Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1175/11.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. O exercício efetivo de funções de administração ou gestão é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no artigo 24.º da LGT, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II. Cabe à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, devendo contra si ser valorada a falta de prova sobre o exercício efetivo exercício da gerência ou administração da sociedade devedora originária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A FAZENDA PUBLICA, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por A..., executada por reversão nos processos de execução fiscal n° 330... e apensos, instaurados pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 4, para cobrança coerciva de dívidas de IVA e IRC, no valor de € 9 493,22, cujo devedor originário é a sociedade Faro & Albuquerque, Lda.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

A. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante e, bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice.
B. Conforme resulta dos autos a oponente teve conhecimento da preparação da reversão em 2011-03-07, aquando da sua notificação para o exercício do direito de audição.
C. Sendo que, em 2011-04-19, foi citada para os termos da execução.
D. Da análise da certidão de registo comercial junta aos autos, constata-se que o ora oponente foi nomeada gerente da sociedade “F..., LDA.” (devedora originária), em 1979-02-29,
E. tendo apenas registado a sua renúncia, com efeitos reportados a 2002, em 2011-0428, com base em comunicação à devedora originária datada de 2011-03-23.
F. Estranha-se, pois, que tanto o registo, como a comunicação da renúncia, tenham sido efetivados após a oponente ter tomado conhecimento de que contra si seriam revertidas as dívidas da referida sociedade.
G. Acresce ainda que, vinculando-se a sociedade, pelo menos entre 2004-01-15 e 2011-04-28, com a assinatura conjunta das gerentes, tanto a assinatura de A..., como a de C... eram essenciais para obrigar a sociedade
H. Nos termos do art. 11° do CRC, “O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
I. E, destinando-se o registo a dar publicidade à situação jurídica das sociedades, tendo em vista a segurança do comércio jurídico, tem de se presumir que a situação transcrita no registo é a vontade expressa da sociedade.
J. Daqui decorre que a oponente tinha uma intervenção pessoal e ativa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção da oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.
K. Neste pendor o acórdão proferido no processo n° 01953/07 do TCA Sul, acima melhor identificado, “porque a sociedade se obrigava com a assinatura da oponente, era naturalmente de presumir, ainda que não estivesse demonstrada, a prática de alguns atos em representação da sociedade, como forma de assegurar o giro comercial. E, o facto de a oponente ter assinado documentos, mesmo que eles eventualmente constituíam os únicos documentos em que ela apôs a assinatura como representante legal da sociedade, é o suficiente para que se considere que praticou atos de gerência pois, tal como se expende no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 20 de Junho de 2000, proferido no recurso n° 3468/00, «Não explicitando a lei no que consiste a gerência, vem a doutrina e a Jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam atos de disposição ou de administração, de acordo com o objeto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando-a perante terceiros.”(sublinhados nossos).
L. O legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a este aspeto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade.
M. Face ao exposto e contrariamente ao expendido na douta sentença, não se vislumbra qualquer ilegalidade praticada pela AT, antes se denotando o exercício da sua atividade dentro dos limites estritos da lei.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser julgada verificada a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, nos termos das disposições combinadas dos artigos 280° n° 1 do CPPT, 26°, al. a) do ETAF e 96° al. a), 97° n° 1, 98°, 99° n° 2, 576° n° 1 e 2, 577º, al. a), e 578° do CPC, estes aplicáveis por força do disposto no artigo 2º, al. e), do CPPT.

As partes foram notificadas do parecer do Ministério Publico, para se pronunciarem, querendo, sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo Sul, não tendo nenhuma delas usado de tal faculdade.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir a questão prévia da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo e as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber, em suma, se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir não ter a Fazenda Pública feito prova do exercício da gerência da Opoente enquanto pressuposto da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias da sociedade devedora originária.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. A Administração Tributária extraiu, nas datas aí indicadas, as seguintes certidões de dívida, identificando a devedora originária como executada:
«Imagem no original»


(cf. cópias das certidões de dívidas juntas entre fls. 2 a 11 do PEF apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

2. Em data que não foi possível apurar, o órgão de execução fiscal procedeu à apensação dos processos de execução fiscal n.ºs 3..., 33…, 3301…, 33012…, 33012…, 330120…, 3301200…, 33012010… e 3301201… ao processo de execução fiscal n° 330... (conforme decorre da informação junta a fls. 31 dos autos e, bem assim, da cópia do documento anexo ao despacho de reversão, junta a fls. 61 dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

3. Em 01.03.2011, foi elaborado projeto de reversão no âmbito dos processos de execução fiscal n° 330... e apensos pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 4, identificando a ora Oponente e C... como responsáveis subsidiárias da dívida exequenda em apreço e determinando a sua notificação, para efeitos do exercício do direito de audição prévia (cf. cópia do projeto de reversão junta a fls. 54 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido).


4. Em 01.03.2011, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 4, determinando a preparação dos processos de execução fiscal n° 330... e apensos, com a quantia exequenda de EUR 9.493,22, para reversão contra a ora Oponente, com fundamento “Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° 1/b) LGT]”, e instando-a ao exercício do seu direito de audição prévia (cf. cópias do despacho e respetivo anexo juntas a fls. 55 e 56 dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

5. Em 29.03.2011, foi proferido despacho pelo Chefe Adjunto do Serviço de Finanças de Lisboa - 4, determinando o prosseguimento da reversão dos processos de execução fiscal n° 330... e apensos, com a quantia exequenda de EUR 9.493,22, contra a ora Oponente, com fundamento “Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° 1/b) LGT]” (cf. cópia do despacho junta a fls. 60 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido, e do respetivo anexo constante de fls. 61).

6. Em 29.06.1955, foi apresentada a registo comercial a constituição da devedora originária (conforme decorre da cópia da certidão comercial permanente da devedora originária, consultada em 20.05.2011, cuja cópia se encontra junta a fls. 77 e seguintes dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

7. Em data que não foi possível apurar, C... foi designada gerente da devedora originária (conforme decorre da cópia da certidão permanente junta a fls. 77 dos autos).

8. Em 26.02.1979, a ora Oponente foi designada gerente da devedora originária (conforme decorre da cópia da certidão permanente junta a fls. 77 dos autos).

9. Em 28.04.2011, foi apresentada a registo comercial a cessação de funções de gerente pela ora Oponente, por força de renúncia ao cargo, com efeitos a 31.12.2002 (conforme decorre da cópia da certidão permanente junta a fls. 77 dos autos, bem como da comunicação endereçada pela Oponente à administração da devedora originária, cuja cópia se encontra junta a fls. 72 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

10. Entre, pelo menos, 15.01.2004 e 28.04.2011, a forma de obrigar da devedora originária consistia na “assinatura conjunta das gerentes A... e C..." (conforme decorre da cópia da certidão permanente junta a fls. 77 dos autos).


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consigna-se:

Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.


II.2 Do Direito

Tendo o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal suscitado a questão da incompetência deste Tribunal Central Administrativo, em razão da hierarquia, para conhecer do objeto do recurso por o mesmo versar exclusivamente matéria de direito, importa, pois, antes do mais, decidir esta questão.

Com efeito, a competência dos tribunais tributários, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede a de outra matéria [cf. artigo 16/1.2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 13º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 101.º e 102.º do Código de Processo Civil de 1961 (que correspondem, atualmente, os artigos 96º e 97º CPC) aplicáveis ex vi artigo 2.c).d) CPPT].

Ora, como é consabido, a infração às regras da competência em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. artigo 16/1 CPPT).

Nos termos do artigo 280/1 do CPPT (na redação aplicável), das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que o recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Nos termos do disposto nos artigos 26.b) e 38.a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a Secção do Contencioso Tributário do STA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do TCA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.

É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados e não provados, face às ilações retiradas pelo Tribunal "a quo" (cfr. Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal proferidos no processo n.º 738/09, de 16 de Dezembro de 2009, e no processo n.º 189/10, de 21 de Abril de 2010, disponíveis em www.dgsi.pt).

O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso (1).

No caso no caso em análise, nas conclusões das alegações de recurso apresentadas, verifica-se que a Recorrente, nomeadamente nas conclusões F), G) e J), insurge-se contra a decisão recorrida também por deficiente valoração dos factos, discordando do decidido no que respeita ao juízo de apreciação da prova efetuada pelo Tribunal recorrido.

Assim se concluindo que os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito.

Termos em que improcede a questão prévia de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pelo Ministério Público, há agora, pois, que conhecer do objeto do recurso.

Segue para apreciação do alegado erro de julgamento.

A sentença recorrida julgou a oposição procedente, em suma, não ter dado cumprimento ao ónus que sobre si impendia, nos termos conjugados da alínea b) do n° 1 do artigo 24º da LGT e do n° 1 do artigo 342° do CC, não tendo alegado nem, muito menos, provado o exercício de facto das funções de gerente pela Oponente, na esfera da devedora originária.

As dívidas em causa são relativas a IVA e IRC dos anos de 2003 a 2009, e a Lei Geral Tributária (LGT) entrou e vigor em 1 de janeiro de 1999, pelo que ao caso é aplicável o regime instituído pela LGT, de competir ao revertido a prova da não culpa (cf. artigo 6º do DL nº 398/98, de 17 de dezembro).

Diz-nos o artigo 24/1.b) da LGT: os gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Ora, um dos pressupostos da responsabilidade tributária prevista no citado artigo 24° da LGT é o exercício efetivo de funções no período de tempo a que respeita a dívida revertida, daí que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha que levar à motivação do despacho o efetivo exercício da gerência no período considerado, demais ainda quando não existe presunção, presunção esta porque meramente judicial, de exercício do cargo.

Com efeito, a jurisprudência definiu através de Ac. do Pleno do CT do STA de 2007.02.28, Proc. nº 01132/06, a orientação de que prova da a gerência de direito não se presume a gerência de facto

Assim, sendo pacífico que o exercício efetivo de funções de gerente um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art.º 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício de funções de administração ou gerência pela Oponente.

Desde já adiantaremos que a sentença recorrida não merece a censura que lhe foi feita.

Resulta da matéria dada como provada que a Opoente, ora Recorrida, foi nomeada gerente da sociedade em 1979.02.29, tendo posteriormente renunciado à gerência. Anote-se que se trata de ato sujeito a registo obrigatório.

A renúncia foi levada a registo em 28.04.2011, com efeitos a 31.12.2002.

Todavia, a Opoente, ora Recorrida, não fez prova nos autos de ter comunicado a renúncia, por escrito, à sociedade naquela data.

De todo o modo, a renúncia só será oponível a terceiros, incluindo a Fazenda Pública, a partir da data de registo.

Ora, todas estas questões que enunciámos supra foram equacionadas na sentença recorrida, conforme é visível no excerto que se transcreve:
Ora, no caso dos autos, não foram provados quaisquer factos concretos que permitam concluir pelo exercício de facto das funções de gerência pela Oponente.
Com efeito, compulsada a matéria de facto que acima se firmou, resultou tão-somente demonstrado que a Oponente foi designada, em 26.02.1979, gerente da devedora originária, que, em 28.04.2011, foi apresentada a registo comercial a sua cessação de funções, por força de renúncia ao cargo, com efeitos a 31.12.2002, e que entre, pelo menos, 15.01.2004 e 28.04.2011, a forma de obrigar da devedora originária consistia, à luz da sua matrícula no registo comercial, na “assinatura conjunta das gerentes A... e C... ” (cf. factos 8., 9. e 10. firmados supra).
Ora, a este respeito, há que notar que, de acordo com o artigo 11º do Código do Registo Comercial, “O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
No entanto, tal como resulta da própria letra da lei, a presunção legal aí prevista circunscreve-se à existência da situação jurídica nos termos em que a mesma se encontra registada. Id est, reportando-nos à situação sub judice, dir-se-á que da inscrição no registo comercial da designação da Oponente como gerente de direito da devedora originária se presume que a Oponente era gerente de direito da devedora originária.
Tal como foi afirmado pelo STA, no acórdão prolatado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário (“SCT”), em 28.02.2007, no âmbito do processo n° 01132/06, “Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.” (…).
Assim, e ainda que a gerência de direito possa, no limite, em conjunto com demais elementos de facto apurados, configurar um facto indiciário para sustentar uma presunção judicial do exercício de facto dessas mesmas funções - exercício de facto, esse sim, que prefigura conditio sine qua non para a reversão da execução fiscal contra o gerente - já não será apta a determinar, inelutavelmente, a existência dessa mesma gerência de facto.
E, na situação dos autos, tal como referido, nem o órgão de execução fiscal, na decisão pela qual determinou a reversão das execuções fiscais ora em crise, nem a ERFP, em sede de contestação, alegaram - nem, por conseguinte, demonstraram - um qualquer facto concreto passível de deixar antever esse mesmo exercício de facto das funções de gerente da devedora originária pela Oponente, como, de resto, lhes competia, conforme é alegado - e bem - pela Oponente.
Efetivamente, é hoje pacífico que “Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência” (…), conforme se pode ler no antedito aresto prolatado pelo Pleno da SCT do STA a que se acima se fez menção - tese a que se adere integralmente.
Pelo que, não tendo a Fazenda Pública dado cumprimento ao ónus que sobre si impendia, nos termos conjugados da alínea b) do n° 1 do artigo 24º da LGT e do n° 1 do artigo 342.° do CC, não tendo alegado nem, muito menos, provado o exercício de facto das funções de gerente pela Oponente, na esfera da devedora originária, nada mais resta que não fazer despoletar o respetivo efeito cominatório que daí decorre e concluir pela procedência da presente oposição, em virtude de a Oponente se afigurar parte ilegítima no respetivo processo de execução fiscal, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n° 1 do artigo 204.° do CPPT, o que se determina de seguida.

Em face do exposto, a sentença recorrida que concluiu que o exercício efetivo de funções de gerente é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no artigo 24.º da LGT, e que cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, encontra-se bem fundamentada e deve ser confirmada.

Improcede, pois, o recurso.


Sumário/Conclusões:

I. O exercício efetivo de funções de administração ou gestão é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no artigo 24.º da LGT, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II. Cabe à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, devendo contra si ser valorada a falta de prova sobre o exercício efetivo exercício da gerência ou administração da sociedade devedora originária.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 11 de fevereiro de 2021
SUSANA BARRETO

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(1) Extrato do Ac. STA, 2ª Seção, de 2020.06.03, Proc nº 0251/10.0BELRS, disponível em www.dgsi.pt