respeitar os mais básicos e elementares direitos e interesses dos administrados, em respeito e efectiva consagração do Principio da Tutela Jurisdicional Efectiva, consagrada no art.º 22° da CRP e artº 2° do CPTA.

9. Ao invés de se escudar, como fez a douta sentença a quo, numa questão formal, atendendo, não só à natureza da matéria em causa e à sua urgência, como também à simplicidade da questão a decidir, que é meramente de direito, importa assegurar o primado da verdade material sob a verdade formal, e declarar a ilegalidade do acto da Administração no procedimento em causa, por violação do disposto no artº71° do DL 324/93, de 25 de Setembro, na versão entretanto em vigor, assim como da redacção actual da alínea a) do art.º67° que exige, como habilitação académica, apenas a licenciatura, o que o associado do Recorrente detém.

10. A par da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que adotou uma conceção funcional qualitativa e quantitativa do direito a um processo equitativo consagrado no art.6º da Convenção europeia, também a jurisprudência constitucional nacional se tem pronunciado sistematicamente no sentido de que «O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, condensado no artigo 20º, nº1, da Lei Fundamental, implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva.» Ele desdobra-se, no direito de acesso a tribunais para defesa de um direito ou de um interesse legítimo, isto é, um direito de acesso à 'Justiça', a órgãos jurisdicionais, ou, o que é mesmo, a órgãos independentes e imparciais (artigo 206º da Constituição).

11. - O prazo legal imposto de 30 dias para impugnar os actos da Administração nos procedimentos concursais, constituiu uma violação do disposto nos referidos artigos 22° da CRP e art.º2° do CPTA, bem como do disposto no art.º 47° da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais que prevê e estatuiu, entre outros, que "Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei", o que acarreta a inconstitucionalidade da norma em causa, facto que desde já se invoca e suscita para os devidos e legais efeitos.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.


Neste Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada para os termos e efeitos do disposto nos artigos 146.º, n.º 1, e 147.º, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber:

- Se a decisão recorrida errou ao julgar verificada a excepção dilatória inominada de falta de pressupostos processuais da acção principal;

- Se a interpretação dada pela decisão recorrida ao artigo 99.º do CPTA, viola o disposto na nos artigos 20º da CRP e 47.º da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como indiciariamente assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

a) HILÁRIO ....., associado e aqui representado pelo Requerente foi opositor ao concurso interno de admissão ao período experimental para 20 postos de trabalho na categoria de segundo-verificador superior, da carreira de técnico superior aduaneiro, do mapa da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), aberto por Despacho de 24.05.2016, da Diretora-geral da AT, publicado pelo Aviso n.º 9195/2016, de 25 de julho, no D.R n.º 141, 2.ª série, de 25.07.2016, com a Declaração de Retificação n.º 808/2016, publicado no D.R., 2ª Série, n.º 156, de 16 de agosto — cfr. Docs. 1 a 3 do r.i.

b) Foi excluído daquele concurso por, no entender do júri do Concurso ─ mantido em recurso hierárquico pela Directora-Geral da Autoridade Tributária ─ possuir habilitação inadequada/inexistente, nos termos do disposto na alínea c) do ponto 4. do Aviso de Abertura do Concurso – cfr., por todos, Doc. 8 do r.i.

c) A decisão proferida no recurso hierárquico mencionado na alínea anterior foi remetida ao associado do Requerente por mensagem electrónica enviada a 8 de Junho de 2017 – cfr. o mesmo Doc. 8 do r.i.

d) Do aviso, datado de 3 de Janeiro de 2017, contendo o «projecto de lista de exclusão dos candidatos» àquele concurso consta uma lista contendo cerca de 400 candidatos identificados nominalmente ─ cfr. Doc. 3 junto com o r.i.

e) Àquele concurso interno foram admitidos mais de 1000 candidatos ─ cfr. Doc. 15 junto com o r.i.

f) A 15 de Julho de 2017, o associado do Requerente realizou a prova de conhecimentos específicos no âmbito do concurso interno mencionado em a) ─ acordo.

g) Nessa prova obteve a classificação de 10,240 valores, ficando posicionado no 99º lugar ─ cfr. Docs. juntos sob Requerimento da entidade requerida, de 19/9/2017.

h) A presente providência deu entrada neste tribunal no dia 30/6/2017 ─ cfr. carimbo aposto na folha de rosto do r.i.

i) A acção principal que esta providência visa acautelar deu entrada neste tribunal, sob a forma de acção administrativa, no passado dia 26/7/2017, estando a tramitar na titularidade da signatária, sob o n.º 1748/17.6BELSB ─ cfr. processo apenso.



II.2. De direito

A questão que se coloca é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao absolver da instância a Entidade Recorrida por julgar verificada a excepção dilatória inominada de ausência de pressupostos processuais da acção principal, a que estes autos cautelares estão apensos, devido à inadequação da via processual empregue, impossível de convolação no meio processual adequado - o contencioso dos procedimentos em massa- por ter sido deduzida para além do prazo de 1 mês, previsto no artigo 99º, nº2 do CPTA.

Na óptica do Recorrente o julgado fez errónea interpretação do disposto nos artigos 22º da CRP, 47 º da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais e nos artigos 99, nº2 e 58º, nº3, al.c), ambos do CPTA.

Mas não lhe assiste a razão, adianta-se já.

Vejamos o que se escreveu na decisão recorrida, ao que aqui releva:

Conforme resulta da factualidade em i), a acção principal (de matriz impugnatória) que esta providência visa acautelar deu entrada neste tribunal no passado dia 26/7/2017, tendo sido distribuída sob o n.º 1748/17.6BELSB, encontrando-se os presentes autos já apensos. Nela se impugna expressamente a exclusão do associado do Requerente do concurso interno de admissão ao período experimental para 20 postos de trabalho na categoria de segundo-verificador superior, da carreira de técnico superior aduaneiro, do mapa da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), aberto por Despacho de 24.05.2016, da Diretora- geral da AT, publicado pelo Aviso n.º 9195/2016, de 25 de julho, no D.R n.º 141, 2.ª série, de 25.07.2016, com a Declaração de Retificação n.º 808/2016, publicado no D.R., 2ª Série, n.º 156, de 16 de agosto ─ cfr. processo apenso.

Aos efeitos provocados por esse acto se pretende obstar, provisoriamente, com a presente providência, acautelando o efeito útil da decisão que viesse a ser proferida naquela acção principal.

Porém, a sindicância de actos praticados no seio de procedimentos com mais de 50 participantes no domínio dos concursos de pessoal, está sujeita a um regime processual específico ─ que independe de a pretensão ser formulada em termos puramente impugnatórios ou também condenatórios, desde que dirigida a um acto administrativo ─ previsto no art.º 99.º do CPTA. Este regime processual não é opcional e visa a estabilização célere dos procedimentos em que se inserem os actos administrativos impugnados ou se pretende que venham a ser praticados actos omitidos ou actos administrativos de sentido diverso. Daí ser um tipo de acção administrativa urgente, para a qual é competente o tribunal da sede da entidade demandada (concentrando a competência territorial num só tribunal em cada procedimento), sendo de um mês o prazo para propositura das acções em causa (art.º 99.º/1 do CPTA); de modo a que, no prazo de um mês (cujos termos inicial e final podem, naturalmente, ser diferentes para cada candidato consoante decida lançar mão de meios de reacção administrativa), possa saber-se em cada procedimento se o efectivo resultado final (terminus) do mesmo se encontra ou não dependente de decisão judicial.

Esse prazo de um mês deve seguir, com as devidas adaptações, as regras de contagem previstas nos artigos 58.º a 60.º do CPTA, suspendendo-se em caso de impugnação administrativa nos termos do art.º 59.º/4 do mesmo Código ─ neste sentido, mesmo se estando em causa uma impugnação administrativa necessária, se pronunciou já o TCAS em acórdão de 5/7/2017, proferido no processo n.º 2823/16.0BELSB.

Assim, à semelhança do que já vinha sendo entendimento pacífico (doutrinária e jurisprudencialmente) no âmbito do contencioso pré-contratual (cfr. art.os 100.º e 101.º do CPTA), o prazo de propositura de um mês independe do desvalor que surja associado aos vícios assacados ao acto (anulabilidade ou nulidade) bem como de estar em causa uma acção com pedido puramente impugnatório ou associado à condenação à prática de acto devido. Pelo que é forçoso concluir que não têm aplicação nestes casos, designadamente, as regras contantes: i) da parte inicial do art.º 58.º/1 (proémio); e ii) dos n.os 2 e 3 do art.º 69.º, todos do CPTA

(…)

Ora, o acto de exclusão que se pretende sindicar a título principal foi objecto de impugnação administrativa cuja decisão foi dada a conhecer ao associado do Requerente por mensagem electrónica enviada a 8 de Junho de 2017, pelo de em c). Pelo que, mesmo que se contasse o prazo de um mês apenas a partir dessa data (ignorando que se trata de uma suspensão, e não de uma interrupção, de prazo por força da impugnação administrativa apresentada – art.º 59.º/4 do CPTA), sempre a acção principal ─ que deveria ser proposta ao abrigo do regime do contencioso dos procedimentos de massa ─ teria sido proposta intempestivamente

(…)

tendo a acção principal sido proposta em erro sob a forma do processo e sendo, na sua forma de processo adequada ─ contencioso dos procedimentos de massa ─, intempestiva por violação do prazo previsto no art.º 99.º/2 do CPTA, verifica-se uma excepção dilatória inominada ─ de ausência de pressupostos processuais da acção principal ─, específica dos processos cautelares, que determina a absolvição da entidade requerida da instância [cfr. artigos 116.º/2/f) e 89.º/2 e 4 (proémio), do CPTA.

Apreciando, dispõe o artigo 99.º, n.º 1, do CPTA, na redacção que resultou do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, o seguinte:

Para os efeitos do disposto na presente secção, e sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial, o contencioso dos actos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de aptos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos seguintes domínios:

a) Concursos de pessoal;

b) Procedimentos de realização de provas;

c) Procedimentos de recrutamento.”

O nº 2 do mesmo normativo estatui que: «Salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura das acções a que se refere o presente artigo é de um mês e as acções devem ser propostas no tribunal da sede da entidade demandada» . E no seu nº 3 estabelece-se que: «O modelo a que devem obedecer os articulados é estabelecido por portaria do membro do Governo responsável para a área da justiça»

Deste normativo legal decorre que o contencioso dos procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos domínios dos concursos de pessoal, realização de provas e de recrutamento.

O mesmo é dizer que o novo processo especial e urgente previsto nos artigos 97º e 99º do CPTA é obrigatoriamente accionado nos casos em que o contencioso respeite a um procedimento com mais de 50 concorrentes e quando incida sobre concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas e procedimentos de recrutamento. Sendo que a acção deverá ser interposta no prazo de um mês tribunal da sede da entidade demandada, sob pena caducar o direito de acção.

De volta ao caso em apreço, como resulta da factualidade provada, o associado do ora Recorrente foi opositor ao concurso interno de admissão ao período experimental para 20 postos de trabalho na categoria de segundo-verificador superior, da carreira de técnico superior aduaneiro, do mapa da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), aberto por Despacho de 24.05.2016, da Directora- Geral da AT, publicado pelo Aviso n.º 9195/2016, de 25 de Julho, no D.R n.º 141, 2.ª série, de 25.07.2016, com a Declaração de Rectificação n.º 808/2016, publicado no D.R., 2ª Série, n.º 156, de 16 de Agosto.

O candidato – associado do Sindicato recorrente - foi excluído desse concurso, por o Júri do Concurso ter entendido que não possuía habitação adequada, em face do vertido na alínea c) do ponto 4 do Aviso de Abertura do Concurso. A decisão foi mantida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária em sede do recurso hierárquico oportunamente interposto pelo candidato e foi-lhe notificada a coberto de mensagem electrónica enviada a 8 de Junho de 2017.

Àquele concurso foram opositores mais de 1000 (mil) candidatos e do aviso do « projecto de lista de exclusão de candidatos» a este concurso consta uma lista contendo mais de 400 (quatrocentos) concorrentes.

A presente providência deu entrada no TAC de Lisboa no dia 30 de Junho de 2017 e a correspondente acção principal que a presente visa acautelar deu entrada no mesmo Tribunal, sob a forma de acção administrativa, no dia 26 de Julho de 2017, sob o nº 1748/17.6BELSB.

Da factualidade apurada logo se alcança, na senda do entendimento da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, que os efeitos que a presente acção visa provisoriamente acautelar prendem-se com a impugnação do acto que excluiu o associado do Sindicato Recorrente, do referido concurso, nem podendo desconhecer que ao concurso em causa foram opositores mais de 1.000 concorrentes e desses mais de 400 candidatos foram nominalmente identificados no aviso do «projecto de lista de exclusão de candidatos» àquele concurso.

Assim sendo, e acolhendo o ponto de vista do Ministério Público nesta instância, a acção principal a que estes autos cautelares estão apensos tem de seguir a forma de acção administrativa do contencioso dos procedimentos de massa e, por via disso, devia ter sido deduzida no prazo de um mês, de acordo com o previsto no artigo 99.º, n.º 2 do CPTA. Não o tendo sido feito, ocorre a excepção dilatória que foi declarada e correctamente.

Na pronúncia emitida, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta avança o seguinte entendimento:

O processo de contencioso de procedimentos de massa previsto no artigo 999 do CPTA, na versão resultante da revisão operada pelo DL nº214-G/2015, de 2/10, constitui uma nova forma de processo urgente (cfr. artigo 97º nº 1 alínea b) do CPTA) respeitante à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos domínios de concursos de pessoal, de procedimentos de realização de provas e de recrutamento (cfr. artigo 99º n° l do CPTA), com a qual se visa dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, em domínios como os dos concursos na Administração Pública e da realização de exames, com um elevado número de participantes, tendo em vista assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das múltiplas pretensões que os participantes nestes procedimentos pretendam deduzir no contencioso administrativo.

A Portaria ainda não publicada no que respeita aos referidos procedimentos, referir-se-á, tão somente, conforme legalmente consignado, à definição de modelos de articulados (ou impressos), tendo em vista potenciar a célere tramitação destas acções urgentes e facilitar a decisão em caso de apensação.

Assim, a sua não publicação não impede que a formalização da acção se faça pelas formalidades e fórmulas já existentes para as restantes acções, não permitindo justificar a sua não instauração em devido tempo.

O referido preceito (artº99º nº2, do CPTA) encontra-se em vigor desde 1-12-2015, de acordo com o artº15º, nº2, do DL nº 214º-G/2015, de 2-10, não constando dele norma transitória para a sua não aplicação imediata, estipulando que, nos procedimentos com mais de 50 participantes, é de um mês o prazo de propositura das ações.

Neste caso não existe nenhuma outra norma especial, para além da fixação do prazo de um mês, como prazo de caducidade do direito de ação, bem como a eventual suspensão prevista no art.s 59º, nº4, do CPTA (que o Tribunal considerou, tendo contado o prazo, apenas, desde o conhecimento da decisão proferida no âmbito do recurso hierárquico que interpôs) nem o representante do Autor, ora Recorrente, invoca qualquer outra suspensão ou interrupção do mesmo prazo.

Pelo que, atendendo às premissas de facto atrás enunciadas, a ação não foi intentada dentro do prazo de um mês, previsto no artº99º, nº2, do CPTA.

Não se vê como um prazo de caducidade da ação, que lhe visa imprimir celeridade, pode ser considerado inconstitucional, com a fundamentação e por força das normas invocadas pelo ora Recorrente.

Com efeito, a Portaria a publicar e a que se refere o artigo 99.º, n.º 3 do CPTA, mais não é do que «uma medida de simplificação processual que se destina a padronizar a elaboração das peças processuais permitindo-lhe facilitar a identificação dos processos que incidam sobre a mesma temática e melhor compreender os aspectos centrais que interessa analisar. E justifica-se na medida em que, podendo estar em causa múltiplas acções propostas separadamente, importa identificar as acções que tenham por objecto o mesmo acto e suscitem questões os de idêntica natureza» (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos, 2017, p. 792).

A falta da publicação da Portaria não constitui causa obstativa da utilização do meio adjectivo da acção urgente de contencioso dos procedimentos em massa e até lá, isto é, até à sua publicação, os articulados desta acção urgente devem obedecer aos critérios gerais plasmados nos artigos 78ºe 83º do CPTA (idem).

Cumpre ainda dizer que o artigo 99º do CPTA, que prevê o contencioso de procedimentos de massa, constitui um meio processual autónomo, com um campo de aplicação próprio e está plenamente em vigor. Aliás, tem sido variadíssimas vezes utilizado desde a sua entrada em vigor, fruto da reforma do CPTA, operada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015.

Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, existem (apenas) dois pressupostos para a utilização deste tipo de processo (cfr. ob. cit., p. 788):

A utilização do contencioso dos procedimentos de massa depende de dois diferentes pressupostos relativos ao objeto do processo: (a) é necessário que o contencioso respeite a um procedimento administrativo a que tenham sido admitidos mais de 50 concorrentes; (b) é ainda exigido que o procedimento administrativo incida sobre concursos de pessoal, realização de provas e recrutamento. Um dos pressupostos respeita ao número de Interessados intervenientes no procedimento; o outro respeita ao objeto do procedimento e, portanto, à finalidade de interesse público a que ele se destina.

Donde, não havendo qualquer dúvida na validade e utilização do meio processual previsto no referido artigo 99º do CPTA, o Recorrente dispunha do prazo de um mês para intentar a acção de principal, contado nos termos do disposto no artigo 279° do Cód. Civil. Ora, mesmo que se contasse o prazo de um mês apenas a partir da data em que o associado do Recorrente teve conhecimento da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico que interpusera, ignorando-se que se trata de uma suspensão, e não de uma interrupção, de prazo por força da impugnação administrativa apresentada – art.º 59.º, nº 4, do CPTA - sempre a acção principal, que deveria ser proposta ao abrigo do regime do contencioso dos procedimentos de massa, teria sido proposta extemporaneamente.

Por último diga-se que não releva aqui o invocado princípio pro actione, pois que, como se refere no Acórdão do STA de 26.08.2009, proc. nº 471/09, “o chamado princípio «pro actione», vertido no artigo 7° do CPTA, só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar”. Sendo que aqui não existe qualquer dúvida sobre o sentido das normas a interpretar, até pela forma uniforme como as mesmas sempre têm sido acolhidas e aplicadas nos tribunais. Normas que dispõem:

1.º - Artigo 99.º do CPTA, sob a epígrafe “contencioso dos procedimentos de massa”:

1 - Para os efeitos do disposto na presente secção, e sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial, o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos seguintes domínios:

a) Concursos de pessoal;

(…)

2.º - De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo: “Salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura das ações a que se refere o presente artigo é de um mês e as ações devem ser propostas no tribunal da sede da entidade demandada”.

Ou seja, no caso concreto, não há dúvida nem quanto ao meio processual a utilizar, nem quanto ao prazo para ser proposta a acção.

Relembre-se que, como bem defendem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (cfr. Código de Processo nos Tribunais Administrativo Anotado, 2004, p. 147), “o princípio de que se trata aqui é de favorecimento do processo, não de favorecimento do pedido. Quer isto dizer que, em caso de dúvida sobre uma questão de natureza processual que pudesse levar à absolvição da instância, o tribunal deve decidi-la no sentido da admissibilidade (ou continuação) do processo, a favor da validade do acto processual praticado, portanto. Pelo contrário, se a dúvida com que o tribunal se defronta recai sobre o bem fundado do pedido, sobre a prova dos respectivos fundamentos, ele deve decidir não a favor, mas contra a "pretensão duvidosa" (…)”. Transpondo para o caso que nos ocupa, se o pedido do A. é extemporâneo, não há que exigir ao juiz uma defesa dos interesses que o mesmo descurou.

E diga-se, ainda, que as normas legais de contagem do prazo de impugnação dos actos em causa em nada coarctam as garantias de defesa do A., pois que o acesso à justiça e à tutela jurisdicional não garantem aos particulares a possibilidade de, a qualquer momento e por qualquer forma, requererem aos tribunais a tutela que pretendem, mas apenas a possibilidade de requerer tal tutela com respeito pelas formas e prazos estabelecidos na lei processual, pelo que se os interessados não fazem valer os seus direitos no prazo legalmente estabelecido, apenas a si o devem, não servindo o princípio da tutela jurisdicional efectiva ou o princípio pro actione para suprir ou colmatar a inércia dos interessados.

Por aqui se vê que naufraga a tese do Recorrente quanto à alegada violação do direito à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º da CRP) e, bem assim, do art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, quando nesta se dispõe que “toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei.

Em suma, neste caso, estamos perante uma situação de inidoneidade absoluta da forma de processo utilizada na acção principal (ou de impropriedade do meio processual), que constitui uma excepção dilatória inominada, impossível de convolar, atenta a intempestividade, o que tem por consequência a absolvição da Entidade Requerida da instância.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O contencioso dos actos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos domínios de concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas e procedimentos de recrutamento.

ii) Nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPTA, o prazo de propositura das acções é de um mês.

iii) O prazo de um mês estabelecido nesse artigo é um prazo de caducidade, portanto de natureza substantiva, aplicando-se à sua contagem as regras do art. 279.° do Cód. Civil.

iv) O princípio pro actione, consagrado no art. 7.° do CPTA, só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas, atenta a isenção legal do Recorrente.

Lisboa, 19 de Abril de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos